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quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Reservas internacionais do Brasil: qual o melhor uso? (jornais)

Matérias da imprensa nesta quarta-feira, 31/10/2018:

O Estado de S. Paulo – Guedes e as reservas / Coluna / Monica de Bolle


Em junho deste ano escrevi nesse espaço artigo intitulado “Reservas, para que te quero”. Tratava do volume de nossas reservas internacionais e de propostas sobre como utilizá-las caso houvesse julgamento de que estavam em patamar além do considerado “adequado”. O FMI tem uma metodologia para calcular o nível adequado de reservas para cada país, levando em conta diversas variáveis, inclusive os juros internacionais e o ambiente para os mercados emergentes. De acordo com as contas mais recentes, aponta o Fundo que o nível das reservas brasileiras está cerca de 1,6 vez mais elevado do que o patamar que o FMI consideraria adequado. Isso significa que já podemos começar a usar os US$ 140 bilhões para alcançar algum objetivo?

Na época em que escrevi o artigo supracitado, argumentei que as reservas poderiam ser usadas para recomprar uma parte da dívida brasileira, o que ajudaria a reduzir seu custo de carregamento. Contudo, alertei que tal medida não poderia ser feita de forma isolada: importante seria pensar no uso das reservas para esse propósito como um dos elementos de uma agenda mais ampla de ajustes que incluísse as medidas fiscais cabíveis para reduzir o déficit público e as reformas que não podem mais esperar, como a da Previdência. Evidentemente, sair vendendo reservas antes de consertar os graves problemas fiscais que tem o Brasil seria medida absolutamente inconsequente, sobretudo tendo em vista o ambiente externo menos favorável para mercados emergentes e a crise que se abateu sobre a vizinha Argentina.

Por que se fala em um nível adequado de reservas? A razão é que há um cálculo de custo-benefício para mantê-las: de um lado, volumes maiores de reservas servem como um seguro contra crises externas e episódios de extrema turbulência nos mercados internacionais. De outro, quanto mais reservas tem um país, maior o custo de carregá-las – isso porque, para que sirvam como um seguro em momentos de fortes oscilações externas, é preciso investi-las em ativos de alta liquidez, que naturalmente têm taxas de rendimentos menores. A alternativa seria investir esses recursos em ativos com taxas de retorno mais elevadas, porém abrindo mão da possibilidade de usálos em qualquer momento, isto é, da liquidez.

Há diversos estudos interessantes sobre o nível adequado das reservas internacionais. Em um deles (Kim e Lee, 2017, Asymmetric Stabilizing Impact of International Reserves), os autores mostram como muda o nível adequado em função do ambiente interno e externo.

Durante períodos de calmaria, o patamar adequado poderia ser menor, pois predomina o impacto do custo de carregar reservas sobre o benefício de tê-las. Em momentos de turbulência, seja externa ou interna, predomina o efeito do benefício – o seguro – sobre o custo potencial de carregar mais reservas. O Brasil não enfrenta calmaria alguma, por mais que tenham reagido bem os mercados à eleição de Jair Bolsonaro. Ainda temos um ambiente de instabilidade política interna, um presidente eleito que pouca clareza deu aos seus planos econômicos, e uma equipe econômica que não parece ainda estar falando com uma só voz.

Desde domingo, por exemplo, proliferaram informações contraditórias sobre o posicionamento de diferentes membros do círculo íntimo de Bolsonaro sobre a reforma da Previdência. Além disso, o ambiente externo exige cautela, não apenas por causa das dúvidas sobre os efeitos da guerra comercial

Surgem as consequências de uma campanha sem qualquer discussão sobre a agenda de medidas e reformas

entre China e Estados Unidos, como também em razão da maior desconfiança de investidores estrangeiros em relação aos países emergentes, haja vista a situação da Argentina e da Turquia. Some-se a isso o quadro de elevação das taxas de juros nos EUA e a falta de clareza sobre o ajuste fiscal brasileiro e o que temos é um ambiente em que qualquer discussão sobre o uso das reservas deveria estar, no mínimo, postergada.

