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sábado, 1 de setembro de 2018

Minhas resoluções de Ano Novo para 2003 - Paulo Roberto de Almeida

Um exercício de leitura, uma brincadeira séria, fruto dessas leituras amenas que mantenho, ao lado de livros mais áridos...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1 setembro de 2018

Treze resoluções de Ano Novo
(à maneira de Benjamin Franklin)

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 1o. de janeiro de 2003.

Todo começo de ano (alguns preferem fazer no final do ano anterior) costumamos estabelecer para nós mesmos uma listas de coisas boas para realizar e outras más para evitar: deixar de fumar, começar aquele regime tão adiado, arrumar os velhos papéis de família, economizar para gastar em algum projeto especial, enfim, objetivos prosaicos mas valorizados pelo que eles representam de oportunidades perdidas. Trata-se de uma das boas manias tipicamente americanas que importamos no Brasil, com resultados variados, aqui e ao norte do hemisfério.
Não importa: melhor ser pragmático do que não ter nenhum novo objetivo ao iniciar um novo ano, razão pela qual eu também desejei fazer a minha pequena lista de resoluções para 2003. Fui buscar inspiração, para isso, naquele homem que, mais do que qualquer outro, encarna as típicas virtudes americanas do trabalho perseverante e do bom comportamento na vida diária (com um ou outro deslize ao longo de uma longa vida de realizações em favor de seu país). Refiro-me a Benjamin Franklin que tinha, como é sabido, uma vocação de “solucionador prático” (ele era grande espírito inventivo) e um sólido espírito moral, comprometido como sempre foi com o bem estar de sua sociedade e com a disposição de fazer o bem, para si mesmo e para todos os seus demais membros.
Lendo, no final de 2002, a biografia de Benjamin Franklin pelo historiador H. W. Brands, The First American: the Life and Times of Benjamin Franklin (New York: Anchor Books, 2000), deparei-me com vários aspectos de uma vida verdadeiramente singular, talvez a figura mais representativa dos chamados founding Fathersda República americana, o homem múltiplo que, tendo sido, sucessivamente e por vezes ao mesmo tempo, impressor, jornalista, tribuno, representante diplomático na Europa, inventor, homem do legislativo e do executivo, foi um dos redatores da Declaração de Independência e, como tal, um pouco mais tarde, o supremo organizador do consenso político que permitiu a emergência do conciso texto constitucional que (não considerando aqui suas emendas e adições) já cumpriu mais de dois séculos de existência continuada.
Não são contudo essas atividades eminentemente práticas, políticas e sociais, que me chamaram a atenção na impressionante biografia de Brands, a ponto de interromper sua leitura para redigir estas notas de reflexão sobre o novo ano que se inicia. Foi, de forma prosaica, uma simples lista de resoluções de caráter geral que Franklin decidiu, ainda bastante jovem, que deveriam passar a orientar sua ação pessoal. Como ele mesmo escreveu em sua auto-biografia, tomou a resolução de seguir um “vigoroso e árduo projeto de alcançar a perfeição moral”. Ele concebeu e redigiu, primeiro, doze “virtudes cardeais”, depois agregou uma décima-terceira (por acaso um número tabu para os americanos contemporâneos, a ponto de poucos edifícios terem o 13º andar), que vão aqui transcritas a título de ilustração sobre como concebia Franklin uma possível vida virtuosa:

