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sexta-feira, 25 de março de 2016

Crise brasileira: a solucao via parlamentarismo - Senador Jose Serra

Um único defeito neste artigo, de resto muito razoável, e eu até diria bom, do Senador José Serra, em defesa do parlamentarismo: a ausência de definição para o sistema eleitoral, para o que ele admite necessidades, mas não indica em qual sentido (talvez não houvesse espaço).
Sou parlamentarista, mas relativamente pessimista quanto às suas chances num período inicial: ele representaria (não sei por quanto tempo) a exacerbação dos piores "ismos" da política brasileira: fisiologismo, prebendalismo, rentismo, nepotismo, patrimonialismo, além da corrupção no varejo (talvez melhor do que no atacado, estilo PT) e das possíveis fontes de instabilidade na coalizão governista, em vista da multiplicidade de partidos (o que pode ser combatido por cláusulas de barreira e da eliminação do Fundo Partidário).
Sou partidário do parlamentarismo, mas começaria por uma exigência básica, justamente: extinção completa do Fundo Partidário e de todo e qualquer financiamento público de campanhas, pois os partidos devem poder se sustentar por doações, de quaisquer entidades, desde que declaradas.
Dito isto, vamos ler o artigo.
Paulo Roberto de Almeida

RUMO A UM SISTEMA DE GOVERNO SUSTENTÁVEL
José Serra
O Estado de S. Paulo, 24 de março de 2016

Tenho sido um defensor ardoroso da mudança do sistema de governo no Brasil, do presidencialismo para o parlamentarismo. Creio que a atual crise evidencia mais do que nunca a necessidade dessa mudança. Minha proposta, semelhante à de outros parlamentares, é que o novo sistema seja implantado a partir das eleições de 2018. Até lá, haveria uma fase de transição, na qual seriam promovidas mudanças no sistema eleitoral, no sentido de diminuir a distância entre representantes e representados, e na administração pública, no sentido de sua maior profissionalização.

A ideia de iniciar agora o processo de mudança do sistema político tem sofrido cinco objeções. A primeira considera que implantar o parlamentarismo durante o mandato da presidente Dilma Roussef equivaleria a um golpe, semelhante ao que aconteceu em 1961. Para vencer a resistência dos chefes militares a que o vice-presidente João Goulart assumisse o cargo após a renúncia de Jânio Quadros, o Congresso votou uma emenda parlamentarista. Graças a ela, Jango tornou-se presidente, mas com poderes reduzidos, entregando a chefia do governo a um primeiro-ministro aprovado pela Câmara. Note-se que apesar disso ele teve força suficiente para derrubar o novo sistema através de um plebiscito, em janeiro de 1963.

Voltando ao presente e à primeira objeção, é preciso esclarecer que não há nem houve proposta de emenda constitucional que carregasse a tese do parlamentarismo já. Muito menos com Dilma tornando-se o Jango do século XXI. Se alguma ideia esteve por trás da circulação daquela tese nos bastidores da política, não foi de retirar poderes da atual presidente, mas de evitar seu impeachment – o qual parece cada vez menos evitável.

A segunda objeção sustenta que o parlamentarismo, mesmo se adotado a partir de 2019, representaria um golpe. Isso porque o povo não mais escolheria o chefe do governo. Pior, o Congresso, que não é bem visto pela população, ganharia um poder imenso. Lembrando que em todos os países desenvolvidos, exceto os Estados Unidos, prevalece o sistema parlamentarista, tal objeção é derrotista e atrasada: implica que seremos sempre prisioneiros do subdesenvolvimento, destituídos de uma condição necessária para progresso econômico-social a longo prazo. Premissa amarga e absurda.

Vale sublinhar: no modelo em discussão (ainda incipiente) no Congresso, o povo continuaria a eleger por voto direto o presidente da República, que teria mandato fixo e seria o chefe de Estado, com importantes poderes de representar a Nação, defender sua soberania e seus valores democráticos, além de servir de mediador nos conflitos entre os poderes Legislativo e Executivo. A ele caberia também a chefia das Forças Armadas, a indicação de embaixadores e dos membros dos tribunais superiores.

Ao primeiro ministro, indicado pelo presidente da República, caberia a tarefa de governar, sem mandato fixo, nomeando e chefiando o gabinete de ministros que, necessariamente, deve dispor de maioria parlamentar que apoie o seu programa de governo. Quando o governo vai mal e/ou perde o apoio dessa maioria, pode ser trocado. Assume um novo primeiro ministro, que deverá dispor do apoio de uma nova maioria. Como já escrevi nesta coluna, citando a primeira ministra alemã Angela Merkel: no presidencialismo a demissão do chefe de governo significa crise, no parlamentarismo, solução.

A alegação de que o parlamentarismo não serve porque o Congresso passaria a ter muito poder também não se sustenta. Ele já tem muito poder hoje. Pode destituir um presidente, derrubar vetos presidenciais, aprovar ou reprovar emendas constitucionais, leis complementares e ordinárias. Os projetos de lei do governo chegam ao Congresso via Câmara, que delibera a respeito e os envia ao Senado. Se este fizer modificações o projeto retorna à Câmara, que dá a palavra final do Legislativo. Por isso ter maioria na Câmara é essencial para que o presidente consiga governar. Muitos parlamentares barganham individualmente com o Executivo a formação de maioria em cada votação. Esse tipo de barganha degrada o Executivo e o Legislativo. Mas, se o presidente perde maioria na Câmara, o resultado é impasse, turbulência, risco de crise institucional.

Já no parlamentarismo, os destinos do Executivo e da maioria da Câmara são indissociáveis. Se a Câmara votar contra projetos importantes do governo, pode derrubar o primeiro-ministro e seu gabinete. No entanto, se a Câmara não conseguir formar uma nova maioria que dê sustentação a um novo governo, o presidente da República pode dissolvê-la, convocando eleições antes do tempo. Esse ritual todo torna o voto dos deputados mais responsável e tende a manter a maioria da Câmara afinada com o Executivo, deixando o governo funcionar.

A terceira objeção vem de pessoas que se declaram parlamentaristas, mas reclamam da inexistência de “condições prévias”, a saber, as reformas eleitoral e partidária. Ora, tais condições são igualmente fundamentais no atual sistema presidencialista. Por acaso não estamos vendo – e sofrendo – os estragos causados pela inconsistência dos partidos e as falhas do sistema eleitoral? Ao contrário de ser inviabilizada pela falta de reformas, a adoção do parlamentarismo pode ser o empurrão que falta para destravá-las.

Há também o argumento – não propriamente objeção – de que nada pode ser feito em matéria de parlamentarismo sem uma consulta à população, via plebiscito ou, principalmente, referendum. Esse é um tema que, sem dúvida, merece consideração, e a cujo respeito deve se manifestar, além do Congresso, o Supremo Tribunal Federal.

Por fim, uma quinta objeção ao parlamentarismo envolve um belo non sequitur, ou um primor de falácia lógica: não poderíamos discutir mudanças institucionais tão importantes num momento de crise aguda. Mas por que cargas d’água pensaríamos nessas mudanças se as instituições estivessem funcionando a contento, a economia crescendo e a sociedade confiante nas suas perspectivas de trabalho e bem-estar? Na vida das nações bem sucedidas, em geral se deu o oposto: as crises criaram a oportunidade de mudanças que abriram caminho para o desenvolvimento. É o que desejo para o Brasil neste momento.

SENADOR DA REPÚBLICA, EX-PREFEITO E EX-GOVERNADOR DE SÃO PAULO
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