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quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Privatização da guerra, Henrique Lenon, 13/09, 15:00hs

Diálogos Internacionais: Privatização da guerra, Henrique Lenon, 13/09, 15:00hs


A Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) e o Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) têm o prazer de convidar para uma nova palestra-debate na série “Diálogos Internacionais”, com o professor Henrique Lenon Farias Guedes, sobre o tema da regulação internacional das empresas militares privadas. Autor do livro “Privatização da Guerra: mercado e regulação de empresas militares privadas(Belo Horizonte: Arraes, 2017), Henrique Lenon, doutorando em Direito Internacional pela USP, é ex-professor na Universidade Federal da Paraíba, atualmente no Centro Universitário de João Pessoa, ademais de membro fundador da Academia Nacional de Estudos Transnacionais (ANET). A palestra-debate será feita na sala D, no Anexo II do Palácio Itamaraty, no dia 13 de setembro, às 15h00. 


Dos mercenários aos exércitos nacionais e às empresas militares: o mercado da guerra

Paulo Roberto de Almeida
Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-Funag
 [Objetivo: resenha de livro; finalidade: divulgação]

Henrique Lenon Farias Guedes: 
Privatização da Guerra: mercado e regulação de empresas militares privadas
Prefácio de Marcílio Franca
Belo Horizonte: Arraes Editores, 2017, 131 p.; ISBN: 978-85-8238-330-8


O professor Marcílio Toscano Franca Filho, em seu prefácio a este livro, lembra a trajetória de um camponês saído de uma aldeia na Dinamarca para engajar-se no exército que participaria da invasão do Nordeste do Brasil, no século XVII, sob o comando da Companhia das Índias Ocidentais dos Países Baixos, uma das primeiras, e das mais importantes, companhias multinacionais do mundo. Junto com ele lutavam mercenários ingleses, franceses, suíços, escoceses, belgas, irlandesas, alemães e poloneses, todos eles fugindo dos horrores das guerras religiosas que se disseminaram em vastos territórios europeus, e que passaram à história como a “Guerra dos Trinta Anos” (1618-1648), cuja conclusão também marca a história do Direito Internacional.
Antes mesmo desse primeiro grande conflito europeu – haveria outros, como as guerras napoleônicas da transição do século XVIII ao XIX, e uma segunda “guerra de trinta anos”, entre 1914 e 1945 –, um genial pensador florentino do Renascimento, Maquiavel, já chamava a atenção, no capítulo 12 do Príncipe, para a inconveniência dos exércitos mercenários, sempre tão volúveis e pouco fieis aos que lhes pagavam, como aliás já tinha lembrado outro grande pensador, Thomas Morus, na sua fábula Utopia. Henrique Lenon, em sua originalíssima e preciosa dissertação de mestrado sob a direção do professor Marcílio Franca, oportunamente transformada neste livro, retoma todos esses antecedentes numa obra que marca o início de um debate que deve transcender os domínios do Direito Internacional para projetar-se sobre questões relevantes, de ordem econômica, política e moral, de todos os Estados contemporâneos, tanto na organização do uso da força (para fins de defesa externa, sobretudo), da qual eles possuem, supostamente, o monopólio, quanto na atualização do direito da guerra, ou seja, o “diálogo” entre Estados levado às últimas instâncias da projeção de poder. 
Seu livro, no entanto, não refaz a toda a história dos exércitos mercenários, praticamente esquecidos durante a lenta consolidação dos Estados nacionais, ao longo dos séculos XIX e XX, atualmente chamados de novo a atuar no quadro dos novos conflitos, não mais os clássicos, mas no “diálogo armado” entre Estados e forças não estatais, destacamentos irregulares, guerras civis e conflitos dificilmente enquadráveis nos instrumentos discutidos ao longo de mais de um século entre Haia e Genebra. O jovem advogado, doutorando em Direito Internacional na USP, ex-professor na Universidade Federal da Paraíba, atualmente no Centro Universitário de João Pessoa, membro fundador da Academia Nacional de Estudos Transnacionais (ANET), escolheu como objeto de sua análise as empresas militares e de segurança privadas e o instrumento concebido para regular sua atuação, o Código Internacional de Conduta para Provedores de Serviços de Segurança Privada – ICoC, na sua sigla em inglês –, uma espécie de código de conduta para os modernos mercenários, surgido sob os auspícios da Cruz Vermelha Internacional e da Confederação Suíça. 

