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domingo, 21 de janeiro de 2018

Meira Penna: um intelectual brasileiro - Paulo Roberto de Almeida

José Osvaldo de Meira Penna: um intelectual brasileiro


Paulo Roberto de Almeida
Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI).


Qualquer que seja a qualificação que se lhe atribua – liberal, conservador, direitista –, Meira Penna foi um dos grandes intelectuais brasileiros, certamente o maior da carreira diplomática, talvez até mais, na variedade e volume dos escritos, que os dois outros colegas que poderiam legitimamente lhe ser equiparados: Roberto Campos e José Guilherme Merquior. Já conhecedor de boa parte de sua obra, para preparar esta nota fui consultar as entradas sob seu nome nas bibliotecas próximas. As do Itamaraty, possuem apenas 27 obras (mas em vários exemplares), sendo 17 na SERE, oito no Rio de Janeiro e duas no Instituto Rio Branco. A do Senado Federal, mais copiosa em artigos do que em livros, exibe 16 obras no catálogo, mas 104 artigos – parte ínfima de seus “sueltos” em periódicos, durante décadas –, sendo o último deles significativamente intitulado “Por que escrever memórias?” (2006).
Suas memórias, justamente, ficaram por terminar, e ainda permanecem sob a guarda da família. Um excelente verbete na Wikipedia registra 23 livros publicados, dos quais eu destacaria os seguintes: O Brasil na Idade da Razão (1980); O Evangelho segundo Marx (1982); O Dinossauro (1988); Utopia brasileira (1988); Opção preferencial pela riqueza (1991); O espírito das revoluções (1997); A Ideologia do século XX (1994); Em berço esplêndido: ensaios de psicologia coletiva brasileira (1999); Da moral em economia (2002). Esse verbete, provavelmente escrito pelo amigo Ricardo Vélez-Rodríguez, trata de suas análises sobre o patrimonialismo brasileiro, nosso cartorialismo, o burocratismo, e vários ismos também fustigados pelo seu colega – e contemporâneo na carreira – Roberto Campos. Ambos ingressaram em 1938, ainda na fase dos concursos do DASP, (mal) acompanhados por muitos outros “empistolados” que entraram pela janela, o que prolongou-se até a criação do Instituto Rio Branco.
Antes de entrar no Itamaraty eu já o conhecia de nome, pelos artigos publicados no Estadão ou no Jornal do Brasil. Quando ingressei, fui ler um de seus livros: Política externa: segurança e desenvolvimento (1967), obra que discute de forma inteligente os dois princípios da era militar. O primeiro livro emergiu no segundo posto: Shanghai: aspectos históricos da China moderna (1944). Ao partir para missão temporária nessa cidade, em 2010, eu o contatei, para conversar sobre a cidade que ele tinha conhecido antes da dominação comunista. Em mensagem de 8/11/2009, ele me escreveu:
Estive duas vezes em Xanghai [sic]. Da primeira, 1941-42, como Vice-Cônsul sob as ordens do Cônsul Geral James F. Mee. Da segunda, em 1949, assistindo ao fim da guerra civil que trouxe Mao ao poder. Dessa segunda vez, fiquei quase um ano em Nanking como Encarregado de Negócios, até a chegada do novo Embaixador, Paranhos da Silva. Saí da cidade duas semanas antes da entrada dos maoístas. (...) Terei grande prazer em conversar consigo. Meu telefone é...

Eu já o conhecia desde os anos 1980, tendo feito uma visita à sua residência, a “Vila Castália”, na Park Way, depois de retornar do doutorado e começar a dar aulas no Instituto Rio Branco e na UnB, onde ele também se exercia como professor do então Departamento de Relações Internacionais. Ele me presenteou com um de seus livros, e nos anos seguintes fui adquirindo ou sendo agraciado com vários outros, todos eles fortemente estimulantes de um diálogo de alto nível sobre as razões do atraso brasileiro em perspectiva histórica e comparada, com base em grandes nomes da cultura ocidental: Weber, Tocqueville, Marx e outros pensadores. Meira Penna foi, salvo engano, o primeiro brasileiro a ser admitido na Sociedade do Mont Pèlerin, o grupo liberal criado no imediato pós-guerra por Friedrich Hayek para se contrapor ao keynesianismo, já dominante nas universidades e nas políticas econômicas de quase todos os países.
Por sua vez, ele se contrapôs desde o início ao pensamento estatizante e terceiro-mundista, que prevalecia nas elites brasileiras, independentemente do regime político ou das chefias do Itamaraty. Em plena atividade como embaixador nos anos 1970, Meira Penna nunca se eximiu de criticar as orientações da política externa, em especial as dos últimos governos da era militar. Tais críticas recrudesceram na democratização, a despeito da boa disposição inicial em relação ao banqueiro Olavo Setúbal. Aposentado desde 1981, seu último grande embate se deu pela denúncia das “polonetas”, os créditos oferecidos a países socialistas para a exportação de manufaturas brasileiras sem quaisquer garantias credíveis. O mesmo ocorreu nos financiamentos oferecidos a países do Terceiro Mundo, na África e na América Latina, redundando em grandes perdas para o país, quando as insolvências passaram a exame, e desconto, no âmbito do Clube de Paris, onde o Brasil era admitido como credor.
Em meados dos anos 1980 ele funda, com amigos e intelectuais de renome, a Sociedade Tocqueville, assim como esteve na origem do Instituto Liberal de Brasília. Suas principais contribuições no campo intelectual se dão na crítica ao patrimonialismo e à mentalidade estatizante e intervencionista no Brasil, entranhada na psicologia social, que interpreta com base em teses de Carl Gustav Jung. Uma das últimas manifestações de Meira Penna se deu em entrevista a Bruno Garschagen, do Instituto Mises Brasil, em 6/12/2013 – no link: https://www.youtube.com/watch?v=XkE00n0ZYNk –, na qual ele revela inicialmente que sua orientação liberal surgiu ainda em 1935, quando ele iniciava estudos de Direito e ocorreu a intentona comunista de novembro daquele ano. As leituras de Hayek, Mises e Milton Friedman foram solidificando suas convicções liberais, e sua oposição ao ambiente positivista, intervencionista, nacionalista míope, predominante no Brasil e na grande maioria dos países dominados pelo keynesianismo.
Sua morte, aos cem anos, em 29 de julho de 2017, deixou o Brasil mais pobre na vertente liberal, num ambiente intelectual carente de grandes nomes nessa área, pois já rarefeito desde o desaparecimento de Roberto Campos e de José Guilherme Merquior. Uma coleção de ensaios em sua homenagem seria bem vinda, a exemplo daquela que se fez por ocasião do centenário de Roberto Campos: O homem que pensou o Brasil. Uma coletânea de seus escritos mais representativos seria ainda melhor...



Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 21 de janeiro de 2018

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