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segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Brasil, colonia de Portugal: fabrico do sabao proibido - Guardamoria, Paulo Werneck

Guardamoria, 26 Aug 2018 02:11 PM PDT
Paulo Werneck


Tommaso Garzoni (1641): Caldeira de Sabão
Fonte: Wiki

Continuando os comentários sobre as normas que teriam sido publicadas pelo governo do Reino de Portugal para inibir o desenvolvimento do Estado do Brasil, ou, como querem, da colônia atlântica, abordaremos a questão da fabricação do sabão. Registrou Ferreira Lima que não era permitido o fabrico de sabão no Brasil ("o alvará de 5 de fevereiro de 1767 impediu a fabricação de sabão;"). A resposta de Brito ao texto que não nomeou, mas sobre esse exato tema, foi:
"AVISO DE 14 DE SETEMBRO DE 1725, ordenando não se introduzir na Capitania do Rio de Janeiro o sabão, o povo acabou fabricando-o, ver, adiante, a ordem proibindo êsse fabrico"

O primeiro contrato de sabão foi feito cerca de 1625, um século antes da prohibição. Por êle, o rei de Portugal concedeu a faculdade de ter fábricas na Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro (Melo Morais. "Brasil Histórico" - Vol. 2 - pg. 246). Nos anais da Biblioteca Nacional e nos documentos Históricos - Vol. 1 - p.p. 135-137 - há documentos desmentindo o aviso acima. 
Efetivamente, em Documentos Históricos, nas páginas 135 a 137 pode-se ler: 
Dom João por graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves daquem e dalém-mar em África senhor de Guiné etc. Faço saber a vós Provedor da fazenda da Capitania de São Paulo, que por parte de Francisco Morato, se me representou, que elle havia arrematado no conselho de minha fazenda o contracto do sabão preto destas cidades e suas conquistas por tempo de quatro annos, que hão de ter principio do primeiro de Janeiro do anno que vem de mil sete centos e vinte e oito e hão de acabar no fim de Dezembro de mil sete centos e trinta e um e que entre as condições delle era uma que lhe seriam passadas todas as Provisões, e mandados que lhe fossem necessários, para cumprimento do mesmo contracto e boa arrecadação delle. Pedindo-me lhe mandasse passar ordem para que em virtude da dita condição, e das mais o admittaes por si seus feitores, e administradores a requerer tudo o que fizer a bem do dito contracto, e pol-o em boa arrecadação, como fazenda real: e que outrosim possa dar os varejos que lhe parecerem necessários, em todos os Estados que houver de sabão administrado pelo contractador presente para que no primeiro de Janeiro do dito anno possa tomar conta das arrobas que achar nelles para haver de se lhes pagar pelo custo que constar fizeram ao contractador antecedente e não pelos avanços que lucra até o ultimo de Dezembro do presente anno; e que também os ditos seus administradores de primeiro de Janeiro em diante possam pôr correntes as saboarias deste novo contracto pondo-as e administrando-as conforme o estylo, e se praticou nas administrações passadas: e sendo visto seu requerimento. Me pareceu ordenar-vos guardeis e façaes guardar as condições do contracto do supplicante para que se pratique com elle o mesmo que se praticou com o contractador actual, declarando-se-vos que se ponha todo o cuidado na guarda da condição dezoito que trata do sabão da Ilha de São Thomé. El-Rei nosso senhor o mandou por Antonio Roiz da Costa e o Doutor Joseph de Carvalho Abreu conselheiros do seu Conselho Ultramarino e se passou por duas vias. Dionysio Cardoso Pereira a fez em Lisbôa occidental em nove de Agosto de mil sete centos e vinte e sete.

O secretario André Lopes de Lavre a fez escrever.
Antônio Roiz da Costa
Joseph de Carvalho Abreu

Por despacho do Conselho Ultramarino de 9 de Agosto de 1727 
A questão do fabrico não era novidade no Reino. Havia desgosto quanto ao estanco da fabrição do produto, tendo sido objeto de reivindicação ao rei Dom João II, durante as Cortes de Évora de 1481-1482, conforme registrado pelo Visconde de Santarém:
Capitollo que falla no sabam e saboarias. 

Senhor parece a vosos povoos stranho que de seu azeite e sinza nom posa cada hũu fazer sabam pera despesa de sua casa e que per prema ho vaao comprar ao remdeiro que arremdada teem a saboaria no que vosso povoo recebe muito agravo e perda sem ateequi aver corregimento Pedem vos por mercee que estas saboarias vosa alteza lhes dexe e mamdees que cada hũu faça livrememte sabam sem por ello emcorrer em pena e quando vosa alteza as nõ tirar ao menos mandees que quem o sabã quiser fazer pera sua despesa que o possa fazer e nom o vemda a allgũa pesoa e quẽ o comprar quiser vaa aaquelle ordenado que o tem per licença vossa e em esto senhor farees muita mercee a vosos povoos e já Senhor per elRei eduarte voso avoo em hũuas cortes que fez em Samtarem determinou que per morte do Ifante do amrrique ficasem as saboarias ao povoo e as mais hi nom ouvesse o que muito poderoso Senhor vosa alteza deve comfirmar e aprovar por fazerdes mercee e justiça a vosos povoos. 