A obra cobre os vários aspectos do “renascimento” contemporâneo desses “serviços” militares em bases contratuais, uma vez que os instrumentos existentes – o GATS, o Estatuto de Roma que dá base jurídica ao Tribunal Penal Internacional, as convenções de Genebra e outros atos internacionais, como os códigos da OCDE – não cobrem de modo adequado a responsabilidade dessas companhias e eventualmente a de seus “soldados” em face do direito internacional. Depois de um primeiro documento meramente recomendatório, formalizado em Montreux, em 2008, sobre “boas práticas” para essas empresas, foi lançado em 2010, em Genebra, o ICoC, uma “carta de direitos e deveres”, com vistas a elevar os padrões de conduta no caso de mobilização, por qualquer Estado, desse “outro exército” para fins propriamente militares, para que sua ação não contrarie normas do direito internacional humanitário ou normas básicas de direitos humanos. Henrique Lenon procede a uma leitura meticulosa desse instrumento, ressaltando aliás o aspecto econômico desse novo empreendimento militar, que reflete, como ele diz nas “considerações finais”, as tensões entre Estado e mercado: 
No momento em que o Estado afastou o mercado do conflito, a partir de Vestefália, no século XVII, as guerras se tornaram questões apenas estatais, relegando as companhias militares à irrelevância e, posteriormente, com a Revolução Francesa, à ilegalidade.
No fim do século XX, contudo, o Estado se afastou do mercado e, também, do conflito, legando a provisão de bens à iniciativa privada e assistindo à escalada de guerras irregulares que não dependiam tanto da linguagem realista, centrada em grandes potências, mas estavam mais próximas da realidade ignorada por décadas de conflito bipolar. (...)
Na passagem para o século XXI, observa-se que o próprio mercado aproximou-se dos conflitos, ofertando serviços de segurança internacional em que o Estado não está interessado – caso dos Estados Unidos no Kossovo –, os quais não pode prover sozinho – caso dos americanos no Iraque ou na Libéria –, ou não pode prover de forma alguma – caso da Colômbia contra as guerrilhas terroristas ou da Somália contra a pirataria. (p. 102)

O risco, como ele agrega, é que essa utilização em conflitos irregulares se torne uma “questão de mercado, consolidando o comércio de serviços militares privados como um fim em si, com estratégias de crescimento próprias” (p. 102). É exatamente o que pode ocorrer, como ele ainda lembra a partir do exemplo da Itália dos tempos de Maquiavel, quando “condottieri” insatisfeitos buscavam destituir algum soberano para instalar o seu próprio poder. De fato, quem conquistou o Nordeste não foi a Holanda, mas a Companhia das Índias Ocidentais neerlandesas; que conquistou a Índia não foi a Grã-Bretanha, mas a Companhia das Índias Orientais britânicas. O mundo pós-Guerra Fria espera que o direito internacional possa regular, provavelmente coibir ou limitar, o uso desses empreendimentos privados para fins não legítimos. Como o autor indica, ao final de seu brilhante livro, que deve pautar o debate sobre a questão no Brasil: 
A sociedade civil deve aproveitar a oportunidade do controle da conduta das empresas militares [oferecida pelo ICoC] e exigir que Estados, organizações internacionais e corporações estabeleçam padrões ou simplesmente incorporem os códigos de conduta nas suas contratações, pois sem supervisão democrática, a privatização da paz [como solicitada pelo ex-SG-ONU Kofi Annan] poderá redundar na mera contratualização da guerra. (p. 106)

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5 de setembro de 2018

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