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quarta-feira, 30 de março de 2016

Memorial pragmatico de reforma da nacao - Paulo Roberto de Almeida, com base em Varnhagen

O artigo abaixo foi publicado, num formato ultra-resumido, na  revista Conselhos (São Paulo: Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de São Paulo; ano 6, n. 35, fevereiro-março 2016, p. 48-51; ISSN: 2178-1583; link: http://www.fecomercio.com.br/upload/pdf/2015/13/Conselhos-35.pdf).
Mas, por critérios editoriais próprios à revista, teve de ser resumido e perdeu este caráter abrangente. Reproduzo aqui o original produzido para a revista, e nunca publicado integralmente, a despeito de ter sido aproveitado em outro artigo publicado em Mundorama.
Paulo Roberto de Almeida 


Memorial Pragmático para a Reforma da Nação

Paulo Roberto de Almeida

A data de 17 de fevereiro de 2016 marca o ducentésimo aniversário do nascimento do diplomata, homem público e patrono da historiografia brasileira Francisco Adolfo de Varnhagen, nascido nesse dia de 1816 em Sorocaba, SP. Filho de um engenheiro alemão, que tinha vindo ao Brasil logo após a transferência da corte portuguesa para iniciar a fundição de ferro no país, ele se formou em Portugal, onde concluiu o curso de engenharia militar em 1834. Desde cedo, entretanto, inclinou-se para os estudos de história; suas pesquisas na Torre do Tombo permitiram-lhe a identificação de Gabriel Soares de Sousa como o autor do até então anônimo Roteiro do Brasil, a primeira descrição dos domínios portugueses nas Américas, no século XVI, o que lhe valeu ser aceito na Academia de Ciências de Lisboa, em 1838. Dois anos depois decidiu voltar ao Brasil, tendo sido aceito no recém fundado Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Em 1841, por decreto imperial foi designado para levantar documentos relativos aos tratados de limites da América Portuguesa, nos arquivos coloniais portugueses e espanhóis.
Antes mesmo de concluir a obra que o consagrou definitivamente, História Geral do Brasil antes de sua separação e Independência de Portugal (Madri, 1854-1857), Varnhagen compôs e publicou, em 1849, na capital espanhola, um opúsculo não assinado, “dado à luz por um amante do Brasil”, pomposamente intitulado “Memorial orgânico que à consideração das assembleias Geral e provinciais do Império apresenta um brasileiro”. Essa obra possui um enfoque diferente dos livros que o identificaram como o grande historiador da nacionalidade e da identidade do Brasil, mas ela apresenta as mesmas concepções: um entranhado patriotismo, o engajamento no processo de reformas tendentes a “civilizar” o Brasil e a consciência – a despeito de ser um liberal e propugnador da iniciativa privada na área econômica – de que o Estado tinha um papel a cumprir como promotor de grandes obras de organização nacional, nomeadamente no terreno da infraestrutura e da defesa. O historiador Arno Wehling resumiu as seis propostas de Varnhagen para a “reforma do Brasil” – inclusive a da mudança da capital para um local central, como adotado cem anos depois – numa tabela organizada segundo a mesma metodologia seguida pelo historiador-estadista:

Memorial Orgânico, de Francisco Adolfo de Varnhagen (1849)
Problemas
Motivos
Solução
Limites por definir com nove países
Indefinição das fronteiras
Negociações bilaterais
Capital litorânea
Deslocada em relação ao país, sem boas fortificações
Capital no interior do país
Escassez de comunicações e de mercado interno
Insuficiente ação provincial e inexistência de ação nacional
Articulação de comunicações e rotas comerciais (ferrovias)
Divisão de províncias do Império
Desigualdades regionais, sem desenvolvimento nas províncias do interior, tributação irracional
Redivisão territorial, com critérios de equilíbrio e equivalência (departamentos); reforma tributária
Fragilidade da defesa do país
Ausência de pensamento estratégico para a defesa
Maior alocação de recursos, identificação de pontos cruciais, territórios militares
Heterogeneidade da população
Extensão da escravidão africana, forte contingente de índios não aculturados
Colonização indígena e europeia, proteção no cruzamento de raças
Fonte: Arno Wehling, “O conservadorismo reformador de um liberal: Varnhagen, publicista e pensador político”, in: Lucia Maria Paschoal Guimarães e Raquel Glezer (orgs.), Varnhagen no Caleidoscópio (Rio de Janeiro: Fundação Miguel de Cervantes, 2013), p. 160-201, cf. p. 174.

Inspirados no exemplo que Varnhagen nos legou, com apenas 34 anos de idade, pode-se traçar um “memorial” para uma nova reforma da nação, com base na mesma metodologia tripartite: uma primeira parte de “enunciados” dos problemas, uma segunda de “justificativas” e uma terceira de propostas de soluções ou de “remédios”:

Memorial Pragmático para a Reforma da Nação (2016)
Problemas
Motivos
Solução
Retrocesso econômico, desorganização produtiva
Desindustrialização,  exportações de commodities
Esforço concentrado em ganhos de produtividade
Descolamento dos mercados internacionais
Perda de competitividade por excesso de tributação
Reforma tributária, redução da carga fiscal, globalização
Deficiências de infraestrutura
Inexistência de ação estatal por inépcia e falta de recursos
Privatização extensiva em todas as áreas de logística
Desigualdades regionais persistentes
Políticas de “desenvolvimento regional” baseadas em induções equivocadas
Atendimento das vantagens comparativas ricardianas nas especializações regionais
Fragilidade da defesa do país
Inadequações do pensamento estratégico para a defesa; autonomia sem base no PIB
Maior alocação de recursos, mas busca de sinergias na cooperação com aliados
Heterogeneidade da população em termos de capacitação profissional
Deficiências graves na qualidade da educação de base; professores ineptos
Reforma radical do ensino público; acolhimento de imigrantes
Fonte: Paulo Roberto de Almeida, inspirado no “Memorial Orgânico” de Varnhagen.

Os problemas atuais do Brasil são quase os mesmos de 165 anos atrás; as soluções também muito se parecem. Faltam os estadistas...

[Anápolis, 26 de dezembro de 2015, 2 p.]

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