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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Prata da Casa: os livros dos diplomatas - Paulo Roberto de Almeida


A publicação ainda vai demorar, por isto antecipo a divulgação das mini-resenhas dos livros mais recentes. Acrescentei agora as capas de cada livro.


Prata da Casa, outubro 2018 - fevereiro de 2019

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de fevereiro de 2019
 [Miniresenhas; Revista da ADB, Associação dos Diplomatas Brasileiros (ano XX, n. 99, outubro de 2018 a fevereiro de 2019, p. xx-xx; ISSN: 0104-8503)]


1) Christófolo, João Ernesto:
Princípios Constitucionais de Relações Internacionais: significado, alcance e aplicação (Belo Horizonte: Del Rey, 2019, 684 p.; ISBN: 978-85-384-0532-0)

Estudo absolutamente inédito na categoria dos estudos sobre o constitucionalismo brasileiro, pois enfocando, em mais de 650 páginas todos os princípios das relações internacionais do Brasil tal como inscritos na CF-88: independência nacional, prevalência dos direitos humanos, autodeterminação dos povos, não intervenção, igualdade entre os estados, defesa da paz, solução pacífica dos conflitos, repúdio ao terrorismo e ao racismo, cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, concessão de asilo político. O trabalho é precedido por um estudo sistêmico e comparado dos princípios constitucionais de relações internacionais, assim como examina o tema no constitucionalismo brasileiro e sua construção na Assembleia Constituinte de 1987-88. O trabalho é impressionante pelo seu caráter exaustivo.


2) Barbosa, Rubens:
Um diplomata a serviço do Estado: na defesa do interesse nacional: depoimento ao Cpdoc (Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018; 300 p.; ISBN: 978-85-225-2078-7)

Meio século de atividades diplomáticas – que ainda não terminaram – estão aqui reproduzidas, mediante o depoimento prestado pelo autor a Matias Spektor, no Cpdoc, consistindo numa descrição detalhada de sua participação nos temas mais relevantes da diplomacia brasileira desde meados dos anos 1960 até sua aposentadoria como embaixador em Washington, passando por chefia de divisões, chefia de gabinete (ministro Olavo Setúbal), representante junto à Aladi, coordenação do Mercosul e de temas econômicos e também embaixador em Londres. Agregam-se ao seu próprio relato depoimentos de colaboradores, como os diplomatas Eduardo Santos, Marcos Galvão e Paulo Roberto de Almeida. Seus arquivos já se encontram disponíveis na FGV-RJ, e comportam milhares de páginas abertas à pesquisa. Rubens Barbosa segue ativo.


3) Almeida, Paulo Roberto de (org.):
A Constituição Contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 (São Paulo: LVM Editora, 2018; 448 p.; ISBN: 978-85-93751-39-4)

Estão aqui compilados 65 dos melhores artigos feitos pelo diplomata-economista, já na condição de Senador (pelo MT), constituinte derrotado na maior parte de suas propostas liberais e favoráveis à abertura econômica e integração do Brasil à economia mundial, precedidos por um ensaio do organizador, analisando o pensamento do grande estadista, e com um longo ensaio final destrinchando cada um dos dispositivos econômicos da Carta Magna. Incrível a capacidade premonitória de Roberto Campos ao antecipar que aqueles artigos generosos para todos e cada um acabariam inviabilizando um processo sustentado de crescimento econômico, ao comandarem o aumento contínuo dos gastos públicos; realista também sua postura contra o nacionalismo e o caráter intervencionista do Estado, tornando o Brasil um dos piores ambientes de negócios de todo o mundo.


4) Raffaelli, Marcelo:
Guerras europeias, revoluções americanas: Europa, Estados Unidos e a independência do Brasil e da América Espanhola (São Paulo: Três Estrelas, 2018; 380 p.; ISBN: 978-85-68493-54-0)

Uma história mundial das revoluções da independência das colônias ibéricas como nunca existiu na literatura publicada no Brasil, ou seja, no contexto internacional, desde 1792 (período do Terror na Revolução francesa, o que confirmava que não haveria retorno rápido às monarquias do passado), até 1828, quando finalmente termina a guerra entre Brasil e Argentina pelo pequeno Uruguai. A bibliografia confirma a manipulação de um número considerável de materiais primários e fontes secundárias, consultados diretamente nos National Archives e na Library of Congress, cuja maestria na seleção das melhores transcrições revela um historiador de altíssima qualidade. Já autor de um livro sobre as relações entre o Brasil e os EUA durante o Império (disponível na Biblioteca Digital da Funag), Raffaelli apresenta aqui uma história fascinante.


