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quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Diplomacia brasileira: acabou a politica externa? - Helena Celestino e Marcelo de Paiva Abreu

Sem comentários. E precisa?
Paulo Roberto de Almeida

Diplomacia sem dinheiro
Helena Celestino
O Globo, 19/08/2015

O embaixador brasileiro na Organização Mundial do Comércio, em Genebra, já recebeu um aviso de despejo depois de dois meses sem pagar aluguel. O proprietário da residência oficial do representante do Brasil é um banqueiro e, pela lei das probabilidades, não vai aconselhar clientes a investirem no país onde diplomatas atrasam pagamentos. O embaixador está longe de ser um caso isolado: daqui a 12 dias completarão quatro meses sem que os funcionários do Itamaraty no exterior recebam o auxílio- moradia, algo que representa de 70% a 90% dos salários. Não é mordomia, mas questão de sobrevivência em cidades onde um quarto e sala custa R$ 20 mil por mês. Resultado? “A política externa brasileira hoje se resume a negociar contas de luz e a escrever cartas explicando razões para o atraso”, resume um diplomata.
Émelancólico para um país com ambições de ocupar espaços crescentes no cenário internacional e orgulho da tradição de independência nas suas relações com o mundo. Crise política aliada ao desmoronamento da economia e ao mau humor da presidente Dilma com as firulas diplomáticas acabaram com as veleidades brasileiras na política externa. “Nós temos uma certa capacidade de fingir que as coisas vão bem, mas a situação é dramática”, diz um embaixador. “Tenho 35 anos de Itamaraty, nunca vivi momento pior”, diz outro.
Não existe política externa sem dinheiro. A um mês de a presidente Dilma fazer o discurso de abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, o Brasil deve cerca de US$ 258 milhões ao sistema ONU. Nos anos Lula, a expansão internacional do país levou o Itamaraty a assumir compromissos para aumentar a presença nos organismos multilaterais. E, como sabemos, nada é de graça: as contribuições para a ONU aumentaram de US$ 36 milhões em 2010 para US$ 77 milhões em 2014, um reflexo do peso na época da potência emergente no cenário internacional. Só que não pagamos nada desde o início de 2014, acumulando uma dívida de pouco menos de R$ 1 bilhão — R$ 928 milhões.
A lista dos constrangimentos por falta de dinheiro em consulados e embaixadas brasileiras no exterior também é extensa. Nos Estados Unidos, vários carros oficiais não podem circular pelas cidades por que não há dinheiro para pagar o seguro obrigatório — em situação irregular, um deles está retido numa garagem. Deu na CNN terça- feira — e em todos os jornais e televisões brasileiros — a conta não paga de US$ 100 mil pelo aluguel de carros para a presidente e sua comitiva em São Francisco, uma das escalas da viagem oficial aos EUA, aquela em que se apostou todas as fichas para reaproximar Brasília e Washington, após a crise criada com a revelação do grampo no celular de Dilma pela National Security Agency. Mais uma dívida está espetada no consulado de Nova York : tem provavelmente o mesmo valor, é relativa ao aluguel do mesmo número de carros, contratados durante a mesma viagem, mas a empresa fornece serviços para a representação brasileira em Manhattan há muito tempo e, por isto, prefere não tocar no assunto publicamente.
A conta não fecha por motivos óbvios. A maior parte dos gastos do Itamaraty é com o pagamento ea o aperfeiçoamento dos diplomatas, sendo que 70% são despesas pagas em moeda estrangeira. Só que o orçamento teve um corte de R$ 40 milhões e foi fechado com previsão de um dólar a R$ 2,60 — a moeda, como sabemos, já está em torno de R$ 3,60. Para evitar a debacle, o secretáriogeral, Sérgio Danese, concentra- se na reorganização interna do ministério, e o ministro Mauro Vieira multiplica as viagens para manter a presença brasileira no exterior. Enquanto isso, ninguém está falando de política externa.
“À voltas com uma grave crise de governabilidade, nós brasileiros estamos tendendo ainda mais para a introspecção. É como se o mundo começasse e terminasse no nosso país. Deixamos de lado os temas internacionais”, escreveu no “El País” o embaixador Luiz Felipe de Seixas Correa.
Falta agenda. Hoje chega ao Brasil a chanceler Angela Merkel, a verdadeira presidente da União Europeia, e não temos nada a negociar. O tema das conversas será meio ambiente, mas a pauta é de interesse da Alemanha. A prisão do coronel Othon, presidente da Eletronuclear, cria constrangimento, já que era ele o homem a tocar Angra III, resultado de acordo com a Alemanha. Merkel também não vive bom momento: o Parlamento vota hoje o terceiro pacote de empréstimos concedido à Grécia pela União Europeia, em meio ao ceticismo dos alemães às acusações dos vizinhos de que a Alemanha humilhou os gregos — obrigando- os a aceitar o inaceitável— e às tensões com a chegada em massa de imigrantes. Aparentemente, o Brasil não tem nada a dizer, como também não teve palavras para condenar o espancamento e a prisão da jornalista Manuela Picq no Equador.

