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terça-feira, 26 de março de 2024

Acabou o “milagre” chinês? Assim é, se lhe parece… - Carlos Góes (O Globo)

 Não há “milagre” que dure para sempre; ou melhor, o ritmo do crescimento econômico é sempre mais alto em economias que saem de muito baixo (mas com politicas corretas); depois fica mais difícil. Mas tem muito país pobre que permanece estagnado na pobreza, alguns até recuam, pois são ditaduras predatórias. Acontece até com quem era rico. Venezuela, por exemplo!

Carlos Góes - O fim do milagre chinês?

O Globo, 23/03/2024

Talvez você tenha lido alguma notícia sobre a crise migratória na fronteira dos Estados Unidos com o México. Mas eu duvido que o leitor consiga adivinhar a nacionalidade que teve mais crescimento no número de detenções migratórias: os chineses.

Ao fim de 2023, o número de imigrantes chineses detidos na fronteira era quase 600% maior do que no mesmo período do ano anterior. Mas como há um crescimento percentual tão forte no número de pessoas que estão saindo de um país que está a 11 mil quilômetros para imigrar por terra? Eu, que moro nesta fronteira, também me fiz essa pergunta.

Quase todos eles, ao cruzar, pedem asilo político — e vão ter seu caso julgado pelas autoridades migratórias. Mas os chineses, vindo de uma ditadura, têm uma probabilidade muito maior de sucesso em seus casos. Em 2021, 17% dos pedidos de asilo de mexicanos foram aceitos. Entre os salvadorenhos, o percentual sobe para 28%. Entre chineses a taxa foi de 81%.

A probabilidade de sucesso torna a arriscada viagem um pouco mais atrativa. Para muitos deles, ela começa no Equador (país que não exige visto para chineses) e segue por terra cruzando Colômbia, América Central, até a fronteira Norte do México.

Existem fatores políticos e tecnológicos que podem ajudar a explicar esse incremento no fluxo.

Há um aumento na repressão política. Políticas recentes incluem interferências sem precedentes em universidades, prisão de advogados de defesa e repressão a protestos em províncias como Hong Kong. Ao mesmo tempo, à medida que as tensões entre EUA e China têm aumentado nos últimos anos, o acesso a vistos de turismo para chineses tem se tornado mais limitado.

Na esfera tecnológica, a conhecida censura do governo hoje tem implementação mais difícil. Com o uso de softwares de redirecionamento de rede, muitos chineses têm acesso à mídia social ocidental. Entre aqueles que chegaram nos Estados Unidos, muitos relataram ter aprendido sobre o trajeto da viagem no Instagram e no TikTok (ou seus equivalentes chineses).

Igualmente importante, há muitos fatores econômicos que ajudam a explicar esse tipo de fluxo migratório. Durante décadas, nos acostumamos a ver a economia chinesa crescendo a 10%. Mas a partir da década passada, a trajetória começou a arrefecer, com taxas rondando os 6%. Recentemente, o crescimento chegou a ficar abaixo dos 3% e o FMI prevê que nos próximos anos deve ficar entre 3-4%.

Como consequência, as projeções futuras de quando a economia chinesa ultrapassará a americana têm sido revisadas para o futuro. Por exemplo, em 2021 o FMI previa que a economia chinesa seria, no ano passado, 76% do tamanho da economia americana. Na verdade, com o crescimento mais baixo, ela chegou em 2023 com 65% da economia americana.

A previsão mais recente é que nem mesmo em 2028 vá se alcançar os 72% citados anteriormente. Alguns institutos privados já preveem que a economia chinesa nunca vá alcançar o tamanho da economia americana!

Em parte, a explicação é demográfica. A população americana continua expandindo, por causa do fluxo constante de imigrantes. Já a população chinesa tem envelhecido e estagnado em tamanho, muito em função da política de filho único ali existente.

Mas também há uma desaceleração no crescimento da produtividade do trabalho na China.

Isso não deveria ser uma surpresa tão grande. Um dos mais influentes economistas do século passado, Robert Solow, ganhou o Nobel principalmente por uma teoria do crescimento que previa que países mais pobres (com menos capital acumulado) tenderiam a crescer mais rápido do que aqueles com muito capital.

O Brasil também passou por seu milagre do crescimento. Hoje a China tem uma renda per capita próxima ao brasileiro. A dúvida que fica é se, como nós, eles também vão cair na “armadilha da renda média” — quando um país sai da pobreza e em seguida para de crescer. Num país em que tem taxas de poupança muito altas, infraestrutura bem melhor que a nossa e excesso de estoque de imóveis, é difícil pensar em avenidas tradicionais para estimular o crescimento.

