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domingo, 9 de junho de 2013

Avaliacao do governo Lula (1): a area economica

Como os companheiros continuam a produzir uma versão falsa do processo ocorrido no Brasil desde 2003, cabe, apenas em defesa da verdade histórica, restabelecer a verdade quanto aos fatos, o que eu fiz na imediata sequência do governo que eles tanto incensam.
O que vai transcrito abaixo é parte de um texto redigido nos meses finais de 2010, revisto no começo de 2011, e publicado nesses boletins digitais com pouca divulgação.
Vai aqui repostado parcialmente, retirando-se considerações metodológicas e de fontes de dados que não carecem de reprodução.
Eu já havia feito um balanço preliminar do primeiro mandato do governo Lula neste artigo: “Um balanço preliminar do Governo Lula: a grande mudança medida pelos números”, Espaço Acadêmico (ano 5, n. 58, março 2006; link: http://www.espacoacademico.com.br/058/58almeida.htm)
Paulo Roberto de Almeida

Balanço do governo Lula, 2003-2010: uma avaliação não complacente


Paulo Roberto de Almeida
Economia: avanços e recuos num quadro mundial em transição
O que ocorreu no terreno da economia foi uma combinação – rara, com base em declarações anteriores dos “economistas” do partido – de sensatez com “golpes” enormes de sorte. O registro histórico das posições do PT em economia prenunciavam o pior possível na frente econômica, a começar pela desonestidade fundamental em dose dupla: a de inventar a “tese” da “herança maldita” e a de se atribuir méritos por apenas ter continuado a política econômica anterior – estigmatizada de maneira totalmente desonesta como “neoliberal” quando o partido estava na oposição – sob a roupagem do “nunca antes neste país”.
O tournant neoliberal começou, é verdade, ainda antes das eleições, e isto por uma fatalidade do destino: o assassinato do principal conselheiro econômico do candidato Lula, na pessoa do prefeito de Santo André, num dos casos mais misteriosos (e talvez mais escabrosos) da política brasileira, e sua pronta substituição por Antonio Palocci (que conduziu uma verdadeira revolução copernicana nos pressupostos equivocados dos “economistas” do partido). Isso não impediu que a “herança maldita” fosse construída durante a própria campanha eleitoral, um pouco pela especulação “normal” de Wall Street, outro tanto pelo registro histórico das posições econômicas esquizofrênicas do PT.
O preço a pagar pelas bravatas anteriores foi alto, refletido na elevação imediata dos juros – aliás, pelas mãos do único banqueiro que aceitou servir ao governo do PT como presidente do Banco Central – e numa taxa de crescimento do PIB reduzida a 0,5% em 2003. A humilhação para os militantes da causa da “ruptura” veio também sob a forma do compromisso do ministro da Fazenda com um superávit primário ainda mais elevado do que o anteriormente acordado com o FMI, além da própria continuidade do programa de ajuste e empréstimo com a entidade de Washington, o que certamente aumentou a frustração. Mas a manutenção (e o aprofundamento) da política econômica herdada do governo anterior foi a principal e mais importante realização positiva do governo petista, uma vez que permitiu o clima de confiança que se traduziu no bom acolhimento do governo pelos mercados internacionais, logo materializado na expansão dos investimentos estrangeiros.

