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quarta-feira, 18 de julho de 2018

A Guerrilha do Araguaia: livro de Hugo Studart lançado em Brasilia

O lançamento foi um sucesso total: permaneci mais de 2 horas no Restaurante Carpe Diem, e a fila tipicamente continuava levando 2 horas de espera. Deve ter vendido mais de 200 livros.
Aqui está o convite. Logo abaixo a minha colaboração e a capa do livro. Depois o meu texto, oferecido como posfácio.

1285. “Uma tragédia brasileira: a loucura amazônica do PCdoB”, Posfácio a Hugo Studart: Borboletas e Lobisomens: vidas, sonhos e mortes dos guerrilheiros do Araguaia(Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 2018, 660 p.; ISBN: 978-85-265-0490-5; p. 503-507). Versão original publicada no blog Diplomatizzando(9/07/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/07/golpes-revolucoes-e-movimentos-armados.html). Relação de Originais n. 3255.


Uma tragédia brasileira: a loucura amazônica do PCdoB

Paulo Roberto de Almeida
Diplomata; professor no Uniceub.
 “Uma tragédia brasileira: a loucura amazônica do PCdoB”, Posfácio a Hugo Studart: Borboletas e Lobisomens: vidas, sonhos e mortes dos guerrilheiros do Araguaia(Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 2018, 660 p.; ISBN: 978-85-265-0490-5; p. 503-507). Versão original publicada no blog Diplomatizzando(9/07/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/07/golpes-revolucoes-e-movimentos-armados.html). Relação de Originais n. 3255; Relação de Publicados n. 1285.

