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segunda-feira, 9 de julho de 2018

Minha utopia pessoal: o que poderia ser um governo de recuperação no Brasil? -Paulo Roberto de Almeida

De vez em quando eu me pego sonhando, como por exemplo ao retornar de Portugal no último dia 2 de julho, uma semana atrás, portanto. Em Portugal encontrei um país recuperado da enorme crise vivenciada alguns anos atrás, recebendo milhões de turistas, mas basicamente comprometido com sólidos princípios econômicos, que não são mais os da austeridade dos ajustes necessários, mas tampouco são os da irresponsabilidade habitual de populistas distributivistas, mesmo se os socialistas voltaram ao poder.
Portugal parece ter encontrado um equilíbrio entre a estabilidade macroeconômica e a busca de opções realizáveis dentro das limitações econômicas do país, que ainda é uma pequena economia, muito dependente da UE. 
No caso do Brasil não temos a UE, e nem o Mercosul poderia lhe ser comparado. Só temos nós mesmos. Pois eu imaginei que tudo poderia ser diferente, mas infelizmente acho que não vai ser.
Em todo caso, deixo aqui a minha fórmula realista de ajustes e equilíbrios, que não é um remédio milagroso, pois vai demorar anos e anos de lenta e dura recuperação.
Acho que não vai dar, mas deixo aqui minhas sugestões.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 9 de julho de 2018


A divisão do país e a transição da nação: tarefas do próximo governo

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: análise da conjuntura; finalidade: recomendações de postura]

Introdução
Quaisquer que sejam a análise conjuntural e o diagnóstico prescritivo que se façam sobre os problemas atuais e futuros do Brasil, bem como sobre as maneiras de resolver determinados impasses em torno das medidas a serem adotadas para superá-los, com vistas a retomar um processo de crescimento sustentado, impossível não partir da constatação de que o país se encontra hoje bastante dividido politicamente e fragmentado por correntes opostas de opinião quanto às tarefas à frente da nação, ou até mesmo quanto à forma de se fazer esse diagnóstico. Esse é, justamente, o resultado de anos e anos de incitação à divisão do país, um discurso monotemático bastante conhecido, que insistiu, desde sempre, em dividir a nação entre o povo e as elites, entre “nós” e “eles” (ou seja, eles e nós mesmos), entre uma suposta maneira correta de se fazer “justiça social”, por definição virtuosa, e uma alegada via “neoliberal” de ajuste austero e socialmente injusto.
Não é necessário qualquer explicitação detalhada quanto aos principais atores responsáveis por esse tipo de discurso, e seus efeitos notoriamente deletérios no aprofundamento dessa divisão política, que ameaça contaminar o debate político nesta fase eleitoral, e nas semanas e meses seguintes. Agora, qualquer que seja o governo que assuma o comando do Estado a partir de 1ro de janeiro de 2019, terá de começar, já desde o início da transição que começa ao término do segundo turno de outubro deste ano, a tarefa de reconstrução das bases da governança, a começar pela formação de um governo minimamente representativo das forças que se uniram para chegar à vitória no prélio definidor. Digo minimamente porque imagino que uma solução de melhor conveniência política seja uma composição entre os eleitos, ou seja, representativos do voto popular, e certo número de tecnocratas basicamente comprometidos com o processo de reformas já em curso, portanto necessárias, e outras que serão indispensáveis à continuidade dos ajustes programados.
A primeira tarefa do futuro chefe de Estado e comandante da nação será a de expor claramente à sociedade os terríveis problemas econômicos que a nação enfrenta e enfrentará nos próximos anos, sem nada esconder, sem nada mudar no conteúdo do que deve ser esclarecido à população para que ela tenha plena consciência da terrível situação que a nova administração herda para administrar. A função de um comandante da nação não deve ser a de apaziguar seus supostos apoiadores no Congresso, com os quais ele terá de trabalhar, mas isso apenas depois que ele se dirigir em primeiro lugar à população para informá-la do que deve e precisa ser feito para enfrentar o terrível legado recebido. Cabe o máximo de realismo nessa primeira mensagem, tão pronto anunciado o resultado oficial da votação. O discurso à nação é o primeiro ato da governança que se iniciará em 1ro de janeiro de 2019.