1. Temperança: Não coma em excesso. Não beba a ponto de perder os sentidos.
2. Silêncio: Só fale o que puder beneficiar os outros ou a si mesmo. Evite conversas vazias.
3. Ordem: Faça com que cada coisa tenha o seu lugar. Faça com que cada parte de suas atividades tenha o seu tempo. 
4. Resolução: Decida cumprir aquilo que deve ser feito. Realize sem falhas aquilo que voce decidiu fazer.
5. Frugalidade: Faça unicamente despesas que resultem em benefício dos outros ou de si mesmo. Não desperdice nada.
6. Indústria: Não perca tempo. Esteja sempre ocupado com alguma coisa útil. Elimine todas as ções desnecessárias.
7. Sinceridade: Não decepcione ninguém. Pense de maneira inocente e justa, e se você falar, seja consistente. 
8. Justiça: Não prejudique ninguém, cometendo ofensas ou omitindo ações que constituem suas obrigações.
9. Moderação: Evite os extremos. Abstenha-se o quanto puder de sentir-se ofendido.
10. Limpeza: Não tolere falta de limpeza pessoal, em suas roupas ou lar.
11. Tranquillidade: Não fique perturbado com coisas menores ou com acidentes comuns ou inevitáveis.
12. Castidade: Recorra ao intercâmbio sexual para manter a saúde ou procriar – nunca em excesso, por fraqueza ou em prejuizo da reputação ou paz de alguém ou de si mesmo.
13. Humildade: Imite Jesus e Socrates. (Brands, op. cit., pp. 97-98; adaptação: PRA)

Como analisa Brands, “Franklin era um idealista de uma espécie bastante prática. Neste caso, sua praticidade guiou sua escolha das virtudes, que eram todas adaptadas aos êxitos na vida corrente que ele desejava alcançar; seu idealismo transparecia em sua crença de que o domínio dessas virtudes poderia ser facilmente realizado” (p. 99). Que ele logo tenha descoberto que tal tarefa não era de tão fácil implementação, como ele imaginava ao início, não nos deve preocupar, pois o essencial estava no conjunto de “virtudes” que Franklin concebia como princípios de ordem moral, para si mesmo, em primeiro lugar, para todos os demais concidadãos, de forma geral. O último nome da décima-terceira regra esclarece aliás sobre o exemplo de virtude moral no qual Franklin se inspirava: Sócrates, o modelo clássico de homem reto, disposto a sacrificar sua própria vida pela verdade. 
Cento e oitenta anos depois, as treze virtudes cívicas (ou éticas) de Franklin ainda suscitam admiração, como a condensação mesma do espírito prático americano, uma espécie de código moral que seu biógrafo Brands chamou de “ética protestante do trabalho sem o Protestantismo”.
Seria possível partir dessa lista do início do século XVIII e conceber um conjunto similar de preceitos morais adaptados a este início do século XXI? Seriam as virtudes “cardeais” contemporâneas tão diferentes daquelas pelas quais tentou se guiar (com um certo sucesso, reconheça-se) Benjamin Franklin?
Pode-se, por certo, tentar reincidir no jogo das virtudes, mas lembrando, em todo caso, que o básico não está tanto no contexto social, econômico ou tecnológico, mas simplesmente nos próprios princípios morais que devem guiar nossas ações, independentemente da época ou do meio social. Vejamos que lista de resoluções de ano novo eu seria capaz de conceber, pagando o devido copyright (ou pelo menos os “moral rights”) a Benjamin Franklin:

1. Auto-contenção: Não coma tanto a ponto de se sentir “cheio” e, sobretudo, com a idade, diminua a quantidade e os excessos “exóticos”. Se possível não beba, senão água, muito embora vinho com moderação possa ser saudável. Liberada porém a cervejinha com os amigos na sexta à noite, com um “nadinha” de linguicinha.
2. Silêncio: Fale apenas o que for necessário para entretar uma conversa agradável com os presentes, ou para esclarecer os curiosos sobre algo socialmente útil. “Jogar conversa fora” é permitido, desde que o ambiente o permita. Compre um desses mini-gravadores e se registre divagando sobre um assunto que considere importante: isso vai ajudá-lo a se manter calado da próxima vez.
3. Ordem: Não há desculpa para manter o seu próprio ambiente de trabalho ou lar em desordem, a não ser a preguiça e o desleixo. Respeite os outros e a si mesmo organizando seus papéis e objetos pessoais. Você perde um tempo precioso procurando papéis perdidos e velhos recados ou encomendas que ficaram para depois.
4. Resolução: Deve-se cumprir aquilo que se acordou fazer, consigo mesmo ou com outrém. Nos tempos modernos, se é pago para trabalhar, ainda que o desempenho muitas vezes deixe a desejar. Desde que Franklin formulou essa “resolução calvinista”, um outro “filósofo” americano aperfeiçou o comando com uma “lei do rendimentos descrescentes” no trabalho profissional, também conhecida por “Peter principle”: “toda pessoa acaba sendo elevada, por inércia, ao seu mais alto nível de incompetência no trabalho”. 
5. Frugalidade: Difícil de manter nestes tempos de consumismo barato e de shoppings convidativos.  Mas o princípio é sadio do ponto de vista dos orçamentos domésticos, sempre administrados no fio da navalha. Não jogue nada fora, mas aproveite para dar a camisa velha para as entidades de caridade pública.
6. Indústria: Franklin se referia às ocupações individuais, no sentido clássico da ética protestante no trabalho. Hoje a indústria está em baixa, como fonte de poluição que é, por isso a recomendação atual poderia ser: não polua a natureza, não dilapide os recursos naturais, sobretudo os não renováveis; tente deixar um planeta melhor do que você encontrou. Pratique o desenvolvimento sustentável, sobretudo em favor dos mais pobres e desprovidos de qualquer “indústria” ou capacidade individual.
7. Sinceridade: Seja aberto e transparente com todos, inclusive com os seus inimigos. Nada pode ser mais desarmante do que a verdade sendo dita em qualquer circunstância. Se tiver de mentir, que seja por caridade, para não ofender gratuitamente alguem fragilizado psicologicamente e também para fazer o bem a quem precisa (como elogiar os cabelos tingidos de alguém, por exemplo).
8. Justiça: Critério absoluto. Aplique-a sobretudo em defesa do bem público. Assim, se perceber algum político desonesto, não tenha medo de denunciá-lo à justiça, ou antes, exponha-o ao ridículo universal (já que a justiça é tarda e geralmente falha). 
9. Moderação: Evite os extremos e não seja radical, salvo na defesa da democracia, da honestidade intelectual e da verdade (ainda que seja quase impossível defini-la). 
10. Comprometimento: Eduque, ou contribua para educar, o maior número possível de crianças desprovidas de recursos. Doe livros para bibliotecas e escolas públicas. Faça da elevação espiritual do maior número um objetivo em si, não suficiente em si mesmo mas absolutamente imprescindível para a melhoria da vida em comunidade.
11. Tranquilidade: Persiga seus objetivos profissionais e pessoais com segurança e sem afoiteza. Fundamente seus progressos sociais no mérito e no trabalho exclusivamente. Não seja carreirista ou oportunista. Seja solidário com seus iguais e magnânimo com os mais humildes.
12. Castidade: Difícil de manter em tempos tão permissivos, mas recomendável em face da gravidez involuntária e de doenças graves como a Aids. A Igreja recomenda como único método contraceptivo e para prevenir enfermidades como essa, o que é plenamente aceitável e compreensível mas dificilmente implementável. Combine a abstenção com métodos mais práticos (mas não precisa discutir isso na confissão).
13. Humildade: Se possível, imite Jesus e Socrates, aos quais poderia ser agregada a companhia de Buda. Não seja vaidoso, a não ser para demonstrar que você consegue cumprir pelo menos a metade dos preceitos de Benjamin Franklin, o que é uma meta razoável para simples mortais como nós, sem pretensão ao papel de “pai fundador”.

            Voilà: eis minha lista de treze resoluções de ano novo, apropriada para os tempos que vivemos no Brasil. A conferir seu cumprimento dentro de um ano.

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 1º de janeiro de 2003

domingo, 27 de julho de 2014

A frase da semana: Benjamin Franklin sobre o investimento em conhecimento

Nada mais verdadeiro. Economicamente impossível estimar o retorno, mas certamente exponencial.

Os investimentos em conhecimento geram os melhores dividendos.
Benjamin Franklin

Com o meu agradecimento, por esta lembrança, ao
Felipe Carapeba Elias 

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Previsoes Imprevisiveis para 2011: um exercício contrarianista

Meu artigo contrariando o senso comum, de previsões pouco astrológicas para 2011, foi publicado em Via Política.

