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domingo, 19 de agosto de 2018

Ciro Gomes atribui altos salarios a legislação, nao produtivididade - Samuel Pessoa

Ciro Gomes e a Alemanha

Não ocorre a Ciro que o salário na Alemanha é alto porque a produtividade é alta

Ciro Gomes tem criticado muito a reforma trabalhista do governo Temer. Também tem citado a Alemanha como a economia com boas práticas no mercado de trabalho.

Todo o argumento surpreende. A reforma não foi feita pelo governo Temer, mas resulta de esforço do Congresso Nacional. A partir de um projeto tímido enviado pelo presidente Temer, o Congresso desenhou uma lei muito mais abrangente.

Adicionalmente, Ciro confunde totalmente a causalidade. Parece que considera que foi a legislação trabalhista da Alemanha que produziu os elevados salários do país. Não lhe ocorre que a produtividade no país é alta —bom ambiente institucional e escolaridade de excelente qualidade, entre tantos outros motivos— e que essa é a causa dos elevados salários. 

De fato, o produto por hora trabalhada na Alemanha em 2017, segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), foi de US$ 60 (R$ 236), US$ 3 (R$ 11,8) a menos do que o mesmo indicador para os EUA.

Ou seja, salários altos ou baixos resultam do fato de a produtividade do trabalho ser alta ou baixa. A legislação trabalhista ajuda (ou atrapalha) à medida que estimula (ou desestimula) a elevação da produtividade.

Surpreende também Ciro utilizar a Alemanha para criticar a reforma brasileira de 2016. Entre 2003 e 2005, a Alemanha implementou a reforma Hartz —Peter Hartz, diretor de recursos humanos da Volkswagen, foi chefe da comissão que desenhou as medidas— com inúmeras medidas que liberalizaram o mercado de trabalho alemão.

A natureza da reforma Hartz foi a mesma de nossa reforma de 2016: criaram-se outras figuras de contrato de trabalho assemelhadas ao contrato intermitente e temporário introduzido na reforma de 2016, além de a reforma alemã ter restringido os critérios de elegibilidade ao benefício do seguro-desemprego em prazo, valor e contrapartidas para o beneficiário.

Em reportagem de 1999, a revista The Economist se referia à Alemanha como a economia doente da Europa: baixo crescimento com elevado desemprego. O desemprego, após o pico de 11% em 2005, atingiu a mínima de 4% recentemente. 

No mesmo período, Itália, Espanha e França vêm lutando para reduzir suas taxas, que, apesar da queda recente, encontram-se em níveis muito superiores aos observados na Alemanha.

Estudo recente de meus colegas Bruno Ottoni (Ibre/FGV e Idados) e Tiago Barreira (Ibre/FGV) sugere que três reformas trabalhistas, que liberalizaram o mercado de trabalho em moldes semelhantes ao de nossa reforma de 2016, tiveram impactos significativos sobre a queda do desemprego, a elevação da população ocupada (PO) e o aumento da população economicamente ativa (PEA), isto é, ampliação da oferta de trabalhadores.

Bruno e Tiago estudaram a reforma Hartz na Alemanha, a reforma de Menem na Argentina, entre 1989 e 1990, e a reforma australiana de 1994. Compararam o ocorrido 12 anos após as reformas com um cenário contrafactual no qual elas não teriam sido implantadas. 

Os resultados indicaram que as reformas levaram a expressivas quedas das taxas de desemprego: de 3,4, 1,2 e 2,9 pontos percentuais, respectivamente, para Alemanha, Argentina e Austrália, a aumentos expressivos da PEA, de 6, 3 e 7 pontos percentuais, e da PO, de 10, 5 e 9 pontos percentuais.

Tudo indica que a nossa reforma de 2016 deixará saldo positivo, como foi o caso das outras. 

Ajustes podem ser necessários, mas o sentido geral da reforma de 2016 é amplamente positivo.

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Mercosul, Alca e Argentina: opções do Brasil - exchange Samuel Pinheiro Guimaraes (2002)

Mais de um ano antes das eleições de 2002, o então diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, ou já depois de ingloriosamente defenestrado do IPRI, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, costumava me remeter seus artigos para Carta Maior, pedindo comentários. Como nunca fui de desprezar a produção intelectual de amigos, sempre me esforcei para apresentar minhas observações críticas aos seus textos. O que vai abaixo é um exemplo, entre vários outros, de exchange a propósito de questões relevantes de políticas econômicas e de política externa do Brasil.
Talvez ele seja um, entre vários outros, que me colocaram na mira do futuro SG-MRE do governo Lula, a partir de janeiro de 2003, quando fui vetado pela primeira vez para exercer um cargo na Secretaria de Estado (haveria outros vetos, aliás durante os 13,5 anos do regime lulopetista).
Transcrevo primeiro o artigo de Samuel Pinheiro Guimarães, depois os meus comentários.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16 agosto 2018

A Argentina, o Brasil e o futuro do Mercosul 
Artigo para o site Carta Maior
www.agenciacartamaior.com.br <http://www.agenciacartamaior.com.br
Samuel Pinheiro Guimarães 
11 de janeiro de 2002.

1.         A violenta crise que ainda vive a Argentina não significa o fim do Mercosul e muito menos da Argentina. Esta crise já libertou a Argentina de um arcaico e engessante regime cambial e poderá ser a oportunidade para ela se desvencilhar da política de alinhamento político incondicional e do programa econômico concentrador e excludente patrocinado pelo FMI/EUA e assim reparar as ruínas sociais, econômicas e políticas, causadas por tal programa, executado por pró-cônsules nativos. É cada vez mais urgente repensar o Mercosul para além da reconstrução argentina, a partir de uma reflexão sobre as estratégias que possam retirá-lo do marasmo e do pântano de ressentimentos em que se tornou.

2.         A crise, que antes do acelerar da crise argentina, já atingia a Mercosul é apenas um reflexo das crises vividas nos países do Cone Sul. O lento crescimento da economia regional, a retração do comércio intrazonal, a profunda crise política e econômica na Argentina, a estagnação brasileira e os esforços frustrados de gerar superávits significativos, o desemprego e o deslocamento de setores industriais tendem a se agravar com a recessão sincrônica mundial e as consequências inibidoras dos atentados de setembro. 