A primeira mensagem: a união da nação
O Brasil não pode mais continuar dividido entre, de um lado, os mentirosos que nos legaram a terrível situação presente – supostamente de esquerda, ou associados a ela – e que pretendem novamente se impor pela mentira e pela fraude sobre o que efetivamente ocorreu nos anos de populismo econômico, e de outro, os saudosistas de um regime militar – supostamente de direita – que não tem a menor chance de voltar. Esse passado de divisões artificiais não mais serve à nação no presente, e não pode ser a base da difícil reconstrução que temos no presente e no futuro previsível. Não existe um orçamento de esquerda ou de direita, assim como não existe um maná dos céus que derrame continuamente recursos supostamente coletivos para gastos públicos contínuos. 
A nação, de uma vez por todas, precisa aprender a viver dentro dos seus meios. A fratura entre os brasileiros de uma ou outra opinião não nasce apenas dessa divisão artificial de direita e esquerda, inclusive porque a maioria da população não se define em torno de conceitos abstratos. A divisão é claramente impulsionada por aqueles que pretendem continuar pregando conquistas impossíveis, os patrocinadores do populismo econômico e da demagogia política, formulando promessas fáceis, e mentirosas, de que existe um protetor natural de todos os pobres, que se chamaria Estado brasileiro. Esse Estado que tira dois quintos de toda a riqueza produzida por empresários e trabalhadores é precisamente o Estado que prolonga e mantém a pobreza dos mais humildes, ao mesmo tempo em que distribui fartamente subsídios e vantagens aos mais ricos. Isso precisa parar, e com isso deve cessar a divisão artificial entre pobres e ricos, e essa noção viciosa e viciada de que os interesses de ambos divergem entre si, numa “luta de classes” que só serve aos interesses dos mesmos divisionistas que infelicitaram a nação.
 Todos os brasileiros precisam tomar consciência de que o governo informará precisamente, de forma totalmente transparente, quais são as despesas obrigatórias, às quais não se pode constitucionalmente evadir, e quais são os recursos que nos restam para um debate aberto sobre as prioridades de gastos de livre arbítrio. Não se poderá atender a todos os reclamos ao mesmo tempo, mas as razões das escolhas básicas serão apresentadas com clareza ao mesmo tempo à população e ao Congresso. 

A primeira medida: o governo ainda será de transição
Não se deve eludir ou elidir a verdade. O Brasil tem um longo e penoso caminho de reconstrução pela frente, tantas são as deformações e os vícios acumulados ao longo dos anos. Já estamos em transição há muito tempo, primeiro da relativa estabilidade dos anos 2000, com crescimento moderado impulsionado pela demanda chinesa, para uma fase de crescimento irresponsável do final daquela década e que se prolongou durante toda a primeira metade da presente década, que nos precipitou na terrível recessão que enfrentamos há pelo menos três anos. A transição dos últimos dois anos, depois do final do governo irresponsável que produziu a maior crise de nossa história, não foi suficiente para recompor as bases de um novo ciclo de crescimento com distribuição de renda. Nem o fará sem a adoção de medidas duras de correção das deformações acumuladas.
Não há porque prometer um correção rápida dos imensos problemas que figuram na agenda da nação, e a melhor forma de ser honesto com a nação é dizer de modo claro quais são, quantos são, quão difíceis são esses problemas, se a presente geração quiser entregar aos nossos filhos e netos um país melhor do que o recebido neste momento, uma economia destroçada pela irresponsabilidade fiscal, a saúde, a educação e a aposentadoria futura ameaçadas de insolvência pura e simples.
Insistir sobre a transição é também uma maneira de preparar a nação para as comemorações do seu segundo centenário da independência, quando, infelizmente, a renda média da população será igual, talvez até mesmo inferior, à que a nação exibia dez anos antes, dada a gravidade da crise que nos foi legada, a maior recessão de toda a história econômica do país. O que o governo pretende fazer, até 2022, é uma completa inversão das tendências seguidas nas últimas décadas, de maneira a podermos iniciar um terceiro século de vida independente em bases sensivelmente diferentes daquelas que foram as nossas até o presente momento.