E isso se reflete do outro lado do mundo. Muitos dos jovens chineses que cruzaram a fronteira falaram a repórteres que saíram da China porque hoje está muito mais difícil encontrar emprego. Para eles, chegou ao fim o milagre chinês. A pergunta mais importante é: e para os chineses, muito mais numerosos, que ficaram em casa? O que o futuro reserva?

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

"Estudo" da Oxfam sobre concentracao de renda tem problemas - Carlos Goes

Análise 

Pesquisa sobre concentração de renda deve ser vista com cautela

CARLOS GÓES
ESPECIAL PARA A FOLHA, 1/02/2018

Todos os anos, quase sempre em um período concomitante ao Fórum Econômico Mundial, a ONG inglesa Oxfam divulga seu relatório acerca da desigualdade global. 
O documento apresenta dados que parecem demonstrar um aumento na concentração de riquezanas mãos de dezenas de bilionários em detrimento de grande parte da população mundial. 
Apesar de ter bastante impacto em manchetes, é preciso ter muito cuidado ao interpretar esses dados. Eles não significam aquilo que parecem à primeira vista. A realidade é mais complicada do que as manchetes fazem transparecer. 
A Oxfam utiliza dados do Relatório Global sobre Patrimônio, produzido pelo banco Credit Suisse. Mas há duas questões importantes a serem consideradas ao interpretar esses dados. 
A primeira é de ordem conceitual. É usado o conceito de riqueza líquida (ou seja: patrimônio menos dívidas). 
Segundo essa metodologia, alguém que se formou em Harvard, vive numa cobertura em Nova York e ganha US$ 100 mil por ano, mas tem US$ 250 mil em dívidas estudantis, seria mais pobre que um camponês indiano que tem uma bicicleta, vive com US$ 1 por dia e não tem dívida. 
Não importa se o advogado recém-formado gasta centenas de dólares tomando uísque 18 anos quando sai com os amigos. Para a Oxfam, ele é mais pobre que o camponês indiano. 
A pergunta é: esse conceito faz sentido para definir quem é pobre e quem é rico? Certamente não. 
De acordo com qualquer critério razoável, o advogado nova-iorquino tem padrões de consumo em ordens de magnitude mais altas do que a do camponês indiano. Mas, como suas dívidas superam seus bens, ele é considerado "mais pobre" que o camponês indiano pelo conceito adotado pela Oxfam. 
Usando essa metodologia, por exemplo, Eike Batista, cujas dívidas superam seus bens em cerca de US$ 1 bilhão, seria considerado um dos homens mais pobres do Brasil. 
Isso acaba levando a uma distorção importante. Segundo esse critério, a maioria das pessoas com patrimônio negativo (o que as colocaria entre as mais pobres do mundo) está em países desenvolvidos. Porém, cidadãos de países ricos têm acesso a crédito (e, logo, a dívidas) exatamente porque eles são mais ricos, não o contrário. 
Por isso, é preciso tomar muito cuidado ao interpretar os dados, já que eles não indicam as diferenças de padrões de vida que entendemos intuitivamente como pobreza e riqueza. 
A segunda questão é de ordem técnica. Ao contrário de dados sobre a renda, a grande maioria dos países não tem dados completos sobre patrimônio. Esse fato limita a confiabilidade das estatísticas sobre a riqueza.
Segundo o relatório da Credit Suisse, só 23 países têm estimativas completas de riqueza do setor privado. Outros 25 países têm dados parciais, detalhando a riqueza financeira, mas não sobre a riqueza não financeira. 
Nos EUA, a riqueza não financeira é de cerca de 1/3 da riqueza total, o que significa que ignorar a parte não financeira é ignorar boa parte da realidade. Para os outros 150 países do estudo, fizeram extrapolações —que não são inúteis, mas têm muitas limitações e erro de mensuração grande.
BRASIL
Para o Brasil, as limitações dos dados são ainda maiores. Não há informações sobre patrimônio não financeiro —como casas, fazendas, carros, propriedade de micro e pequenas empresas— para nem sequer um ano. Ou seja, para boa parte do patrimônio dos brasileiros, em especial os que não são super-ricos, simplesmente não há estimativas ou pesquisas oficiais disponíveis.
A verdade para além das manchetes é que, numa perspectiva global, segundo os dados de melhor qualidade disponíveis, aqueles sobre a desigualdade de renda, o mundo está se tornando mais igual há pelo menos 40 anos. Isso tem ocorrido porque, durante o período de maior intensidade da globalização, os países mais pobres e populosos, como a China, a Índia e, em menor medida, aqueles da África e da América Latina, têm tido taxa de crescimento na renda média mais velozes do que aquelas dos países mais ricos.
Por causa dessa grande força de convergência na economia internacional, a desigualdade do mundo como um todo tem caído.
 