Contudo, noticiou o jornal Valor Econômico que Paulo Guedes e sua equipe flertam abertamente com a ideia de usar as reservas para reduzir os juros da dívida sem que exista qualquer condição de fazer isso agora. Estão aí as primeiras consequências de termos passado por campanha inteira sem nenhuma discussão sobre a agenda de medidas e reformas econômicas para o País. O resultado disso é muito ruído e pouco sinal em uma economia que exige clareza para se reerguer, evitar uma crise mais profunda, e dar algum consolo aos cerca de 13 milhões de desempregados.

ECONOMISTA, PESQUISADORA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIONAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

Valor Econômico – Guedes usaria reserva em caso de ataque à moeda


Por Cristiane Agostine | Do Rio

Futuro ministro da Economia de Jair Bolsonaro (PSL), o economista Paulo Guedes disse ontem que o governo poderia vender hipoteticamente US$ 100 bilhões das reservas internacionais, aproveitando para, com isso, reduzir a dívida interna. "Se [o dólar] chegar a R$ 4,20, R$ 4,30, R$ 5, vai ser muito interessante, porque vamos vender US$ 100 bilhões de reservas, que são R$ 500 bilhões", afirmou o economista, ressaltando a importância de um "regime fiscal robusto" para se adotar essa estratégia. Isso permitiria ao país ter um volume menor de reservas - hoje, elas estão na casa de US$ 380 bilhões, e têm um custo fiscal elevado.

"Se houver especulação e jogarem o dólar para cima, não tem problema nenhum, não temos receio nenhum", reiterou Guedes, por diversas vezes, em entrevista ontem no Rio. "Pode vir, pode especular contra, não tem problema nenhum", repetiu. "Se tiver crise e botarem o dólar lá em cima, a R$ 4, R$ 5, será ótimo. Quem quiser dólar nós vamos vender e depois vamos reduzir a dívida interna."

Guedes deu essas declarações ao comentar a manchete do Valor de ontem, que relata que ele havia proposto a redução das reservas em discussões internas com a equipe que elabora o plano econômico de Bolsonaro. O futuro ministro da Economia disse que o tema surgiu quando o dólar bateu em R$ 4,10, há cerca de um mês, e acrescentou a informação de que falou num valor de US$ 100 bilhões.

Em entrevista a jornalistas, Guedes deu ontem mais detalhes sobre o assunto. "Eu comentei com o time [que elabora as propostas econômicas para Bolsonaro]: É interessante como faz falta o ajuste fiscal. Quando existe um regime fisal robusto, não existe essa necessidade de carregar tantas reservas, porque isso é um seguro muito caro", afirmou ele. "Quando entra dinheiro de fora, você acumula reservas e emite reais. Depois você emite dívida interna para esterilizar esse dinheiro que entrou de fora." O volume elevado de reservas e o baixo déficit em conta corrente são fatores que reduzem a vulnerabilidade da economia brasileira, num momento em que a situação das contas públicas é delicada.

Segundo Guedes, a venda de reservas seria feita apenas em um cenário de crise. "O dólar está a R$ 3,60. Para que vou vender dólar? Para derrubar exportação? Para empurrar para baixo?", disse ele, ao chegar à casa do empresário Paulo Marinho, no Rio. De acordo com ele, não haverá meta para câmbio.

"Se houver uma crise especulativa, não tem problema nenhum. Isso vai acelerar o ajuste fiscal", disse Guedes. Ele enfatizou que, se o dólar chegar a R$ 5 e forem vendidos US$ 100 bilhões das reservas, isso equivale a R$ 500 bilhões, que seriam usados para abater a dívida interna. "Eu vendo as reservas, reduzo a dívida de R$ 3,5 trilhões para R$ 3 trilhões e depois sigo a vida. Isso já é um ajuste fiscal em si. Isso já me economiza", afirmou Guedes, que tem como um de seus objetivos principais reduzir o endividamento público e, com isso, diminuir os gastos com juros.

"Qualquer economista bem preparado conhece o que nós chamamos de política de esterilização. Há um ataque cambial, você reduz um pouco as reservas e esteriliza esse efeito recomprando a dívida interna", disse Guedes aos jornalistas.

O futuro ministro afirmou ainda que o próximo governo vai aprovar um projeto que garanta autonomia ao Banco Central, com mandatos não coincidentes com o de presidente da República. De acordo com ele, a permanência de Ilan Goldfajn no BC seria natural. No entanto, disse que ainda não conversou com o atual presidente do BC. Guedes ressaltou que não quer falar com alguém que não tenha o desejo de ficar. "A motivação é fundamental." Guedes citou ainda que Ilan assumiu o cargo "por acidente".