Previsões imprevisíveis para o Brasil em 2011
Resoluções para o novo governo à maneira de Benjamin Franklin

Por Paulo Roberto de Almeida
www.pralmeida.org
Via Política, 17/01.2011
Benjamin Franklin, por Amir Taqi

Todo começo de ano tenho por hábito estabelecer minha pequena lista de previsões imprevisíveis, que são aquelas que, à diferença das generosas promessas dos astrólogos, não correm nenhum risco de acontecer. Como já fiz no passado, vou buscar inspiração num homem que deixou sua marca na vida de todos nós, uma vez que ele figura nas notas de 100 dólares, provavelmente o bilhete mais transacionado da história monetária mundial. Refiro-me, claro, a Benjamin Franklin, sobre quem já li a biografia do historiador H. W. Brands, The First American: The Life and Times of Benjamin Franklin (New York: Anchor Books, 2000), aliás, uma das melhores no mercado.

Percorrendo o livro em busca de “curiosidades intelectuais” sobre o biografado, constatei que Benjamim Franklin estabeleceu para si mesmo, ainda muito jovem, todo um programa de aperfeiçoamento de sua vida pessoal, que ele chamou de “vigoroso e árduo projeto de alcançar a perfeição moral”. Ele primeiro concebeu e redigiu 12 “virtudes cardeais”, às quais agregou, mais tarde, uma 13a (por acaso um número tabu para os americanos, a ponto de poucos edifícios terem o 13º andar). Vão aqui transcritas a título de informação sobre como Franklin pretendia levar uma vida virtuosa:

1. Temperança: Não coma em excesso. Não beba a ponto de perder os sentidos.
2. Silêncio: Só fale o que puder beneficiar os outros ou a si mesmo. Evite conversas vazias.
3. Ordem: Faça com que cada coisa tenha o seu lugar. Faça com que cada parte de suas atividades tenha o seu tempo.
4. Resolução: Decida cumprir aquilo que deve ser feito. Realize sem falhas aquilo que você decidiu fazer.
5. Frugalidade: Faça unicamente despesas que resultem em benefício dos outros ou de si mesmo. Não desperdice nada.
6. Indústria: Não perca tempo. Esteja sempre ocupado com alguma coisa útil. Elimine todas as ações desnecessárias.
7. Sinceridade: Não decepcione ninguém. Pense de maneira inocente e justa, e se você falar, seja consistente.
8. Justiça: Não prejudique ninguém, cometendo ofensas ou omitindo ações que constituem suas obrigações.
9. Moderação: Evite os extremos. Abstenha-se o quanto puder de sentir-se ofendido.
10. Limpeza: Não tolere falta de limpeza pessoal, em suas roupas ou lar.
11. Tranquilidade: Não fique perturbado com coisas menores ou com acidentes comuns ou inevitáveis.
12. Castidade: Recorra ao intercâmbio sexual para manter a saúde ou procriar – nunca em excesso, por fraqueza ou em prejuízo da reputação ou paz de alguém ou de si mesmo.
13. Humildade: Imite Jesus e Sócrates.
(Fonte: Brands, Benjamin Franklin, op. cit., p. 97-98; tradução-adaptação: PRA)
Benjamin Franklin

Pois bem, não creio que possamos seguir, atualmente, todas as regras de Franklin em busca de uma vida virtuosa, sobretudo se pensarmos na esfera política, que é o objeto deste pequeno ensaio. (Por falar nisso, existem políticos virtuosos?) Creio, em todo caso, que esses princípios morais podem servir de inspiração para estabelecermos nossas “previsões imprevisíveis” para 2011. Ou seja: tomando como base o modelo de Benjamin Franklin – que, irônica e involuntariamente, estabeleceu o número mágico de 13 promessas de “bom comportamento” – podemos especular sobre como o governo vai enfrentar suas próprias “resoluções morais”, em termos de gestão pública, a partir de 1º de janeiro de 2011.

Meu desejo sincero é a de o governo siga, mais ou menos fielmente, a maior parte das “recomendações” do jovem Benjamin Franklin, adaptadas, obviamente, à ação dessa entidade coletiva sustentada por todos nós, contribuintes. (Franklin, por acaso, também é o autor daquela famosa frase: “Só existem duas certezas na vida: a morte e os impostos”.) O mais provável, porém, e consoante o espírito desta série, é aquilo que pode não ocorrer, que é justamente o objetivo implícito a estas minhas previsões imprevisíveis (dotadas, alguém poderia dizer, de certo espírito “contrarianista”).