3.         Mesmo antes da crise atual argentina, a situação econômica interna dos países do Mercosul levara à crise econômica do Mercosul que, por sua vez, fez ressuscitar e continua a estimular as rivalidades históricas de toda ordem. E coloca o projeto de integração regional sob grave risco, enfraquece o Cone Sul e sua capacidade de contribuir para organizar politicamente a periferia sul-americana diante da ação das estruturas hegemônicas de poder.

4.         Ao Brasil e à Argentina, todavia, continua a interessar a construção de um bloco econômico, político e militar que, fortalecendo sua estrutura econômica, permita a participação a médio prazo dos dois países no sistema internacional em grau de igualdade com Estados de semelhante potencial demográfico e territorial. Este objetivo somente será possível atingir abandonando a visão neoliberal do funcionamento da economia mundial e da economia nacional e restaurando a ideia-força do desenvolvimento com base no mercado interno, isto é, no pleno emprego dos fatores nacionais de produção e na geração e absorção de tecnologias adequadas à constelação de fatores dos dois países e do Cone Sul. 

5.         As estratégias que vêm sendo sugeridas para enfrentar a crise do Mercosul são de difícil execução em prazo adequado, algumas são inviáveis e outras podem até agravar a crise.

6.         A tentativa de organizar agências supranacionais e mecanismos efetivos de solução de controvérsias não resolve a crise do Mercosul e até a agrava. Apesar de a criação de agências supranacionais ou de mecanismos de solução de controvérsias serem, em teoria, aperfeiçoamentos institucionais, há uma insuperável dificuldade que as extraordinárias assimetrias territoriais, demográficas e econômicas entre os quatro Estados trazem para a definição democrática e equilibrada de sua representação nessas eventuais agências e mecanismos. E muito mais difícil se torna imaginar tais esquemas em situações de tão grave crise como esta que a Argentina ainda vive e continuará a viver durante algum tempo.

7.         A coordenação de políticas macroeconômicas através de consultas entre autoridades, ou de fixação de metas macroeconômicas comuns ou a criação de uma moeda única (que implica a organização de um Banco Central único) são medidas de longo prazo, inúteis até de imaginar quando até a coordenação interna, dentro de cada país, dessas políticas encontra sérias dificuldades. Na situação de grave crise externa e interna, imaginar que o abandono pela Argentina da paridade legal dólar/peso e a adoção de um sistema de câmbio duplo e até, eventualmente, flutuante, e como tal semelhante ao brasileiro viria a facilitar a adoção de uma moeda comum pelos países do Mercosul é simplesmente um profundo equívoco de avaliação e algo cujo grau de probabilidade é rigorosamente zero.

8.         As questões mais urgentes e decisivas no caso da Argentina, do Brasil e do Mercosul (a situação do Paraguai e do Uruguai são mera decorrência e incapazes de afetar o destino do bloco) são: o desequilíbrio estrutural das transações correntes; a dificuldade de expandir exportações para terceiros países; as tensões decorrentes dos deslocamentos econômicos de empresas e trabalhadores em um período de grave crise e a necessidade de promover o desenvolvimento industrial e abandonar a utopia retrógrada de criar uma sociedade moderna baseada em economias agroexportadoras.

9.         A situação argentina hoje leva a crer que a estratégia para sua superação exigirá uma profunda reestruturação do esquema do Mercosul. Portanto, surge a oportunidade para lançar as bases de um verdadeiro projeto de integração econômica e política que venha a ser o cerne da articulação de um polo sul-americano no sistema mundial de poder. É claro que a continuidade das negociações da ALCA faria malograr esta oportunidade. Com a ALCA, a América do Sul passará a fazer parte do território econômico norte americano e os Estados da região deixarão de poder fazer, de fato e de direito, políticas de aceleração do desenvolvimento, redução das disparidades internas e eliminação das vulnerabilidades externas.

10.       A evolução da situação argentina permite prever as seguintes etapas: 

a) a Argentina, em situação de moratória, não conseguirá atrair capitais de empréstimo ou investimentos diretos que permitam saldar os seus compromissos internacionais a curto e médio prazo; 
b) a atual política dos EUA /FMI não favorecerá mega operações de salvamento de investidores estrangeiros que, no caso da Argentina, são em número muito significativo europeus;
c) o Governo argentino terá de promover políticas internas de poupança e de investimento capazes de reduzir de forma significativa e rápida o desemprego e a percentagem da população abaixo da linha de pobreza, pois, caso contrário, o descontentamento popular se reacenderá; 
d) o Governo argentino terá de, nesse processo, proteger o seu mercado interno, promover investimentos de empresas e capitalistas argentinos e para tal terá de aumentar o grau de proteção da economia, aumentando suas tarifas;
e) o Governo argentino terá de fazer uma política comercial voltada para a geração de forte superávit comercial tendo em vista a impossibilidade de obter superávits significativos em outras rubricas do balanço de transações correntes (fretes, juros, turismo etc.);
f) esta política comercial terá de incluir necessariamente esquemas de subsídio às exportações e a elevação de tarifas que hoje são comuns com as do Brasil, do Paraguai e do Uruguai, na forma de Tarifa Externa Comum, do Mercosul;
g) o principal destino das exportações argentinas é o Brasil e, portanto, em condições de moratória internacional, difícil será para a Argentina fazer um amplo superávit comercial total, sem ter um superávit significativo com o Brasil;
h) a política comercial da Argentina procurará favorecer a transformação do Mercosul de união aduaneira (aliás, em extremo imperfeita) em uma zona de livre comércio, o que permitiria à Argentina alterar suas tarifas para terceiros países sem ter de atender às conveniências econômicas e comerciais do Brasil (e do Paraguai e do Uruguai).
i) como resultado oportuno e favorável ao Brasil, a política comercial argentina não poderá continuar a favorecer a constituição da ALCA, pois a ALCA destruiria qualquer possibilidade de construir um superávit significativo, além de impedir, de direito, as políticas comercial, industrial e tecnológica indispensáveis à reconstrução argentina e ao fim da instabilidade social e política que continua latente e passível de erupção.

