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terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Peter Drucker: dez anos depois de sua morte, relembrando um grande mestre - Paulo Roberto de Almeida

Este texto nunca esteve disponível em qualquer dos meus blogs. Fui entrevistado por um jornalista que o publicou num site que sequer existe mais.
Por isso coloco-o aqui pela primeira vez.
Dez anos depois (na verdade em novembro de 2005) da morte do grande vienense, nada como recordar suas lições...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12 de janeiro de 2016


Adeus a Peter Drucker

Entrevista concedida por
Paulo Roberto de Almeida *
ao Instituto Thesis
(desaparecido...)

Peter Drucker foi-se. Aquele sonho acalentado de obter uma entrevista exclusiva com o guru do mundo dos negócios para o THESIS não mais se realizará. O desaparecimento do mestre, porém, não implica no ostracismo de sua obra. Ao contrário, Drucker ainda vive nos livros e ensaios que escreveu e nas entrevistas e palestras que concedeu pelo mundo afora. Ao morrer “de causas naturais”, aos 95 anos, segundo informou um porta-voz da Universidade de Claremont (EUA), que Drucker ajudou a fundar, este austríaco nascido em 1910 e que escolheu os Estados Unidos para trabalhar, ingressou na galeria dos grandes homens do século XX e garantiu seu lugar entre os maiores da humanidade.

Mas como falar de Peter Drucker? De que maneira homenageá-lo? Nada melhor do que escolher um seu admirador, ao invés de um especialista. Afinal, a idéia é lembrar Drucker com emoção. Encontramos o professor e diplomata Paulo Roberto de Almeida, em seu escritório em Brasília, tão emocionado quanto todos nós que buscamos no pensamento de Drucker algo além de idéias sobre administração e gerenciamento empresarial.

“Gosto mais do Peter Drucker pelo lado vienense do que pelo americano”, brinca Almeida com as palavras, salientando que admira, sobretudo, sua formação clássica, acadêmica, liberal, adquirida na velha tradição da chamada Escola de Viena, que floresceu durante o Império Austro-Húngaro e desapareceu no imediato seguimento da Primeira Guerra Mundial. “Ele foi mais do que um representante da administração objetiva e admiro-o mais pelo lado histórico, filosófico, humanista. Desde que li seu livro The End of Economic Man, publicado em 1939, nos EUA, aprendi a admirar suas elegantes proposições históricas e econômicas. Seus textos têm o dom de interpretar o verdadeiro caráter das civilizações, algo muito diferente dessas receitas fáceis cultivadas atualmente, do tipo ‘aprenda a gerenciar uma empresa em sete minutos’.”

Ao longo de 75 anos de carreira, Drucker pôde acompanhar o século XX em suas várias vertentes. Quando lançou O fim do homem econômico, o capitalismo atravessava uma fase difícil, quase terminal. Muitos pensadores diziam que ele estava condenado ao desaparecimento. Os menos pessimistas diziam que seus desequilíbrios intrínsecos passaram a exigir algum tipo de monitoramento e gerenciamento pelo Estado. Drucker era contemporâneo dos economistas John Maynard Keynes e Joseph Schumpeter, ambos mais velhos e também simpatizantes, cada qual a seu modo, do pensamento dos economistas da chamada Escola de Viena. Para Schumpeter, o capitalismo estava fadado a desaparecer, sucedido por alguma forma de gerenciamento estatal que o aproximaria do socialismo. Já para Keynes, seus profundos desequilíbrios requeriam uma política econômica ativa, capaz de combater suas tendências cíclicas à deflação e à depressão.

O pessimismo reinante naquela década de crise em toda a economia capitalista foi de certa forma refletido por Drucker em seu livro O Fim do Homem Econômico. A diferença é que os dois economistas, algumas décadas mais velhos do que Drucker, morreram em seguida à Segunda Guerra Mundial. Drucker sobreviveu, acompanhou a pujança do capitalismo norte-americano e não descreu de suas possibilidades de adaptação e sobrevivência, tanto quanto aqueles seus contemporâneos da primeira metade do século XX. “De certa forma, Schumpeter e Keynes partiam de uma visão macroeconômica, enquanto Drucker também se preocupava com as condições microeconômicas sob as quais tinham de atuar as empresas, passando a estudar o ambiente de trabalho e o processo de formação das empresas e as pessoas que nela trabalham”, pondera Almeida.

