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terça-feira, 4 de setembro de 2018

O Dilúvio, um pouco mais à frente - Afonso Celso Pastore

A irritação de um economista
Agonso Celso Pastore
O Estado de S. Paulo, 3/09/2018

"Apesar da depreciação do real, que indica crescimento da percepção de riscos, ainda há no mercado financeiro quem acredite que a vitória da direita ou da esquerda não impede a solução do problema fiscal. O argumento é pseudo-dialético: a gravidade da situação gera a semente de sua resolução.

O problema não é tão simples. A situação fiscal do Brasil é insustentável, mas a crise ainda está em estado latente, podendo ou não ser evitada antes que nos leve à dominância fiscal e à inflação impeditiva do crescimento. Para evitá-la é preciso que seja extirpado o déficit primário, transformando-o em superávits, o que requer no mínimo a reforma da Previdência, sem o que o teto de gastos não se sustenta.

A equipe de Alckmin reconhece a gravidade da situação e propõe, entre outras, uma reforma da Previdência que considere o problema demográfico, e elimine privilégios. Porém, seus oponentes dizem aos eleitores que a solução prejudica os pobres, e para não desagradar os eleitores, economistas ligados ao PT chegam a negar a sua necessidade, bastando acelerar o crescimento, e consequentemente elevar as receitas. É a mesma “fórmula mágica” usada por Dilma Rousseff, com o crédito barato aos empresários que se alinham com os “donos do poder”. Já o economista ligado a Bolsonaro nos ilude (ou ilude a si mesmo) com um sistema de capitalização inviável diante dos custos da transição, que ele irresponsavelmente supera admitindo que criará um “fundo” cuja natureza nunca foi explicada. Em magnífico artigo publicado na edição do dia 29, na Folha de S. Paulo, Alexandre Schwartsman destrói os argumentos da esquerda e da direita, deixando a nu a mentira que é contada aos leitores.

Não tenhamos ilusões. Na transição de FHC para Lula vivíamos uma crise fiscal já manifesta, mas fácil de resolver, enquanto a atual ainda está em estado latente, mas de solução difícil e politicamente custosa. Na transição de FHC para Lula a maior parte da dívida pública era dolarizada, e a relação dívida/PIB se elevava com a depreciação cambial. Quando o real se depreciava eram necessários superávits primários maiores para reduzir a dívida em relação ao PIB, e como o PT alardeava que não pagaria a dívida gerava-se uma fuga de capitais que depreciava o real, elevando a dívida e requerendo superávits primários ainda maiores. Vivíamos, assim, uma crise com uma componente de profecia autorrealizável, sem que existisse sequer uma pálida sombra dos problemas atuais dos gastos da previdência e dos gastos primários como um todo.

Não saímos daquela crise somente com uma “carta aos brasileiros”, que foi apenas a fórmula encontrada para pelo PT para capitalizar os louros da solução. A equipe de FHC – Pedro Malan e Armínio Fraga - tomou a iniciativa de negociar um acordo com o FMI que, entre outras, estabelecia metas para os superávits primários. O já ungido futuro ministro da Fazenda – Antonio Palocci – foi consultado, achando providencial a iniciativa do governo que saía, levando a proposta a Lula. Palocci convenceu-se sobre o caminho a ser seguido convencendo Lula e o PT, e por mais de três anos repetiu a frase canônica:

“Faremos o superávit primário que for necessário para reduzir a relação dívida/PIB”. O início do ciclo de commodities facilitou ainda mais o ajuste, que se transformou em um caminho sem lágrimas.

Lembro-me que por essa ocasião fui convidado a jantar no apartamento de um empresário simpático ao PT, encontrando pessoas ligadas ao partido para discutir com Palocci, que não apareceu. O propósito era conhecer o que eu pensava sobre o ajuste fiscal. Expus os argumentos a quem se dispôs a ouvi-los, e ouvi de um indivíduo ligado ao partido a frase: “Vocês nos convenceram: faremos os superávits primários para conquistar a credibilidade, mas fiquem seguros que quando a obtivermos, governaremos como nós sempre quisermos”. Foi exatamente o que ocorreu do segundo mandato de Lula em diante. Dilma levou ao extremo o voluntarismo que destruiu instituições construídas por FHC, jogando o País na crise.

Desta vez não há nenhum “passe de mágica”: nem acordo com o FMI; nem carta aos brasileiros. Não estamos diante de uma crise que se desarme sem custos políticos. São necessárias reformas impopulares, a começar pela da Previdência, o que requer apoio político. A solução está nas mãos dos eleitores.

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