11.       Para o Brasil, a estratégia adequada para contribuir para a superação da crise argentina está longe de se tornar elegante mediador entre o Governo argentino e o Fundo Monetário e os Estados Unidos, mas sim a de ser um defensor de políticas de desenvolvimento argentinas e de sua soberania. O Brasil não deveria insistir na manutenção do Mercosul como união aduaneira, mas aproveitar a oportunidade para transformar o Mercosul em verdadeiro projeto de integração econômica e política. Este projeto deve ter como base realista a atual zona de livre comércio aperfeiçoada, com mecanismos de equilíbrio e uma coordenação de políticas tarifárias naqueles setores de interesse vital de longo prazo para o Brasil, tais como bens de capital e informática. A possibilidade de estabelecer mecanismos de crédito recíproco amplos é indispensável para preservar o comércio bilateral. A possibilidade de operações de resgate da dívida no pulverizado mercado de títulos não deve ser descartada nem sua importância minimizada. A criação de mecanismos de compensação e de fundos setoriais de reestruturação, de programas comuns, em especial em áreas de tecnologia avançada e de exportações, e de programas comuns de investimentos estratégicos completariam o quadro econômico do projeto. Na esfera política, a oportunidade é única para estabelecer as bases de uma coordenação estreita, profunda e verdadeira entre o Brasil e a Argentina que fortaleça a atuação dos dois países nas negociações internacionais de toda ordem e na construção de um polo político sul-americano, não-hegemônico, em que o Brasil abra seu mercado sem reciprocidade a seus vizinhos, que possa preservar a possibilidade de desenvolvimento e de afirmação política do continente, evitando sua absorção em esquemas liderados pelas Grandes Potências, como é a ALCA. A atitude atual do Brasil será definitiva para que essas oportunidades possam se concretizar.

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Mercosul, Alca e Argentina: opções do Brasil
Comentários a texto de Samuel Pinheiro Guimarães

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 8 fevereiro 2002

-----Original Message-----
From: Paulo Roberto de Almeida 
Sent: Friday, February 08, 2002 16:30
To: 'samuelpgn@uol.com.br'
Cc: 'palmeida@unb.br'
Subject: Argentina, Brasil e futuro do Mercosul

            Meu caro Samuel,

            Tenho por você a maior admiração e apreço, intelectualmente, moralmente, como cidadão, como diplomata, como pessoa humana. O que não quer dizer que devamos concordar em tudo. Mercosul é um terreno de minha predileção, no qual coincidimos talvez em 90 p/c das recomendações, mas persistem algumas divergências que talvez sejam mais táticas do que estratégicas. Vamos portanto ao seu texto que requereu toda a minha atenção.
            Comento topicamente, parágrafo por paragrafo, que já estão numerados, e depois venho ao geral.
1. Concordo em que a crise permitira a Argentina se desvencilhar da camisa de forca da lei de conversibilidade, mas não acredito ser realista esse preconizado distanciamento dos EUA e do FMI: eles simplesmente não podem se permitir tal independência, pois não têm os meios e são e continuarão totalmente dependentes dos aportes financeiros de Washington nos próximos meses e anos. Sua linguagem é aqui muito dura, mas creio que você tem atualmente a liberdade para empregar palavras fortes (pró-cônsules). Não creio que haverá alinhamento incondicional, mas a dependência, isso sim, continuará. Portanto, minha única observação seria essa. Não seria o caso de agregar uma frase do tipo?: "ainda que tal independência fosse recomendável, não seria realista esperar o distanciamento da Argentina dos Estados Unidos nos próximos meses e mesmo anos, em virtude da situação de extrema fragilidade financeira e de dependência efetiva em relação ao dinheiro de Washington."
            
2. Eu diria que a crise  antes de Cavallo não era propriamente do Mercosul, mas dos países membros: Brasil, Argentina tinham suas próprias crises. Ela so se tornou do Mercosul quando Cavallo começou a adotar medidas frontalmente contrarias ao espirito da UA. Concordo que havia muita fricção anteriormente, e mesmo desrespeito as normas, mas nada de muito grave. Cavallo representou uma contestação conceitual, filosófica aos fundamentos essenciais do Mercosul. Fiz esse tipo de analise num artiguinho inédito que não publiquei, pois não deixaram (quando o Lampreia aderiu às teses “cavallinas” em setembro passado). Depois incorporei num texto maior que mando em anexo.

3. Eu não acredito que a crise, dos países membros ou do Mercosul, tenha ressuscitado as rivalidades históricas de toda ordem como você diz. Isso simplesmente não existe. Não podemos tomar declarações esparsas de homens políticos como demonstrativo de um revivalde eras passadas. Por outro lado, falar em "organizar politicamente a periferia sul-americana" me revela uma atitude semi-imperial que condenamos no Big Brother e não acredito que ela beneficie o Brasil no subcontinente. Podemos até ser líderes, mas não deveríamos proclamar isso. Organizar periferia soa como arrogância imperial...

4. Abandonar a visão neoliberal pode até ser (ainda que eu ache que o neoliberalismo é mais proclamado do que praticado; eu fiz um texto sobre isso que mando agora), mas achar que a "ideia-força do desenvolvimento com base no mercado interno" vai resolver os problemas econômicos imediatos, isso para mim é muito otimismo. Um projeto de longo prazo ou pelo menos de efeitos delongados não pode servir de paliativo para os problemas do presente.

5. Concordo e se trata de simples constatação, mas o parágrafo não traz propostas concretas, ou seja não é substantivo, meramente indicativo de algo que não sabemos o que é.

6. Concordo totalmente, mas creio que a supranacionalidade nem está em causa no momento, entre os países membros, sendo um punhado de juristas acadêmicos que a defendem. O Uruguai e Paraguai defendem o tribunal permanente e eu concordaria com a ideia de uma corte arbitral "permanente" (com árbitros à disposição, por períodos rotativos de 3 a 4 anos) para julgar rapidamente os casos. Seria um pequeno grão de "supranacionalidade" numa estrutura que para mim deve permanecer intergovernamental pelo futuro previsível.

7. Concordo também, e nenhum dirigente realista está advogando a moeda única agora, mas creio que os similares de critérios de Maastricht (que já existem parcialmente, desde Florianópolis) podem começar a ser monitorados em escala nacional para a futura coordenação quadrilateral. Mas não morro pela União Monetária do Mercosul...

