O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador Aula inaugural. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Aula inaugural. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Relações internacionais, política externa do Brasil e carreira diplomática: reflexões de um diplomata não convencional (resumo) - Paulo Roberto de Almeida

Relações internacionais, política externa do Brasil e carreira diplomática: reflexões de um diplomata não convencional

Paulo Roberto de Almeida

Notas para aula inaugural no quadro do curso do Ibmec Global Affairs, em 20/08/2021, 19hs (Sala Virtual Teams: https://bit.ly/3szvGzn).

Resumo, para os que não leram o trabalho completo (linkado ao final) ou não puderam assistir ao debate, realizado há pouco.

 

 

Como sempre faço, tomo notas do que gostaria de expor, mas como também sempre acontece, fica muito grande, e por isso acabo não lendo, mas colocando à disposição de todos as minhas reflexões do momento, para que todos possam ler com mais calmo do que numa exposição ex-catedra, que teria virtudes dormitivas.

 

Comecei pelo assunto do momento, a retirada dos Estados Unidos do Afeganistão e o reflexo nisso para as relações internacionais e para a posição dos EUA, e para isso me vali de um interessante artigo na revista The New Yorker, da colunista Robin Wright, “Does the Great Retreat from Afghanistan Mark the End of the American Era?”, (16/08/2021; que coloquei à disposição de todos em uma postagem no meu blog Diplomatizzando: “A Grande Retirada do Afeganistão marca o fim da Era Americana?”

Faço uma série de considerações sobre a questão dos Impérios, um pouco com base na conhecida obra de Arnold Toynbee, Estudo da História, mas também recomendo um livro que estou lendo atualmente: Empires in World History, de Jane Burbank e Frederich Cooper, que downloadei no meu Kindle (Princeton, 2010). É um livro diferente das histórias convencionais, pois que justamente trata das questões de poder, desde a antiga Roma e a China até o fim do sistema imperial, o que não está perto de ocorrer. Não vou retomar aqui tudo o que escrevi sobre os variados impérios, com destaque para o americano, em aparente declínio, até a irresistível ascensão da China e a sua volta ao seu antigo status imperial. Apenas me refiro ao fato de que o moderno sistema de relações internacionais, baseado numa representação supostamente igualitária dos Estados nacionais, têm no máximo 75 anos, ou seja, pouco mais de três gerações. O próprio sistema de Estados nacionais, se sistema existe, têm aproximadamente quatro ou cinco séculos, mas isso de uma perspectiva ocidental, pois que outros impérios e civilizações existiram, coexistiram se combateram e se suplantaram durante muitos séculos antes, e em várias outras regiões do mundo. 

 

O império chinês, que existiu por meio de mais de duas dezenas de dinastias, através dos séculos, por mais forte e inovador que tenha sido, não pode evitar sua conquista por povos de fora de suas muralhas supostamente inexpugnáveis: os mongóis, no século XII, e os manchus, no século XVII. O império romano do Ocidente, com sua capital em Roma, existiu durante mais de quatro séculos, até ser submerso pelos povos germânicos ou eslavos que viviam na sua periferia, no século V despois de Cristo. O império romano no Oriente, com sua capital em Constantinopla, ou Bizâncio, sobreviveu durante mil anos, aproximadamente, até ser conquistado pelos otomanos, que mantiveram, por sua vez, o seu império por mais de 600 anos. 

Mais próximo de nós, o império britânico, o maior do mundo entre o final do século XIX e o início do XX, dominou o comércio internacional, pagamentos e financiamentos durante décadas, até o seu declínio, a partir da Grande Guerra e finalmente em Suez. Foi a partir de 1917 que tem início a era do império americano, começando pelo lado financeiro para depois se traduzir num domínio econômico e estratégico claramente preeminente, pelo resto do século XX: o século americano parecia predestinado a durar mais um século inteiro, todo o século XXI. A China recém emergia dos anos destruidores de maoísmo demencial – depois do fracasso mortífero do Grande Salto para a Frente e dos anos turbulentos da Revolução Cultural – e não parecia estar minimamente em condições de desafiar a superpotência americana.

O que assistimos, nos últimos trinta anos, desde os anos 1990, quando começa, verdadeiramente, a fulgurante ascensão da China, foi algo absolutamente excepcional na história econômica mundial, jamais visto nos registros de crescimento econômico e de capacitação tecnológica e de construção de poderio militar. 

O mundo está próximo, agora, de ver a China conquistar o primeiro lugar na formação do PIB global, como já é o caso em grande parte do comércio internacional e será certamente o caso dos investimentos diretos e dos financiamentos em mais alguns anos. Os chineses, não alcançarão, provavelmente, o PIB per capita dos americanos no corrente século ou em qualquer tempo, mas existem outros elementos que sinalizam a mudança de cenário. 

Três observações podem ser feitas a esse respeito. Em primeiro lugar, a ascensão da China não significa, inevitavelmente, o declínio, mesmo relativo, do poderio científico e tecnológico ocidental, ou seja, americano, europeu, japonês (e de alguns outros membros do clube das nações avançadas). Em segundo lugar, o impulso excepcional da China pode não ser tão irresistível quanto parece atualmente, sobretudo em vista de tremores geopolíticos na Ásia Pacífico ou no próprio Império do Meio, Em terceiro lugar, não se pode conceber que, após essa “era americana” – que ainda não terminou, cabe esclarecer – virá uma “era chinesa”, o que está longe de ser admitida universalmente ou consensualmente. 

A China também foi humilhada ao longo de sua história, duas vezes por invasores que não se intimidaram com o seu tamanho e desprezaram solenemente a Grande Muralha, e mais algumas outras vezes pelas potências ocidentais, nas guerras do ópio e na destruição do Palácio de Verão, em meados do século XIX, 

Os impérios que humilharam a China já não poderão voltar a fazê-lo novamente, e os impérios que ainda restam já não podem ignorar solenemente os Estados nacionais, como frequentemente fizeram no passado. O mundo mudou, mas veleidades imperiais permanecem presentes, assim como as mesmas paixões e instintos que deslancharam a guerra de Troia permanecem invariavelmente humanas, mesmo a uma distância de milhares de anos. 

 

Como se situa o Brasil no presente contexto de uma incerta multipolaridade?

Nos trinta anos precedentes, o Brasil e o Itamaraty construíram as bases conceituais de suas relações exteriores e os instrumentos operacionais de uma diplomacia autônoma e soberana, identificadas, ambas, com os grandes interesses do desenvolvimento nacional, em todos os planos: bilateral, regional e multilateral. 

A política externa, a gestão ambiental, a condução da cultura e a da educação nunca corresponderam, no atual governo, a padrões compatíveis com o que se espera de uma administração normal, dotada de um programa qualquer que pudesse garantir estabilidade macroeconômica e programas setoriais voltados para o crescimento, o emprego e ganhos de produtividade necessários para enfrentar a competição econômica num mundo globalizado. 

 

Examinei, em quatro livros digitais, fase de demolição completa dos fundamentos conceituais e de sua substância operacional nos dois anos e três meses em que perduraram os desatinos e loucuras perpetrados por quem chamei de “chanceler acidental”, sendo que os efeitos da virtual derrocada de nossa credibilidade no exterior não foram ainda totalmente superados, uma vez que a política externa continua a ser marcada pela mesma autoridade incompetente. Esses livros receberam os significativos nomes de Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (2019), O Itamaraty num labirinto de sombras: ensaios de política externa e de diplomacia brasileira e Uma certa ideia do Itamaraty: a reconstrução da política externa e a restauração da diplomacia brasileira (ambos de 2020) e O Itamaraty Sequestrado: a destruição da diplomacia pelo bolsolavismo, 2018-2021, o mais recente. A esses, se seguirá um novo livro, Apogeu e demolição da política externa: itinerários da diplomacia brasileira (em versão impressa, pela Editora Appris). 