Vejamos, em qualquer hipótese, o que, depois dos exageros do “nunca antes”, o novo governo poderia oferecer, em termos de “virtudes morais”, aos brasileiros contribuintes que todos somos.

1. Temperança (ou, autocontenção)
A recomendação não tem tanto a ver com excessos gastronômicos ou etílicos, e sim com a contenção dos gastos, em especial dos gastos exagerados da máquina pública, que são os que vêm crescendo enormemente nos últimos oito anos. O problema fiscal é, de longe, o mais grave da macroeconomia brasileira, já que o governo vive maquiando suas contas para esconder a diminuição do superávit primário e o aumento da dívida pública, ou seja, o volume de dinheiro que ele deverá pagar em juros e amortizações (o que recairá, na verdade, sobre todos nós, sobrando ainda para nossos filhos e netos).

Como a base de apoio do governo é irremediavelmente gastadora, sobretudo consigo própria – e não em investimentos, como seria desejável – minha previsão pouco imprevisível é a de que não existe nenhuma chance dessa recomendação ser cumprida. Inclusive e principalmente porque os novos donos do poder apreciam sumamente seus gastos privados com dinheiro público. Se não fosse isso, haveria qualquer justificativa moral – para não falar simplesmente de legitimidade ou legalidade política – em que os gastos com cartões corporativos da Presidência da República sejam classificados como “secretos”, como se isso fosse afetar a segurança nacional?

2. Silêncio
Ufa! Desde 2 de janeiro de 2011 estamos livres de três discursos por dia e de um ou dois palanques por semana. Sem exageros: nunca antes na história deste país o ministério da propaganda, o cerimonial do Estado, o pessoal da segurança e todo aquele povo que vive em volta de cerimônias oficiais foram tão mobilizados quanto nos últimos anos para servir de claque obrigatória às perorações infinitas, despejadas sobre todos nós durante oito anos seguidos. Ainda que esses discursos não tenham sido tão longos quanto os de Fidel Castro – que deixava os cubanos ao sol durante seis horas seguidas –, eles foram muito mais numerosos e intensos, repetitivos mesmo. Pode-se apostar que se discursou mais no Brasil, em oito anos, do que na Cuba de Fidel em 50 anos de comunismo.

Nesse particular, pode-se presumir que a “lei do silêncio” tem chances de ser cumprida, pelo menos nos meios oficiais (já que o imitador de Fidel continuará falando pelos cotovelos, como se diz). Melhor seria, na verdade, suprimir completamente o ministério da propaganda, com o que ficaríamos pelo menos livres de toda essa poluição sonora e visual paga com o nosso dinheiro, mas aí a previsão já sai do terreno do imprevisível para o do impossível: poucos governantes dispensam suas máquinas publicitárias (algumas Orwellianas, inclusive).

3. Ordem
Depende do que se entende por ordem. Geralmente se refere, no plano governamental, a um processo decisório bem ordenado, com propostas de políticas setoriais ou de medidas tópicas sendo examinadas cuidadosamente na esfera técnica, com estudos de impacto e previsões de efeitos econômicos ou de outros tipos, enfim, uma análise detida de cada assunto que deva ser objeto de decisão de governo, até que o chefe de Estado (e de governo) se decida por implementá-la, com eventual passagem pelo Legislativo, para discussão, eventuais mudanças e aprovação, antes da sanção presidencial, promulgação e entrada em vigor. Desse ponto de vista, nunca antes neste país tivemos tantas medidas provisórias – com desvio dos requisitos de urgência e relevância nacional – e tantas decisões efetivas sendo adotadas por impulso.

Qualquer que seja o grau de cumprimento desta resolução, impossível não haver uma melhora nos processos, deliberações e debates nos diversos níveis de governo, antes que uma decisão seja efetivamente tomada e implementada. Será um enorme progresso; a menos, claro, que o ministério por cotas, as indicações partidárias e, sobretudo, o “dedaço” carismático contribuam para atribuir a esta previsão o mesmo grau de imprevisibilidade que possuem quase todas as outras.