O que se conseguiu em termos de crescimento?
Em termos de resultados efetivos, o governo Lula realizou, em seu primeiro mandato, de 2003 a 2006, taxas respectivas de crescimento do PIB de 0,5%, 4,9%, 2,3% e 3%, numa conjuntura em que a economia mundial crescia praticamente o dobro dessas taxas e os emergentes dinâmicos três vezes mais. Registre-se, porém, que o governo operou uma revisão metodológica nas contas nacionais, alterando o peso e a composição de indicadores básicos da economia, o que redundou numa mudança para cima de todas as taxas de crescimento da economia. Assim, os dados revistos do PIB brasileiro permitiram exibir as seguintes taxas de crescimento: 1,1% em 2003, 5,7% em 2004, 3,2% em 2005 e 4% em 2006, com a consequente diminuição do peso da dívida pública e da carga tributária em relação ao PIB, resultados oportunamente convenientes para melhorar o desempenho geral da economia. De fato, pelos critérios metodológicos anteriores, a carga tributária do Brasil já teria alcançado, em 2008, 39,92% do PIB, uma anomalia pelos padrões internacionais. No segundo mandato, a economia obteve um bom desempenho, mas a carga tributária continuou aumentando: no período completo, ela foi de 32,5% do PIB, em 2003, segundo os novos critérios do IBGE, para 35% do PIB em 2009.
Pode-se dizer, aliás, que o governo Lula foi bafejado pela sorte e pela demanda internacional, em especial da China, cuja voracidade por matérias-primas beneficiou duplamente o Brasil: pelo volume exportado e pelos preços valorizados (mais este fator, até, do que o primeiro). Por falar em valorização, uma outra desonestidade intelectual precisa ser consignada: tendo acusado o governo anterior de praticar “populismo cambial”, os praticantes da economia “neo-neoliberal” levaram à mais intensa valorização cambial já assistida no Brasil desde o imediato pós-guerra, trazendo o valor da moeda brasileira a patamares ainda inferiores às paridades registradas no período imediatamente anterior à desvalorização e flutuação do início de 1999, provando, uma vez mais, que todos os políticos no poder adoram praticar populismo cambial (já que dá a impressão de que todos estão ficando mais ricos, ademais de ajudar no combate à inflação).
Porém, o avanço mais efetivo na frente econômica foi, paradoxalmente, o fato de não ter havido recuo na manutenção dos elementos centrais da política econômica anterior: metas de inflação (ainda que mantidas em níveis muito elevados, praticamente o dobro dos índices mundiais); flutuação cambial (com o desconto da valorização sempre criticada pelos exportadores e industriais) e responsabilidade fiscal (embora preservada unicamente na era Palocci, e relaxada depois). Os frutos foram colhidos sob a forma de taxas mais vigorosas de crescimento, de 2005 a 2008.
A inflação ficou controlada – graças bem mais à atitude responsável do Banco Central do que ao comportamento fiscalmente irresponsável do governo; mas o crescimento foi moderado, e a dívida bruta continuou em nível aproximado a 60% do PIB. O lado mais negativo da história foi o aumento constante da carga fiscal, convertendo o Brasil numa verdadeira anomalia tributária, para países com o seu nível de renda: praticamente dois quintos da renda nacional se dirigem ao Estado, com um retorno pífio em termos de investimento produtivo, e uma administração de despesas muito deformada do ponto de vista da eficiência na alocação do orçamento público.
No segundo mandato, a situação fiscal continuou a se deteriorar, mas o governo foi mais uma vez bafejado pela sorte, em meio às turbulências da crise internacional iniciada nos Estados Unidos, em 2008. O crescimento do PIB, ainda impulsionado pela demanda da China, que permaneceu vigorosa e se alçou à condição de primeiro parceiro comercial do Brasil, foi, respectivamente, de 6,1% em 2007, de 5,1% em 2008 e de -0,2% em 2009, tendo alcançado a taxa de 7,3% em 2010, a maior em quase 20 anos. Desta vez, o Brasil conseguiu fazer melhor do que a média mundial, o que não parecia difícil em vista da gravidade da recessão nos países avançados. Mas ainda assim permaneceu aquém do ritmo mais elevado dos emergentes dinâmicos, como a própria China ou a Índia. Registre-se, igualmente, a manutenção por mais de cinco anos, da mesma taxa básica de inflação, com o centro fixado a 4,5%, o que significa que o governo praticamente “encomenda” uma inflação de mais de 5% a cada ano, destinada a corroer o poder de compra dos rendimentos dos brasileiros.

De fato, as projeções para 2011 indicam que a pressão inflacionária represada – na verdade estimulada – pelo governo Lula no final do seu mandato aponta para a ultrapassagem do teto da banda, ou seja, mais de 6,5%, o que já indica certo descontrole. A carga fiscal continua a aumentar e os investimentos públicos permanecem em patamares inferiores às necessidades, com a agravante de que o governo desvia recursos orçamentários para alimentar empresas públicas – como a Petrobras – que poderiam tranquilamente se abastecer no mercado comercial de créditos e financiamentos.

Retirado de: 
2188. “Balanço do governo Lula, 2003-2010: uma avaliação não complacente”, Shanghai, 24 setembro 2010, 6 p. Retomada do exercício de avaliação global do governo Lula, enfocando, neste primeiro artigo, economia interna e crescimento. Revisto em 23/04/2011, sem a tabela de dados. 

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O ufanismo dos números revisitado: algumas observacoes - PRAlmeida

Retiro, do post abaixo,

O pouco ufanismo dos numeros de crescimento - Samuel Pessoa

Folha de S.Paulo, 21/10/2012 - 03h00

Baixo crescimento do Brasil

 que transcreve artigo de Samuel Pessoa sobre o crescimento brasileiro e de países latino-americanos, algumas frases e com elas faço minhas observações. A tabela pode ajudar a ver a realidade, para os que acham que números podem ser distorcidos à vontade:


 "Três fatos se depreendem da tabela. Primeiro, tanto no governo FHC quanto no governo Lula, o crescimento do Brasil foi muito próximo do crescimento da América Latina: 0,1 ponto percentual a mais para o governo FHC e 0,1 ponto percentual a menos para o governo Lula.
Ou seja, toda a aceleração de crescimento que houve do governo FHC para o governo Lula foi compartilhada pela América Latina.
Segundo, se compararmos o crescimento da economia brasileira com os demais dez países da tabela, houve piora significativa do governo FHC para o governo Lula.
No governo FHC, o crescimento da economia brasileira foi maior do que o crescimento de 6 dos 10 países da tabela. No governo Lula, somente ficamos à frente do México. Todos os demais nove países apresentaram um desempenho de crescimento superior ao nosso.
Terceiro, nosso desempenho no biênio 2011-2012 está bastante aquém do desempenho da América Latina: 2,1% para nós em comparação a 3,8% para a América Latina. Novamente, dos dez outros países da tabela, nosso desempenho só não é pior do que o do Paraguai.
Assim, parece que algo ocorreu nos últimos anos que aparentemente reduziu a capacidade de crescimento da economia brasileira a valores significativamente inferiores aos da América Latina.
"