Não pretendo refazer aqui todas as críticas e comentários que já formulei a propósito da miséria da nossa atual política externa e dos descompassos de nossa diplomacia – no momento felizmente liberta das loucuras alucinadas e alucinantes do ex-chanceler acidental –, tanto porque já disso tudo o que poderia ser dito nesses cinco livros mencionados acima. Mas cabem algumas palavras de alento aos que pensam em seguir a carreira diplomática e que se preparam seriamente para tal. 

Como diz o famoso bordão: não há bem que nunca acabe, e não há mal que sempre dure. O Itamaraty e a política externa passaram por turbulências inéditas em nossa história independente, mas uma recuperação está em curso, e ela se completará no próximo governo.

A carreira diplomática é uma das mais atraentes na burocracia federal, pelo menos para aqueles que não estão apenas à procura de um emprego público, mas que, sim, tenham a vocação internacionalista, possuam um bom preparo intelectual e se sintam totalmente à vontade numa vida nômade, feita de postos excelentes, muitos médios e algumas situações de dificuldades materiais no vasto mundo da periferia do capitalismo global. 

“Dez Regras Modernas de Diplomacia” (Chicago, 22 de julho de 2001; 19/08/2021: link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/08/regras-modernas-e-sensatas-de.html).

Se ouso concluir, seria por uma nota de otimismo. No Brasil, depois de surpresas e frustrações, retomaremos nosso inevitável processo de crescimento econômico, visando um grau maior de desenvolvimento social, o que virá, no devido tempo, e reconstruiremos também a nossa política externa e a diplomacia de qualidade, uma vez afastados os novos bárbaros do poder. É uma questão de persistência, de resiliência, de insistência no caminho iniciado 200 anos atrás, que construiu uma das melhores diplomacias entre novas nações saídas do colonialismo e uma política externa das mais respeitadas entre países em desenvolvimento. 

De minha parte, continuarei me exercendo em minhas vantagens comparativas relativas, que estão na pesquisa, no estudo, na reflexão e na escrita e publicação de materiais diversos atinentes às relações internacionais do Brasil, à sua política externa e à sua diplomacia, cujo itinerário estou concluindo com plena satisfação intelectual e um registro de boas obras realizadas, no plano profissional e no acadêmico.

Muito obrigado. 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3960, resumo: 19 agosto 2021, 15 p.

Trabalho completo: 

Divulgado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/50940045/3960_Relacoes_internacionais_politica_externa_do_Brasil_e_carreira_diplomatica_Reflexoes_de_um_diplomata_nao_convencional_2021_) e anunciado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/08/relacoes-internacionais-politica_19.html).

 

terça-feira, 17 de agosto de 2021

Aula inaugural: Global Affairs do Ibmec, 20/08/2021, 19hs - Paulo Roberto de Almeida

Relações Internacionais, Política Externa do Brasil e carreira diplomática 


Notas para aula inaugural no quadro do novo curso do Ibmec Global Affairs
20/08/2021, 19hs (Sala Virtual Teams: https://bit.ly/3szvGzn).

Vou preparar minha aula, com base numa conversa em torno do conhecimento acumulado em torno dos temas selecionados neste título. Posto aqui apenas os primeiros parágrafos. O resto fica para segunda-feira 20/08. Até lá...
Paulo Roberto de Almeida

Relações internacionais, política externa do Brasil e carreira diplomática

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

 

 

Residente que fui nos Estados Unidos, por duas vezes, ademais de diversas outras viagens de trabalho, acadêmicas ou de simples lazer naquele país continente, que atravessei duas vezes costa a costa, do Atântico ao Pacífico, e várias outras vezes no sentido Norte-Sul ou em diagonal, percorrendo a quase totalidade dos seus estados federados – faltou o Dakota do Norte, no território continental, o Alaska e o Hawai, no Pacífico, e o estado associado de Porto Rico, para completar toda a nação – posso dizer que conheço razoavelmente aquela grande nação. Aliás antes mesmo de visitar ou residir nos Estados Unidos, eu já era assinante da New York Review of Books, da Foreign Affairs, assim como fui, em épocas diversas, assinante da Foreign Policy, do Washington Quarterly, do Washington Post, do New York Times e, por duas vezes, da provocante revista The New Yorker

Recebo boletins diários ou regulares de todos esses periódicos, assim como newsletters de muitos thinks tanks, centros de pesquisa universitária, boletins empresariais, anúncios dos principais museus, assim como as circulares de associações como LASA – Latin American Studies Association – e da BRASA – Brazilian Studies Association, da qual já fui um dos diretores e frequentadores de seus encontros anuais ou bianuais. Também publiquei alguns livros que me colocaram em contato direto com a comunidade acadêmica e empresarial dos Estados Unidos, como um sobre a produção dos brasilianista – O Brasil dos Brasilianistas, com edições no Brasil e nos Estados Unidos –, um outro sobre as relações Brasil-Estados Unidos, em português, assim como atuando na publicação no Brasil de alguns livros editados nos Estados Unidos, um do ex-embaixador Lincoln Gordon, o “homem do golpe” de 1964, outro sobre o famoso Consenso de Washington, do grande John Williamson.

Na área da pesquisa acadêmica, li dezenas, centenas de livros sobre a maior economia do planeta (até aqui), sobre a grande e tradicional democracia e sobre o país mais poderoso do mundo, nos planos econômico, tecnológico, geopolítico, livros de história econômica, sobre as relações internacionais em geral e dos Estados Unidos, sua política externa, sobre sua influência na América Latina e em outras regiões, sobre as relações Brasil-EUA e diversos outros aspectos menores, como vida acadêmica e cultural. Escrevi muitos artigos, notas, comentários sobre tudo isso que li, que pesquisei, que assisti, que acompanhei em muitas décadas de estudo acadêmico, que superam em vários anos meus 44 anos de vida diplomática, sobre todas essas questões de relações internacionais estrito senso, de política externa e de diplomacia brasileira, por obrigação profissional, mas também de história diplomática, de história econômica e de relações econômicas internacionais, por gosto pessoal e por interesse intelectual sobre o desenvolvimento desigual e diferenciado dos muitos países que compõem o chamado sistema internacional. 

Creio, portanto, estar razoavelmente preparado para discorrer sobre esses diferentes aspectos sobre os quais escolhi discorrer nesta oportunidade: as relações internacionais, a política externa do Brasil e sua diplomacia, e a carreira diplomática em especial, em direção da qual muitos jovens aspiram caminhar – a despeito de percalços eventuais em todas essas esferas – e na qual eu me desempenhei com muita satisfação pessoal e enriquecimento intelectual ao longo das últimas décadas. Todas as épocas e todos os processos humanos e sociais possuem as suas fases críticas, os seus momentos de ruptura e de transição, as suas eras de ascensão ou de declínio, enfim, sua dinâmica própria e seu ciclo de vida. A minha trajetória política começou com o golpe de 1964, continuou por um longo exílio de estudos e de atividades políticas contra a ditadura militar na Europa, depois no próprio Brasil, e teve prosseguimento nas últimas três décadas e meias de regime democrático, com uma dupla dedicação, à carreira diplomática e às lides acadêmicas. 


(...)

continua...

 

sexta-feira, 24 de março de 2017

A politica externa e a diplomacia brasileira no seculo XXI: aula Paulo Roberto de Almeida (UFG)



Paulo Roberto de Almeida
[Aula inaugural no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Diplomacia e Relações Internacionais da UFG, em Goiânia, em 24/03/2017, a convite do Prof. Diego Trindade D’Ávila Magalhães, coordenador do curso.]