4. Resolução
Muito simples: todo líder político deve cumprir aquilo com o que se comprometeu publicamente, ainda que não formalmente. Por exemplo: durante a campanha, ocorreram declarações explícitas de bom comportamento tributário, desmentindo a criação de novos impostos e prometendo a não elevação dos existentes. Como cidadãos pagadores de impostos (e como!), vamos constatar se essas declarações, que deveriam valer como resoluções, se mantêm nessa categoria, ou se elas serão, mais uma vez, sepultadas no cemitério das “necessidades inadiáveis” (a pretexto de “melhorar a saúde” ou qualquer outra justificativa esfarrapada).

Mas capacidade de resolução também tem a ver com diversos outros aspectos da vida pública; por exemplo: funcionários públicos dispõem de estabilidade, e são pagos para trabalhar. Seria interessante saber se essa resolução vem sendo cumprida em todas as esferas do poder público. Minha previsão é a de que faltará resolução, nos próximos anos, para empreender o conjunto de reformas de que o Brasil necessita para ter crescimento sustentado e melhorar seus índices de prosperidade social. Espero ser derrotado nesta minha previsão.

5. Frugalidade
Tem a ver, obviamente, com o respeito ao dinheiro do contribuinte, fazendo com que ele seja gasto preferencialmente mais nos fins – isto é, políticas públicas – do que nos meios, ou seja, no próprio governo. Mas isso é difícil de saber atualmente (e talvez no futuro, também), pois até o menu oficial, ou seja, a lista do que se come nas mais altas esferas, é tido como questão de segurança nacional. A julgar, porém, pelo nítido aumento de peso de certos responsáveis políticos – ou seja, o tamanho da cintura – a frugalidade não foi exatamente uma virtude cultivada nos últimos anos.

Benjamin Franklin, aliás, não seria um bom exemplo de sua própria promessa de juventude: enviado como representante das colônias americanas ao parlamento britânico e, depois, como embaixador da nova república na corte francesa, ele adquiriu aquele perfil mais rechonchudo que costuma ser visto nos retratos da maturidade. Em todo caso, minha previsão imprevisível quanto à “frugalidade” brasileira (ou falta de) é a de que ela tampouco será observada nos próximos anos, a julgar pela promessa de compra de mais um avião de luxo, de criação de mais ministérios, de mais cargos públicos, de expansão disso e daquilo, etc. Essa vou acertar em cheio (a conferir dentro de um ano...).

6. Indústria
Benjamin Franklin não se referia à indústria no sentido clássico da palavra, ou seja, um empreendimento manufatureiro, produzindo mercadorias para o consumo de massa. Ele se referia às ocupações individuais, num sentido que poderíamos aproximar da chamada ética protestante no trabalho, tão popularizada por Max Weber (aliás, um leitor de Benjamin Franklin). Creio, sinceramente, que essa ética, hoje, está em baixa, muito em baixa, quase desaparecendo. E isso não tem tanto a ver com as esferas políticas, embora sejam elas que aprovem a criação de feriados em volumes inacreditáveis, sem contar com as pontes que os funcionários públicos organizam, enforcando segundas e sextas sem sequer se dar ao trabalho de compensar os dias parados.

Digamos que o Brasil não é exatamente uma nação de trabalhadores incansáveis, embora no setor privado se trabalhe bastante. Minha previsão é que o Brasil está se “desindustrializando” também do ponto de vista da ética do trabalho. Melhor não contar, portanto, com qualquer evolução positiva neste quesito.

7. Sinceridade
Nunca antes neste país, se abusou tanto da apropriação indébita de realizações de terceiros, de planos econômicos, de mecanismos de ajuste, de programas governamentais, até da própria história. Nunca antes tantas mentiras foram ditas a respeito das heranças malditas de antecessores e das próprias glórias usurpadas. Cabe esperar coisa melhor? Sim, certamente, pois nem todo mundo tem essa compulsão pela incorporação de feitos alheios e pelo falso engrandecimento dos seus próprios, pelo menos não sem corar. Enfim, tem quem consegue, mas não é fácil para os que não cultivam a compulsão pelo panegírico em causa própria.