Drucker reconheceu muito cedo o valor da gestão e da qualidade da administração nas empresas, segundo os princípios da economia de mercado, do esforço, do ensaio e erro. Assim, assistiu grandes companhias acabar em resultados pífios. A partir de seu faro para as tendências microeconômicas do trabalho nas empresas, entendeu como poucos o espírito selvagem (os animal spirits, no dizer de Keynes) que permeia a atividade corporativa entre os norte-americanos, ou seja, a capacidade do empresário de lutar, inovar e vencer.

Uma das chaves do pensamento de Drucker é a importância que concede à destruição criadora, obtida na inovação, no avanço tecnológico, à liderança empresaria e à capacidade de tomada de decisão e às regras de comando. Assim seus livros, longe de se configurarem em ‘auto-ajuda empresarial’, têm filosofia por trás, dando permanência (ou perenidade) à sua obra.

“Seu pensamento é essencialmente racionalista, inserido num contexto mais amplo. São conceitos passíveis de aplicação no gerenciamento de um império ou de uma empresa. Aliás, o império Austro-Húngaro, que existiu por séculos e possibilitou o surgimento da chamada Escola de Viena, cometeu os mesmos erros de empresas mal sucedidas ou em decadência. Não sobreviveu ao desafio da inovação”, analisa o diplomata.

A formação clássica deste guru moderno garante aos seus leitores uma visão abrangente da história, inibindo certos equívocos tão comuns na administração moderna. Ele também se espantaria com a apresentação de velhas receitas como sendo absolutamente inéditas. “Hoje, por exemplo, na política brasileira, ouvimos vários discursos favoráveis à parceria público-privada (PPP). Ora, todos os projetos de infra-estrutura do Brasil imperial eram baseados em PPPs. O atual governo propõe esse tipo de parceria como se fosse uma inovação, ao invés de admitir que não tem coragem de assumir a privatização aí implícita. Ademais, o conceito de PPP é o de um capitalismo sem risco, no qual o Estado garante os ganhos do investidor privado. Para Drucker, soaria como heresia” analisa Almeida.

O diplomata crê que o empresário às vezes é um inexperiente que antevê o sucesso em torno de fórmulas fáceis e se aproveita da burocracia, que atua a seu favor. A burocracia – no governo, na empresa, na igreja, nas instituições, enfim – tende a esclerosar a administração. Homens que atingem altas posições querem se perpetuar no poder, indicar sucessores que o mimetizem. Há o oposto: o recém chegado ao poder, ansioso por renovação, mas que com o tempo tende a consolidar e ao mesmo tempo torna rígidas suas posições.

“Isto é corriqueiro. Todo recém-chegado ao comando quer ‘inovar’. Por exemplo, é comum proceder-se ao desmantelamento de tudo o que existia antes, numa empresa ou mesmo no Estado. Por vezes esse desmantelamento é bem sucedido, sem que nada de melhor ou mais funcional substitua as antigas estruturas, como pode estar ocorrendo no Brasil atual. Isto também é contrário ao pensamento de Drucker, que sempre propôs renovação permanente de recursos humanos e idéias, com preservação das bases essenciais do gerenciamento responsável. Poucas burocracias suportam esse tipo de gerenciamento”, continua o professor Almeida.

Peter Drucker, portanto, ainda é válido. Suas idéias atuam sobre processos e métodos e isso não foi superado, não foi sequer plenamente implantado. A lógica da burocracia é a inércia. Emprega-se em determinada tarefa mais do que o tempo necessário, as idéias tornam-se lugares comuns ou as condições econômicas mudam e determinadas idéias não servem o tempo todo.
Neste ponto, Almeida cita Fidel Castro: de jovem revolucionário, hoje é um velho conservador. Antes da revolução cubana, aquele país vivia numa economia agroexportadora. Hoje, sobrevive numa economia estagnada, pois Cuba continua a viver do açúcar e do turismo. Fidel não achou um caminho inovador para Cuba. A diferença é que hoje, a indústria do turismo passa sem os cassinos ou a máfia americana. “Quando Fidel morrer, não terá substituto, pois não se substitui o líder carismático. Em que Cuba, sem Fidel, se transformará?”.