 Ou seja, nem o governo Lula foi muito melhor do que o governo FHC em matéria de crescimento econômico, como gostam de se vangloriar os companheiros, nem o Brasil foi muito melhor do que a América Latina em geral, e os grandes países em particular, nesse terreno. Ou seja, fomos medíocres, ou não muito brilhantes, como se pode depreender dos números.
Mas o problema principal não está aí, e sim no padrão geral de crescimento. O Brasil parece ter estacionado num "modelo" -- se modelo existe, o que não acredito -- de baixo crescimento e nada parece sugerir que vai mudar muito nos próximos anos. O oba-oba todo com os Brics é uma cortina de fumaça que esconde a mediocridade do crescimento brasileiro.
Os brasileiros privilegiam o consumo e a distribuição, em lugar de crescimento e produtividade, e é isso que os governos Lula e Dilma lhes tem servido. Parece que eles estão contentes, pois o primeiro é ainda muito popular -- a despeito de seu governo ter sido dominado por uma quadrilha de meliantes criminosos, e de haver um grande mentiroso nessa história toda -- e a segunda continua ainda mais popular, com todo esse consumo estimulado artificialmente.
O problema é que esse medíocre crescimento traz acoplado inflação e perda de competitividade, ou seja, os brasileiros vão pagar um preço por esse "modelo" que está ai.
A escolha não foi feita por eles, mas pelo governo.
E nós todos vamos pagar um preço por isso. 
Paulo Roberto de Almeida 

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Notas de leitura: balanco pouco critico dos anos Lula (livro)

Estou terminando de ler mais este livro:

João Paulo de Almeida Magalhães et alii:
Os anos Lula: contribuições para um balanço crítico, 2003-2010
(Rio de Janeiro: Garamond, 2010, 424 p.; ISBN: 978-85-7617-196-6)

O livro é patrocinado pelo Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro, cujos economistas são todos comprometidos, ao que parece, com uma visão do mundo que está claramente expressa na Apresentação de seu ex-presidente no período 2009-2010, Paulo Passarinho.
Seus associados sempre se “pautaram pela defesa de um novo modelo econômico para o Brasil, coerente com nossas preocupações com a real democratização do país, a defesa da soberania nacional e de uma concepção do desenvolvimento econômico e social capaz de reduzir as imensas desigualdades que nos marcam.” (p. 7)
Dito assim, quem não concordaria com as palavras do apresentador?
O problema é que logo em seguida ele confessa que se posicionam claramente contrários “às reformas implantadas no Brasil a partir dos governos Collor de Mello, Itamar Franco e FHC. Essas reformas procuraram conferir ao país um novo quadro jurídico-institucional, particularmente como suporte para um novo modelo econômico, baseado nas aberturas financeira, comercial, produtiva e tecnológica.” (p. 8).
Ou seja, o presidente do Conselho confessa que ele e seus associados são contra qualquer abertura. E qual seria a razão?
“Esse conjunto de reformas – verdadeiras contrarreformas, pelos seus aspectos antinacionais e antipopulares – tiveram o papel de introduzir em nosso país, de forma tardia, o receituário propugnado pelo chamado Consenso de Washington, anteriormente já aplicado em vários países da América Latina”.

Supõe-se, a partir daí, que o livro conterá uma análise dessas prescrições e o que delas resultou, concretamente, nos países que as aplicaram, com base em dados objetivos e passíveis de confronto com a realidade empírica. Não é isso, entretanto e infelizmente, que ocorre, pois todo o livro é pautado por críticas ligeiras às administrações anteriores, sem muitos dados comparativos. A intenção seria denegrir o suposto neoliberalismo dos antecessores, embora a administração Lula tampouco seja isenta de críticas, não porque tenha afundado a economia do país, mas porque não rompeu com o modelo neoliberal do antecessor.
Como então condenar o modelo anterior, se o governo Lula não rompeu com ele, e sobre sua base construiu seu sucesso econômico e social? Esta é a quadratura do círculo que este livro não consegue responder.

