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domingo, 28 de outubro de 2018

O Brasil e seu interminavel aprendizado politico - Paulo Roberto de Almeida

O Brasil e seu interminável aprendizado político

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 28 de outubro de 2018, 12:00hs.
 [Objetivo: revisão histórica; finalidade: esclarecimento de caráter didático]


Aparentemente se trata de uma recorrência recorrente, se me permitem a redundância: o Brasil, a cada 30 anos, ou seja, o espaço político de pouco mais de uma geração, se despede de um determinado arranjo político para tentar uma nova fórmula de acomodação dos interesses divergentes na sociedade. Entre um e outro podem ocorrer rupturas mais acentuadas, com golpes, revoluções, ditaduras, mas depois tudo volta a se encaixar num novo esquema de mandonismo político, que mais adiante será contestado por novas elites sequiosas de também conquistarem o poder.
Tem sido assim praticamente desde a emergência do Estado independente, na terceira década do século XIX. Os arranjos que estavam sendo feitos na primeira Constituinte foram rapidamente colocados de lado por um imperador impetuoso, que, ademais de centralizar o poder, legou uma carta razoavelmente liberal, como eram os ventos que corriam desde a revolução francesa, em prol de uma monarquia constitucional. Aspectos variados desse arranjo foram contestados rapidamente, e tivemos a abdicação do primeiro chefe de Estado – bem mais, talvez, pelos desacertos de sua pátria-mãe do que pelas controvérsias no Brasil –, assumindo um novo grupo de oligarcas ilustrados. As contestações entre luzias e saquaremas ocuparam as duas décadas seguintes, até que a presidência do gabinete e o Conselho de Estado trouxeram um pouco de paz no contexto do cenário político sempre mutável do Segundo Reinado (o imperador se encarregava de facilitar a alternância pelo uso do Poder Moderador, e o Brasil talvez tenha sido o único país a inscrever essa proposta de Benjamin Constant em sua constituição). Mas o Segundo Reinado também vivia em crises políticas constantes, seja pela oposição normal entre liberais e conservadores, seja pelo problema da abolição ou em torno de diversas mini-crises setoriais (questões religiosa e militar). 
Na fase seguinte, é o Exército quem exerce, na prática, o poder moderador, a começar pela derrocada da monarquia e a implantação da República. Depois de uma primeira década turbulenta, por revoltas, sedições, inflacionismo e endividamento excessivo, o Brasil conhece três décadas de alternâncias civilizadas entre as várias oligarquias regionais, com alguma preeminência da dupla café-com-leite, ou seja, presidentes de Minas e de São Paulo. A quebra desse padrão por um presidente paulista – que pretendia eleger um outro paulista, à revelia dos mineiros, e dos gaúchos – coloca mais uma vez o Exército no comando da alternância, depois de vários exercícios improvisados dos tenentes revoltosos, como representantes de uma nova classe média desejosa de também participar do jogo político. 
Serão mais três décadas de profundas transformações dos cenários políticos e do quadro econômico nacional, com uma ditadura e uma nova república liberal no meio das contestações normais de uma sociedade em crescimento. O agravamento das oposições, com o surgimento de um polo de esquerda contestador da dominação oligárquica, mais o agravamento da situação econômica por uma presidência inepta, trarão os militares de volta ao poder, desta vez para ficar um pouco mais do que um simples período de acomodação. O regime militar de 1964 representou o mais profundo processo de modernização da sociedade brasileira, mas também o aprofundamento da dominação estatal sobre várias esferas da vida econômica e até política. As duas décadas da ditadura podem ser perfeitamente divididas em duas fases claramente distintas pelo desempenho econômico: uma primeira fase de reformas e de crescimento acelerado, uma segunda fase de desarranjos econômicos e de crise estrutural do sistema.
Com a reconstitucionalização do país em 1988, tivemos mais três décadas de confrontos “normais” na esfera política, e resultados medíocres no campo econômico, com alternância de políticas de estabilização e de aceleração não sustentável de políticas redistributivas, e uma nova polarização da sociedade em torno de projetos distintos de organização política e econômica. O que se assistiu, vindo da classe média, a partir de 2013, foi uma rejeição muito clara do sistema política “carcomido” – como se dizia, em 1930, da República logo apelidada de “velha” –, projeto frustrado em 2014, mas retomado com ímpeto, a partir de diversas alavancas (nem todas “puras”) nos três anos seguintes. O impeachment de 2016 foi uma espécie de “golpe parlamentar” sancionado pelas ruas, como já tinha sido o caso de Collor em 1992: ele permitiu restaurar um começo de ajuste econômico, infelizmente não conduzido a termo pelos “malfeitos” da própria equipe do poder, enredada no jogo “normal” da velha corrupção política. 
Trinta anos depois da promulgação da Carta de 1988, ouviram-se sugestões ou de uma nova Constituinte – praticamente impossível pela não ruptura de regime – ou de profundas mudanças nas orientações principais das políticas públicas. A maior demanda da classe média é pelo fim da corrupção, e por maior eficiência do Estado, enquanto os restos das elites que foram sendo consolidadas na redemocratizam tentam se manter em meio aos reclamos da sociedade por mudanças ainda mais relevantes no papel do Estado e no controle dos recursos públicos. O Brasil ainda não decaiu, economicamente ou politicamente, o suficiente para que reformas mais radicais do que o provavelmente factível sejam introduzidas nesta nova fase que se abre ao país. A sociedade rejeita o que existe, mas ainda não existe um consenso razoável sobre o sentido dessas reformas.
Provavelmente vamos atravessara os próximos quatro anos no caminho de meias reformas e arranjos temporários, inclusive porque a divisão na sociedade percorre linhas não apenas de ordem prática, mas de natureza ideológica, ou mental. Não creio que possamos atingir o consenso necessário para essas reformas mais ousadas – necessariamente liberais e de abertura econômica – no período que se abre. Vamos continuar tateando em direção ao futuro. Não existe mais poder moderador, e o Judiciário, que poderia exercer esse papel, encontra-se fragmentado não apenas no plano das ideias, mas também no plano dos egos individuais de seus membros nas mais altas esferas. É a receita ideal para a paralisia e para a estagnação.
Espero não estar sendo muito pessimista.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 28 de outubro de 2018, 12:00

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