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quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Os perigos da guinada radical no Itamaraty - Guilherme Evelyn (Epoca)

Análise: Os perigos da guinada radical no Itamaraty

Alinhamento com os EUA de Trump é ruptura com tradição. População mais pobre e vulnerável pode pagar o preço da ideologização da política externa


Guilherme Evelin
Revista Época, 14/11/2018

Nelso Ernesto Araújo, futuro ministro das Relações Exteriores, ao fundo, olha para o presidente-eleito Jair Bolsonaro Foto: Jorge William / Agência O Globo
Nelso Ernesto Araújo, futuro ministro das Relações Exteriores, ao fundo, olha para o presidente-eleito Jair Bolsonaro Foto: Jorge William / Agência O Globo

Ao nomear o embaixador Ernesto Araújo para ministro das Relações Exteriores, o presidente eleito Jair Bolsonaro resolveu pisar fundo e dar uma guinada radical na política externa brasileira. Como chanceler, Ernesto Araújo deve promover uma política de alinhamento do Brasil com os Estados Unidos. Chefe do Departamento de Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos do Itamaraty, Araújo é um fã declarado do governo Donald Trump, que ele considera uma espécie de muralha de defesa de valores ocidentais em declínio por conta de uma doutrina globalista preconizada por elites seculares. Para o embaixador, o Ocidente não sabe, mas está “perdendo o jogo”, diante do avanço de forças como o fundamentalismo islâmico, que cresce, entre outros motivos, por causa do apego das sociedades muçulmanas aos valores religiosos.
Araújo publicou no ano passado um longo ensaio com o título “Trump e o Ocidente” na revista do Instituto de Pesquisa em Relações Internacionais, órgão vinculado ao Itamaraty. No resumo que serve de prólogo para o texto, Araújo deixa logo claro o que pensa. Segundo ele, “Trump propõe uma visão do Ocidente não baseada no capitalismo e na democracia liberal,mas na recuperação do passado simbólico, da história e da cultura das nações ocidentais”. Segundo o diplomata, essa visão é baseada numa longa tradição intelectual que mostra o “nacionalismo como indissociável da essência do Ocidente”. “Em seu centro, está não uma doutrina econômica e política, mas o anseio por Deus, o Deus que age na história”, escreveu Araújo. “O Brasil necessita refletir e definir se faz parte desse Ocidente”. Com citações de “Choque de Civilizações”, de Samuel Huntington, o ensaio parece evocar, várias vezes, “Submissão”, o romance distópico em que Michel Houellebecq imagina uma França governada por um presidente muçulmano.
A última vez em que o Brasil seguiu uma política de alinhamento com os Estados Unidos foi no governo Fernando Collor. Mas, como lembra o professor Guilherme Casarões, da Fundação Getúlio Vargas, autor de uma tese de doutorado sobre a política externa do governo Collor, essa opção foi feita em circunstâncias políticas radicalmente diferentes. A eleição de Collor, após a queda do Muro de Berlim em 1989 e a derrocada dos regimes comunistas na Europa Oriental e na extinta União Soviética, coincidiu com a ascensão dos Estados Unidos à posição de única superpotência global. Agora, caminhamos para um cenário em que os Estados Unidos dividirão a hegemonia política internacional com a China – nosso maior parceiro comercial, por quem Bolsonaro nutre uma antipatia aberta .
Além de uma ruptura com a tradição universalista da diplomacia brasileira – princípio pelo qual o Brasil busca contruir um relacionamento amplo e diversificado com todos os países, sem excluir ninguém – corremos o risco de uma política externa guiada pela ideologia e não pelo interesse nacional. Uma parte da população brasileira – a mais pobre e a mais vulnerável – pode pagar o preço de uma política ideologizada, veneno que Bolsonaro via no Itamaraty dos governos do PT, mas que ele parece querer substituir apenas com viés trocado. A retirada dos profissionais cubanos do programa Mais Médicos, que pode deixar sem assistência cerca de 24 milhões de brasileiros, que moram principalmente em áreas de difícil acesso do Norte e Nordeste ou em reservas indígenas, segundo estimativas do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, é resultado das provocações desnecessárias de Bolsonaro a Cuba, com quem o Brasil normalizou relações desde 1986.
Ainda que Bolsonaro tenha razão em classificar o regime cubano como uma ditadura que se apropria dos salários dos médicos enviados ao Brasil como forma de engordar os seus combalidos cofres, o interesse nacional – e da população mais pobre que hoje só tem acesso a médicos cubanos — recomendava que qualquer revisão do programa fosse tratada com maior prudência e pragmatismo. Cuba não tem qualquer interesse estratégico para o Brasil, a não ser para aqueles que continuam a ver a política internacional pelas lentes anacrônicas usadas durante a Guerra Fria.

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