O livro pretende verificar como se desempenhou o governo Lula, ou, em suas palavras: “avaliar em que medida os compromissos históricos de mudanças estruturais no país, inclusive reafirmados na polêmica Carta aos brasileiros, foram satisfeitos” (p. 9).
O espírito que anima os autores e organizadores do livro pode ser evidenciado nesta frase: “Os efeitos que a ideologia dominante exerce sobre o conjunto da sociedade são notórios, em particular com a brutal apologia do individualismo e do exercício do consumismo como formas de realização humanas” (p. 11-12). Em outras palavras: os autores são contra o consumismo e o individualismo, preferindo, por dedução lógica o não consumo e o coletivismo.
Trata-se, sem dúvida alguma, da mesma ideologia ingênua, anticapitalista e antimercado, que permeia quase todo o discurso acadêmico, geralmente inócuo e totalmente desprovido de consistência real, como ainda evidenciado por esta frase:
“No plano objetivo do desenvolvimento econômico e social, aprofundamos [entendo que isto se refira ao governo Lula também] a inserção subalterna da economia brasileira a um mundo sob hegemonia da globalização financeira e fortemente marcado por pressões das potências econômicas, soberanas nas definições de suas prioridades.” (p. 12).
Ou seja, mais uma vez estamos em face de um déjà vu absoluto, um linguajar tão batido e repisado que custa a crer que pessoas do século 21 ainda retomem o vocabulário e as opiniões de meio século atrás para apresentar um livro supostamente de balanço crítico. Custa a crer que nossa academia tenha avançado tão pouco, e que ela continue movida ainda por esse festival de besteirol requentado.
Para esses autores, a “adoção da agenda liberalizante [dos anos 1990, ou seja FHC] ganha hegemonia e sepulta de vez o passado desenvolvimentista do país, ao construir um novo consenso em torno da pauta de reformas ditada pelos interesses do capital financeiro, cristalizando uma unidade programática entre os seus diversos setores – bancos, multinacionais e grandes corporações nacionais”. (p 14).
Eu me pergunto se o mesmo não se aplica ao governo Lula?
O balanço desse governo é oferecido ao final da apresentação de Paulo Passarinho:
“Junto com a aparência de avanços das políticas governamentais – em particular na área macroeconômica, e com o apoio explícito da mídia dominante –, observamos um forte e contínuo endividamento do Estado, o comprometimento de nossas finanças com uma gigantesca carga de pagamento de juros e o sacrifício permanente de áreas vitais ao dia a dia da população, como são os casos notórios da saúde, da educação, dos transportes de massa ou das segurança pública.” (p. 17)
Tirando-se o chavão “mídia dominante”, pode-se até concordar com esse tipo de diagnóstico, com alguns matizes.
Mas é surpreendente que os autores não façam nenhuma conexão entre o endividamento do Estado e a carga de juros, entre a constante rapina de recursos privados por parte do Estado e a ausência do atendimento adequado a todos esses problemas apontados acima, entre uma carga tributária extorsiva e o baixo nível dos investimentos produtivos.
O que surpreende nos economistas que participaram neste tipo de livro é que eles pedem a volta das mesmas políticas que foram aplicadas durante anos e décadas no Brasil “desenvolvimentista” dos anos 1950 e durante o período militar e não se dão conta que foram as mesmas políticas que nos levaram à situação em que nos encontramos hoje.

Para evidenciar a “metodologia” bizarra adotada pelos autores, ressalto apenas uma das áreas notoriamente carentes de mudança e sobre a qual pairam perspectivas sombrias: a educação.
O capítulo dedicado a este tema, “Educação no governo Lula da Silva: a ruptura que não aconteceu”, assinado por Roberto Leher. O autor já começa dizendo que “no governo Cardoso já estava em curso a adequação da educação ao padrão de acumulação advindo da crise da dívida de 1982 e do ajuste provocado pela renegociação da dívida nos anos 1990, processo que engendrou mudanças importantes na economia e que, na perspectiva dos setores dominantes, exigiria a conformação de um outro ethos educativo.” (p. 369)
Por aí se vê a mentalidade do analista da educação brasileira, que é contra o setor privado e acha que tudo foi feito pelos setores dominantes para desmantelar a educação brasileira: “De fato, o governo Cardoso foi abertamente contra a educação pública. (...) Sua opção inequívoca foi pela mercantilização da educação e pelo ajuste da educação de massa a um padrão de acumulação do capital que requer grande volume de trabalho simples.” (p. 370-371).
Este é o compasso das “análises” registradas ao longo de um livro que não oferece exatamente um balanço do governo Lula, e se ele é crítico, o é geralmente pelas vias equivocados e por motivos errados, supostamente pelo lado da “esquerda”, mas que acaba sendo uma via conservadora e até reacionária de “não-mudança” social e econômica. Como diz o próprio autor: “O ProUni e o Fies estão em antípoda com os valores da esquerda.” (p. 388). Constatando-se que esta é a opinião da maioria dos professores e dos seus sindicatos, pode-se confirmar que a educação brasileira não corre nenhum risco de melhorar no futuro previsível, como, aliás, nem a qualidade das políticas econômicas do governo.
O balanço é melancólico, se podemos extrair alguma conclusão...