O mundo hoje é gerido por burocratas mais do que estadistas geniais. O modelo que passa a prevalecer é o de tipo americano, flexível e mais descentralizado. Esta flexibilidade agiliza mudanças. Almeida recorda os anos 1980, quando se falava em decadência norte-americana e ascensão do Japão. O que se viu, depois, foi que o Japão, por conta de certa rigidez em suas estruturas políticas e econômicas, enfrentou uma estagnação que durou mais de uma década e os EUA superaram até mesmo a Europa, que manteve um modelo centralizador e pouco flexível.

Graças à inovação e liderança tecnológica, os EUA garantem mobilidade constante para si próprios. O meio de obter este resultado é remunerando quem se esforça, inova, se move. “O que se paga aos CEOs das empresas americanas são somas assustadoras!”, acrescenta o diplomata. Mas, pergunto eu, isso é bom para o ser humano? “Aparentemente parece funcionar”, responde Almeida. “Quem não quer ganhar dinheiro, ficar rico, viver bem, em lugar de ser um ermitão, um monge, um sábio que já se retirou do mundo?”.

O fato é que os maiores salários estão nos EUA. Talvez, os líderes empresariais americanos não os mereçam, mas, sob estímulo do dinheiro, trabalham mais que os europeus, por exemplo. Drucker também se dedicou a esse lado do estímulo econômico para a manutenção de um sistema flexível e de alto desempenho. Desde a Primeira Guerra que os americanos importam sábios, filósofos esquerdistas, economistas liberais, pensadores, cientistas, enfim, toda essa gama de gente fugida do nazismo, das guerras, do imperialismo europeu, tendo transformado o país no grande porto de captação e aproveitamento de idéias estrangeiras.

Nem mesmo Bush assusta Almeida, para quem o presidente americano “é mais um político que vai passar”. Para nosso entrevistado, aí está o melhor da política democrática: as bobagens cometidas por alguns são debitadas no custo do império. “Quando seu tempo estiver concluído, Bush volta para seu rancho no Texas e os EUA continuam. Por isso considero um exagero dizer que os EUA estão em decadência. Como disse Mark Twain, sobre sua morte anunciada, ‘os rumores a esse respeito são grandemente exagerados’”, ironiza.

Sob a ótica de Paulo Roberto de Almeida, não existe um império americano, no sentido formal, mas uma potência baseada, sobretudo, no livre comércio, na hegemonia de mercado, na abertura de novos mercados. “Não vejo os EUA submetendo povos, mas garantindo segurança para que suas empresas negociem com tranqüilidade”.
Por que os impérios, antigos e recentes, entraram em decadência e depois desapareceram? Porque, como no caso do Império Romano, eles baseavam-se em atos de invasão, colonização, submissão de povos, na dominação e na exploração.

O caso dos EUA é o de um império virtual. Numa análise da questão sob o conceito de modo de produção, como fez Karl Marx, o exemplo americano é o de um “modo inventivo de produção”. Por isso falar em decadência é inócuo, pois uma coisa é dominar e explorar outra é extrair capacitação a partir da própria inteligência. “A força real da economia americana se baseia na inteligência. Não foi explorando minério ou qualquer outro produto primário, sob regime de dominação, que Bill Gates obteve sua força. Ele a obteve literalmente do ar”, acrescenta o diplomata.

A competição futura com o império norte-americano virá quando Europa, China, Índia e mesmo o Brasil atingirem um modelo próprio de gestão, baseado em inovação, movimento, flexibilidade. “Não há a menor necessidade de se derrubar muralhas, fronteira ou de dominar povos. Basta educar, formar as pessoas de cada país. E nem é necessária educação brilhante (o ensino americano está longe de ser a Escola de Viena). É suficiente educação e formação média satisfatória, com abertura para a pesquisa e a inovação. O resto vem naturalmente”.

Não sei se Peter Drucker concordaria com tudo o que tratamos aqui – provavelmente, não. Mas, certamente, participaria da conversa, com o maior prazer e algum mau humor.

  * Doutor em Ciências Sociais, mestre em Planejamento Econômico, diplomata. www.pralmeida.org 

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