"Ilan ficou dois anos com Temer. O desenvolvimento natural qual seria? Eu defendo há 30 anos um BC independente. O Ilan tem uma proposta de BC independente. O que seria a coisa mais natural do mundo? Eu dar um abraço no Ilan e falar que defendo há 30 anos BC independente. Ele falaria que tem um projeto de BC independente. A gente vai junto, aprova o projeto, você ficou dois anos e ficaria mais dois anos", afirmou ele. De acordo com Guedes, essa eventual permanência do presidente do BC teria que ser combinada com a equipe de Bolsonaro e com Ilan.

Guedes destacou a relevância do projeto de independência do BC para eliminar as incertezas em relação à autoridade monetária em época de eleição. Com mandatos não coincidentes para a diretoria do BC, essa fonte de indefinição seria eliminada.

Ao comentar a ideia de vender reservas para abater a dívida pública, o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, diz que qualquer mudança a respeito precisa ser feita com muito cuidado. "Teoricamente faz sentido, mas é necessário avaliar o risco macroeconômico", afirma Salto, ressaltando a importância de o governo se concentrar em medidas para melhorar o resultado primário (que não inclui gastos com juros), com prioridade para o controle das despesas. É preciso avaliar com muita cautela o impacto que a medida teria sobre o câmbio, diz ele. A venda de um volume muito expressivo de reservas pode causar uma valorização muito rápida do real, ao colocar "uma montanha de dólares na economia", diz Salto.

Há um ganho fiscal, que se daria com a redução das operações compromissadas, pelas quais o BC vende no mercado títulos do Tesouro com o compromisso de recomprá-los depois de um prazo determinado, afirma Salto. Elas fazem parte da dívida bruta, tendo um prazo médio inferior a 30 dias. O fundamental, segundo ele, é avançar na melhora estrutural das contas públicas. Uma eventual venda das reservas para reduzir a dívida deve ser muito cuidadosa, sendo "precedida ou acompanhada" por mudanças no gasto primário, diz Salto. (Colaborou Sergio Lamucci, de São Paulo)

Valor Econômico – Mercado mostra dúvidas sobre a venda de reservas


Por Cristiane Agostine, Estevão Taiar, Lucinda Pinto, Lucas Hirata, Silvia Rosa e Ribamar Oliveira | Do Rio

A ideia do governo Jair Bolsonaro de vender parte das reservas internacionais para reduzir a dívida pública, antecipada ontem pelo Valor, provocou discussões no mercado financeiro. O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, explicou que a venda de reservas, hoje em US$ 380 bilhões, será feita apenas em um cenário de crise especulativa sobre o câmbio no país. "Se botarem o dólar lá em cima, a R$ 4 ou R$ 5, será ótimo. Vamos reduzir dramaticamente a dívida interna". Segundo ele, seria possível vender US$ 100 bilhões com o dólar a R$ 5, o que reduziria a dívida interna em R$ 500 bilhões.

Cândido Bracher, presidente do Itaú, disse que a ideia é interessante, porque teria impacto fiscal positivo. Mas sugeriu que a venda teria de ser gradual. Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra, tem a mesma opinião, com a ressalva de que antes de vender reservas é preciso aprovar as reformas e "mostrar uma trajetória de sustentabilidade fiscal". Gustavo Loyola, ex-presidente do BC, lembrou que essa discussão não é muito relevante no momento, porque as reservas representam "um seguro" para o país, cujo custo diminuiu em função da redução da diferença entre o juro brasileiro e o americano. Para Luis Costa, do Citi em Londres, o ideal seria reduzir reservas apenas depois de o Banco Central zerar o estoque de swaps cambiais, hoje em US$ 68,8 bilhões.

Há no mercado relativo consenso sobre o excesso de reservas no momento, em razão do custo fiscal que elas impõem. Mas entende-se que sua redução seria arriscada, porque poderia piorar a percepção de risco do investidor em relação ao país. Argumenta-se, também, que vender reservas num momento de ataque especulativo, com o dólar em disparada, seria o mesmo que "discutir o seguro quando a casa estiver pegando fogo".

As explicações de Guedes também deixaram duas perguntas no ar: haverá no novo governo um teto para o câmbio? Qual seria essa cotação?

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