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sábado, 14 de maio de 2016

Impeachment instalado: e agora? - Eiiti Sato (UnB)


 O processo de Impeachment está instalado.
E agora?

Eiiti Sato

Por 55 votos contra 22, o processo de impeachment da Presidente está formalmente instalado no Senado Federal e a pergunta inevitável é o que virá em seguida. A maioria dos analistas tem se dedicado a discutir as possibilidades de o governo Temer reduzir efetivamente os gastos públicos, as perspectivas de implementar mudanças na política econômica capazes de retirar o País da recessão e, naturalmente, a composição do Ministério Temer e como assegurar uma base política que lhe dê a sustentação necessária. Raramente se faz referência ao fato de que a Presidente Dilma Rousseff continua presidente (ou presidenta, como gosta de ser chamada) e que, neste momento, o processo de impeachment foi apenas instalado. Em seis meses muita coisa pode acontecer.
Um presidencialismo medieval
A Professora Raquel Patrício, da Universidade Técnica de Lisboa, em entrevista recente concedida a um órgão de imprensa do Brasil afirmava “o Presidencialismo brasileiro é um sistema muito complicado...”. A professora fez seu doutorado na Universidade de Brasília e, assim, não apenas teve que estudar a história política brasileira, como também observar de perto as idas e vindas dos processos de tomada de decisão, as eleições e a interação entre as instituições políticas. Quando se referia às “complicações” do presidencialismo brasileiro estava se referindo ao fato de que na Europa parlamentarista a retirada de um governo que se torna indesejável é algo muito mais simples, bastando apenas um “voto de desconfiança” (também chamado de “moção de censura”) aprovado no Parlamento. Pode haver a convocação de novas eleições gerais, que podem mudar a composição do Parlamento, mas o fato mais importante é que muda-se o governo sem que o argumento da “democracia”, da  “legitimidade”, seja sequer lembrado.
No caso do Brasil, pelo contrário, o processo de abertura de processo contra a Presidente tem sido taxado de “golpe”, isto é, de rompimento da ordem democrática e de falta de legitimidade, apenas porque foi eleita para um novo mandato de quatro anos em 2014, ainda que por uma margem bem pequena na votação em relação ao seu oponente. Na Idade Média, a base da legitimidade era o direito de hereditariedade. O filho de um rei deveria ser rei, independente de suas aptidões físicas, intelectuais e morais, e não podia ser destituído de sua condição, mesmo que cometesse graves injúrias contra toda a nação. O comportamento da Presidente, e daqueles que a apoiam, indica que apostam no resgate desse entendimento medieval, isto é, independente do mal governo ou de ilegalidades cometidas por seu governo, ela tem o “direito” de continuar Presidente até o fim dos quatro anos de mandato. Qualquer ação legal, ainda que prevista na Constituição e nas leis do País, deixam de ter validade diante do fato de que teria sido eleita com pouco mais de 50% dos votos válidos em 2014 em relação a seu concorrente.
Ernest Hambloch, um brazilianista, ainda nos tempos da Primeira República, escreveu um livro interpretando o tipo de república que foi implantada no Brasil com a destituição de D. Pedro II. O título de seu livro revela sua visão um tanto irônica do presidencialismo brasileiro: His Majesty the President of Brazil. A Study of Constitutional Brazil. [A obra foi publicada em 1936 pela Editora E. F. Dutton & Co. de N. York e foi traduzida para o português por Leda Boechat Rodrigues e publicada em várias edições com o título Sua Majestade o Presidente do Brasil.] O livro foi publicado em 1936 e considerado ofensivo e, em consequência, seu autor foi severamente repreendido pelo governo brasileiro, como interferência indevida de um estrangeiro. Atualmente, o processo judicial e político de destituição da Presidente que está em curso e, principalmente, as alegações de “golpe”, apenas confirmam esse entendimento. Se o termo voto for substituído por hereditariedade, trata-se de um príncipe medieval – neste caso, uma rainha medieval – defendendo seus direitos. Esse entendimento poderia ser tratado apenas como objeto de consideração e de análise pelos cientistas políticos se não trouxesse consequências graves para a nação.
Os desgastes e o custo para livrar-se de um mal governo