Minha previsão é a de que a inimputabilidade terminou, mas isso não quer dizer que a sinceridade venha a pautar os procedimentos e declarações políticas, muito ao contrário. Haverá necessidade de fazer “mais e melhor”, como já se ouviu em certas esferas. Como alcançar a perfeição, sem falsear um pouco a realidade? Caberia em todo caso, começar por desmantelar a máquina da propaganda oficial: alguém acredita que isso será feito? Previsão imprevisível, portanto, com 150% de certeza...

8. Justiça
Tem tanto a ver com o funcionamento da própria, estrito senso, como com o tratamento equânime de todos os brasileiros, sem distinções de “raça, cor e religião”, como se diz – e de time de futebol, embora eu tenha a impressão de que os corintianos foram privilegiados nos últimos anos – e sem políticas que pretendam colocar alguns brasileiros contra os outros, como por exemplo atribuir todos os males do povo a elites malvadas ou inconscientes – que de resto não são identificadas, sendo que todas elas estão mesmo é grudadas no poder atual.

Desse ponto de vista, não tenho a menor hesitação em fazer uma previsão de que existe enorme imprevisibilidade nesta resolução também. Hoje, a Justiça, por exemplo, demora mais de oito anos para julgar um caso em seus trâmites finais, o que significa que, tipicamente, um caso pode levar de um mínimo de quatro a um máximo teórico de 16 anos (mas sempre soubemos que na prática a teoria é outra). Tampouco ouso prever o tratamento não discriminatório dos brasileiros, com tantas políticas racialistas sendo implementadas (o que deve, previsivelmente, aumentar muito nos anos à frente).

Também ouso fazer uma previsão ainda mais pessimista do que o racismo oficial: a Lei da Ficha Limpa não vai pegar, ou só pegará parcialmente... Acho que o Judiciário está muito ocupado em aumentar seus próprios salários e em construir palácios de mármore e vidro para se ocupar de coisas realmente importantes.

9. Moderação
O novo governo prometeu ser moderado na edição de novas medidas provisórias? Não me lembro de ter ouvido algo a respeito. Aliás, alguém acredita nisso? A única falta de moderação admissível numa democracia moderna seria o comprometimento com a verdade, com a honestidade intelectual, com a liberdade de imprensa. O governo também precisaria ser moderado no recolhimento do nosso dinheiro para fins de receitas públicas (e de despesas inúteis). Mas alguém acredita nesse tipo de moderação?

Minha previsão é a de que a única moderação a ser observada, nos próximos anos, é a da capacidade e da vontade governamentais na resolução dos problemas da segurança, da falta de infra-estrutura, da tributação excessiva, etc. Alguém quer apostar?

10. Limpeza
Benjamin Franklin se referia à limpeza pessoal, mas creio que possamos estender o conceito à limpeza pública. Não, ela não tem nada a ver com o asseio das ruas e a falta de rabiscos nos monumentos públicos e nas paredes em geral. Ela tem a ver com a podridão que se instala progressivamente no setor público. Atualmente, parece que já não é mais vergonha ser pego roubando, diretamente ou através de ONGs e de fundações supostamente beneméritas. Imediatamente, o político em questão diz que o que aconteceu foi um “erro” de seu assessor, ou que ele “quebrou” sua confiança; assim, continuamos a conviver com a cara de pau desses nossos “representantes”. Até quando?

Minha previsão é a de que o panorama tem tudo para piorar nos próximos anos. Eliminar a corrupção e a roubalheira no setor público equivale a um trabalho hercúleo, do tipo que o herói da mitologia grega se empenhou quando pediram-lhe que limpasse as escuderias de Augias: Hércules teve de desviar um rio inteiro para conseguir cumprir a tarefa, mas o fez. No caso do Brasil, mesmo o desvio de rios, supostamente para “dar água a quem tem sede”, dá lugar a desvio de recursos públicos, provavelmente em volume superior aos metros cúbicos de água canalizada, sob a forma de mais dinheiro para os bolsos dos espertalhões. Infelizmente, não dá para prever o surgimento de algum Hércules da moralidade pública. Continuaremos a viver no mundo da mitologia...

