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segunda-feira, 23 de abril de 2018

Eugenio Gudin: sintese de uma vida - O Globo

Gudin, engenheiro, pai dos economistas brasileiros e floricultor em Petrópolis
Fonte: Acervo O Globo, 24/10/2016
Criador da primeira faculdade de Economia no país, na atual UFRJ, e enviado do Brasil a Bretton Woods, o carioca, que morreu há 30 anos, inspirou políticos e ministros. 
O homem que recebe a alcunha de “pai da economia brasileira” começou a vida como engenheiro, foi economista autodidata, ministro, professor, literato, jornalista, cantor de óperas amador e morreu, no dia 24 de outubro de 1986, como floricultor de Petrópolis. Em seus 100 anos, Eugênio Gudin, oráculo do pensamento liberal, atravessou dois séculos e viveu como poucos a História do seu tempo. Ajudou a criar o primeiro curso universitário de Economia no Brasil, esteve na delegação brasileira que participou da Conferência de Bretton Woods, nos Estados Unidos, em 1944, quando foram criados o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (Bird), e participou ativamente da política do país como ministro da Fazenda no governo Café Filho e como inspirador de políticos, ministros e economistas brasileiros e estrangeiros, que o procuravam em seu apartamento em Copacabana, na Zona Sul do Rio, para ouvir opiniões e conselhos.

Colunista do GLOBO desde 1958 até o ano de sua morte, em 1986, Eugênio Gudin era ferrenho defensor do liberalismo econômico, sendo respeitado por economistas de diferentes correntes de pensamento. Apesar de ter como endereço durante décadas um prédio da Avenida Atlântica — com entrada pela Rua Miguel Lemos, para pagar IPTU menor —, em que recebia visitas de políticos e ministros, Gudin nasceu em outro bairro da Zona Sul, o Cosme Velho, no dia 12 de julho de 1886. Ao fazer cem anos, ganhou uma placa em sua homenagem, afixada na casa onde passou o início da vida, na Rua Cosme Velho 829. Nos dias que antecederam o aniversário, Gudin recebeu centenas de telegramas, entre eles o do diretor-gerente do FMI, Jacques de Larosière.

— Quando ele era criança, adorava esperar o carro de moer cana, puxado por burros, e que tinha um realejo. A garotada da rua corria atrás do carro. Era uma festa todo o dia. Mas pelo que sei, o professor nunca teve muito tempo para ser criança. Foi uma pessoa seriíssima, tanto que se formou engenheiro aos 19 anos de idade — disse ao GLOBO, em 14 de julho de 1986, o historiador e ex-goleiro da seleção brasileira e do Fluminense Marcos Carneiro de Mendonça, vizinho do economista, ao inaugurar a placa.

A formação precoce, em 1905, na Escola Politécnica, hoje pertencente à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), dava uma pista da capacidade de Gudin. Ele trabalhou em grandes empresas, entre elas a Great Western of Brazil Railway, que construía ferrovias no Nordeste, da qual foi diretor-geral por quase 30 anos. Ele também construiu represas em Pernambuco e Ceará. Ajudou ainda a erguer a Represa de Ribeirão das Lajes, destinada a fornecer luz elétrica para o Rio de Janeiro. Porém, foi nas ciências econômicas que deixou seu maior legado, ao ser um dos responsáveis por idealizar o primeiro curso de Economia do Brasil, na opinião do professor Luiz Roberto Cunha, decano da PUC-Rio e neto de Gudin.

— Ele era um pessoa séria, mas também muito alegre, que gostava muito de conversar, especialmente com pessoas mais jovens. Ele dizia que os jovens são muito importantes para os mais velhos, e que eles ajudam a gente a viver mais. Ele também não gostava de beber água, só vinho. E brincava que todas as pessoas que morreram tinham uma coisa em comum: tomavam água — contou Cunha ao Acervo O GLOBO na última quinta-feira, acrescentando que passou a conviver com Gudin a partir dos 14 anos, depois que o economista casou-se com sua avó, Violeta. Sem filhos naturais, Gudin teve três casamentos, o último com Violeta, que lhe deu o prazer da vida em família e até bisnetos.

Gudin marcou gerações de economistas com o livro “Princípios de economia monetária”, de 1943 e hoje um clássico. Um dos seus discípulos, que bebeu na fonte da obra, foi o ex-ministro Mário Henrique Simonsen, que comandou o Ministério da Fazenda do governo Geisel, de 1974 a 1979. Gudin, cinco anos antes de escrever o livro, com Gustavo Capanema no Ministério da Educação de Getúlio Vargas, tornou-se um dos criadores da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas do Rio de Janeiro (FCEARJ), em 19 de dezembro de 1938. Incorporada à antiga Universidade do Brasil (hoje UFRJ) a partir de 1946, foi a primeira a oferecer um curso de Economia no Brasil. Gudin deu aula na instituição até 1957, quando se aposentou. A vida e obra de Gudin são contadas no documentário “Eugênio Gudin - o homem de dois séculos”, de 1986, dirigido por Silvio Lanna, Hillton Kauffman e Júlio Wolgemuth. Em 2012, sua vida ganhou as páginas do livro “Eugênio Gudin, inventário de flores e espinhos”, de autoria do historiador Márcio Scalercio (PUC-Rio) e do jornalista Rodrigo de Almeida (editado pela Insight Comunicação).