Grandes revoluções sociais são fenômenos extremamente raros na história da humanidade. Ainda bem: elas provocam destruições enormes, uma grande mortandade de civis inocentes, perdas materiais significativas e muito raramente transformam para melhor as nações nas quais ocorrem. Geralmente necessitam ajustes adicionais, também dolorosos, para produzir efeitos reais no itinerário político ou econômico das nações onde ocorrem. Costumam “devorar” os seus filhos, consumindo, literalmente, lideranças inteiras de revolucionários improvisados; muitos deles desaparecem na voragem de combates, em novas insurreições, em golpes de palácio e o que mais houver.
As verdadeiras revoluções são raras por um motivo simples: elas não são feitas, apenas acontecem, sem que se possa prever antecipadamente sua ocorrência e seus desenvolvimentos. Muito mais frequentes e numerosos são os golpes de Estado, as quarteladas militares, o assalto planejado ao poder, as insurreições urbanas, revoltas rurais esparsas nos campos e outras mudanças de governo e ascensão de novas elites. Isso ocorre quando o antigo regime tenta se reformar, como evidenciou genialmente Tocqueville em O Antigo Regime e a Revolução(1848). Essas tomadas de poder, pela via da violência, se tornaram tão frequentes numa época – como o putsch de Lênin, em 1917, ou a marcha de Mussolini, em 1922 – que escritor italiano Curzio Malaparte, bom observador desses fenômenos, escreveu um manual, Técnica do Golpe de Estado, dois anos antes da ascensão de Hitler, em 1933, inaugurando uma tirania absoluta pela via “legal” das eleições; décadas depois, Hugo Chávez inaugurou um ciclo de “consultas populares” para a construção da sua “ditadura plebiscitária”.
E como foi no Brasil? Tivemos muitos golpes de Estado, é verdade, várias quarteladas, algumas guerras civis embrionárias – nas regências, como a revolução farroupilha no Sul, a revolta da Armada, no início do regime republicano, e a “guerra paulista”, no governo provisório de Vargas – mas nenhuma revolução social de caráter nacional digna desse nome. O abolicionismo que Nabuco pregava – que deveria ter sido seguido de reforma agrária e de uma revolução educacional, depois da abolição da escravidão – talvez merecesse esse epíteto, mas infelizmente não foi o caso. A revolução “liberal” de Minas Gerais, em meados do século XIX, ou as revoluções de Pernambuco – autonomista em 1817, republicana e federalista em 1824, nacionalista e “socialdemocrata” em 1848 – não se qualificam como verdadeiras revoluções sociais, ao mesmo título que outros exemplos na História, inclusive a própria Inconfidência mineira antes da independência. Em geral, foram movimentos conduzidos por elites esclarecidas, raramente processos saídos de “massas oprimidas”, mesmo com revoltas escravas ou de populações periféricas, todas extremamente marginais do ponto de vista político. Até praticamente o final do Império, o Brasil rural e atrasado, não tinha massas urbanas organizadas, como passou a ter depois, com a imigração e a industrialização.
O que mais tivemos foram intervenções das Forças Armadas motivadas por crises políticas, aliás na própria inauguração da República, para sepultar a monarquia já decadente. Ocorreram pequenas e grandes tragédias ao longo do século republicano: o messianismo de Canudos, erradamente interpretado como uma revolta monárquica contra a República, como no caso da revolta da Armada, o Contestado nos limites do Paraná e Santa Catarina, e várias revoltas de tenentes, para “liquidar” a república “carcomida”. Nessa categoria entra a “Coluna Prestes”, supostamente um prelúdio à Grande Marcha do Exército Vermelho de Mao Tsé-tung, mas que criou um mito, o do “Cavaleiro da Esperança”, aproveitado pela Internacional Comunista para teleguiar, de Moscou, a “intentona” de novembro de 1935, que constituiu, certamente, a primeira grande tragédia do comunismo no Brasil.
Essa tentativa de assalto ao poder, comandada por um bando de trapalhões, como demonstrado no livro de William Waack, Camaradas, vacinou definitivamente as Forças Armadas contra uma das mais poderosas ideologias do século XX, junto com o fascismo, e fez do anticomunismo a doutrina oficial, e permanente, do Estado brasileiro, condenando de antemão ao fracasso qualquer nova aventura nessa direção. A disposição ficou patente logo em seguida à intentona, materializada na Lei de Segurança Nacional, nos tribunais de repressão aos “maus elementos” nas hostes militares e, sobretudo, na dura repressão a todos os dissidentes da nova ditadura, o Estado Novo (1937-1945), pela polícia política comandada pelo Sr. Filinto Muller.
Os revolucionários dos anos 1960 se esqueceram talvez do precedente de 1935, que aliás não era objeto de tantas comemorações oficiais até que a inauguração de um novo, e longo, ciclo militar transformasse o mês de novembro, ao lado, obviamente, do 31 de março, num marco obrigatório dos pronunciamentos político-militares do novo regime. Aqueles que optaram, desde o início do período autoritário, pelo caminho da resistência armada ao “governo golpista”, à “ditadura militar”, ao “regime servil ao imperialismo”, o fizeram por sua própria conta e risco, numa completa inconsciência sobre as condições reais do “movimento popular”; sobrestimaram o apoio que teriam das “massas trabalhadoras”, operárias e camponesas, às suas aventuras guerrilheiras. “Cutucaram onça com vara curta”, como se diz na linguagem popular, e aprenderam duramente que o Estado brasileiro não era um simples títere do imperialismo americano, ou um “tigre de papel”, como repetiam os maoístas do movimento comunista brasileiro. 
Justamente, uma das maiores tragédias da história política brasileira recente, ao lado de episódios de guerrilha urbana rapidamente desbaratados pela repressão, é constituída pela incursão maoísta nas selvas do Araguaia, tal como descrita neste relato histórico exemplar do jornalista Hugo Studart. Além de ter honesta e objetivamente reconstituído essa loucura militar do PCdoB, seu relato precisa servir de denúncia dessa iniciativa insana dos dirigentes maoístas brasileiros, uma vez que ela levou jovens idealistas das cidades a uma morte estúpida nas matas da Amazônia. Antes dela, na impossibilidade de reprodução de uma insurreição ao estilo castrista da Sierra Maestra, dirigentes comunistas, seguidos por revolucionários das grandes metrópoles, já se tinham lançado na aventura da guerrilha urbana, sem muita estratégia e quase nenhuma tática, a não ser os canhestros assaltos a bancos, ataques a quarteis, alguns sequestros de diplomatas e de aviões, e uns poucos deploráveis assassinatos de pessoas, rapidamente aproveitados pelo regime militar para apegar-lhes o rótulo de “terrorismo”. Tudo isso ajudou ao endurecimento do regime, pela via do AI-5. A guerrilha urbana e alguns poucos focos esparsos foram expedita e duramente reprimidos pelas forças da repressão, tomadas de surpresa no início do processo, mas rapidamente organizadas sob comando militar e muitos apoios em setores das elites econômicas.