8. A constatação econômica é realista, mas não concordo em que uma forte economia agroexportadora seja uma utopia retrograda. A agricultura hoje é uma grande indústria, mais, ela combina serviços, software, biotecnologia, marketing, financiamento, tudo, e muito mais que fazem dela uma atividade essencialmente moderna e avançada. Concordo em que a elasticidade-renda (menor de um) não recomenda uma estratégia exportadora baseada em agro como NORMA GERAL, mas o Brasil tem chances únicas de aumentar rapidamente exportações nessa área substituindo outros fornecedores e deslocando competidores. Isso podemos fazer. Sou consciente do protecionismo, mas isso não pode demover-nos de explorar nossas vantagens comparativas que neste caso são totalmente dinâmicas....

9. A superação da crise argentina depende quase que inteiramente deles, não do Mercosul. Podemos ajudar, e eu seria favorável a que o Brasil estendesse uma linha de credito de 1 bi para mover os negócios novamente. Mas o essencial tem de ser feito por eles. Será duro, muito duro, mas o papel do Mercosul tem de ser outro, situado mais no terreno politico-diplomático (e estratégico-hemisférico) do que no campo econômico financeiro.

10. Concordo com algumas ideias, mas sou cético em relação à recomendação f), de subsidio as exportações e de elevação de tarifas (de quem, dos países membros, como hoje, ou da TEC?). Não sei se eles insistirão, como fazia Cavallo, com h), isto é, transformar o Mercosul de UA em ZLC. Eles precisam do Brasil e farão o que nós queremos e portanto não posso concordar também com o que vem em 11.

11. Discordo radicalmente, fundamentalmente da ideia de abandonar a UA, e isso não por motivos estritamente econômicos, mas por razoes de processo diplomático/negociatório nos próximos anos. Sou favorável a manter a UA pelo menos ate 2005. Sou favorável a iniciar desde já uma reflexão com os argentinos para mudar o Mercosul, quem sabe até permitindo a saída da UA e a volta a uma ZLC, a partir de uma conferencia diplomática no final de 2004 (que nós coordenaríamos), como está indicado (mas ainda não desenvolvido) no meu trabalho 811 que segue anexo. Nos simplesmente não podemos ficar sem a UA agora, pois isto significaria uma ordem dispersa no Mercosul e a fraqueza frente ao Império (além de impossibilitar negociações com a UE). CONCORDO TOTALMENTE em que a gente abra o nosso mercado sem reciprocidade (o que a UA do Mercosul atrapalha um pouco reconheço), pois esta é a garantia da Alcsa, que precisaríamos ter (mas sou cético porque a CAN e' uma bagunça monumental, e vão ceder ao Império no primeiro aceno).
            Formalmente esse paragrafo esta muito longo e deveria ser dividido nas questões financeiras, comerciais, de politicas setoriais, diplomacia etc.

            Meu caro Samuel, tenho algumas ideias a respeito do Mercosul, mas seria difícil expô-las agora. Ainda não coloquei no papel essas ideias, inclusive porque não me deixariam publicar. Mas gostaria de debater com você. 
            Estou indo ao Brasil em março, segundo o roteiro anexo. Podemos sentar e conversar?
            Eu até coloquei, tentativamente, uma palestra na FGV, Palestra:
"Alca, OMC e negociações comerciais: desafios para o Brasil" ??, mas estava justamente querendo falar contigo. 
            Abração,
Paulo Roberto de Almeida
Minister Counselor
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segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Visita do Min. da Defesa-USA ao Brasil: influencia da China? Qual influencia da China?

Paranoia correndo solta por aí...

No Brasil, chefe do Pentágono busca conter influência militar da China

Visita de secretário de Defesa é permeada por incômodo dos EUA com alta nas atividades de Pequim com países na América do Sul 

por Henrique Gomes Batista, enviado especial*

James Mattis é fotografado no exterior do Pentágono: visita estratégica ao Brasil - MARK WILSON / AFP
WASHINGTON E BRASÍLIA - A crescente influência não só econômica, mas militar da China na América Latina marca o início da primeira viagem de James Mattis, o secretário de Defesa dos Estados Unidos, à América do Sul. Com a visita que começa em Brasília, ele encontra uma região muito diferente da existente em 2014, quando Chuck Hagel foi o último chefe militar americano recebido na América do Sul.
Os asiáticos já contam com uma base de monitoramento de satélites na Argentina e negociam o fornecimento de insumos à indústria bélica brasileira. Embora oficialmente o objetivo da viagem a Brasil, Argentina, Chile e Colômbia seja reforçar laços com parceiros históricos, o debate sobre Pequim esteve presente já de cara.
— Temos visto China e Rússia atuando dentro da América Latina. Existe mais de uma maneira de perder soberania no mundo. Isso ocorre não apenas com a violência, pode ser com presentes e grandes empréstimos — afirmou Mattis a jornalistas que o acompanhavam em seu voo a Brasília, quando disse que quer países “livres, democráticos e independentes” no continente. — Eu não estou olhando o que as outras nações fazem como algum tipo de ataque contra nós. Estas são decisões soberanas, e eu somente me preocuparia se estes países (latino-americanos) estiverem perdendo certo grau de soberania por causa das decisões próprias ou de outras nações.