Paulo Roberto de Almeida
4/07/2011

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Balanco da era Lula - editoriais do Estadao

Existem muitos balanços da era Lula, inclusive os suspeitos de sempre: a propaganda governamental. Recebi no começo de dezembro, em meu trabalho, um imenso pacote, encaminhado por via rápida (Sedex), contendo pelo menos vinte exemplares de uma brochura em tamanho grande, ricamente ilustrada com fotos e cores e diagramação de qualidade, contendo exatamente isso: propaganda governamental.
Imagino que este governo que nos desgoverna, e que gastou mais de 10 bilhões de dólares com propaganda de si mesmo, mandou os mesmos pacotes por via expressa para as centenas, provavelmente milhares de pessoas cadastradas em suas bases de dados, funcionários de governo, ou de Estado (como é o meu caso), aliados da causa, ou simples receptores da propaganda governamental, sem sequer checar as coordenadas (já que o material foi mandado para um antigo endereço profissional meu.
Em minha opinião, o ministério da propaganda do governo deveria ser simplesmente fechado, e todas as verbas dirigidas a programas mais adequados, de preferência em saúde e educação.
Prefiro balanços independentes, críticos, não laudatórios, sobretudo que eu não tenha de pagar por isso. Daí a razão de preferir balanços da imprensa privada, que os estatistas de plantão chamam de "grande mídia", com uma conotação maléfica, obviamente.
Não creio que na propaganda governamental seja possível encontrar um balanço fiável das ações do governo, pois tudo é feito para enaltecer aquilo que deveria ser feito com menos dinheiro, de forma mais eficiente e sobretudo sem as deformações de certas políticas governamentais como as que contemplamos diariamente.
Li vários balanços nos grandes jornais, mas me permito selecionar apenas os editoriais abaixo do jornal O Estado de S.Paulo, que me parece refletir a realidade como ela é, não como o governo gostaria que fosse.
Prefiro ficar com a realidade...
Paulo Roberto de Almeida

Editoriais - O Estado de S.Paulo

Balanço final
31 de dezembro de 2010

A era Lula - que pode, ou não, ter chegado ao fim neste 31 de dezembro - foi um período único na história da República. À parte as razões mais óbvias disso, a começar da singular trajetória do presidente e de sua excepcional aptidão para se fazer idolatrado pela maioria dos brasileiros, o ciclo de oito anos que se encerra formalmente hoje se distingue por entrelaçar o melhor e o pior que um governante eleito pelo voto popular já proporcionou ao País.
Esse entrelaçamento é o que desaconselha julgar a presidência Lula de um modo esquemático. Dela já se disse, por exemplo, que o seu lado bom não é novo e o seu lado novo não é bom. O jogo de palavras antepõe duas coisas sabidas. De um lado, o que sem dúvida foi a decisão crucial do presidente de preservar, quando não aprofundar, as linhas mestras da política macroeconômica implantada pelo seu antecessor Fernando Henrique Cardoso. De outro, a política nefasta, em escala sem precedentes, de subordinar o Estado aos interesses da confraria partidária-sindical que se converteu, graças a sua eleição, na nova elite do poder no Brasil. Ao que se soma a degradação das relações entre o Executivo e o Legislativo e a exploração deslavada do carisma presidencial.
Na realidade, a primeira metade do argumento omite que Lula não apenas teve a lucidez de manter os princípios de gestão econômica que até hoje ele chama de "herança maldita" - provavelmente o que a sua retórica teve de mais mistificador -, como ainda chefiou um governo que demonstrou ter a competência necessária para fazê-lo. Ao mesmo tempo, ele fazia valer a sua liderança para enquadrar a companheirada insatisfeita com o pragmatismo responsável na condução da economia, sem o qual, repita-se pela enésima vez, o Brasil não teria tirado o proveito que tirou de um dos maiores ciclos de expansão dos negócios globais no pós-guerra. E sem o qual, no limite, não teria sido possível resgatar 28 milhões de pessoas da pobreza extrema e alçar outros 36 milhões à classe média.
Já a segunda metade do argumento omite que o mesmo Lula, que não há de ter estado alheio ao mensalão; que não teria por que se surpreender com o vexame dos "aloprados" na campanha eleitoral de 2006; que se entregou de corpo e alma aos expoentes do atraso, do patrimonialismo e da venalidade no sistema político nacional; e que, enfim, se colocou acima do próprio Estado do qual deveria ser o primeiro servidor, ao se declarar a "encarnação do povo", nunca se dispôs a alterar a Constituição para disputar um terceiro mandato consecutivo, ao contrário do que a oposição dava como certo.
É verdade que ele se serviu desbragadamente do governo para eleger a ministra Dilma Rousseff. Mas, na soma algébrica dos prós e dos contras, ele tem a seu crédito a estabilidade das regras democráticas no País.
Outro paralelo semelhante, desse ângulo, é o da atitude de Lula em relação à imprensa. Tomados pelo valor de face, os seus virulentos ataques aos meios de comunicação expressariam uma intenção liberticida. E, no entanto, no que dependeu dele, a imprensa brasileira é hoje tão livre como no dia 1.º de janeiro de 2003. O Lula falante, por sinal, é uma caricatura do Lula governante.
Se o seu governo tivesse que ser julgado pela catadupa de palavras impróprias - e não raro mentirosas - que ele proferiu, nada mitigaria a percepção de que o Brasil viveu um período de retrocesso e de achincalhe da instituição presidencial. O problema, de novo, é destrinchar as coisas.
Os abusos verbais de Lula, às vezes à beira do impublicável, remetem ao espetáculo da política personalista e ao lado rústico de um temperamento construído sob a servidão da vicissitude. Mas as suas políticas resultaram de outro traço de sua formação - o da opção preferencial pela conciliação de interesses, que o Lula líder sindical aprendeu na mesa de negociação com o patronato. Dos beneficiários do Bolsa-Família ao grande capital, todos tiveram o seu quinhão.
Na mesma conjuntura de bonança econômica, um outro presidente poderia não ter idêntica sensibilidade para os dividendos políticos da acomodação. A simbiose de ótimo e péssimo que marcou a era Lula teve nisso o seu ponto culminante