Bem mais complicado foi o episódio amazônico, a segunda vez na história das Forças Armadas, depois de Canudos, que elas tiveram de organizar expedições sucessivas de suas tropas para debelar focos reduzidos de “combatentes inimigos”, fracamente armados, mas que aparentavam representar um grande perigo para o regime republicano. Ambos episódios foram tragédias sociais, mas pode-se considerar aquele primeiro apenas o fruto de equívocos de interpretação de uma república “jacobina”, enfrentando o que seria a sua “Vendeia”, segundo as leituras francesas de um Euclides da Cunha. O segundo não: foi uma tragédia evitável, e cabe aqui responsabilizar direta e totalmente a direção irresponsável do PCdoB pelo imenso crime perpetrado contra um punhado de militantes idealistas, imaginando participar de um grande empreendimento de resgate social, e justiceiro, do pobre povo do interior, numa reprodução quixotesca do que teria sido a “guerra camponesa” de Mao Tsé-tung, então no auge do um prestígio inteiramente indevido, pela “revolução cultural” que ele tinha deslanchado para livrar-se de adversários no Partido Comunista Chinês. 
O PCdoB ainda não foi levado aos tribunais da história pelo crime cometido não apenas contra os pobres camponeses da região, mas sobretudo contra os seus próprios militantes enganados por uma direção dogmática, míope, absolutamente delirante em seus projetos de reproduzir a marcha de uma já mistificada “revolução camponesa” ao estilo chinês. Acresce que jamais fizeram um estudo aprofundado sobre uma região desprovida de condições mínimas de sobrevivência para os simples rurícolas, no estado normal de penúria que sempre foi a norma naquelas paragens, ainda mais para jovens urbanos de classe média, completamente desacostumados às durezas da agricultura de subsistência, extremamente primitiva, que caracterizava o imenso hinterland do Brasil. Não contente em enganar aqueles jovens, a direção do PCdoB ainda deixou-os entregues à própria sorte, totalmente desprovidos de meios para enfrentar as forças organizadas do Exército brasileiro, que ainda tatearam duas vezes, antes de se lançarem no trágico desfecho final, feito de violência excessiva e muitas ilegalidades, e mesmo crimes, perpetrados em nome do Estado. 
Sem dúvida que, como no caso do enfrentamento contra a guerrilha urbana, as forças de repressão cometeram crimes horríveis – torturas, assassinatos, eliminação de alvos escolhidos, desaparecimento de cadáveres –, o que se reproduziu em outra escala, e estilo, nas selvas do Araguaia. O crime maior, porém, de natureza política, de âmbito militar, e de dimensões históricas, foi cometido por aqueles dirigentes comunistas, de quase todos os movimentos de resistência armada, que resolveram travar uma “guerra” contra um inimigo que eles julgavam frágil, podendo ser abatido por alguns golpes “certeiros”, que apressariam a revolta das “massas trabalhadoras” e a derrocada de uma ditadura supostamente acuada pela crise econômica e pelas “contradições” de um regime capitalista periférico, submetido às “pressões imperialistas”. Quando se lê, hoje, os poucos manifestos, documentos programáticos e outros boletins “táticos” produzidos pelos dirigentes desses movimentos armados, impossível não ficar estupefato ante o imenso festival de equívocos políticos, de monumentais erros estratégicos, de total inconsciência social e de inconsistência intrínseca nessas peças de puro delírio sectário, que ainda assim ganhavam adeptos entre jovens revoltados contra a ditadura militar. 
Ao PCdoB, tanto quanto às Forças Armadas, e talvez até mais do que a essas, devem ser imputados a responsabilidade material e a condenação política da História, pela tragédia que foi a guerrilha do Araguaia, um delírio tão grande dos seus dirigentes, que nem mesmo os supostos aliados do PCC pretenderam sequer dar algum sinal de apoio concreto ao aventureirismo, a não ser algumas poucas emissões radiofônicas a partir da China e, logo depois, da Albânia. Esse julgamento ainda não foi feito, pelo menos não em toda a sua extensão, pois o PCdoB continua existindo como o legatário de uma aventura alucinante, pouco conhecida pela maioria da população, mas em relação à qual ele ainda pretende classificar como exemplo de “resistência popular” contra a “ditadura militar”, quando tudo não passou de uma tragédia dispensável e de um equívoco lamentável. 
O tribunal da História ainda aguarda o PCdoB: seu delírio político-militar não pode ficar impune, não pode continuar a ser mistificado ou permanecer desconhecido do grande público. Este livro, magnificamente construído segundo as melhores técnicas da história oral, e que adota o rigor metodológico dos grandes manuais da historiografia, focaliza cada etapa dessa tragédia brasileira, segue o itinerário individual de cada um dos embrenhados na selva, dialoga com seus familiares e amigos dos enviados a um desterro involuntário, além de, sobretudo, desvendar o comportamento indigno e a ação irresponsável dos dirigentes do PCdoB. Essa insanidade dos que montaram uma aventura de antemão condenada ao fracasso, mas que depois se escafederam nos desvãos desse drama patética, permanecia até hoje desprovida de uma avaliação independente, agora amplamente realizada por esta obra de pesquisa original. O PCdoB ainda não conheceu o seu tribunal da história: este livro, além de ser um relato intelectualmente honesto, tão objetivo quanto permitem os documentos remanescentes e os depoimentos disponíveis, sobre o delírio amazônico do (ainda hoje) único partido maoísta do Brasil, constitui, igualmente, uma vibrante peça de acusação, absolutamente necessária, para que esse processo possa ser feito. Vale ler, refleti sobre os seus dados, retirar as consequências e meditar sobre o futuro da política no Brasil. 

Brasília, 25 de março de 2018
Revisto em 12 de maio de 2018.
Versão original, completa, publicada no blog Diplomatizzando(9/07/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/07/golpes-revolucoes-e-movimentos-armados.html).

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