5) Villafañe G. Santos, Luís Cláudio:
Juca Paranhos, o barão do Rio Branco (São Paulo: Companhia das Letras, 2018, 560 p.; ISBN: 978-85-359-3152-5)

Destinada a tornar-se clássica, depois dos precedentes de Álvaro Lins (1945) e Luiz Vianna Filho (1959), a biografia de Villafañe inova sobre os precedentes, ao retraçar, cuidadosamente, a vida privada, as dificuldades e as artimanhas do patrono da diplomacia brasileira, nas suas relações com a imprensa, no cuidado com o ambiente político do início da República, e basicamente sua mentalidade conservadora, no seguimento da longa dominação saquarema sobre a política imperial, seguida pelo sistema oligárquico das elites republicanas, apoiadas numa agricultura atrasada. As relações com as grandes potências e com a vizinha Argentina são especialmente estudadas, no contexto da geopolítica regional, numa fase de imperialismos europeus ainda agressivos. Os problemas familiares também são ressaltados adequadamente.


6) Lima, Sergio Eduardo Moreira; Farias; Rogério de Souza (orgs.):
A palavra dos chanceleres na Escola Superior de Guerra (1952-2012) (Brasília: Funag, 2018; 738 p.; ISBN: 978-85-7631-780-7; coleção Política externa brasileira)

Este pesado volume é uma obra de referência sobre a política externa brasileira ao longo de 60 anos, como o compêndio organizado por Seixas Corrêa para os discursos inaugurais do Brasil nas AGNU anuais, mas à diferença daqueles, o público aqui é interno, o que permite maior sinceridade e abertura sobre aspectos cruciais da diplomacia brasileira, tal como expostas pelos ministros na Sorbonne militar, aliás moldada segundo o National War College americano. A introdução, da lavra do historiador Rogério Farias, coloca esses discursos no contexto político nacional e no ambiente internacional a cada etapa dessa longa interação entre duas instituições que pensam o Brasil e contribuem para formar os tomadores de decisão. Do Vargas constitucional à presidente derrocada em 2016, uma memória da história diplomática.


7) Cardim, Carlos Henrique (editor):
Revista 200 do Grupo de Trabalho do Bicentenário da Independência (Brasília: Ministério das Relações Exteriores, n. 1, outubro-dezembro de 2018, 236 p.)

Excelente iniciativa do embaixador Cardim, enquanto coordenador adjunto desse GT, ao reunir materiais antigos e inéditos em torno de nossa história, cuja fase autônoma começa, na verdade, pelos debates nas Cortes de Lisboa, como retratado em sua capa. Um equilíbrio de estilos, de conteúdo altamente diversificado, esse número apresenta documentos históricos, análises de grandes historiadores do passado, ensaios do presente, por diplomatas e acadêmicos, colaborações de grande qualidade intercaladas por uma riquíssima iconografia, selecionada pelo exímio editor de revistas e livros que sempre foi Carlos Cardim. Ele sublinha que a revista está destinada a ser um “traço de união”, e destaca o papel fundador de Hipólito da Costa, aliás objeto de um ensaio de Paulo Roberto de Almeida, que o considera o “primeiro estadista do Brasil”.


8) Paiva, Maria Eduarda (editora-chefe):
Juca: diplomacia e humanidades (revista do curso de formação em diplomacia do IRBr, n. 10, 2018, 220 p.; ISSN: 1984-6800)

Em seu décimo aniversário, essa excelente revista dos alunos do Rio Branco apresenta um dossiê sobre os 30 anos da Constituição, aqui abordada por seus dispositivos econômicos, raciais e ambientais. Três entrevistas também dão o tom desse número: com o próprio chanceler Aloysio Nunes, com a deputada Benedita da Silva sobre a Constituinte e com o colega Silvio Albuquerque e Silva sobre os diplomatas negros. A memória diplomática tem matérias sobre Bertha Lutz, sobre as relações Brasil-EUA, a estratégia de Rio Branco na questão do Acre e as relações Brasil-Rússia em 1917. A editora-chefe traz um excelente artigo sobre o itinerário de Itaipu na tríplice relação com a Argentina e o Paraguai, na visão dos diversos diplomatas que se ocuparam da questão, desde Guimarães Rosa até Saraiva Guerreiro, passando por Gibson Barboza.