Reposta. 

Respomde elRey que por isto tocar ao ducque seu primo lhe parece que he rezam e ha por bem que a Ifamte sua madre seia ouvida como procurador que he do dicto Duque e manda que pase carta pera ella e mamda que os procuradores emllegam amtre si hũu ou dous que em speciall tenham carrego de o sobre ello requerer pera despois de viir o recado da dicta ifante elle determinar o que lhe parecer seer rezam e direito. 
A reclamação era simples. Nada foi colocado contra o estanco em si, mas contra a proibição de se produzir sabão para próprio uso, sem venda para terceiros. 

Qual a resposta não se sabe pelo registro das Cortes, uma vez que o rei postergou a resposta. Todavia, na Wikipedia, verbete sabão, informa que "Desde o século XV, pelo menos, que o povo se manifesta contra este monopólio que até impedia o fabrico caseiro para uso doméstico." Mas, só para não variar, não informa de onde obteve tal informação, correta por sinal, pois as Cortes de Évora foram realizadas no século XV...

Muito mais tarde, em 1641, há o registro de um contrato de dois anos, pelo qual o contratador tem que pagar uma dada renda à Fazenda Real, mais por cento para a Obra Pia, e outros acréscimos.

Quanto ao preço do sabão, ficava à discrição do arrendador. Quanto a área coberta pelo estanco, depreende-se que Portugal e as partes do Brasil.
EU EL-REI faço saber aos que este Alvará virem que no Conselho de minha Fazenda se contratou a renda do sabão preto deste Reino e partes ultramarinas delle, a Martim Moreira, por tempo de dous annos, que começaram a 27 dias do mez de Setembro do anuno de 1641, em Preço e quantia de dous contos e dozentos mil réis em cada um delles, alem do um por cento da Obra Pia, e dous por milheiro, e ordinarias que se costumam pagar na dita renda: E conforme ao contracto della, fez traspasso da dita renda em Sebastião Ribeiro de Teives, que outro sim traspassou logo o que se havia de gastar nas partes do Brazil em Ignacio de Azevedo, a quem para o meneio e despesa do dito sabão é necessario pôr Feitores e Recebedores e mais Officiaes que forem necessarios nas ditas partes:

Pelo que mando ao Governador dellas, e ao Provedor de minha Fazenda, e Ouvidor Geral, e mais Justiças, dos logares do dito Estado do Brazil, que a todos os Feitores, Recebedores, e mais Officiaes, que o dito Ignacio de Azevedo provêr para beneficio e venda do dito Sabão, lhe cumram e façam cumprir os mandados que para isso passar, ou lhe passem outros, conforme as condições do dito contracto, e lhes dêem e façam dar toda ajuda e favor que cumprir e fôr necessario para a venda e beneficio do dito sabão; e que nenhuma Camara dos ditos Logares, nem Oficiaes della, se entremettam no preço do dito sabão, nem em posturas delle, nem façam nenhuma condemnação a quem o vender, sob pena de eu proceder como houver por bem — o que todos cumprirão, por convir a meu serviço e boa administração de minha Fazenda — e este se passou por duas vias, de que esta é a segunda. que se cumprirá, com certidão do Escrivão do novo direito de como se pagou delle o que se dever: e sem a dita certidão não terà effeito. 

Balthasar Ferreira o fez, em Lisboa, a 15 de Maio de 1643. Fernão Gomes da Gama o fez escrever. = REI.

Liv. XVI da Chancellaria fol. 66. 
Isto visto, fica claro que o sabão era uma fonte de renda para o Reino, por meio de contratos de estanco, pelo qual o contratante pagava uma renda para o Tesouro e ficava com o direito de fabricar e vender o sabão com exclusividade.

Se o contratante resolvesse produzir sua mercadoria na península, por óbvio ficaria proibida a produção no Brasil, e vice versa. 

Nada a ver com uma decisão da Coroa Portuguesa contra o desenvolvimento das "partes do Brasil"... 

Fontes:

BRITO, Luiz Tenório de. Prometi. Aqui Estou. In Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Volume LIX, paginas 59 a 70. 

SANTARÉM, 2º Visconde de (1791-1856). Memórias e Alguns Documentos para a História e Teoria das Côrtes Geraes. Parte II. Documentos - Alguns Documentos para servirem de provas à parte 2ª das Memorias para a Historia, e Theoria das Cortes Geraes, que em Portugal se celebrarão pelos tres Estados do Reino. Páginas 174 e 175. Lisboa: Impressão Régia, 1828. Disponível em www.governodosoutros.ics.ul.pt

LIMA, Heitor Ferreira (1905-1989). História do pensamento econômico no Brasil, página 71. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976. 

SILVA, José Justino de Andrade e. Collecção Chronologica da Legislação Portugueza - 1640-1647. 2ª Série. Páginas 437 e438. Lisboa: Imprensa de J. J. A. Silva. Disponível em www.governodosoutros.ics.ul.pt
WIKIPEDIA. Sabão. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Sabão. Acesso em 26.08.2018.

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