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Ganhos e perdas da era Lula
30 de dezembro de 2010

O Brasil viveu uma longa fase de prosperidade nos dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A economia cresceu e 30 milhões de pessoas entraram no mercado de consumo, graças à elevação dos salários e aos programas de transferência de renda. Mas esse governo foi também um tempo de oportunidades perdidas. A pauta de reformas ficou paralisada. Isso explica em boa parte a permanência do País no grupo dos menos competitivos e a preocupante erosão de suas contas externas. É necessário, num balanço econômico dos dois mandatos, levar em conta esses dois lados da história.

A produção brasileira cresceu 36,8% durante o governo Lula, admitindo-se uma expansão de 7,5% em 2010. O ritmo anual médio de crescimento foi 4%, o dobro do registrado nas duas décadas anteriores.
Entre 2003 e 2010 a economia brasileira passou da 12.ª para a 8.ª posição entre as maiores do mundo, com um Produto Interno Bruto (PIB) estimado para este ano em US$ 2,02 trilhões. Mas muitos outros países cresceram velozmente nesta década, e a maior parte dos emergentes, incluídas China, Índia, Turquia, Colômbia e Polônia, expandiu-se mais do que o Brasil.
Houve uma enorme prosperidade global no período Lula, até 2008, em contraste com os anos 90, marcados por uma sucessão de grandes crises internacionais. Muitas economias aproveitaram a onda favorável dos últimos anos e avançaram. O Brasil também foi beneficiado. Se as exportações em 2010 chegarem aos US$ 198 bilhões projetados pelo Banco Central (BC), terão crescido 227,8% em oito anos.
Mas outros países também expandiram velozmente as vendas externas e a posição brasileira entre os maiores exportadores pouco tem variado. Além disso, as exportações mais dinâmicas têm sido as de produtos básicos, graças à demanda crescente da China e de outras grandes economias emergentes.
Boa parte do vigor econômico dos últimos oito anos dependeu de condições criadas entre 1994, início do Plano Real, e 2002. Este fato foi quase sempre escamoteado pelo presidente Lula, empenhado em se apresentar como inventor do Brasil. De fato, a segurança econômica foi garantida pelo tripé formado por metas de inflação, superávit primário e câmbio flexível, componentes da herança recebida de um governo mais sério e mais trabalhador. A abertura econômica dos anos 90 e a privatização de atividades típicas de mercado tornaram o País mais eficiente. A reordenação das finanças públicas, a partir da renegociação das dívidas de Estados e municípios, permitiu uma gestão fiscal mais equilibrada. A Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, completou essa mudança. Além disso, o Plano Real restaurou os instrumentos de política monetária, usados com sucesso nos últimos oito anos, sempre contra os velhos padrões petistas.
Mas os ganhos de eficiência pararam, porque o governo Lula não promoveu nenhuma reforma comparável às dos anos 90. Ensaiou timidamente renovar o sistema tributário, mas desistiu. Maus impostos ainda encarecem o investimento, a produção e a exportação. A indústria continua cobrando uma política de competitividade, várias vezes prometida e nunca executada.
Só o aumento da tributação permitiu obter algum superávit primário, porque o gasto público, especialmente o de custeio, cresceu de forma ininterrupta. No segundo mandato as contas públicas entraram em deterioração e o governo, em vez de corrigir o rumo, apelou para grotescos disfarces contábeis.
Na política externa, a competência e o realismo foram substituídos pela diplomacia do espetáculo, movida por um terceiro-mundismo requentado e pela ambição pessoal do presidente. O governo desprezou oportunidades de acordos comerciais com os mercados mais desenvolvidos e deu prioridade a uma fantasiosa política Sul-Sul. Os parceiros considerados "estratégicos" - da vizinhança ou do outro lado do mundo - tiraram vantagem do Brasil e nunca lhe concederam prioridade. Só o presidente e seus gênios da estratégia parecem não ter notado esse fato. Com um cenário externo muito menos favorável, o novo governo terá de cuidar mais de reformas e menos de fantasias.

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Meta fiscal comprometida
30 de dezembro de 2010

Diante da acentuada deterioração dos resultados das contas do governo federal, apontada pelos números da Secretaria do Tesouro Nacional e depois reafirmada pela nota do Banco Central (BC) sobre a execução da política fiscal, não restou ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, e ao secretário do Tesouro, Arno Augustin, senão o constrangido reconhecimento de que não cumprirão o que prometiam até a semana passada: um superávit fiscal equivalente a 3,1% do PIB em 2010.

De acordo com o Tesouro, o superávit primário do governo central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) em novembro foi de R$ 1.09 bilhão, menos de um décimo do resultado de novembro de 2009 (de R$ 10,7 bilhões) e quase 90% menor do que o de outubro deste ano (R$ 7,8 bilhões).
Os números do BC, que utiliza outros critérios de registro das contas públicas, são um pouco diferentes, mas a tendência é semelhante nos dois casos. O resultado consolidado de todo o setor público - que inclui, além do governo central, os governos regionais (Estados e municípios) e as empresas estatais dos três níveis de governo - apresentado pelo BC também deixa nítida a rápida deterioração da política fiscal na fase final do governo Lula. O superávit primário do governo central em novembro foi 85% menor do que o de novembro de 2009 e 77% menor do que o de outubro deste ano.
Ao admitir que a meta de superávit fiscal de 2010 não será alcançada, o ministro Guido Mantega tentou lançar boa parte da responsabilidade para os Estados e municípios. "Estamos trabalhando para o governo (central) cumprir sua parte, mas há algumas dificuldades para Estados e municípios", disse, ao comentar os resultados divulgados pelo Tesouro.
Mas os números do BC mostram que o problema principal está mesmo no governo central. O superávit primário consolidado do setor público, no acumulado de 12 meses até novembro, alcançou R$ 91 bilhões, o equivalente a 2,51% do PIB, inferior ao dos 12 meses até outubro, de 2,8% do PIB. Nessa comparação, enquanto o superávit primário dos governos regionais passou de 0,62% até outubro para 0,65% até novembro, o do governo central caiu de 2,1% para 1,8%.
Da meta de 3,1% do PIB para 2010, a parte que cabe ao governo central é de 2,15% do PIB. Isso significa que, para cumprir sua parte, o governo central deverá obter, em dezembro, um superávit de cerca de R$ 13,5 bilhões - e, para alcançar a meta, os governos estaduais e municipais precisarão registrar no último mês do ano um esforço fiscal que não apresentaram até agora, o que não é esperado nem pelos técnicos do Ministério da Fazenda. Os resultados do mês de dezembro nos dois anos anteriores, período em que se registra a piora da política fiscal do governo do PT, estão muito longe do que precisa ser feito neste mês: em dezembro de 2008, o governo central teve déficit primário de R$ 22,4 bilhões e, em dezembro de 2009, superávit de apenas R$ 384 milhões.
Para melhorar artificialmente o resultado de 2010, o governo já admite que poderá abater as obras do PAC de suas despesas. Se fizer isso, será mais uma artimanha contábil de que terá lançado mão para maquiar as contas públicas.
Além de usar truques contábeis, o governo foi favorecido pelo crescimento espetacular das receitas líquidas nos 11 primeiros meses do ano (aumento de 27,8% em relação a igual período de 2009, em termos nominais, de acordo com o Tesouro), mas nem assim conseguirá alcançar a meta de superávit primário, porque aumentou também seus gastos em ritmo acelerado.
O excepcional crescimento da economia em 2010 deu ao governo Lula a oportunidade de fazer um ajuste fiscal sério. Mas, por este ter sido um ano eleitoral, gastou muito mais do que devia e podia, e deixa para o governo de Dilma Rousseff uma herança comprometedora. Os responsáveis pela política fiscal do próximo governo prometem contenção fiscal em 2011. Mas eles são também os responsáveis pela política fiscal deste governo. Dá para acreditar neles?

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A sombra da inflação
30 de dezembro de 2010

A inflação vai ser um dos maiores problemas do novo governo em seu primeiro ano e talvez também no segundo. Os preços ao consumidor devem ter subido cerca de 5,9% neste ano. O ritmo de aumento deverá cair para 5% no fim de 2011 e poderá chegar a 4,8% no final de 2012, segundo projeção do Banco Central (BC), se forem mantidas as condições atuais de juros e de câmbio. Se essas projeções se confirmarem, a presidente Dilma Rousseff passará metade de seu mandato com a inflação acima do centro da meta (4,5%).

A previsão de fortes pressões em 2011 foi confirmada pelo último Índice Geral de Preços de Mercado (IGPM). A variação de dezembro, 0,69%, foi bem menor que a do mês anterior, 1,45%, mas ainda ficou bem acima do ritmo aceitável para a economia brasileira. Além disso, o Índice de Preços ao Consumidor, um dos três grandes componentes do IGPM, subiu 0,92%, num ritmo inquietante.
Não pode haver mais dúvida quanto à natureza da atual inflação brasileira. Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o problema está localizado no custo da alimentação e é passageiro. Essa interpretação é claramente equivocada. Os preços da comida têm de fato subido mais que os outros, mas o efeito da demanda muito aquecida é indisfarçável. O Índice de Preços ao Consumidor inclui sete grupos de bens e serviços. Em cinco foram registrados aumentos em dezembro.
O efeito da demanda e a pressão sobre o uso da capacidade instalada da indústria têm sido apontados pelo BC como fatores de risco. Outra pesquisa da FGV confirmou esse ponto de vista. Segundo a última Sondagem da Indústria de Transformação, o uso da capacidade instalada subiu de 84,5% em novembro para 84,9% em dezembro, retornando à média do ano depois de uma pequena e breve redução.
Embora líderes do setor prefiram falar em resfriamento da atividade, o índice de confiança dos empresários construído com base na pesquisa voltou a subir, atingindo o maior nível do segundo semestre e retornando à média do ano. Durou pouco, portanto, o arrefecimento da atividade industrial apontado por dirigentes de entidades empresariais como argumento contra novos aumentos de juros. O próprio BC moderou sua política, nos últimos meses, levando em conta essa desaceleração da economia. Mas, como indicaram vários analistas há alguns meses, a decisão das autoridades monetárias foi prematura.
A atividade permanece intensa, a demanda continua muito forte, alimentada tanto pelo alto nível de emprego e pela expansão da massa de rendimentos quanto pelo crédito abundante ao consumidor. As medidas de restrição ao crédito adotadas há pouco tempo pelo BC produziram algum efeito, mas ainda não foram suficientes para frear de forma sensível a expansão do consumo. O otimismo empresarial detectado na recente sondagem da FGV é bem fundado: pelos sinais disponíveis até agora, a demanda interna continuará aquecida nos próximos meses.
Ao mesmo tempo, os últimos números da inflação permitem prever a continuidade de pressões sobre o varejo. O Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), com peso de 60% na formação do IGPM, continua mostrando sinais preocupantes no atacado. As matérias-primas brutas encareceram 1,66% em dezembro e 33,57% no ano. O maior aumento continua sendo o das cotações agropecuárias, 1,15% no mês e 25,29% em 12 meses. Mas as pressões, embora desiguais, são generalizadas.
Preços pagos no atacado podem chegar apenas parcialmente ao consumidor. Isso depende, em parte, da disputa entre varejistas e seus fornecedores. Mas depende também da resistência do consumidor. A combinação de aumento de renda e crédito fácil pode torná-lo - e já vem tornando - tolerante ao encarecimento dos bens e serviços.
A projeção do mercado para os preços ao consumidor em 2011 são pouco piores que as do BC. Para o IPCA, por exemplo, o aumento projetado é de 5,31%. O Copom tem bons argumentos para elevar os juros na reunião de janeiro.

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O BNDES deu mais crédito e assumiu mais riscos
31 de dezembro de 2010

Em 2010, até novembro, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) concedeu créditos no montante recorde de R$ 153,6 bilhões - e continuou anunciando mais empréstimos até os últimos dias do ano, como o de R$ 6,1 bilhões para a Usina Nuclear Angra 3, cujas obras ainda estão em fase de terraplanagem, com previsão de conclusão em 2015. Se for excluída a operação de R$ 25 bilhões com a Petrobrás, o volume de empréstimos deverá ficar em R$ 140 bilhões, contra R$ 137 bilhões, em 2009. O banco entrou no bloco "do nunca antes neste país", engrossando o coro de autocongratulações da era Lula.
Fundado em 1952, maior fornecedor de recursos de investimento de longo prazo, o BNDES fez em sua história bons e maus empréstimos. Entre as primeiras operações dos anos 50 e 60 não houve apenas casos de sucesso, como Cataguases-Leopoldina, Siderúrgica Riograndense, Volkswagen, Brown Boveri, Pirelli, Copel, Cemig ou Suzano. Houve também créditos a frigoríficos e matadouros (Frimisa, Tião Maia), ferrovias (Rede Ferroviária Federal, Sorocabana, Araraquarense, Mossoró, Paulista), estaleiros (CCN, Ishikawajima, Savônia) ou indústrias, como a Cobrasma. E muitos desses empreendimentos ficaram insolventes, foram liquidados e ainda hoje recebem o socorro do governo federal, como a Centrais Elétricas de Goiás (Celg).
Operando no longo prazo, os resultados recentes do BNDES se devem, sobretudo, às gestões entre o início dos anos 90 até a primeira metade desta década. É o que permite ao banco transferir agora vultosos dividendos à União (R$ 10,9 bilhões, em 2009, e R$ 14,5 bilhões, em 2010).
Mas, nos últimos dois anos, as relações entre o governo federal e o BNDES perderam transparência. O Tesouro alocou ao BNDES recursos da ordem de R$ 180 bilhões. O banco alterou sua política, assumiu mais riscos e concedeu crédito a juros mais negativos, subsidiando poucos beneficiários. Mais de 70% dos recursos aportados pela União foram concedidos, até agosto, a grandes empresas.
Operações com grupos econômicos especializados em commodities cujas cotações são muito voláteis, como frigoríficos, implicarão riscos elevados quando as operações vencerem - ou antes disso. O mesmo raciocínio se aplica a empreendimentos como Belo Monte e o TAV (trem bala).
Cobrando juros da TJLP (6% ao ano, há seis trimestres, enquanto o IPCA passava de 4,3%, em 2009, para 5,6%, nos últimos 12 meses), o BNDES não ignora o risco de incorrer em prejuízos, como no passado.