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quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Equivocos economicos do PT - Fabio Giambiagi e o Fome Zero (2001)

Nelson Rodrigues, um reacionário inteligente, dizia que o subdesenvolvimento não se improvisa: é obra de séculos.
Sem dúvida.
Os equívocos econômicos do PT tampouco se improvisam: é fruto de mentes desorganizadas desde a origem. Eu chamo muitos desses equívocos econômicos de "crimes econômicos", porque além de provocarem despesas indevidas, erradas, mal direcionadas, mal implementadas e geridas, elas provocam perdas enormes para todo o país, ao abrigo do conceito que os economistas chamam de "custo-oportunidade", ou seja, a melhor utilização possível dos parcos recursos disponíveis -- eles são escassos por definição, em face de todas as necessidades potenciais -- na atividade ou investimento de maior retorno possível. Ou seja, quando se deixa de fazer o dispêndio correto, as perdas são muito maiores do que o simples montante nominal do dinheiro: se trata de uma perda enome, porque se deixou de colocar esse dinheiro numa atividade de maior retorno.
O PT sempre foi especialista em equívocos e também em crimes econômicos.
Para provar isso, vou colocar aqui o texto de meu amigo Fabio Giambiagi, que está publicando um novo livro -- Capitalismo, Modo de Usar --, a propósito do Fome Zero, que foi o primeiro (mas não o único, nem o último, infelizmente) dos mais clamorosos equívocos econômicos e políticos do governo lulo-petista, tanto que foi logo abandonado.
Paulo Roberto de Almeida

Atenção: este texto é de 18 de outubro de 2001, ou seja, muito antes de começar o governo do PT...


  O projeto Fome Zero do PT

                                                                                                Fabio Giambiagi[1]

 

Nos tempos do reinado dos conservadores na Inglaterra, o “Labour” apresentou-se ao eleitorado com um programa que foi qualificado por um comentarista mordaz como “the longest note of suicide of the History”. Algo similar pode ser dito sobre Projeto Fome Zero de 118 páginas divulgado pelo Instituto Cidadania e apresentado pelo candidato Luis Inácio da Silva, Lula: é uma listagem de desejos com potencial para fazer o país quebrar em 15 dias.


O trabalho tem alguns méritos. Faz-se uma listagem dos programas federais existentes; contribui para difundir uma série de boas iniciativas locais; dá ênfase ao tema da indigência, o que é louvável em um quadro onde se pode tender à acomodação diante da miséria; destaca, corretamente, que é recomendável adotar políticas públicas estruturadas para atacar a indigência; e apresenta algumas propostas interessantes para lidar com a pobreza, como a criação de um Ministério que centralize as iniciativas sociais. Entretanto, o documento tem vários problemas. Antes de sermos acusados de “desenvolver um raciocínio próprio de um tecnocrata insensível”, convém esclarecer que todo mundo é a favor do fim da fome, mas apenas boas intenções não credenciam um partido a solucionar o problema. Portanto, ninguém tem o monopólio das boas intenções. Passemos a listar os problemas do documento:


i)ele adota a teoria conspiratória da História. Na página 16, por exemplo, afirma-se que “a manutenção da pobreza e de níveis agudos de fome é o grande “calcanhar de Aquiles” para o “sucesso” do sistema capitalista na sua versão global”. Um crítico disse recentemente que para o PT “os empresários são como a sogra: têm que ser tolerados”. O PT nasceu com um viés contra o capitalismo, doença que costuma acometer os partidos de esquerda na sua infância e que se cura com o tempo. Entretanto, assim como alguns cônjuges, em momentos de menor auto-controle, soltam a língua contra as sogras, alguns membros do PT às vezes não conseguem conter certos preconceitos como os da frase acima. Na página 19, menciona-se “a existência de interesses políticos e econômico–comerciais em manter certas pessoas famintas e em alimentar outras. Trata-se da existência de um ‘mercado da fome’, suprido pelas empresas transnacionais ligadas aos alimentos e apoiado pelos governos nacionais e organizações internacionais de fomento”. O leitor não entende muito bem, mas fica com a impressão de que o Instituto da Cidadania julga que no Brasil há fome por culpa dos EUA, de “empresas transnacionais” (saudade dos anos 60?) como o Mc Donalds e do Banco Mundial. É inacreditável que tamanha patacoada forme parte do programa de Governo do primeiro colocado nas pesquisas para a Presidência da República;
ii)o documento parte da premissa de que é possível solucionar o problema da miséria no Brasil em 4 anos. É uma ilusão achar que problemas que nos acompanham há décadas vão ser resolvidos até 2006. Qualquer abordagem do problema da miséria no Brasil tem que partir do pressuposto de que a solução disso será um processo, em que o melhor que se pode esperar é que a cada Governo o nível de pobreza seja menor que no anterior, para que, em um prazo razoável (uma geração) o país possa cantar vitória contra a indigência. Acabar com a miséria em 4 anos simplesmente não é viável;
iii)o texto propõe uma política assistencialista e não uma solução estrutural. Como alguns críticos apontaram, o documento deveria ter valorizado mais iniciativas corretas que as próprias administrações petistas estão adotando com êxito, como o Bolsa-Escola, que ataca o problema da miséria mas é acompanhado de mais educação, o que tende a fazer com que a geração dos filhos não sofra dos males da dos pais. As soluções do documento conservam o problema, gerando um mega-assistencialismo perpétuo;
iv)o PT parte de uma visão distributivista da questão social, que nos condenaria a sermos eternamente um país pobre; se o distributivismo fosse solução para todos os problemas, a crise do Afeganistão seria muito fácil de resolver: bastava dar recursos para todo mundo. A grande questão é: que recursos? O desafio é como ampliar a oferta de bens e serviços do país, induzindo a uma retomada do crescimento que leve os empresários a contratar mais mão-de-obra e melhorar a renda e isso será impossível com um programa como o do PT que requer elevar a carga tributária a quase 40 % do PIB;
v)o documento teima em negar a necessidade de enquadrar a solução dos problemas dentro das restrições orçamentárias. O que o PT na página 26 denuncia como a “hegemonia da área econômica sobre a social”, é tão somente o reconhecimento de que dinheiro não dá em árvore e que não se pode distribuir o que não existe. No dia em que no Brasil os gastos sociais voltarem novamente a não levar em conta os limites do Orçamento, estarão escancaradas as portas para o retorno da alta inflação;
vi)há uma apologia da existência de benefícios sem ônus, o que corresponde à prevalência da ótica de que o cidadão tem que ter muitos direitos e poucos deveres. Na página 46, critica-se a exigência de tempo de contribuição para receber os benefícios da aposentadoria (princípio criticado por corresponder à noção de “seguro atuarialmente equilibrado”) e logo depois defende-se a explosiva proposta de fazer uma reforma da Previdência que “reconhecesse também o trabalho informal não-agrícola como critério legitimador do direito previdenciário, desvinculando-o do critério hoje prevalecente que é do tempo de contribuição”. Trata-se de conceder aposentadoria a quem não pagou para fazer jus a ela e custear isso com “financiamento do sistema tributário regular”. Isso significa que a partir de 2003 haveria milhões de pessoas de 60 anos ou mais pleiteando uma aposentadoria mesmo sem ter recolhido para o INSS e que seria financiada por novos impostos. O leitor não tenha dúvida: financiar aposentadorias sem contribuições prévias mediante novos impostos é a melhor forma de matar a produção.
vii)há uma contradição entre o teor do texto e a realidade que ele retrata. O documento como um todo trata da miséria como se o país estivesse à beira do abismo e de uma convulsão social. Entretanto, os dados de Sônia Rocha que o próprio documento expõe na página 74 mostram o contrário: uma redução sistemática e significativa da proporção de indigentes ao longo de toda a década de 90 e especialmente a partir do Plano Real. O PT insiste há anos em desqualificar o Governo FHC como se o Brasil fosse o Zaire, mas o que os dados mostram é que a situação social do país melhorou desde 1993. O documento também faz ênfase na proposta de barateamento da alimentação para a população mais pobre, embora seja obrigado a reconhecer “en passant” que esse barateamento já está ocorrendo. Em outras palavras, falta ao PT uma visão de processo, admitir que houve avanços sociais importantes e entender que a História não vai começar em 2003;
viii)há uma enorme superficialidade no uso dos números; na página 81, fala-se em “recuperação do salário mínimo” sem uma única vírgula do impacto disso sobre as contas da Previdência; na página 85 defende-se o piso de 100 dólares para o salário mínimo, o que, a preços de hoje, implicaria elevar o mesmo de R$ 180 para R$ 275, aumentando em 53 % o piso de remuneração da despesa do INSS. Se, para não afetar a pirâmide de remunerações, todos os 20 milhões de segurados da Previdência Social recebessem um “delta” de R$ 95 nos treze pagamentos feitos por ano, teríamos uma despesa adicional de R$ 95 x 13 x 20 milhões = R$ 25 bilhões (2 % do PIB). Conservando o desinteresse pelos números, na página 86 menciona-se de passagem uma medida para aumentar a despesa previdenciária em algo “da ordem de 2 % do PIB” para a auto-ocupação, sem que os autores se dignem informar como essa despesa poderia ser financiada (que, convém dizer, soma-se ao efeito de 2 % do PIB da elevação do salário mínimo para US$ 100, o que os autores parecem não ter lembrado na hora de calcular os custos); a despreocupação atinge o clímax quando na página 102 o adicional de R$ 20 bilhões (da ordem de outros 2 % do PIB!) é qualificado como um valor “pequeno”;
ix)as restrições externas são solenemente ignoradas. Na página 85, defende-se “um novo modelo econômico que priorize o mercado interno”, como se o Brasil pudesse se dar ao luxo de passar a exportar menos. Resta saber onde é que o Deputado Aloísio Mercadante - que corretamente tem enfatizado a importância de diminuir o déficit em transações correntes - estava quando o partido aprovou esse documento que incorpora conceitos ultrapassados dos quais não se ouvia falar há pelo menos 20 anos; e
x)o maior pecado do documento é a negligência com que é tratada a questão do financiamento dos programas. Essa negligência se traduz em três coisas. Primeiro, há 115 páginas de propostas e apenas 3 sobre os custos. Segundo, na tabela da mensuração do valor dos programas (página 101) não há nenhuma referência ao impacto da elevação do salário mínimo para US$ 100 nem da ampliação da aposentadoria para a auto-ocupação, este último avaliado em 2 % do PIB na página 86 e aquele estimado por nós em mais 2 % do PIB. Ou o PT elimina do programa propostas como a do salário mínimo de R$ 275 (US$ 100) e a da aposentadoria sem contribuição prévia; ou lista todos os custos na tabela do financiamento – e soma para explicitar quanto vai dar. O que não é possível é prometer o paraíso e no momento de avaliar os custos mencionar apenas os 2 % do PIB que o documento assume e varrer os 4 % do PIB restantes “para baixo do tapete” como se fossem meros detalhes. Terceiro, os autores não levam em consideração a existência de recursos vinculados: eles afirmam que dos R$ 20 bilhões das suas propostas, boa parte do custo poderia vir de remanejamentos (página 102) pois os gastos sociais são “da ordem de 45 bilhões ao ano”. Ocorre que os atuais gastos sociais estão indo para coisas específicas. Se o PT cria mais R$ 20 bilhões de despesas, para “remanejar” recursos vai ter que desativar programas que hoje recebem recursos muitas vezes vinculados. De duas uma, então: se a idéia é criar novas despesas, não vai haver remanejamento; e se vai haver remanejamento, tem que se dizer de que programas vão sair os R$ 20 bilhões. A pergunta é: o que o futuro Governo vai remanejar para ter a verba que lhe permita criar cupons de alimentação? Vai diminuir, por exemplo, os recursos para tratamento de AIDS? Ou o montante para a reforma agrária? Na tabela do financiamento, é “esclarecido” que a fonte de recursos será o “Tesouro”. Como o Ministro da Fazenda não é um mágico, resta saber qual vai ser o imposto que irá aumentar. É inadmissível que um partido político que pretende chegar ao Poder adote um programa onde se diz que o financiamento de uma despesa adicional bilionária virá do “Tesouro”, como se este fosse a caixa do David Coperfield de onde surgem objetos a partir do nada.