Mas o alinhamento ideológico dos principais países da região pode ajudar os Estados Unidos a reafirmarem sua influência, se Mattis conseguir avançar em propostas concretas de parcerias, compras e desenvolvimento tecnológico. O apelo pelos laços históricos esteve presente na conversa que ele manteve na viagem de Washington a Brasília. 
— Não estou interessado em reconquistar o controle destes países (da América do Sul) pois acredito que isso nunca existiu. Eu acredito na parceria, e não em controle — garantiu. — Mas citando a Argentina, gostaria de lembrá-los de quem os ajudou quando eles tiveram o submarino desaparecido (no fim do ano passado): os americanos. Fomos os mais rápidos e com a melhor tecnologia do mundo, agimos da mesma forma que se este fosse um submarino americano.
A maior prova desta influência chinesa está na Patagônia. O país asiático tem em Quintuco, na província de Neuquén, uma estação para controle de satélites e missões espaciais. A base, que começou a operar em março e oficialmente não tem fins militares, é vista com desconfiança pelos americanos. Herança dos anos de Cristina Kirchner no poder, a instalação foi negociada em segredo com Pequim e causa estranhamentos na relação bilateral entre Buenos Aires e Washington.

domingo, 5 de agosto de 2018

Marcos Troyjo: o Brasil precisa se inserir na economia global (IstoE)

MARCOS TROYJO, ECONOMISTA E CIENTISTA POLÍTICO  
O mundo está dando uma nova chance ao Brasil
Entrevista
MARCOS TROYJO, ECONOMISTA E CIENTISTA POLÍTICO
O mundo está dando uma nova chance ao Brasil 
Marco Ankosqui

Germano Oliveira
IstoÉ, Edição 03/08/2018 - nº 2537

O economista e cientista político Marcos Troyjo, professor da Universidade Columbia, em Nova York, avalia que o Brasil já teve inúmeras oportunidades para desenvolver sua economia e obter papel de destaque no comércio internacional, mas desperdiçou a maioria delas, sobretudo por não realizar reformas estruturais que tornassem o País mais atraente aos investidores estrangeiros, que hoje dispõem de enormes recursos para aplicar em países emergentes. Uma dessas oportunidades perdidas, segundo ele, aconteceu no governo Lula, período no qual as commodities agrícolas viveram um momento amplamente favorável, mas o petista preferiu adotar políticas populistas e protecionistas que afastaram grandes investimentos. Agora, contudo, de acordo com Troyjo, o mundo está dando “uma nova chance ao Brasil”, mas adverte:“o País não pode eleger um presidente que defenda o nacional-desenvolvimentismo como alternativa, como é o caso do PT, PCdoB, PSol e, às vezes, Ciro Gomes”. Especialista em política externa, Troyjo está finalizando o livro “Choque de Globalizações: o Brasil em Busca da Grande Estratégia”, que chega às livrarias em outubro.

O senhor diz no seu livro que a globalização vem perdendo força, sobretudo por causa do crescimento do populismo e da intolerância no mundo. Como isso está se dando?
Quando acabou a guerra fria, a queda do muro de Berlim e o fim da União Soviética, o mundo foi tomado de um grande entusiasmo no início da década de 90, com a vitória do Ocidente, dos países mais democráticos, com economias abertas, prevalecendo o livre mercado. Desse período até a grande crise do Lehman Brothers em 2008, vivemos um processo de globalização profunda. De 2008 para cá, os sinais se inverteram. O clima de livre comércio foi substituído por sinais do protecionismo e pelo mundo do cada um por si, devido ao populismo e intolerância. Eu chamo esse período dos últimos dez anos de desglobalização. O comércio internacional, por exemplo, começou a cair. A livre circulação de bens e de serviços, também começaram a cair. E ao mesmo tempo aumentaram as restrições no intercâmbio de universidades, no mercado de trabalho.

O que a desglobalização está provocando de malefícios para a humanidade?
Estamos tendo uma perda de eficiência da economia muito grande. Num momento em que uma empresa como a Starbucks tem que comprar o papel que envolve os canudinhos de uma fábrica em Ohio, em vez de comprá-los em uma fábrica na Tailândia, por uma fração do preço que paga nos Estados Unidos, isso gera desemprego no local onde anteriormente a empresa tinha sua operação. E isso onera a plataforma de custos das empresas, afetando seu balanço patrimonial. Na última sexta-feira 27, quando se anunciou o PIB americano, de 4,1% de expansão no trimestre, todo mundo ficou de olho arregalado, mas as bolsas caíram. E não foi só por causa do efeito das ações do Facebook e Twitter. Mas também porque há a idéia de que haverá uma adequação do PIB americano por conta da guerra comercial desenvolvida por Trump e essa é uma das facetas da desglobalização. Com a guerra comercial que vem por aí, quem perde mais são os países que tem grandes empresas transnacionais e nenhum país tem tantas empresas transnacionais como os EUA.

O senhor diz ainda no seu livro que o Brasil também teve um grande um ciclo populista e protecionista. Como foi esse processo? 
Tivemos um ciclo populista e protecionista de 2003 a 2016, durante os governos do PT. E por que esse período foi lamentável? Em primeiro lugar, porque o mundo esteve muito bom para o Brasil e não se aproveitou as chances que nos foram dadas. Se levarmos em consideração o grande ciclo favorável das commodities, os grandes estoques de liquidez disponíveis no mundo para serem aplicados em países com pouca poupança, como era o caso do Brasil, e também as vantagens comparativas que temos em produtos como a soja, poderíamos ter aproveitado esse vento de cauda para ter feito as reformas estruturais e nós não as fizemos. E não fizemos por quê? Porque o governo teve a sensação de que os bons tempos iriam perdurar para sempre. E isso fez com que os governos petistas não mexessem em problemas cruciais, como a Previdência e as questões trabalhistas, o que nos deixou em continuado atraso, vivendo esse grande ciclo populista.

E o ciclo protecionista?
Também durante os governos petistas vivemos o renascimento das antigas teses de substituição de importações, com a idéia de desenvolver uma cadeia de produção vertical em todo o território nacional e que, para isso, deveríamos dar incentivos aos chamados campeões nacionais. O Brasil voltou a adotar uma estratégia econômica parecida com a que foi adotada nos anos 40 ou 50, ou mesmo no período nacional-desenvolvimentista do regime militar. É muito parecida a filosofia econômica do PT com a adotada pelo governo militar. E um dos legados disso foi ver como o Brasil diminuiu sua participação no fluxo do comércio internacional. Tudo o que o Brasil exporta e importa — e que chegou ser de 2,5% do comércio mundial — agora é de 1%. Se fizermos uma radiografia do nosso comércio, vamos perceber que tudo o que o Brasil importa, somado ao que exporta, dá 22% do nosso PIB. Das 15 maiores economias do mundo, é o menor contingente em relação ao PIB.