(9) Fortuna, Felipe:
O rugido do sol: poemas (Rio de Janeiro: Pinakotheke, 2018; 126 p.; ISBN: 978-85-7191-106-2)

Estes novos “poemas” de Felipe Fortuna se apresentam, antes de mais nada, como uma obra de arte visual. As aspas se justificam pois desde o Prefácio até a Lápide final (“Aqui giz”), esta talvez seja a obra mais rebuscada, stricto et lato sensi, de Felipe Fortuna, já autor de sete outros livros de poesia, três de crítica literária, dois de ensaios e duas traduções. O poema do título vem enclausurado numa bola escura, com duas páginas na cor vermelha, ressaltando o fogo da poesia, qual magma em fusão. Todos os poemas são construções gráficas, em letras maiúsculas, minúsculas, invertidas, tortuosas e torturadas, mas “o poeta pede desculpas” (p. 14) por apresentar brincadeiras com as palavras que nos obrigam a ler duas, três, quatro vezes, para apreciar essas troças com o leitor e consigo mesmo. Poesias curtas, telegráficas, mas todas altamente impactantes.

 10) Lozardo, Ernesto:
OK, Roberto, você venceu: o pensamento econômico de Roberto Campos (Rio de Janeiro: Topbooks, 2018; 352 p.; ISBN: 978-85-7475-280-8)

O autor, ex-presidente do IPEA, não é diplomata, mas o sujeito de sua homenagem foi, certamente, um dos maiores estadistas do Brasil na segunda metade do século XX. Por racionalidade extrema, brigou muito com o Itamaraty, mas olhando retrospectivamente ganhou todas as partidas. Viu antes e mais longe que todos os diplomatas e bem mais que os homens públicos, mas perdeu a batalha em que se lançou desde cedo para tornar o Brasil uma nação próspera, por estupidez da maior parte dos dirigentes. A análise do pensamento econômico do homem que pensou o Brasil é complementada por depoimentos de personalidades que conviveram com ele: Fernando Henrique Cardoso, Henry Kissinger, Antonio Delfim Netto, João Carlos Martins e Ernane Galvêas. Campos foi uma grande referência na vida de Lozardo. Deveria ter sido de todos...


11) Merquior, José Guilherme: O Marxismo Ocidental (tradução Raul de Sá Barbosa; 1a edição; São Paulo: É Realizações, 2018, 352 p.; ISBN: 978-85-8033-343-5)

A edição original de Western Marxism é de 1985 e começa por uma cobrança ao próprio Marx, que teria, sem dúvida, como recomendado na undécima tese sobre Feuerbach, mudado a face do mundo, mas a sua interpretação desse mundo, na visão do maior intelectual diplomático brasileiro, foi intelectualmente insatisfatória. A obra parte do legado hegeliano e marxista, para depois dialogar com todos os marxistas ocidentais, desde Lukács e Gramsci até Habermas, passando pela Escola de Frankfurt, por Walter Benjamin, Sartre, Althusser e Marcuse. A obra vem enriquecida por depoimentos sobre o intelectual e sua obra, inclusive uma entrevista com o editor José Mário Pereira, e um importante arquivo de “fortuna crítica”, em torno dos debates que a obra suscitou desde seu primeiro aparecimento. Ela foi dedicada a um marxista brasileiro: Leandro Konder.


12) Temer, Michel:
O Brasil no mundo: abertura e responsabilidade: escritos de diplomacia presidencial (2016-2018) (Brasília: Funag, 2018, 409 p.; ISBN: 978-85-7631-791-3).

O presidente nunca foi diplomata, mas como foram os diplomatas de sua assessoria os responsáveis pela quase totalidade desses discursos, ao longo dos dois anos e meio do governo de transição, que retomou a diplomacia tradicional do Brasil, depois dos desvios lulopetistas, cabe registrar uma obra que marca, justamente, o retorno da política externa brasileira a padrões mais tradicionais de interação regional e mundial. São 68 discursos ou pronunciamentos ao longo de 30 meses, o que resulta em mais de dois discursos sobre temas internacionais por mês, desde as assembleias da ONU, as cúpulas regionais e as reuniões do Mercosul, até palestras para empresários, sem esquecer os temas bilaterais, ainda que mais reduzidos. Todos os grandes temas da diplomacia brasileira foram devidamente tratados por colegas competentes.


Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de fevereiro de 2019


PS.:
Não fiz a resenha dos livros de Celso Lafer, porque já escrevi um posfácio e uma apresentação geral dos dois volumes publicados em dezembro passado pela Funag.
Vou postar outra vez....

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