O programa em questão não passa de um instrumento de marketing. O PT abriga quadros de uma esquerda moderna, que poderia, uma vez no Poder, dar uma contribuição para a melhoria das políticas sociais, sem perder a preocupação com a necessidade de preservar a austeridade fiscal. Não nos enganemos, porém: não é essa a visão que aparece espelhada nos programas divulgados pelo PT até agora. De Juscelino Kubitschek seus inimigos diziam que “não vai ganhar; se ganhar, não vai tomar posse; se tomar posse, não vai governar”. Felizmente, o Brasil evoluiu e obviamente se Lula tiver mais votos, tomará posse. Porém, parodiando aquela frase, pode-se dizer que “se ele vencer, não respeitará o programa; e se respeitar o programa, vai fracassar”. O Projeto Fome Zero é uma iniciativa superficial, conceitualmente questionável, sem fontes de financiamento, que eleva o gasto público em torno de R$ 70 bilhões (6 % do PIB) e que trata as questões orçamentárias com uma leveza que beira a irresponsabilidade. Se Lula ganhar e cometer o erro de tentar implementar um programa que eleve a despesa pública nessa proporção, vamos chamar as coisas pelo que são: o Fome Zero não será um projeto de renda mínima e sim um projeto de inflação máxima.


[1] Economista, co-autor do livro “Finanças públicas-Teoria e prática no Brasil” (Editora Campus).

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