O período petista representou, então, um retrocesso?
Foi uma oportunidade desperdiçada. Deveríamos ter feito as reformas internas e, sobretudo, a reforma na nossa inserção internacional. Reforma que levasse nosso comércio ao patamar de 35% a 40% do PIB, com a adoção de uma política voltada para a ampliação das exportações e importações, assinando novos acordos comerciais.

Dos candidatos a presidente que estão aí, quem ameaça o nosso melhor desempenho internacional?
Quem continua defendendo o nacional-desenvolvimentismo como alternativa é o PT, PCdoB, PSol e às vezes Ciro Gomes, que tem um discurso um pouco pendular. A não ser que ele esteja utilizando a estratégia do violino: pega com a esquerda, mas toca com a direita. Já o Meirelles, o Alckmin e o Bolsonaro/Paulo Guedes, têm adotado uma retórica mais liberal de inserção internacional. Eles entendem melhor as necessidades do dinamismo do nosso comércio.

O senhor afirma que, além dos Estados Unidos na era Trump, também a Europa tem se tornado mais protecionista. De que forma isso está acontecendo?
O protecionismo da Europa é mais sofisticado. As tarifas na União Européia até estão caindo, mas eles têm muitas barreiras fitossanitárias e barreiras técnicas, que acabam funcionando como protecionistas. Vou dar um exemplo. Exportação de carne de gado. Eles exigem a rastreabilidade, desde o momento do nascimento do animal, com chip subcutâneo, para o acompanhamento em real-time da sua saúde. Fazem exigências enormes. Ou então eles dão subsídios para seus produtores e isso torna os produtos dos concorrentes quase que inviáveis.

Nos próximos dois anos e meio, essa guerra travada por Trump trará mais benefícios do que malefícios para o Brasil

O senhor avalia que a tendência é da China se tornar a maior economia do mundo, superando os EUA. Então o Brasil deveria se aproximar ainda mais da China?
Já estamos muito próximos da China. É o nosso principal parceiro comercial e provavelmente vamos fechar 2018 com exportações para a China que representam quase o dobro das nossas exportações para os EUA. Para a China, vendemos muita soja, minério de ferro, petróleo. Mas é importante perguntar para os candidatos a presidente que estão aí qual é sua política para a China? Além de parceiro comercial, a China cada vez mais é fonte de investimento estrangeiro direto. Nesses processos de fusões e aquisições, os chineses estão comprando muita coisa no Brasil. Ainda é um dos poucos países do mundo que podem atuar como fonte de empréstimo governo a governo, porque isso quase não existe mais no mundo. Existia nos anos 70 e 80, quando o governo americano e o governo japonês faziam empréstimos-ponte. Isso só os chineses fazem hoje. E como os chineses precisam ter garantias para seu processo alimentar, é natural que seus investimentos também venham mais para o Brasil. Os candidatos a presidente precisam saber lidar com a China.

Um dos legados da política nacionalista dos governos do PT foi ver que a participação do Brasil no comércio mundial caiu de 2,5% para os atuais 1%

Nessa guerra comercial que os EUA começam a fazer, o Brasil pode sair como perdedor?
Pelo contrário. Nos próximos dois anos e meio, a guerra comercial travada pelo Trump trará mais benefícios do que malefícios para o Brasil. Trará benefícios porque hoje os chineses compram R$ 14 bilhões por ano em soja dos EUA. E se os chineses retaliarem os americanos na soja, o produto tem que ir de algum lugar. E pode ser do Brasil e da Argentina.

Então os cenários são favoráveis ao Brasil?

O mundo não está ruim para o Brasil. Há uma demanda aquecida por commoditeis e há um grande estoque de dinheiro no mundo sedento por aplicações em mercados emergentes. Os grandes centros internacionais de liquidez, como China, Japão e países Árabes, querem diversificar seus investimentos. Temos espaço agora para correr atrás na atração desses capitais. Provavelmente, teremos que intensificar nosso processo de privatizações e de projetos de parcerias-público-privadas. Uma das características umbilicais desse nocivo processo de desenvolvimento nacionalista do governo petista entre 2003 e 2016 foi a de cultivar a idéia de que poderíamos fazer tudo por meio da liderança do Estado.

O que o novo presidente pode fazer para melhorar a inserção do Brasil no comércio internacional?
É indispensável uma maior promoção do Brasil no exterior. Nossa presença física em vários mercados é inadiável. Ter agências de promoção de negócios em Cingapura, Xangai, Londres. Poderíamos aproveitar melhor nosso patrimônio no exterior. O Brasil tem um imóvel gigantesco em Nova York, na rua 79. E para o que serve aquilo? Para o embaixador dormir. A embaixada deveria ser uma agência de promoção do Brasil.

E não podemos repetir erros do passado, certo?
O mundo está, mais uma vez, dando uma chance para o Brasil. O que poderia ser negativo, como a guerra comercial, nos dará oportunidades para novos negócios. Eu não digo que estamos entrando num dia de sol perfeito, mas estamos com boas chances de crescer no comércio internacional e alavancar nossa economia. Já tivemos várias oportunidades e perdemos quase todas. Vamos perder mais uma chance ou vamos aproveitar que nossas commodities serão valorizadas e que há um grande volume de recursos para investir nos países emergentes? Não podemos perder essa nova chance.

sábado, 28 de julho de 2018

Brasil: uma tragedia no quesito liberdades econômicas - Robert Lawson

Brasil é uma tragédia quanto à liberdade econômica

Diretor do O’Neil Center For Global Markets and Freedom diz que País fez muito pouco para liberalizar a economia