Enquanto na maioria das modernas repúblicas a substituição de governantes é feita sem grandes desgastes para a nação, o País está vivendo o enorme desgaste a que toda a nação brasileira está sendo submetida há quase um ano. Há seis meses o governo praticamente deixou de governar. Para a nação é totalmente irrelevante saber se a culpa de o governo ter deixado de governar tem por origem a sua própria incapacidade ou se foi devido a partidos políticos irresponsáveis, a imprensa sem ética ou a ação das cortes judiciais que, deliberadamente, a impedem de governar. Para a nação, o fato objetivo e relevante é que um governo quando perde a capacidade de governar, muitos dos serviços essenciais que só o Estado pode prover, deixam de existir ou passam a ser oferecidos de forma precária e, como conseqüência mais imediata e visível, a atividade econômica se contrai e o desemprego aumenta e se dissemina por toda a economia. No entendimento de que o impeachment é um “golpe” esse fato não tem qualquer importância, a preocupação mais importante é proteger e assegurar o “direito” da Presidente e de seu partido de desfrutar do cargo de Presidente da República.
Chega a ser sombria a perspectiva de o julgamento do impeachment pelo Senado Federal arrastar-se por seis meses. As perdas, que já são enormes, só irão aumentar e, muito provavelmente, esse aumento não será linear, mas volumétrico. Tanto a Presidente quanto seu mentor, o ex-presidente Lula, já declararam de forma inequívoca, que irão promover todo tipo de ação para desestabilizar o governo de Michel Temer pois, nesse quadro, o fracasso de Temer (isto é, do País) emerge como um verdadeiro requisito para uma eventual volta de Dilma Rousseff ao poder.
A história mostra como, em várias ocasiões, reis depostos, mesmo que presos ou exilados, eram fontes de instabilidade. Não apenas o próprio rei destronado passava a conspirar com seus aliados pertencentes a outros reinos, vizinhos ou distantes, mas também seus seguidores continuavam a agir no sentido de criar dificuldades para o novo governo. Não era incomum que condes, barões e altos prelados da Igreja que, geralmente por parentesco, defendiam o príncipe destronado, formassem alianças contra o novo governante. Naqueles tempos, o reino era uma espécie de propriedade. Nesse sentido, vale recordar a história de Eduardo II, da Inglaterra, destronado por sua mulher e seu filho Eduardo III no século XIV. Depois de destronado, Eduardo II permaneceu preso por vários meses em um castelo longe de tudo e severamente vigiado. Apesar de isolado, a sua simples existência era uma ameaça à estabilidade do novo governo. Alegando princípios, direitos e interesses afetados, dentro e fora da Inglaterra, conspiradores de todo tipo se reuniam em torno da perspectiva de volta de Eduardo II. Assim, após meses de encarceramento sua execução teria sido ordenada por meio de uma carta de sentido ambíguo. [A história é relatada por Maurice Druon em “ Os Reis Malditos” referindo-se a Felipe, o Belo, e sua descendência. Felipe (1268-1314) teria acabado com a Ordem dos Templários e, em 1314, fez executar na fogueira o superior dos Templários, Jacques de Molay  que, no momento de seu suplício, teria amaldiçoado o rei, seus descendentes e o papa. O destino trágico de Eduardo II é narrado no volume 5 (La Louve de France), que se refere a Isabel, a única mulher entre os quatro filhos de Felipe o Belo, dada em casamento a Eduardo II.] Em outras palavras, mesmo isolado e mesmo declarando sua fidelidade ao novo rei, que era seu filho, continuava sendo uma ameaça à ordem estabelecida.
Os custos políticos e econômicos de um julgamento de 6 meses
Como será o caso de uma “rainha-presidente” não destronada, apenas afastada de suas funções oficiais, mas dispondo de todas as prerrogativas presidenciais, em um mundo de “internet” e de redes sociais? Quanto custará à nação um período de seis meses no qual um verdadeiro exército de dezenas de milhares de ativistas dispostos a promover ações e atos com o propósito de dificultar as ações do novo governo e até mesmo de forçar o governo a cometer erros e atos que tornem um governo como o de Temer impopular, na verdade já fadado a ser impopular em razão da situação difícil em que se encontra a economia e as contas públicas? Em várias ocasiões a presidente e seu mentor já deixaram claro que irão comandar esse exército de militantes. Quanto vai custar ao País continuar por mais seis meses dentro desse ambiente?
Nos tempos medievais os reis destronados buscavam apoio em outros reis e barões e sobretudo na Igreja de Roma para quem levavam relatos de perseguições e de atrocidades nem sempre verdadeiros. Nos dias atuais, governos bolivarianos, a imprensa internacional e entidades internacionais já, há tempos, estão sendo procurados avidamente com o propósito de não reconhecer e pressionar o novo governo. Os mais exaltados já chegaram a falar até em pedir sanções contra a nação brasileira. Como serão e, mais importante, quanto custarão esses seis meses de julgamento durante os quais a Presidente mantém todas as suas prerrogativas presidenciais? Além do mais, quanto custará à nação uma eventual volta da Presidente e de seu partido ao poder? Se não houvesse essa possibilidade, todo o julgamento que se inicia no Senado deveria ser considerado uma farsa. Trata-se de um presidencialismo não apenas muito complicado, mas também muito dispendioso.
Brasília, Maio/2016  

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