Sumário:
1. Continuidade ou ruptura em política externa: ambiguidade de situações
2. O continuísmo diplomático pelo staff profissional do Itamaraty
3. Quais são as grandes linhas da diplomacia e da política externa desde 1985?
4. Uma diplomacia conservadora para uma política externa idem?
5. A grande ruptura e o Grande Desastre: o lulopetismo diplomático
6. Recuperando o recuperável: o que fazer do legado de compromissos?
7. Conclusões provisórias: que floresçam as cem flores?

Antes de formular qualquer observação sobre a política externa e a diplomacia brasileira (são duas coisas diferentes, como já comentei diversas vezes, embora possuindo certa imbricação), cabe refletir sobre os rótulos eventualmente usados para definir uma ou outra: desde a chamada “Política Externa Independente”, no início dos anos 1960, tivemos vários outros slogans para definir as supostamente diferentes orientações externas dos governos sucessivos do regime militar, até voltarmos à normalidade de uma diplomacia sem rótulos, a despeito de fugazes tentativas nesse sentido. Tivemos, aparentemente: (a) uma “diplomacia dos círculos concêntricos” (1964-67), baseada nas teses do coronel Golbery do Couto e Silva sobre a ancoragem do Brasil no chamado Ocidente, liderado, então como hoje, pelos Estados Unidos, agora bem menos do que no passado; (b) a “diplomacia da prosperidade” (1967-69), dos governos Costa e Silva e Médici, que se desdobrou no projeto militar do “Brasil Grande Potência” (1969-74); (c) as novas orientações diplomáticas dadas pela dupla Geisel-Azeredo da Silveira ao que se chamou de “pragmatismo responsável e ecumênico” (1974-79); seguido (d) pelo “universalismo” (1979-85) de Saraiva Guerreiro.
Depois disso, esses rótulos de conveniência praticamente desapareceram da política externa brasileira, a despeito de uma fugaz “diplomacia de resultados” (1985) atribuída ao breve chanceler da redemocratização, Olavo Setúbal, sem que se possa identificar, nos governos seguintes, uma preocupação terminológica especial. Foi apenas nos dois primeiros mandatos do regime lulopetista – e eu o chamo de regime em função de suas características especiais, que estão explicitadas em meu livro Nunca Antes na Diplomacia: a política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Editora Appris, 2014) – que se volta à necessidade, aparentemente psicológica, de atribuir um rótulo à política externa que se pretendia uma espécie de retorno à Política Externa Independente: chamou-se, então, de “diplomacia ativa e altiva” (2003-2010), por vezes acrescida da palavra mágica “soberana”, como para demarcar as grandes diferenças entre essa política externa e as dos governos anteriores, supostamente não ativos e sobretudo não altivos, ou seja, acusado de serem submissos e conformados a um fantasmagórico Consenso de Washington, que o novo governo logo procurou substituir por um ainda mais fantasmagórico “Consenso de Buenos Aires” (2003), febrilmente oferecido aos demais países latino-americanos pela dupla Lula-Kirchner para ser soberbamente ignorado por eles e por toda a comunidade internacional (também já escrevi sobre esse patético exercício em 2003).
Esses rótulos antecipatórios, ou slogans supostamente definidores de uma política externa que se pretende implementar, não têm muita importância, em si mesmos, ou seja, como reveladores da política externa efetivamente seguida, ao longo do governo que os escolhe, mas são reveladores de certa psicologia de seus autores, ou proponentes, inclusive no que se refere à necessidade pressentida de apresentar algum tipo de justificativa em vista das mudanças propostas, que podem representar uma espécie de inflexão, ou ruptura, ao que vinha sendo seguido anteriormente. Assim foi com a chamada PEI, que supostamente representaria uma saída do “alinhamento incondicional” com as posturas internacionais dos EUA, em direção (mas de forma moderada) do chamado não-alinhamento, neutralismo ou “terceira posição”). Os dois rótulos de maior “sucesso conceitual” durante esse longo período foram, não por acaso, aqueles que efetivamente corresponderam aos dois momentos de maiores mudanças nas orientações de política externa e de ativismo diplomático, que foram, respectivamente, o “pragmatismo responsável e ecumênico”, da dupla Ernesto Geisel e Antonio Azeredo da Silveira, e a “diplomacia ativa e altiva” da dupla Lula-Amorim.
Não é o caso de examinar, aqui e agora, as características de cada uma dessas políticas respectivas, relativamente inovadoras, em relação ao que havia antes e ao que veio depois – uma vez que já existem muitos trabalhos, acadêmicos e de diplomatas, que se dedicaram a essa tarefa, inclusive o meu livro acima citado, Nunca Antes na Diplomacia – mas cabe, sim, registrar que ambas buscam estabelecer princípios e valores de suas próprias legitimidades políticas, ou seja, a tal necessidade psicológica. Vamos, em todo caso, resumir um pouco dos itinerários recentes na política externa brasileira, que têm a ver justamente com a questão maior da continuidade ou da ruptura nas principais orientações diplomáticas em cada período, tal como definidas na defesa que delas fizeram seus respectivos proponentes, num caso o presidente Geisel e seu chanceler Azeredo da Silveira, noutro caso, o presidente Lula e os principais assessores em política externa, respectivamente, e pela ordem, os diplomatas Samuel Pinheiro Guimarães e Celso Amorim e o apparatchik Marco Aurélio Garcia, o homem do Foro de São Paulo, que nada mais é senão um instrumento dos comunistas cubanos para controlar e orientar os partidos de esquerda da América Latina.

1. Continuidade ou ruptura em política externa: ambiguidade de situações
Em política externa, o normal é a continuidade, sendo mais raras as fases de ruptura, inclusive por causa dos compromissos externos que não podem ser rompidos facilmente, e porque também existe um corpo consolidado de posições que reflete um determinado modo de inserção no sistema de relações internacionais – nas suas diferentes vertentes, bilateral, regional, multilateral – e um staff especializado, de caráter permanente, que tende a ser conservador nos hábitos e no pensamento. Os diplomatas são, em geral, continuístas, legitimistas (no sentido em que sempre vão defender o governo do momento), burocráticos, cautelosos ao extremo e, portanto, tendentes ao continuísmo em política externa e na política nacional, de modo amplo.
Isso não impede o acolhimento de novas ideias, quando elas correspondem ao Zeitgeist, ou os ares do momento, como podem ter sido, em suas respectivas épocas, o desenvolvimentismo cepaliano e de JK, a Política Externa Independente, de Quadros e Arinos, preservada na administração Goulart-San Tiago Dantas, e até o último chanceler do regime de 1946, João Augusto de Araújo Castro, um dos raros diplomatas não burocratas, e tido por muitos como intelectual. Aquilo que se pode chamar de ideologia do desenvolvimento é a ideologia oficial do Itamaraty, e é também a ideologia nacional brasileira desde a era Vargas, e especialmente desde os últimos anos da república de 1946. Existe, portanto, uma grande continuidade nas ideias e princípios que movem a diplomacia brasileira desde longos anos, o que eu já examinei em dois textos de 1986, “A ideologia da política externa: sete teses idealistas” e “A economia da política externa: do primário ao terciário”, inseridas como capítulos V e VII na primeira edição de meu livro Relações Internacionais e Política Externa do Brasil (Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1998), não mais reproduzidos nas duas edições posteriores (2004 e 2012) desse livro. Nesses dois capítulos, eu trato basicamente de ideias e conceitos, e pode-se registrar uma grande continuidade “filosófica” entre a diplomacia do final dos anos 1950 e início dos 60, a que foi implementada pela dupla Geisel-Silveira nos anos 1970, a “diplomacia do pragmatismo responsável”, e que seria retomada, em termos modificados mas de certa forma coincidentes, na “diplomacia ativa e altiva” dos companheiros, que eu chamo de diplomacia lulopetista (mas que deve muito pouco ao seu chefe político, e bem mais aos seus conselheiros diplomáticos já citados).
Não existe propriamente novidade em registrar que o presidente Lula era um grande admirador do presidente Geisel, o mais autoritário, concentrador, estatizante e intervencionista dos presidentes militares, assim como a dupla Samuel-Amorim era admiradora confessa da Política Externa Independente e ambos não relutavam em admitir que estavam resgatando tudo aquilo que tinha sido defendido nos anos de suposto não-alinhamento com a potência imperial e de compromissos com os objetivos desenvolvimentista daquela época. Ainda que Lula não exibisse, nem de longe, qualquer uma das supostas “qualidades” do presidente Geisel, de certa forma um “tecnocrata” exemplar do regime militar, ele tinha grande apreço, mesmo de forma inconsciente e totalmente instintiva, pela via “prussiana” do desenvolvimento brasileiro, ou seja, pelo alto, feita de um exagerado intervencionismo estatal, um protecionismo igualmente míope e todo aquele impulso megalomaníaco de fazer do Brasil uma grande potência, respeitada nos cenários regional e internacional. A dupla Samuel-Amorim se encarregou de fazer exatamente isso, secundada pela assessoria caninamente “cubana” do apparatchik do PT na presidência da República, várias vezes ironicamente chamado, pelo jornalismo setorial, de “chanceler para a América do Sul”, em vista das limitadas capacidades que ele exibia para a política externa como um todo.

2. O continuísmo diplomático pelo staff profissional do Itamaraty
O próprio corpo de servidores do Itamaraty, os diplomatas profissionais, tendem a ser mais continuístas com aquela “ideologia desenvolvimentistas”, mas também são “legitimistas”, no sentido em que podem se adaptar facilmente a mudanças de postura, tais como emanadas da presidência da República. Tal foi o caso da primeira fase do regime militar – o suposto alinhamento do governo Castelo Branco com as teses da potência líder do Ocidente, o que não corresponde à verdade dos fatos – e também das várias mudanças operadas no breve interlúdio de Fernando Collor na presidência (1990-92), quando novas orientações, de abertura econômica e de liberalização comercial, foram impressas naquela conjuntura (revisão metodológica no Mercosul, adoção de ampla reforma tarifária, que correspondeu à Tarifa Externa Comum, aceitação dos novos temas na Rodada Uruguai do Gatt, revisão da política nuclear, início do processo de privatização de companhias estatais, etc.). Foi também o caso da presidência FHC, quando se alterou a política nuclear brasileira, no sentido da aceitação do TNP (1968), e de diversos outros compromissos em geral alinhados com a postura globalizante e progressista do presidente.
Ainda não existem trabalhos suficientemente independentes sobre a postura dos diplomatas profissionais com respeito às muitas “inovações” – em grande medida muito duvidosas – da era Lula-Amorim, inclusive porque a maior parte do corpo de servidores se mantive bastante discreto quanto às iniciativas lançadas pelo lulismo diplomático, apenas cumprindo diligentemente (como sempre acontece) as ordens emanadas de cima em nome da gloriosa “diplomacia ativa e altiva” (bastante bem defendida por seus principais ideólogos diplomatas, o chanceler e seu secretário-geral. Mas existe, sim, uma pletora de trabalhos acadêmicos saudando a tal diplomacia “ativa e altiva” como sendo uma espécie de nec plus ultra do nacionalismo diplomático, do soberanismo elementar, da busca de espaços próprios, não tutelados pelo “império”, nos cenários regional e internacional. Não hesitaria em dizer que 90% da academia engajada nesse tipo de estudos internacionalistas mostrou-se amplamente satisfeita com o novo estilo diplomático dos lulopetistas, com inúmeros trabalhos tecendo elogios até exagerados à política externa “ativa e altiva” dos companheiros.
Se me permitem uma referência pessoal, eu devo ter sido o único diplomata profissional e um dos raros estudiosos acadêmicos – ao lado dos editoriais sempre cáusticos do venerando jornal reacionário, O Estado de S. Paulo, e de algumas matérias críticas da Veja, sobre a “diplomacia megalonanica” – que criticou abertamente as novas orientações da política externa, conhecedor, como sempre fui, dos caminhos do PT e suas vinculações cubanas. Sofri, por isso mesmo, treze anos e meio de ostracismo no Itamaraty, durante os quais não apenas fui vetado para cargos oferecidos em áreas que não tinha diretamente a ver com a política externa “executiva”, como tampouco exerci qualquer cargo na Secretaria de Estado; durante longos anos fui confinado ao chamado Departamento de Escadas e Corredores, fazendo da biblioteca o meu escritório de trabalho, e me dedicando, justamente, à escrita e à publicação de muitos artigos e de alguns livros sobre os descaminhos dessa diplomacia enviesada, o que me era facultado pela completa disponibilidade de tempo nessa interminável travessia do deserto.
De certa forma, eu representei uma espécie de continuísmo – o que não é exatamente verdade – quando a maior parte, senão a totalidade do Itamaraty aderia de maneira obediente às invenções pirotécnicas do lulopetismo diplomático. Digo que o continuísmo não figura entre minhas inclinações diplomáticas, porque considero o Itamaraty excessivamente conservador – ou seja, muito pouco inovador – com respeito ao conjunto das ideias e valores que orientam essa “ideologia do desenvolvimento” no velho sentido cepaliano e terceiro-mundista que geralmente constitui a communis opinio dos diplomatas profissionais. Independentemente, portanto, das pretensas inovações da era Lula-Amorim, o fato é que o lulopetismo diplomático, à exceção da pirotecnia megalomaníaca, representou um grande continuísmo com respeito à Política Externa Independente dos anos anteriores ao regime militar e, também, com o “pragmatismo responsável” da era Geisel-Silveira.

3. Quais são as grandes linhas da diplomacia e da política externa desde 1985?
O período final do regime militar já não exibia mais aquelas preocupações exageradas com a segurança – ou seja, o anticomunismo oficial – que tinham caracterizado o seu início. Já não se falava mais em “Brasil Grande Potência”, inclusive porque foram anos e anos de crises contínuas (o segundo choque do petróleo, em 1979, a crise da dívida externa, a partir de 1982, e que ocupou o Brasil e a sua diplomacia pela década e meia seguinte), e sim em esforços de desenvolvimento no quadro das grandes mudanças trazidas pelo “aggiornamento” nos regimes comunistas, inauguradas pelo reformismo da era Deng Xiaoping na China, e logo seguidas pelo “glasnost” e pela “perestroika” do breve período Gorbatchev na União Soviética.
A diplomacia brasileira continuou a ser conservadoramente desenvolvimentista, e bastante relutante em aceitar novos compromissos de abertura econômica ou de liberalização comercial, embarcado na integração bilateral com a Argentina, processo que foi quadrilateralizado no início dos anos 1990, com a constituição do Mercosul. A diplomacia de FHC foi basicamente profissional, ou seja, itamaratiana, com as já mencionadas inovações na área da política nuclear e da aceitação cautelosa de novos compromissos em matéria de acordos comerciais (multilaterais e hemisféricos). Os companheiros inventaram iniciativas mentirosamente “inéditas” que se conformassem ao seu desejo de se enquadrar na fábula do “nunca antes”. A prioridade para a América do Sul, por exemplo, já estava dada desde o início da era FHC, e mesmo antes, sob a gestão de Itamar Franco, quando se tentou contrapor às iniciativas americanas – a de Bush pai e a de Clinton – de um amplo acordo hemisférico de livre comércio a proposta de um superficialmente formulado projeto de Alcsa, uma área de livre comércio sul-americana (jamais realizada formalmente, senão por uma miríade de acordos parciais na Aladi). A abertura e o relacionamento com grandes parceiros do chamado Sul Global (uma invenção geográfica sem qualquer sentido econômico ou mesmo diplomático) já estava posta desde muito antes igualmente, inclusive porque o Itamaraty sempre foi adepto dessas alianças terceiro-mundistas. O projeto de FHC de integrar fisicamente a América do Sul foi despudoradamente roubado, reinventado sob outro nome e, como várias outras iniciativas companheiras nessa área, permaneceu não implementado, por falta de competência para levá-lo adiante, sem as parcerias anteriormente previstas no projeto original.