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Na 150ª posição de um ranking que avalia a liberdade econômica de 159 países, o Brasil, apesar de ser menos fechado do que há algumas décadas, fez, historicamente, pouco para liberalizar a economia. A consequência disso é conviver com taxas de crescimento mais baixas. Essa é a avaliação do Diretor do O’Neil Center For Global Markets and Freedom, Robert Lawson.
Em entrevista para o UM BRASIL, realizada em parceria com o Centro Mackenzie de Liberdade Econômica (CMLE), Lawson afirma que o País é um dos mais avessos à abertura da economia e à redução da interferência do Estado na sociedade.
“O Brasil é uma tragédia em vários aspectos. Enquanto a maior parte do mundo está se liberalizando radicalmente, o Brasil apenas continua o mesmo. Tem alguns altos e baixos, mas, em relação ao resto do mundo, as coisas parecem não mudar tão rápido no País”, afirma. “Praticamente o mundo todo se moveu na direção de menos impostos, mais privatizações, negócios mais livres, e o Brasil fez muito pouco disso”, completa.
O coautor do Índice de Liberdade Econômica Mundial (World Economic Freedom Index), do Fraser Institute, explica que “liberdade econômica é a liberdade de gerir a sua vida econômica sem a interferência de outras pessoas” e que o índice mede “o quanto as pessoas são livres para viver suas vidas sem interferências”.
Nesse sentido, apesar de argumentar que o Estado deve prover segurança, um sistema legal justo e realizar investimentos, Lawson diz que “o maior violador da liberdade econômica das pessoas é o governo”. “O que descobrimos e o que nos preocupa é que quando o governo faz demais dessas coisas, quando cobra impostos demais, quando faz regulações demais, ele pode tornar nossas vidas piores”, salienta.
Com base nos dados que apontam Hong Kong, Singapura e Nova Zelândia na liderança – e a Venezuela na última posição –, em termos de liberdade econômica, o doutor em Economia pela Universidade Estadual da Flórida (EUA) ressalta que, contrariando o senso comum, quanto mais livre for o país, mais seguro ele será. “São os países menos livres que têm mais inseguranças. Eu acho que há um mito em que as pessoas acreditam sobre como a liberdade funciona. Parece mais arriscado, mas, quando você olha para os dados, as pessoas mais livres não são as mais inseguras. Na verdade, é o contrário.”
Lawson comenta que, em geral, os países que mais se liberalizaram foram recompensados com taxas de crescimento mais elevadas. Além disso, defende que o nível de liberdade de uma nação deve ser decidido pela sociedade, e não imposto por um governo autoritário.
“Eu acho que tem a ver com o coração e a mente das pessoas. Quero dizer, os políticos fazem o que as pessoas os elegeram para fazer. Se nós elegermos políticos para aumentar impostos, eles vão aumentar impostos. Se nós elegermos políticos para privatizar estatais, é isso que eles vão fazer”, reitera.
Importante: As opiniões contidas neste texto são do autor do blog e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney.

sábado, 21 de julho de 2018

Licoes da Australia para o agro brasileiro - Marcos Sawaya Jank

Lições da Austrália para o agro brasileiro

Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 21/07/2018

Marcos Sawaya Jank (*)

Temos muito a aprender em organização, regulação, comunicação e presença internacional.

Estive recentemente na Austrália, um dos países com os quais mais temos a aprender na área de organização de cadeias produtivas, regulação adequada e política comercial competente.

Apesar de ser o sexto maior país em área do mundo, logo atrás do Brasil, a Austrália padece de um imenso déficit hídrico. Ela se posiciona entre os países mais áridos do planeta, além de ser vítima frequente das mudanças do clima e de eventos extremos. 

Sem água para expandir a produção agropecuária e com um mercado interno bastante limitado (o país possui apenas 25 milhões de habitantes), a Austrália decidiu investir na organização das suas cadeias de commodities, buscando adição de valor e diferenciação no exterior.

Para começar, o país assinou dezenas de acordos comerciais que cobrem virtualmente toda a sua pauta exportadora, principalmente na Ásia, garantindo acesso privilegiado e menores problemas e surpresas.

A Austrade, agência de promoção de comércio e investimentos semelhante à nossa Apex, tem 83 escritórios no exterior, dos quais 48 apenas na Ásia.

No agronegócio, chama a atenção a sólida cultura enraizada no governo e no setor privado em temas como qualidade e segurança do alimento, rastreabilidade, inovação e capacitação. São notáveis o sistema de classificação e tipificação de produtos e o trabalho subsequente de marketing e fixação da marca-país. Isso dá à Austrália uma alta reputação e credibilidade principalmente na Ásia, traduzida em maiores preços dos produtos vendidos.

No setor privado, a organização da cadeia das carnes vermelhas é um bom exemplo. A principal organização do setor —a Meat and Livestock Australia (MLA)— tem um orçamento anual de US$ 154 milhões (R$ 585 milhões), dos quais US$ 40 milhões (R$ 152 milhões) bancados pelo governo, para serem gastos basicamente com programa de inovação tecnológica no país e de comunicação no exterior. A entidade já montou sete escritórios no exterior.

Sem poder contar com a opção confortável de um grande mercado doméstico e tendo de encarar custos mais elevados em razão da carência de água e de mão-de-obra do país, a Austrália não pode falhar na consistência das suas exportações.

O sistema de vigilância para evitar a entrada de doenças no país é sofisticado e eficaz, visível para qualquer um que desembarca nos aeroportos do país.

A legislação sanitária é simples e objetiva, focada nas necessidades dos reguladores e dos clientes do exterior. No Brasil, a legislação sanitária é ultrapassada (data dos anos 1930!), complicada e engessada, sendo que muitos agentes e empresas não conhecem o ambiente regulatório e as exigências do mercado externo. Não são raros os casos em que as respostas que são dadas não atendem ao que foi pedido no exterior.

É quase um milagre termos chegado a quase US$ 100 bilhões em exportações no agronegócio brasileiro, sem contar com o suporte de acordos comerciais, sem logística adequada, com legislações anacrônicas e presença ínfima no exterior. O que nos salvou foi a disponibilidade de recursos naturais do Brasil, aliada ao desenvolvimento tecnológico e, principalmente, à bravura dos agricultores e das agroindústrias que desbravaram os nossos trópicos. 

Mas nos quesitos organização, regulação, comunicação e presença internacional temos muito a aprender com países como a Austrália.

(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.

Ensaios de grande estrategia brasileira - João Paulo Soares Alsina Jr.

Valendo-se da experiência adquirida no Itamaraty e no Ministério da Defesa e de quase 20 anos de estudos sobre o tema, João Paulo Alsina Jr. oferece aos leitores um diversificado painel sobre o conceito de grande estratégia, o sistema internacional de segurança, o caráter da guerra contemporânea, as operações de paz da ONU e o modelo de recrutamento militar brasileiro. Ensaios de grande estratégia brasileira reúne cinco capítulos sobre a articulação entre as políticas externa e de defesa do país, em que o autor enfatiza a necessidade inadiável de retirar o Exército do pântano da segurança pública, condição sine qua non para implementar uma grande estratégia coerente - e para enfrentar de maneira efetiva a ameaça do crime organizado. Este livro será de grande valia para todos os interessados em política externa, defesa, segurança internacional, história e ciência política, bem como para qualquer cidadão preocupado com o futuro do Brasil.