Ferino polemista, Gudin criticou a criação da Petrobras, em 1953, que na época não produzia uma gota de óleo, e condenou qualquer tipo de dirigismo estatal em um debate histórico com Roberto Simonsen, então presidente da Fiesp, nos anos 40. Na ocasião, um ano antes de embarcar para a Conferência de Bretton Woods, convocada pelo presidente americano Franklin Roosevelt para discutir a nova ordem econômica mundial após a Segunda Guerra, o economista participou do primeiro Congresso Brasileiro de Economia, em 1943.

Muitas vezes em sua vida levantou a voz contra o desperdício de dinheiro público e defendeu a importância da educação para o desenvolvimento nacional. Gudin fez sua estreia como colunista do GLOBO em 23 de maio de 1958, escrevendo artigos até o ano de sua morte, em 1986. Dublê de economista e jornalista defendia teses que só décadas depois vingaram no Brasil, entre elas o controle da inflação, o equilíbrio fiscal e o câmbio flutuante. Alertou, em seu primeiro artigo para o jornal, sobre riscos da política de investimentos, conhecida sob o slogan de "50 anos em cinco" do então presidente Juscelino Kubitschek. Certa vez, afirmou sobre JK: "O Juscelino era um bom rapaz, bem intencionado, mas muito playboy. Ele criou uma capital que não produz nada".

As medidas da era JK eram opostas às de estabilização econômica — baseada no corte das despesas públicas e na contenção da expansão monetária e do crédito — que Gudin havia adotado, em meio a uma crise financeira, quando foi ministro da Fazenda do governo Café Filho, pouco antes, entre agosto de 1954 e abril de 1955. Durante sua passagem pelo ministério também foi decretada a Instrução 113 da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), que facilitava os investimentos estrangeiros no país e acabou sendo muito utilizada no governo JK, segundo o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Foi ele também quem determinou que o Imposto de Renda passasse a ser descontado na fonte.

Em suas colunas publicadas no GLOBO, Gudin criticou também o então presidente João Goulart e apoiou o golpe militar de 1964, por acreditar que colocaria o país nos eixos. No final da década seguinte, porém, alfinetou o “milagre econômico” do regime militar comandado por Delfim Netto, que fez o Produto Interno Bruto brasileiro (PIB, conjunto de bens e produtos produzidos no país) passar dos dois dígitos, entre os anos de 1968 e 1973.

No final da década de 70, O GLOBO publicou uma série de 13 entrevistas com o economista, em que revisitava a História do Brasil desde a República Velha até o governo Geisel. A primeira delas saiu na edição do jornal em 14 de outubro de 1979, alinhando também memórias do ex-ministro e passagens de sua vida. Gudin foi ainda vice-presidente da FGV, entre 1960 e 1976, instituição com a qual mantinha vínculos desde a década de 40. Na Fundação, ele foi um dos responsáveis pela implantação do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) e da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE), das quais se tornou diretor.

Na última vez em que escreveu no GLOBO, em 19 de março de 1986, elogiava o Plano Cruzado e o “sucesso do combate à inflação” naquela altura, atribuída por ele à “obra do povo brasileiro, que respondeu ao apelo” do então presidente José Sarney. A inflação mensal em março daquele ano, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do IBGE, era de -1,31%, após cinco meses seguidos atingindo a faixa dos dois dígitos. No ano seguinte, entretanto, os preços voltaram a ficar fora de controle e chegaram aos mesmos patamares vistos antes das políticas de controle implementadas por Sarney.

Apreciador de bons vinhos, bons pratos e da música clássica, Gudin costumava almoçar com a família fora de casa aos domingos. Um dos restaurantes que frequentava era o Alpino, no Leblon, na Zona Sul carioca. Entre os seus prazeres, conta o neto e economista Luiz Roberto Cunha, estavam as flores e o sítio em Petrópolis. Com frequência, Gudin se refugiava na sua casa de dois pavimentos plantada na Serra Fluminense, com vista para a catedral da cidade, cercada por quaresmeiras, lírios e begônias.

— Antes de tudo, sou um floricultor em Petrópolis — afirmou em entrevista ao GLOBO, publicada em 12 de julho de 1981, quando completou 95 anos.

Pela transcrição: 
Ricardo Bergamini

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