11. Tranquilidade
Essa é uma característica dificilmente presente na esfera governamental, pois os problemas são reconhecidamente imensos, o dinheiro é sempre curto e as vontades humanas infinitas. Minha previsão, que faço tranquilamente, é a de que teremos vários chiliques, ataques de fúria, desesperança e ameaças, no futuro previsível. Dependerá muito da capacidade do ministério da propaganda em propagar tranquilidade, justamente. Minha previsão é a de que não conseguirá, mas ainda assim gastará rios de dinheiro tentando: a tal de propaganda governamental, que na verdade deveria ser completamente extinta. Alguém ainda acha que governo precisa fazer publicidade de si mesmo?

12. Castidade
Não, não é abstinência, como pareceria recomendar Benjamin Franklin, ou seja, de só adentrar naquele tipo de interação para a procriação, algo que nem a Igreja é capaz de assegurar. Aqui se trata de evitar promiscuidade com políticos ladrões, com empresários ávidos por algum dinheiro público facilitado, de eliminar no ato e até na intenção qualquer proposta indecorosa, ou pornográfica, para o uso seletivo do dinheiro público (em benefício de privilegiados e amigos do poder, está claro), enfim, abster-se de qualquer relação que se aproxime da versão vulgar daquilo que Franklin concebia para o seu objetivo virtuoso e casto.

Mas o governo poderia se abster de aumentar impostos, por exemplo, seja diretamente, isto é, por meio de novos tributos, seja indiretamente, por meio do aumento da pressão fiscal e da exação tributária. Minha modesta previsão é a de que não conseguiremos desfrutar desse tipo de castidade governamental. Em outros termos: preparem-se para cenas explícitas de gastança pública e de hipocrisia governamental em 2011 (e mais além). Cada vez que um empresário ou promotor de “ações sociais” visitar a esplanada dos ministérios ou até o palácio das “necessidades”, pode ter certeza de que se estará assistindo algum assalto contra o dinheiro público, que na verdade é o de todos os contribuintes compulsórios, como eu e você.

13. Humildade
Tudo o que não tivemos nos últimos anos, quando as comparações, não com Sócrates, mas com Jesus Cristo eram inevitáveis, até recorrentes. Vaidade pouca é bobagem, mas acredito que depois da experiência recente, todo e qualquer comportamento autocongratulatório será necessariamente humilde e recatado, por comparação, claro. Assim, metade da previsão já está automaticamente garantida, sendo que a outra metade dependerá das bolsas Hermès, dos novos modelos de iPad, dos figurinos famosos que se apresentaram e dos bajuladores de sempre.

Minha previsão imprevisível é a de uma humildade falsamente cultivada, o que talvez já seja um progresso em relação ao “nunca antes” servido em excesso nos últimos tempos. Só isso já será um alivio...

Bom 2011 a todos e a todas, sobretudo aos destinatários destas resoluções de ano novo.

Paulo Roberto de Almeida
15/1/2011

Fonte: ViaPolítica/O autor

Ensaios preparados para OrdemLivre.org

Paulo Roberto de Almeida é Doutor em Ciências Sociais e diplomata de carreira.

Da série Volta ao Mundo em 25 Ensaios, leia também em ViaPolítica:
“Distribuição de renda: melhor fazer pelo mercado ou pela ação do Estado?”
“Por que o Brasil avança tão pouco? Sumário das explicações possíveis”
“Por que a América Latina não decola: alguma explicação plausível?”
“Preeminência, hegemonia, dominação, exploração: realidades ou mitos?”
“Países ou pessoas ricas o são devido a que os pobres são pobres?”
“Orçamentos públicos devem ser sempre equilibrados?”
“Competição e monopólios (naturais ou não). Como definir e decidir?”
“Políticas ativas pelos Estados funcionam? Se sim, sob quais condições?”
“Duas tradições no campo da filosofia social, o liberalismo e o marxismo”
“Individualismo e interesses coletivos: qual a balança exata?”
“Como organizar a economia para o maior (e melhor) bem-estar possível”

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