Minha transcrição de alguns trechos da Introdução do Autor: 

       “Esse texto inédito reflete, indiretamente, a perplexidade do autor diante da catástrofe que se abateu sobre o país nos últimos anos, reveladora de um estado de putrefação civilizacional sem paralelo em nossa história. A aterradora idiotizacão de nossa suposta elite cultural, produzida pela universidade brasileira ao longo de muitas décadas, está na base desse processo, razão pela qual torna impossível compreender o surrealismo nosso de cada dia sem referência ao quadro mais amplo que o engendrou. (...)
Sem que se proceda à discussão dessas mazelas primordiais, uma tão improvável quanto imprescindível reforma do modo brasileiro de estar no mundo não se materializará. Ao fim e ao cabo, novas aberrações serão criadas, talvez ainda mais nefastas do que as atuais. Roberto Campo afirmava que o Brasil ‘não perde oportunidade de perder oportunidades’. Talvez fosse o caso de não perder a oportunidade de apontar a oportunidade única que se apresenta com uma crise de tamanha envergadura. São nas crises que os indivíduos têm a chance de abandonar a complacência, de colocar em causa percepções longamente sedimentadas, de buscar a verdade sem o temor do ostracismo. A circunstância dos dias que seguem favorece a renovação, mas para tanto é preciso o diagnóstico correto e coragem moral para mudar. O indispensável senso de proporção, artigo raríssimo em nossas plagas, somente poderá ser reconstruído se formos capazes de recuperar o que de melhor o Brasil produziu no passado, e de acrescentar a esse patrimônio novos elementos que corrijam mazelas históricas.
Mais do que qualquer coisa, faz-se necessário questionar incisivamente as práticas recentes em todos os domínios da vida em sociedade – única forma de reverter o acelerado processo de decadência e de esgarçamento do tecido social. Somente no contexto de uma retomada vigorosa da modernização – de escopo igual ou superior em profundidade à restauração Meiji ou à fundação da Turquia liderada por Kemal Ataturk no pós-Primeira Guerra – poderá o Brasil aspirar a um futuro menos soturno. Evidentemente, a modernização não poderá seguir os moldes do modernismo nacional, que se transformou em uma tradição conservadora e deletéria – a despeito, ou talvez em função, da sua retórica de ruptura e emancipação. Se o mito modernista, associado ao mito revolucionário (ambos mediados pelos indivíduos que deles se nutriram), nos trouxe ao estado de coisas atual, caberia admitir que uma mudança qualitativa da nossa visão de mundo encontra-se dependente de duas tarefas prévias. A primeira, refere-se ao questionamento dos aspectos nefastos da cosmovisão reformista-revolucionária. A segunda, tem a ver com a criação de novos consensos virtuosos, menos dissociados da verdade e mais tendentes a fundamentar valores positivos: religiosidade tolerante, trabalho, honestidade, amor ao conhecimento, busca da verdade, solidariedade, patriotismo, apreço pela ordem, respeito ao mérito, autonomia do indivíduo em relação ao Estado, intolerância ao crime, universalismo na aplicação da lei, etc.
Ao contrário do que alguns querem fazer crer, os problemas atuais não têm a ver fundamentalmente com questões econômicas ou políticas. Trata-se de algo mais profundo e alarmante: uma crise multidimensional, que explicita a defasagem radical entre a mundivisão dominante, as elites do Brasil e as demandas da contemporaneidade. Esse fenômeno não diz respeito tão somente à obsolescência da base industrial ou à putrefação do sistema de educação – sequestrado ideologicamente pelo que há de mais retrógrado. Para onde se olhe, o observador encontrará atraso, corrupção, desalento, imobilismo, violência. Se é certo que essa não é uma tendência transversal – a justiça brasileira, apesar de suas carências e contradições, vem dando demonstrações de que pode agir de modo republicano –, parece igualmente correto afirmar que somente uma reforma em regra das nossas instituições e da nossa maneira de estar no mundo poderá reverter o processo de degeneração da vida coletiva no país.
A questão da grande estratégia brasileira encontra-se dependente desse processo de reforma, sempre penoso e repleto de obstáculos impostos pelo subdesenvolvimento – entrincheirado nas mentes de indivíduos que ocupam posições-chave na sociedade, o que apenas torna mais complexa a superação das redes de interesses materiais vinculados ao atraso. O pacto da mediocridade que prevalece na administração dos negócios do Estado, particularmente no tocante à gestão da política de defesa e à inércia de uma retórica de política externa castradora e derrotista, não nos permite antever que seja viável articular, de modo coerente, política, economia, poder militar e inteligência em prol dos interesses nacionais. Interesses, aliás, que são cada vez mais diluídos em função de um duplo cerco, representado pela adesão irrefletida de parcela das elites brasileiras ao globalismo e pela desorganização crescente de um aparato estatal assolado por níveis assustadores de entropia.
Nesse contexto, pensar a grande estratégia do país torna-se ainda mais relevante. Se a crise do presente vier a ser superada em bases sólidas, ela o será a partir de uma mudança de mentalidades que valorize o conhecimento e aqueles que o produzem de maneira séria e responsável. Nunca é demais enfatizar o quanto o proverbial desprezo brasileiro pelo estudo laborioso, baseado em um pragmatismo oportunista e acéfalo, prejudica, ou mesmo impossibilita, a obtenção de massa crítica indispensável à resolução de problemas.”

Retomo (PRA): 
Um livro que precisa ser lido não apenas por diplomatas e militares, mas por todos os brasileiros, em especial aqueles que pertencem (ou julgam pertencer) às elites do país (econômicas, políticas, os mandarins do Estado, etc.).
João Paulo Soares Alsina Jr. é um grande intelectual, um dos maiores que conheci na carreira diplomática.

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 21/07/2018

Outros livros do autor: