Em coluna recente para o Financial Times, Gideon Rachman argumentou que a era “populista” pode durar trinta anos, ou seja, que os movimentos que levaram ao Brexit e à vitória de Donald Trump em 2016 não vão retroceder tão cedo. Em particular, Rachman afirma que o presidente norte-americano tem diversos admiradores mundo afora, incluindo Jair Bolsonaro no Brasil. Independentemente do que se acredite sobre a durabilidade dos “populismos”, é fato incontestável que o começo do fim da era da globalização triunfante começou em 2008. O que acontecerá daqui para frente é fruto de muitas especulações e de usos confusos de termos como “populismo”.
Há populismo no mundo? Se definirmos populismo como algo que não está necessariamente atrelado a alguma ideologia e que utiliza espécie de retórica particular e simplória para separar segmentos da população – o povo versus o resto, o povo “puro” em contraposição ao resto “corrupto” – o encontraremos por toda a parte e em todos os continentes. Em alguns casos, o populismo se confunde com visões nacionalistas, como exemplifica o discurso de Steve Bannon, ex-estrategista de Trump e espécie de encantador de serpentes nacionalista-populistas. Disse ele em uma entrevista ao final de 2018 para a BBC: “O nacionalismo econômico significa colocar o seu país em primeiro lugar no que diz respeito à economia, e maximizar o valor da cidadania”. Essa forma de definir o nacionalismo econômico leva, necessariamente, a um discurso contrário à imigração, contrário à atuação de empresas estrangeiras, inequivocamente excludente. O povo é o cidadão nascido e forjado na pátria amada. O resto é ameaça à sua sobrevivência, à sua identidade cultural, à sua grandeza, à grandeza da Nação.
Dessa visão nacionalista-populista surgem inevitavelmente as questões identitárias presentes mundo afora, e, desde a eleição de Bolsonaro, Brasil adentro. Frases como “temos de resgatar os valores judaico-cristãos”, “é preciso combater o marxismo cultural”, “é premente extirpar a ideologia de gênero” aludem aos espantalhos que criam o sentido de “nós” e “eles” que forma o núcleo da nova direita religiosa ultraconservadora do País. Com o discurso excludente e acusatório, essa nova direita religiosa e ultraconservadora é inequivocamente nacionalista-populista. Aqui nos Estados Unidos, ela compõe boa parte do eleitorado do Partido Republicano. Em alguns países europeus, versões dessa variante de direita estão presentes nos partidos que hoje representam aquilo que nos acostumamos a chamar de “extrema-direita”. O crescimento desse eleitorado e o fortalecimento desses partidos nas economias avançadas explicam porque Gideon Rachman acredita que a era populista-nacionalista pode perdurar por tanto tempo.
Mas, e no Brasil? Sabemos que parte do eleitorado de Bolsonaro é composto por essa direita religiosa ultraconservadora. Sabemos também que o próprio presidente já defendeu algumas dessas ideias – tanto assim que escolheu alguns ministros carregados dessa espécie de ideologia. Contudo, tem sido interessante observar, nesse primeiro mês de governo, a movimentação dos generais. Mais astutos do que parte do entorno de Bolsonaro, os generais parecem ter percebido que a maioria dos eleitores de Bolsonaro não têm qualquer afeição pela ideologia da direita ultraconservadora. Muitos são conservadores, mas não têm qualquer identificação com a agenda defendida pelas Damares, Ernestos e afins. Estão eles, portanto, em intensa atividade para criar clivagens entre os ideólogos e os conservadores com o intuito de preservar alguma racionalidade na política externa brasileira – sobretudo nesse momento complicado em que a Venezuela ameaça implodir. Além da racionalidade na política externa, estão também os generais empenhados em afastar familiares enroscados da presidência, reduzir os ruídos com a imprensa, abrir caminho para que as reformas econômicas sejam feitas sem a intromissão dos nacionalistas-populistas. Os generais, quem diria, são a maior esperança para que o Brasil retome algum senso de competência e disciplina para enfrentar os grandes desafios que tem pela frente.
Com os generais, o Brasil parece correr menos risco de ser tomado pelo nacionalismo populista que avança no mundo. O que isso quer dizer sobre o futuro do País caso tenham sucesso na consolidação do poder político pela via democrática é tema para muita reflexão.
Fonte: “Estadão”, 06/02/2019