Uma certa concepção do Estado: ao menor custo para a sociedade
Pela primeira vez em nossa história bissecular, os custos do ajuste incidirão não sobre a sociedade, mas sobre o próprio Estado, que avultou de modo exagerado, a ponto de engolir um volume de recursos incompatível com a capacidade da cidadania de gerar riquezas na proporção exigida pelo ogro famélico no qual converteu-se esse Estado. O Brasil não tem produtividade para registrar uma carga fiscal típica de país rico, exibindo ao mesmo tempo uma renda per capita cinco ou seis vezes inferior à dos países ricos. Essa carga fiscal precisa diminuir, sobretudo sobre os produtores e investidores, do contrário estaremos matando a galinha de ouro que mantém esse Estado vorazmente predatório. Isso tem de acabar, e o Brasil precisa voltar a ser um país normal, daí que o esforço de austeridade incidirá em primeiro lugar sobre o próprio Estado.
O governo passará a trabalhar com um número reduzido de ministérios, voltando tanto quanto possível ao formato e à estrutura administrativa existente na transferência da capital para Brasília. O presidente tem a obrigação de reunir-se com cada um de seus ministros, e deve poder discutir com eles todos os aspectos das políticas setoriais que ele tem de levar a cabo. Isso só é possível com um ministério enxuto, o que significa uma redução real das agências públicas, não apenas pequenos ajustes no organograma.
O governo vai propor ao parlamento a redução do número de deputados numa mais estrita proporcionalidade na Câmara, assim como o corte de um terço no número de senadores. Também vai sugerir ao parlamento a redução do número de juízes da Suprema Corte para nove, como foi tradicionalmente no Brasil republicano. O sistema eleitoral será revisto, para um modelo distrital misto, com o fim do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral, como maneira de reduzir naturalmente o número anormalmente elevado de agremiações politicas. A Justiça do Trabalho, em suas várias instâncias, criadora de conflitos ao contrário do que habitualmente se crê, não pode continuar a trabalhar nos moldes atuais, quando ela tipicamente gasta o dobro do valor médio dos contenciosos com o seu próprio funcionamento. Algo precisa ser feito a esse respeito, uma vez que a própria instituição representa uma anomalia no cenário internacional, já que poucos países, se algum, exibe essa pletora de cortes trabalhistas. 

Um programa de tarefas baseado em cinco princípios claros
O programa completo de governo será detalhado oportunamente, em torno de cinco grandes capítulos de ação, cujo sumário breve pode ser anunciado da seguinte maneira: 
1) Macroeconomia estável
A volatilidade, que obsta ao planejamento microeconômico e ao investimento produtivo, não é o resultado de capitais especulativos ou da ganância dos financistas, e sim a consequência de mudanças intempestivas nas políticas de governo, macroeconômicas ou setoriais, daí a necessidade de proclamar regras claras – como aquelas existentes no tripé econômico do governo que implementou o Plano Real – e de ater-se a elas com o compromisso da continuidade. Equilíbrio fiscal, juros de referência o mais próximo possível do nível de equilíbrio dos mercados financeiros, um regime de flutuação cambial acompanhando a dinâmica dos intercâmbios externos, estrito controle do endividamento público de maneira a incluir o serviço da dívida no limite, ou pouco abaixo, das disponibilidades orçamentárias e redução das metas de inflação a patamares existentes na maioria dos países. 

2) Microeconomia competitiva
Liberdade de mercados é a coisa mais simples de se conceber: inexistência de carteis e monopólios estatais ou privados, eliminação ou redução das barreiras à entrada de competidores em todas as áreas de interesse público relevante, fim das corporações de ofício ou concessões em regime de reserva de mercado (interna, setorial ou passível de abertura a concorrentes estrangeiros). O principio é válido para praticamente todas as áreas de oferta de bens universais, ou seja, de consumo indistinto, mas também pode ser aplicado a serviços públicos de interesse geral, que podem ser adequados para funcionar em bases semelhantes ou similares às dos mercados. Abertura econômica e liberalização comercial são dois instrumentos essenciais nessa vertente.

3) Governança eficiente e transparente
Uma reforma política e administrativa, nos três poderes e em cada um dos níveis da federação, e em suas agências especializadas, impõe-se como condição incontornável ao trabalho de redução do tamanho, do peso, dos custos de manutenção do Estado hoje extrator e predador. Reformas nos códigos do Judiciário e modernização de suas práticas também são essenciais para diminuir os custos de transação e o terrível ônus para os particulares das delongas inaceitáveis nos prazos de solução de litígios. Certos  “direitos adquiridos” terão de ser revistos, pois eles correspondem, na maior parte dos casos, a “espertezas” contrabandeadas para dentro do Estado por interesses corporativos em prol da criação e manutenção de privilégios inaceitáveis a qualquer título, aliás em grande medida defendidos com disfarces de duvidosa legalidade. Cabe rever, também, o princípio da estabilidade funcional no serviço público, pois ele só se justifica em restrito número de casos, sendo o Brasil notoriamente tolerante com abusos nesse terreno. Isso vale, igualmente, para certos dispositivos constitucionais que prolongam privilégios não justificados pela natureza dos serviços oferecidos pelo Estado.

4) Alta qualidade dos recursos humanos
O principal obstáculo a um crescimento mais vigoroso dos índices notoriamente medíocres da produtividade total de fatores, especialmente a do trabalho, é o espetáculo deprimente da baixíssima qualidade da educação brasileira, em todos os níveis, o que está a exigir não uma simples reforma, mas uma verdadeira revolução nessa área. Não se trata de processo linear ou limitado no tempo, pois as correções a serem feitas nessa área necessitam prolongar-se por mais de uma geração para produzirem resultados minimamente satisfatórios. Metodologias e padrões já testados numa ampla gama de países, em estudos coordenados por uma instituição como a OCDE, oferecem diversas sugestões de mudança, a serem conduzidas por força-tarefa nacional, com mandato a ser exercido por largo tempo.

5) Abertura ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros
Se existe um item na política econômica externa que deve passar à frente de quaisquer outros temas da agenda diplomática são esses dois, felizmente podendo ser guiados por relatórios pragmáticos já disponíveis para consulta e ação: o Fazendo Negócios, do Banco Mundial, o Relatório Global de Competitividade, do Fórum Econômico Mundial, e o Liberdade Econômica no Mundo, do Fraser Institute, fornecem dezenas de recomendações absolutamente transparentes a esse respeito.
A política externa será basicamente uma política econômica externa, em esforço coadjuvante ao processo de ajustes e reformas na economia. O foco da diplomacia estará, assim, centrado na inserção global da economia brasileira, de maneira a elevar os níveis notoriamente baixos de participação nos intercâmbios de bens e serviços e de competitividade externa da oferta nacional. Maior abertura aos investimentos diretos estrangeiros, inclusive em áreas ditas “estratégicas”, assim como a redução da proteção tarifária e não tarifaria terão o efeito de aumentar a produtividade geral da economia.

Paulo Roberto de Almeida
Lisboa, em voo Lisboa-Brasília, 2 de julho de 2018

  

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