4. Uma diplomacia conservadora para uma política externa idem?
As grandes linhas da diplomacia brasileira, historicamente, sempre foram as mesmas, ao longo de vários governos e mesmo regimes: aproveitar as oportunidades oferecidas pelo sistema internacional – em termos de comércio, investimentos, transferência de tecnologia, acordos de cooperação, etc. – para impulsionar o processo de desenvolvimento do Brasil; encontrar e definir os melhores parceiros para ajudar, no plano bilateral, esse grandioso propósito, o que significava, obviamente, os países mais avançados do bloco ocidental (embora isso não descurasse o relacionamento econômico mesmo com os países do bloco soviético, objeto de cuidados especiais durante todo o período da Guerra Fria); manter um relacionamento estreito com os vizinhos da região, em especial no Cone Sul; explorar canais de inserção nos mecanismos decisórios no plano multilateral, o que implica um grande ativismo nos órgãos setoriais da ONU, como na própria instituição-mãe, com o sempre acalentado desejo de lograr a reforma da Carta para uma ampliação do seu Conselho de Segurança, avançando a disposição para obter uma cadeira permanente em caso de eleição ou escolha nessa linha; exercer papel preeminente nas coalizões de países em desenvolvimento para reforçar demandas em favor de uma nova ordem econômica internacional, mais favorável aos interesses desses países, em prol de mudanças na estrutura do comércio internacional e nos projetos de industrialização substitutiva; atribuir relevo principal, na agenda política e econômica mundial, para os objetivos de desenvolvimento, em lugar dos gastos com segurança e defesa, insistindo nas metas de desarmamento, sobretudo nuclear; cuidado extremo com a preservação da soberania brasileira em todas as vertentes de trabalho.
Esses sempre foram, entre muitos outros, os objetivos constantes e recorrentes da diplomacia brasileira na implementação da política externa de cada presidente, com pequenas variações de forma entre um mandato e outro, praticamente desde a Segunda Guerra Mundial até os nossos dias. Isso equivale a dizer que o Itamaraty é relativamente conservador na definição das metas de trabalho – mas sempre em consonância com os grandes objetivos nacionais, e preservando um estilo que não diferiu muito ao longo de décadas – como sempre foram conservadoras as relações mantidas com os principais parceiros, desenvolvidos ou em desenvolvimento. Nas poucas vezes em que tentou ser inovador, nas últimas décadas, como por exemplo a proposta de se criar um grande espaço econômico unificado na América do Sul, pela via de acordos comerciais, ou os projetos de integração física no mesmo continente, os resultados foram muito modestos, para não dizer marginais ou nulos. Mesmo na grande decisão de reduzir sua própria soberania estatal em favor de um projeto ambicioso de integração, como no caso do Mercosul, os resultados também ficaram muito aquém do esperado: em lugar do mercado comum, uma colcha de retalhos sob a aparência de união aduaneira, com várias exceções nacionais, e uma zona de livre comércio com muitas perfurações, dada a indisposição dos países membros (entre eles o próprio Brasil), para uma real abertura econômica recíproca e uma efetiva liberalização comercial.

5. A grande ruptura e o Grande Desastre: o lulopetismo diplomático
Os três grandes objetivos do lulopetismo diplomático eram, tal como expresso diversas vezes pelos seus dirigentes máximos: (a) o reforço e a extensão do Mercosul na América do Sul; (b) a conclusão exitosa das negociações comerciais multilaterais da Rodada Doha; (c) a conquista de uma cadeira permanente no Conselho de Segurança, via reforma da Carta das Nações Unidas. Parece evidente que, não só esses objetivos deixaram de ser alcançados, mas que seu atingimento ficou ainda pior ao longo de três gestões completas do lulopetismo diplomático e não parecem próximos de serem alcançados no futuro previsível. Esse insucesso clamoroso não pode ser inteiramente debitado à incompetência dos gestores dessa política externa, ainda que o terceiro objetivo era claramente irrealista e tentou se realizado de uma maneira totalmente ineficiente: colocando a pretensão do Brasil no quadro de um agrupamento, o G-4 (com outros candidatos, como Índia, Alemanha e Japão), cujos membros tinham suas arestas regionais que acabaram inviabilizando os objetivos do quatro membros.
O primeiro objetivo era perfeitamente realizável se o lulopetismo mantivesse uma política comercial compatível com os objetivos originais do Mercosul e alinhada com as novas demandas surgidas no continente a partir dos projetos americanos de um grande acordo hemisférico de livre comércio. Em lugar disso, os companheiros, como inimigos ideológicos do “império”, se empenharam em sabotar a Alca, como se todos os demais fossem se unir em torno de vagas propostas brasileiras de um bloco comercial excessivamente limitado para atrair os grandes parceiros da região (que de resto sempre cobiçaram os mercados e os investimentos americanos). Eles foram, junto com os dois outros aliados no empreendimento, a Argentina de Nestor Kirchner e a Venezuela de Hugo Chávez, totalmente bem sucedidos na implosão do projeto americano da Alca, apenas para se virem isolados na sequência dos acordos parciais concluídos pelos EUA com cada país ou grupos de países interessados no esquema por eles oferecido. Quanto ao Mercosul, ele foi desviado de seus objetivos comercialistas, para converter num palco de retórica política e de iniciativas sociais, totalmente inócuas do ponto de vista da integração econômica prometida em seu tratado constitutivo.
As negociações comerciais multilaterais tampouco avançaram como esperado pelos companheiros, inclusive porque os companheiros dos companheiros, países como Argentina, Índia, China e outros em desenvolvimento, mantinham uma disposição muito débil para a abertura econômica e o desarme tarifário industrial, ao mesmo tempo em que os grandes parceiros desenvolvidos tampouco estavam dispostos a desmantelar o arsenal subvencionista e protecionista no setor agrícola. De forma geral, a política comercial dos companheiros foi totalmente irrealista e inadequada às necessidades dos setores competitivos da economia nacional, inclusive em virtude de preconceitos de tipo ideológico mantidos pelos principais formuladores dessa política enviesada.
Assim, o que era para ser uma ruptura com o “neoliberalismo” do ancien régime tucanês acabou revelando-se um grande fiasco substantivo, até no plano puramente formal das táticas diplomáticas. O que dizer, então, da suposta liderança na América do Sul e do desejo pouco secreto de ser o grande irmão generoso para vizinhos menores ou supostamente dependentes? Quais foram os sucessos alcançados com a Argentina dos Kirchner, da Bolívia de Evo Morales, do Equador de Ruben Correa, ou da Venezuela de Chávez? Ainda não se contabilizou devidamente a soma total dos imensos negócios paralelos que foram feitos em benefício de capitalistas promíscuos e dos companheiros engajados nesses canais paralelos à diplomacia oficial do Itamaraty, com gigantescos empréstimos e investimentos públicos brasileiros em projetos obscuros ou claramente clandestinos, abrindo espaço, ao que parece, para tenebrosas transações feitas à margem e no desconhecimento da pátria mãe tão distraída.
Além dos fiascos acumulados ao longo do regime companheiro, não se pode deixar de apontar como as instituições públicas – o BNDES, por exemplo – foram usadas e abusadas para projetos propriamente criminosos, tanto mais grandiosos quanto mais ditatoriais ou autocráticos eram os parceiros envolvidos em transações altamente suspeitas. Apenas um trecho de um livro publicado sobre esse tipo de projeção pouco edificante permite desvendar o tipo de arranjo a que os companheiros se dedicaram externamente desde que pegaram o jeito de fazer negócios para eles mesmos:
Em dezembro de 2016, um documento devastador do Departamento de Justiça americano revelava: ‘Entre 2006 e 2013, a Odebrecht realizou mais de US$ 50 milhões em pagamentos para autoridades do governo em Angola para assegurar contratos de obras públicas.’
Fábio Zanini: Euforia e Fracasso do Brasil Grande: política externa e multinacionais brasileiras na era Lula. São Paulo: Contexto, 2017, p. 82.

As demais histórias do livro também são devastadoras, não exatamente para a reputação do PT, uma vez que todos sabem que esse agrupamento heteróclito de neobolcheviques sem doutrina é uma organização criminosa desde muito tempo, mas basicamente para a reputação do Brasil e sua política externa, ao conformar um padrão que rompe todos os compromissos anticorrupção assinados pelo Brasil desde os anos 1990. Como revela ainda esse autor, “entre 2003 e 2015, o BNDES liberou US$ 14 bilhões para 575 projetos no exterior, em 11 países da África e da América Latina.”
Os companheiros conspurcaram a imagem do Brasil, sem que na verdade se tenha conhecimento de uma infinidade de outros casos não documentados, uma vez que outro dos crimes cometidos contra o Estado foi, sistematicamente, a condução de certos negócios por vias paralelas, clandestinas, deliberadamente subtraídas a qualquer escrutínio governamental, e até mesmo dos registros do Itamaraty. As mesmas práticas criminosas testadas externamente foram amplamente repetidas no próprio Brasil, onde a máquina de um ministério chave como a Fazenda foi usada para fabricar medidas especialmente talhadas para beneficiar essas mesmas empresas promíscuas, desde que um jorro de “doações legais” aportasse nas contas do partido delinquente.

6. Recuperando o recuperável: o que fazer do legado de compromissos?
Talvez seja ainda muito cedo para fazer um balanço completo das imensas perdas, algumas irreparáveis, trazidas pelo assalto ao poder da tropa de meliantes que congrega inocentes militantes dirigidos por uma quadrilha de mafiosos. A corrupção das instituições e o retrocesso econômico – provocando a maior crise da história econômica do Brasil, a que eu chamei de Grande Desastre – podem ser eventualmente reparados no plano interno, mas assumir a liderança pouco desejável de ser um país indutor de corrupção no plano externo constitui, obviamente, um galardão que não honra as tradições diplomáticas brasileiras.
Mas, existe um outro aspecto que não tem merecido a devida atenção dos observadores, uma vez que se considera que iniciativas diplomáticas tomadas numa determinada administração, por engajar a palavra do Brasil externamente, precisam ser honradas e preservadas, quaisquer que tenham sido as motivações originais. Estão neste caso certo número de novas organizações criadas unicamente para afastar o fantasma do império da América do Sul e algumas outras, ultrapassando essas fronteiras e que unem o Brasil a regimes pouco frequentáveis em condições normais, obrigando o Brasil a desvios de conduta em termos do direito internacional, ou de princípios democráticos. A avaliação isenta do legado de compromissos criados com objetivos altamente duvidosos pela diplomacia lulopetista ainda está para ser feita, em algum momento de um governo futuro. Assim como se descobre que os casos do vasto empreendimento de corrupção revelados no plano interno constituem tão somente a ponta de um gigantesco iceberg, provavelmente vai se identificar, por meio do exame acurado dos arquivos nacionais e estrangeiros, que a megalomania diplomática do chefe de quadrilha está deixando um passivo imenso na frente externa.

7. Conclusões provisórias: que floresçam as cem flores?
O Brasil possui agora uma janela de oportunidade para repassar todos os atos lícitos, mas equivocados, e principalmente os ilícitos perpetrados pelos companheiros na primeira década e meia do século XXI, começando ainda antes da assunção ao poder – pelos plebiscitos contra a dívida externa, por exemplo, ou a ação contra a Alca – e se estendendo ainda no momento atual. A conjuntura histórica de corrupção e equívocos fabricados por inépcia ou ação deliberada pelos companheiros não encontra paralelo em nenhum outro momento de nossa história, o que não parece ter sido ainda compreendido pela comunidade acadêmica em toda a sua dimensão propriamente criminosa. Existe uma tolerância implícita com a delinquência diplomática, uma vez que a versão por eles propagada busca fazer acreditar a tese totalmente equivocada da “autonomia” nacional, quando do que se trata, verdadeiramente, é de uma colusão com pelo menos um poder estrangeiro que controlou, por meios diversos, os dirigentes de uma associação feita para delinquir, justamente.
O debate aberto, franco, e desprovido de a prioris propagandísticos, sobre os tempos não convencionais da diplomacia lulopetista ainda resta ser feito, embora o registro documental sobre um volume significativo de ações paralelas careça, como já dito, de provas cabais sobre aquilo que Ranke chamava de wie es eigentlich gewesen, ou seja, aquilo que realmente se passou. No que depender de mim, estou pronto para proclamar, como no fábula, a nudez do soberano e denunciar uma década e meia de equívocos monumentais. Um exercício saudável de revisionismo pode agora começar, uma vez que o novo responsável pela política externa já aventou o exemplo maoísta das cem flores. Esperemos apenas que não termine como no precedente chinês...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 24 de março de 2017

Inaugurando um curso, na UFG - Paulo Roberto de Almeida

Estou indo...

terça-feira, 17 de agosto de 2010

A Ignorancia Letrada: um exemplo involuntario (e no mais alto nível)

Escrevi e publiquei, recentemente, um artigo sobre a mediocrização das nossas academias. Obviamente não pretendia tratar desse assunto doloroso, tanto que convivo parte do tempo com colegas universitários, publico em revistas acadêmicas, dou aulas e, aparentemente, tenho alguma coisa no Lattes que me habilita a falar como um desses.
Este o artigo:

A Ignorância Letrada: ensaio sobre a mediocrização do ambiente acadêmico
Espaço Acadêmico (vol. 10, n. 111, agosto 2010, p. 120-127).
Publicados n. 985; Originais n. 2169.

Fui levado a escrever coisas um pouco severas sobre meus colegas pelo fato de receber muitos artigos para dar parecer e me surpreendo, a cada vez, com a deterioração constante da língua pátria, essa inculta e bela, que justifica o "inculta" e dispensa o "bela", já que está cada vez mais feia, torturada como vem sendo pelo nossos colegas de academia. Quanto ao conteúdo, então, dispenso-me de comentários, pois é evidente que eu recuso vários artigos -- provavelmente mais do que meus colegas pareceristas -- não tanto pelas agressões ao Português, mas pelos atentados à lógica formal, pelas crueldades cometidas com a verossimilhança, a falta de fidelidade ao mundo real, as loucuras surrealistas que brotam aqui e ali de textos que dificilmente mereceriam esse nome.
Mas, quando escrevi esse trabalho cáustico (o que reconheço) estava pensando mais naquele típico acadêmico de humanidades, que não aprendeu quase nada nos originais, mas que leu vários livros de vulgarização, e que se permite emitir julgamentos perempetórios sobre a política mundial, sobre a cultura universal e o universo mental de seus pares, que não ultrapasse uma colina de dez metros. Ou seja, o "gramsciano de baixa extração", ou o militante de chinelo de dedo que se considera acadêmico.
Eu nunca tinha pensado que um reitor de uma universidade pudesse alcançar -- se o termo se aplica -- esse nível de mediocridade. Pois é, parece que já chegamos ao ápice da mediocridade até mesmo nas reitorias.
Querem a prova?
Sigam esta matéria de um jornalista conhecido, sobre um ministro conhecido...
Paulo Roberto de Almeida

Mais um exemplo da “nova era democrática”: a barbárie intelectual da universidade. Ou: como formar ignorantes orgulhosos e patriotas
Reinaldo Azevedo, 16.08.2010

Manguei outro dia do “consenso” (!?) de três intelectuais, segundo os quais o Brasil está vivendo uma “nova era” democrática. E expus, num longo texto, as muitas agressões que o estado de direito vem sofrendo no Brasil. E não porque eu queira ou não goste do governo, mas porque são fatos. Se uma nova “era” existe, dadas aquelas violações, ela não é boa. Um fato ocorrido na semana passada, no Rio, caracteriza bem esse “novo ambiente”. Talvez vocês também fiquem um tanto chocados, embora certamente não surpresos.

Abaixo, há um áudio que está no canal que o Itamaraty tem no Youtube. Ele traz a “aula inaugural” ministrada no último dia 11 por Celso Amorim, o Colosso de Rhodes da diplomacia brasileira, no curso de história da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro — é a Uni-Rio, não a UFRJ. Sigam com o texto e ouçam depois se tiverem paciência.

http://www.youtube.com/mrebrasil#p/u/0/Y4LW97Vy99w

Falarei alguma coisinha sobre o discurso deste gigante, o homem que perdeu todas as disputas internacionais em que se meteu — e que se transformou, por isso, num formidável sucesso. Mas ele é o de menos nessa história porque se limitou a repetir a glossolalia de sempre, com aquele orgulho muito típico dos derrotados. Chocante mesmo, verdadeiramente estupefaciente, foi a fala da “Magnífica reitora, professora doutora Malvina Tuttman”. Nunca antes na história destepaiz se viu algo parecido na academia. A primeira intervenção da “magnífica” começa ali pelos 6 minutos e se estende mais ou menos até os 11. Transcrevo em vermelho [em itálico, neste blog] alguns trechos de sua fala (dando destaque a algumas palavras e expressões) e vou comentando em azul [normal].

Começo observando que a gramática da “professora doutora magnífica” rivaliza com a de Dilma Rousseff nos transes da ventura sintática e nos dons do pensamento truncado. Numa ousadia realmente digna de nota, Malvina diz que Celso Amorim contribuiu para elevar até a auto-estima dos “nossos irmãos estrangeiros”. Não tentem identificar, em sua fala, sujeito, verbo, complemento, aquelas coisas antigas que caracterizavam os discursos de “magníficos” no passado. Isso passou. Malvina é expressão de uma parcela da universidade brasileira desta “nova era”. Teria dificuldade para trabalhar em telemarketing. A ela:

(…) Celso Amorim, um dos homens deste país que, atualmente, vem imprimindo e mostrando a seriedade desse país não só para fortalecer a auto-estima nossa, do povo brasileiro, mas, em especial, dos nossos irmãos estrangeiros, que, por meio de uma política governamental importante de relações exteriores e, sem dúvida alguma, falava há pouco com o ministro, por conta da capacidade, da força, da história de vida do ministro, do embaixador Celso Amorim, o nosso país, hoje, não só por isso, mas também por isso, tem um reconhecimento e um valor importante internacional. (…) Uma das pessoas que eu considero (…) um dos nomes mais representativos da história deste país…
Bem, é o que costumo chamar de “sintaxe na fase da miséria”. A vontade de agradar é tal que a gente nota até uma certa aerofagia, uma emoção verdadeiramente genuína. Imagino a excitação intelectual desta senhora. E vocês já perceberam o vício de linguagem da “companheira”, não? Essa história de “auto-estima” é peça de resistência de todas as campanhas oficiais — e das estatais. Será que Malvina sabe que Celso Amorim perdeu todos os embates em que se meteu, sem uma só exceção? Eu acho que não. Isso não significa que pudesse dizer coisa diferente se soubesse, mas acho que ela ignora mesmo…
(…)
O ministro, ele não ficará historicamente lembrado, já que estamos numa aula inaugural de história, apenas por sua passagem neste momento político do nosso país, mas enquanto aquilo que ele representa como brasileiro que se orgulha de ser brasileiro e que leva esse orgulho para fora dos muros, das fronteiras do nosso país.
Esse “o ministro, ele” — a anteposição de uma espécie de aposto do sujeito — é um dos vícios de linguagem que mais me irritam e que, vênia máxima, viu, magnífica?, considero índice de ignorância e de pensamento vago. É coisa típica desses pastores televisivos. E o que dizer disto: “O ministro ficará lembrado enquanto aquilo que ele representa…”? Paulo Francis, nessas horas, costumava apelar ao chicote — metafórico, claro…
(…)
E posso lhe [a Amorim] dizer que, além da satisfação de estar reitora neste momento político importante do nosso país, onde as universidades têm recebido um justo olhar para aquilo que ela produz de importante, de ciência para esse país, e isso tem acontecido, nós podemos ter um marco importante, antes de 2003 e depois de 2003, e, por isso, eu posso me orgulhar de estar reitora neste momento, desde 2004, ministro, e completarei o meu mandato até 2012…
Interrompo aqui, mas o trecho abaixo é seqüência deste, sem corte. Amorim já entendeu, eu acho. O mandato dela vai até 2012… ENTENDEU, AMORIM??? Ninguém pode dizer que ela não está se esforçando para dar vôos maiores. Vejam ali a mistificação do discurso oficial repetida na fala da magnífica: o Brasil começou em 2003. Sigamos:

, mas eu quero também lhe cumprimentar e lhe dizer da grande satisfação de Malvina Tuttman, cidadã brasileira, estar, neste momento, sentada ao lado de um grande homem, um homem que fortalece o nosso país, um país que vem crescendo e que irá, se ainda não surpreendeu, irá surpreender não só alguns brasileiros incrédulos, mas Irá surpreender ao mundo.
Ah, apareceram os “brasileiros incrédulos”, aquela gente nefasta que insiste em não acreditar nas verdades eternas do petismo e do governo. A gente nota que Malvina é mesmo entusiasmada. Não lhe basta falar como reitora, não! Ela quer dar seu testemunho pessoal, falar também como “cidadã”, evidenciando que seu engajamento não é apenas profissional. Ela está nessa de corpo e alma mesmo. Dona Malvina poderia “cumprimentá-LO”, mas “lhe cumprimentar” jamais! A língua é democrática, magnífica! Oferece pronomes oblíquos tanto para verbos transitivos diretos como para os indiretos. Se a senhora servisse cafezinho na Uni-Rio, eu não lhe faria tal cobrança, mas como é a reitora…

Aí veio a intervenção do gigante, com aquele seu incrível dom de dizer coisas que estão em desacordo com a verdade. Deteve-se um pouco mais demoradamente na brilhante negociação que o Brasil empreendeu no Irã, asseverando que se alcançou lá um acordo fabuloso, mas, vocês sabem,as grandes potências, invejosas do talento brasileiro, não aceitaram… Seguiram-se algumas perguntas de estudantes e coisa e tal.

Malvina achou que a sua fala inicial não tinha sido convincente o bastante. Afinal, seu mandato vai até 2012 apenas… ENTENDEU, AMORIM??? No encerramento do evento, ela retoma a palavra (1h40min). E conclui a sua obra. Desta feita, atingiu o estado de arte nas manhas da adulação patriótica

Ministro, que quero lhe dizer que o senhor verdadeiramente nos deu uma aula. Uma aula de auto-estima, uma aula de mediação de combinação de habilidade de negociação com, se o senhor me permite, uma certa ousadia, ou muita ousadia, diplomática importante.
Vocês ainda respiram ou sufocaram na “aula de mediação de combinação de habilidade de negociação”? Adoro o “se e o senhor me permite”. Imaginem se Amorim não permitiria. Melhor do que isso só mesmo se Malvina dissesse: “Ministro, se o senhor me permite, o senhor é um gigante!” Atenção que a magnífica vai, agora, alertar Amorim para o fato de que sempre existem pessoas “do contra”. E vai aconselhá-lo.

E eu acho que essa é a grande diferença, essa habilidade conjugada à ousadia, mas uma ousadia que sabe aonde quer chegar, uma ousadia respeitosa. Isso fez e faz com que o nosso país, internamente, se veja de uma outra maneira e que, externamente, tenha essa representatividade internacional que nós temos. Do contra, ministro, nós sempre vamos encontrar. E é bom até, porque as opiniões muitas vezes contrárias nos fazem repensar e, algumas vezes, se temos essa habilidade, nos fazem crescer também e verificar que as diversas vozes contribuem, se elas não vêm para atrapalhar, elas contribuem para o nosso avanço.
Uau!!! Nem parece que Celso Amorim tentou nomear um brasileiro duas vezes para a OMC e perdeu as duas; que tentou nomear outro brasileiro para o BID e perdeu; que tentou uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU e perdeu; que apostou todas as fichas na Rodada Doha e perdeu; que tentou reinstalar o bandido Manuel Zelaya em Honduras e perdeu; que deu apoio a um egípcio anti-semita para comandar a Unesco e perdeu; que tentou evitar sanções ao Irã na ONU e perdeu. Leitor, se você quiser relembrar todas as besteiras e derrotas de Celso Amorim, clique aqui.

Mas o que mais me encantou na fala de Malvina foi o seu entendimento do que vem a ser “tolerância”. Vejam que ela até admite que as pessoas “do contra” têm lá o seu lugar na sociedade. Generosa, ela se dispõe a aprender com elas. Tem apenas uma ressalva: “se elas não vêm para atrapalhar”. Do contra, pode; não pode, pelo visto, é manifestar essa contrariedade. A isso está reduzida boa parte da universidade brasileira.

O senhor falou tantas coisas importantes, mas eu destacaria, se o senhor me permite, uma palavra importante, que, para nós, é especial e que marca também a visão da política no nosso país em todos os sentidos, principalmente neste momento das relações exteriores. E é alguma coisa que tem de ser inserida no nosso modo de estar no mundo, que é a paz. E o nosso governo, por meio do nosso presidente e do senhor, tem dado também essa lição para o mundo, para nós e para o mundo.
Bem, não poderia faltar o puxa-saquismo explícito, evocando o presidente. O Brasil, com efeito, tem investido na paz. De que modo? Adulando todos os ditadores do planeta e enviando à ONU um documento que pede mais diálogo com esses facínoras. Em Honduras, o governo brasileiro investiu na paz tentando promover a guerra civil e não reconhecendo um governo eleito legitimamente. Em Cuba, investe na paz comparando prisioneiros políticos a delinqüentes brasileiros. No Sudão, investe na paz impedindo censura ao tirano que governa o país. Na Colômbia, investe na paz mobilizando-se contra o governo contitucional do país e flertando com as Farc. Em Israel, investe na paz querendo bater papinho com o Hamas. No Irã, bem, no Irã… A gente chega lá.

Eu fiquei orgulhosa, orgulhosa, ministro, da atitude que o Brasil teve especificamente, há muitas, mas especificamente ao fato do Irã. Gostei. E sou judia! E aí fico muito á vontade de dizer dessa minha satisfação, desse meu orgulho, porque, acima de tudo, nós somos homens e mulheres, crianças e pessoas mais amadurecidas, mas que temos convicções muitas vezes contraditórias, mas alguma coisa tem de nos unir, a condição de sermos humanos, e, por isso, a paz é imprescindível. Eu acho que a atuação do presidente Lula e a atuação do ministro das Relações Exteriores pode, no meu entendimento, podem ser caracterizadas e definidas, para mim, numa palavra que, nesse momento, é a mais importante de todas: paz. Muito obrigada, ministro, seja muito saudado pela nossa comunidade!
Malvina acredita que o fato de ela ser judia e de apoiar o governo Lula muda o caráter do regime iraniano. E daí que é judia? Por que isso faria seu adesismo deixar de ser o que é? Mais: ao evocar essa condição, parece que tenta representar outras mulheres e homens judeus. E não representa, não! E isso, eu, que não sou judeu, asseguro. Porque esse povo não vem de tão longe para flertar com um anti-semita delirante, negador do Holocausto, que promete varrer Israel do mapa. Nesta segunda, dia 16, cinco dias depois da fala de Malvina, o Irã anunciou mais um passo em seu programa nuclear, numa clara provocação ao Ocidente, à ONU e à Agência Internacional de Energia Nuclear. Fale em seu próprio nome, minha senhora!

Encerrando
A fala de Malvina é uma colcha de retalhos de bordões oficiais e das muitas mistificações do petismo. Até nos vícios, repete a linguagem “companheira”. Seu discurso é a expressão daquela maçaroca de bobagens entre nacionalistas e patrióticas, que mal escondem o viés militante.

A universidade é o local da pesquisa e do pensamento, não da justificação do poder. Por mais que os centros de excelência, no mundo democrático, sejam integrados ao establishment, essa integração se dá na esfera dos valores, de uma cultura votada para o progresso, para a diversidade e para a tolerância. Servilismo ao governo de turno é outra coisa. É patente na fala da “magnífica” a satanização do passado, a exemplo do que faz o governo que Celso Amorim representa, com o seu discurso recheado de clamorosas imposturas. Ok, dona Malvina não precisa concordar comigo. Mas há um modo decoroso até mesmo de puxar o saco.

Imaginem: esse “bobajol” está sendo cotidianamente repetido nas salas de aula Brasil afora, especialmente, como é o caso, nos chamados cursos da área de humanas. E depois nos perguntamos por que a escola brasileira é tão ruim. Eis aí: Malvina dá a receita para a formação de ignorantes orgulhosos e patriotas.

==========

Comento rapidamente (PRA):
Confesso que estou sem palavras, ou melhor, não sei o que dizer. A reitora da Uni-Rio conseguiu me desmentir em meu artigo preocupado com a mediocrização da universidade brasileira, mas o quadro é muito pior do que eu imaginava, muito piormente pior, se ouso dizer, e se a reitora me permite este atentado à língua dela.
Eu vou ser obrigado a reescrever o meu artigo, ou escrever um novo, para me corrigir: não existe um processo de mediocrização, pois a universidade já desceu muito fundo, e o conceito deve ser outro.
Se uma reitora consegue falar daquela maneira, é porque a universidade já se encontra lá no fundo do poço. Nem sei de que curso é essa "senhora" -- sinto muito, mas não consigo chamá-la de reitora, mas eu recomendaria que ela se tornasse pelo menos "leitora", que é reitora em chinês, se ela me entende -- mas acredito que não faça muita diferença hoje em dia: todos os cursos estão indo para o brejo, pelo menos no que se refere à linguagem -- se o termo se aplica -- utilizada...

=========

Addendum (a partir da Wikipedia):
Deve ter sido escrito por ela mesma. Tudo se explica:

Malvina Tuttman
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Ir para: navegação, pesquisa

Malvina Tania Tuttman é a atual reitora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Santa Úrsula (1976), mestrado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1981) e doutorado em Educação pela Universidade Federal Fluminense (2004). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Planejamento e Avaliação Educacional, especialmente nos seguintes temas: flexibilização curricular, extensão universitária, cotidiano na educação, metodologias participativas e planejamento.

A cerimônia de posse de seu atual e segundo mandato ocorreu no dia 3 de setembro de 2009, na sede do Ministério da Educação – MEC, em Brasília.

A Reitora recebeu o Prêmio Mais Mulheres, recém instituído pela Secretária Especial de Políticas para Mulheres, Nilcéia Freire, no dia 09 de março de 2009, em Brasília.

Atualmente, a reitoria da Unirio está envolvida com as mudanças necessárias para que a universidade se encaixe nos moldes do Reuni. O campus da Urca está recebendo um novo prédio para laboratório, novos cursos estão sendo oferecidos, em novos turnos, e o ensino à distância está ganhando força.