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quinta-feira, 16 de julho de 2015

Uma estada breve (mas suficiente), na Bizarrolandia, uma experiencia inesquecivel - Paulo Roberto de Almeida

Não é exatamente Une Saison En Enfer, de Rimbaud (ou Mademoiselle Verlaine), inclusive porque o povo é simpático e acolhedor, mas é uma experiência edificante, tanto em termos econômicos, quanto políticos. Tudo é meio bizarro, surrealista, diáfano e vagamento enganador, a ponto de não se poder determinar ao certo se as novelas é que estão certas, ou se a vida real é assim mesmo maluca...
Em todo caso, foi o que me veio à mente, viajando de ônibus de Anápolis a Brasília, e me preparando para sair do Brasil...
Paulo Roberto de Almeida


Uma breve estada na Bizarrolândia

Paulo Roberto de Almeida

Acabo de passar dez dias num país profundamente anormal. Um país no qual as pessoas acreditam que existam coisas, qualquer coisa, bem ou serviço, que podem ser adquiridas em "dez vezes sem juros". A anormalidade é tão grande que as pessoas, vendedores ou consumidores, nem percebem mais a anomalia econômica. Esse é o preço final e está conversado, nem se discute e nem se contesta: ele está registrado nos cartazes, nos sites, em todos os lugares. E se por acaso você esquecer dessa particularidade, a mocinha do caixa se encarrega de lembrá-lo: "Em quantas vezes o Sr. quer pagar?"
E não precisa ser algum bem de maior valor, de consumo durável, que justifique algum financiamento embutido, aliás nunca explicitado, seja no preço, seja no ato do pagamento. Pode ser qualquer coisa, numa farmácia ou no supermercado: "Quer dividir? Em quantas vezes?" E você, meio surpreso, esboça uma resposta: "Dá para fazer em 55 vezes?" Não, em 55 vezes não dá, mas ela pode parcelar em até cinco vezes, está bem assim?
Eu sinceramente me pergunto quando começou o "dez vezes sem juros", mas sobretudo eu gostaria de saber se as pessoas realmente acreditam que elas estão adquirindo algum bem ou serviço em "dez vezes sem juros". Será possível isso? Essas coisas são normais?
Eu começo a desconfiar da capacidade de raciocínio de pessoas educadas, gente de classe média, com dinheiro, já fazendo pós-graduação: "Fessor, a gente tá viajando pra Flórida nas férias!" "Ah, tá bom, mas a alta do dólar não vai atrapalhar um pouco?" "Não, a gente tá fazendo tudo em 10 vezes sem juros." "Ah, tá bom então."
O que é que eu vou dizer? Vou chamar o cidadão de idiota, ali na frente dos outros? Mas aí eu percebo que o único anormal ali sou eu mesmo, que ainda me dou ao trabalho de questionar essas coisas e de ver anormalidades numa situação que é considerada a mais normal do mundo. Dez vezes sem juros, quem é que não gosta, quem é que não quer? Como é que eu ouso contestar essa santa paz dos negócios, essa absoluta normalidade do "Quer parcelar?"? E eu me pergunto se economistas sensatos, ou normais, não alertam para o tremendo engodo incorporado a essa mania -- ou seria já um hábito normal? -- do "dez vezes sem juros", e não começam a avisar os incautos que eles estão pagando o dobro do valor real, que eles estão pagando dois televisores e só levando um para casa, que eles estão na verdade adquirindo um financiamento a 100%, não comprando um bem ou serviço.
Mas essa não foi a única anormalidade que eu encontrei em minha recente estada na Bizarrolândia. Confesso que fiquei igualmente surpreso com o comportamento de uma tribo especial de cidadãos, os políticos, ou representantes do povo, como são chamados por aqui. Eles parecem se situar numa outra galáxia, não nesta onde estão os que os elegeram. Eles são capazes de tudo, menos de mirar a situação economicamente caótica que vive Bizarrolândia atualmente. Eles continuam a aprovar aumento de gastos -- geralmente para eles mesmos ou em benefício dos que lhes são caros -- na total indiferença em relação à inflação, ao desemprego, ao descalabro das contas públicas. E se acusam mutuamente de trapaças, de traições, até de roubalheira e de corrupção, vejam só.
Prepostos dos políticos confessam candidamente que desviaram tantos e tantos milhões de uma estatal qualquer, e que mandaram esses milhões para algum paraíso fiscal e já ninguém mais se espanta! Pior: não acontece nada, nadinha. As coisas continuam como se tudo fosse absolutamente normal. O cidadão, ou a cidadã, foi eleito com base em dinheiro desviado, extorquido de empresas privadas e tudo segue adiante na mais perfeita normalidade.
Mais estranho ainda, o que eu fiquei sabendo nessa breve estada em Bizarrolândia, foi que os guardiões do Tesouro, dos recursos duramente amealhados dos contribuintes, fraudaram completamente as contas, despeitaram o orçamento, violaram as leis e a própria Constituição de Bizarrolândia, e nada se passa: as coisas continuam fluindo na mais perfeita (a)normalidade.
E não só os guardiões, mas inacreditavelmente foi o principal responsável pelo respeito à lei e à Constituição quem incorreu nesses crimes contra a moralidade ou ao simples dever constitucional. Como é que pode?
Confesso que não sei. Não sei como é que o povo de Bizarrolândia consegue conviver com essas coisas, assim numa boa, como se tudo isso fosse absolutamente normal. Será que sou eu o anormal?
Não sei. Só sei que estou deixando Bizarrolândia por algum tempo, mas vou ficar observando de longe. Confesso que gostaria de voltar. Encontrei um povo simpático e até brincalhão, no meio do caos econômico e das esquisitices políticas. Mas gostaria de encontrar algo mudado quando eu voltar.
  
Paulo Roberto de Almeida
Em viagem, Anápolis-Brasília, 16/07/2015

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