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Política externa inerte e modesta
Marcelo de Paiva Abreu
O Estado de S. Paulo, 19/-8/2015

A política externa do lulopetismo é mais uma vítima da deterioração da situação econômica e política do País. Os leitores ainda se lembrarão das fanfarronices que caracterizaram a política externa brasileira a partir de 2003, quando a hierarquia totêmica no eixo Planalto-Palácio dos Arcos - Marco Aurélio Garcia, Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães - se gabava de nossa diplomacia ativa e altiva.
Diplomacia ativa porque romperia com o pretenso imobilismo do passado. A vitória do Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições presidenciais de 2002 justificaria o papel protagonista do Brasil no cenário internacional. Esse aumento de atividade estaria associado a um papel inusitadamente central da diplomacia presidencial. Lula, o líder sindical que enfrentou a ditadura e foi vitorioso nas eleições presidenciais, após quatro tentativas, tinha projeção internacional e poderia servir de plataforma para o aumento de exposição do Brasil.
Para sustentar o protagonismo da nova diplomacia, foram ampliados os recursos à disposição do Itamaraty, com significativo aumento do número de embaixadas, expansão do número de diplomatas e reiteradas tentativas, nem sempre coroadas de sucesso, de viabilizar candidaturas de brasileiros à chefia de organismos multilaterais. O pano de fundo era a ênfase na importância de o Brasil ocupar uma das posições que decorreriam da ampliação do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Diplomacia altiva porque era marcada por reticências em relação a Washington, privilegiava as relações Sul-Sul e buscava convergência com os regimes latino-americanos à esquerda no espectro político. Reticências claramente explicitadas, por exemplo, na argumentação ideológica utilizada para afundar a Alca, embora houvesse bons argumentos para justificar a falta de entusiasmo do Brasil.
Nos anos iniciais do governo Lula, a atitude da diplomacia brasileira serviu de contraponto à política econômica ortodoxa, ao arrepio das estapafúrdias ideias que caracterizavam o programa econômico do PT. Mas, à medida que o governo Lula abandonou a política econômica prudente, houve convergência da política externa ativa e altiva com a volta ao nacional-desenvolvimentismo na economia.
No primeiro mandato de Dilma Rousseff, a política externa altiva e ativa começou a enfrentar problemas, não apenas porque a nova presidente não tinha as características requeridas pela diplomacia presidencial, mas também porque não considerava a política externa prioridade de governo. Atipicamente o Itamaraty envolveu-se em trapalhadas ridículas em Honduras e na Bolívia. A proximidade com Chávez, que já era onerosa, se tornou proibitiva com Maduro. Ficou delirante pretender que a política externa era ativa e altiva.
Com a manutenção despropositada de políticas compensatórias pós-crise internacional de 2008, eventualmente racionalizadas como "nova matriz econômica", e a reversão do boom de commodities, o desempenho da economia brasileira se tornou medíocre. Tardiamente, Dilma no segundo mandato foi obrigada a adotar um ajuste fiscal meio capenga.
O corte de gastos, combinado com a expansão do número de diplomatas, impactou o Itamaraty de forma significativa. A carreira está absolutamente congestionada. Nem mesmo a inflação de embaixadas pode resolver o problema. Há dificuldades em bancar os gastos correntes das embaixadas e os gastos de funcionários. E a situação de excesso de embaixadas é de difícil reversão: há assimetria entre os ganhos políticos com a abertura de novas embaixadas e a custosa perda de prestígio com o seu fechamento. Atrasos no pagamento de contribuições a organismos multilaterais têm inabilitado o Brasil em votações relevantes.
Ativismo e altivez, combinados com imprudência, jactância e pobreza analítica, resultaram na maior crise da diplomacia brasileira de que se tem notícia.

Marcelo de Paiva Abreu é doutor em economia pela Universidade de Cambridge. É professor titular no Departamento de Economia da PUC-Rio

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