CARLOS GÓES é pesquisador-chefe do Instituto Mercado Popular e se especializa em desigualdade de renda e mobilidade social.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Funcionarios publiccos: mandarins ou marajas? - Carlos Goes

Radiografia dos salários do funcionalismo público

grevistas-sevilha
No último mês, notícias sobre mobilizações de greves nacionais ocuparam lugar de destaque na imprensa. Os professores e técnicos das universidades federais interromperam seus trabalhos. O mesmo ocorreu com os servidores do ensino técnico e tecnológico. Até mesmo os funcionários do Itamaraty – assistentes e oficiais de Chancelaria e alguns diplomatas – que tradicionalmente não entram em greve cruzaram os braços.
O aumento no número de greves de servidores públicos é um fenômeno generalizado no país. Segundo dados do Dieese, entre 2007 e 2011 as greves no setor público aumentaram 138%. Seria de se esperar que essa diferença fosse explicada por uma estagnação nos salários do funcionalismo público num passado recente. Entretanto, uma análise desses números nos mostra que o salário real dos funcionários públicos – isto é, já corrigido pela inflação – aumentou 28,2% desde 2003, com uma aceleração a partir de 2005.
Contra-intuitivamente, períodos de aumentos significativos no salário real foram seguidos de um crescimento no número de greves. Ao invés de uma curva de satisfação e acomodação com os ganhos reais, a forte correlação entre o número de greves que se seguem a períodos de aumento no salário real parece apontar para uma curva de aprendizado: como se os sindicatos percebessem que sua estratégia está funcionando e intensificassem suas ações em busca de ganhos ainda maiores.
Esse fenômeno vem criando uma distorção entre os níveis de ganho salarial entre os setores público e privado da economia. No setor privado, os aumentos no salário real estão limitados pelos ganhos de produtividade (em economês, limitados pelo “produto marginal do trabalho”) e pelo poder de barganha de firmas e sindicatos na negociação salarial. No setor público a medida de produtividade não é objetiva e a relação entre o empregador – o governo – e os sindicatos tem idiossincrasias políticas mais complexas. Em contraste com os 28,2% de ganhos reais no setor público citados acima, desde 2003, os salários reais no setor privado cresceram 6,9%. Isso significa dizer que o crescimento relativo dos rendimentos reais do setor público foi quatro vezes maior que o do setor privado.
Tal situação se torna um problema quando se considera que os salários do setor público, ao começo da década, já eram maiores que os do setor privado. Como a maior parte da população é remunerada no setor privado, isso significa que o funcionalismo público tem tornado-se cada vez mais parte da elite econômica. Por exemplo, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) reivindica em suas negociações de greve um salário mensal de R$ 22.633,92 para professores titulares das universidades federais. Se os salários reinvindicados se tornarem realidade, isso significará que esses professores terão uma renda maior do que a de 99,5% da população brasileira. Com toda a deferência necessária à nobre arte do magistério, a transferência de renda para aqueles que constituem 0,5% mais abastado do país parece difícil de ser justificada como objeto de qualquer política pública.
O hiato entre a renda média do funcionalismo público e a renda média dos demais trabalhadores brasileiros tem aumentado fortemente na última década. Tomando como base dados da Pesquisa Mensal de Empregos do IBGE, é possível verificar que, durante o ano de 2003, um funcionário público ganhou mensalmente, em média, R$ 602 a mais que um trabalhador do setor privado. Já em 2011, essa diferença aumentou para R$ 1164. Além disso, estudo recente da PUC-Rio aponta que, quando considerados salários e rendimentos com aposentadorias, a vantagem para o funcionalismo público torna-se prevalente para todos os níveis de escolaridade – de trabalhadores sem educação formal àqueles com pós-graduação. Como os funcionários públicos ganham mais que a média, o aumento dessa diferença constitui objetivamente uma política de concentração de renda.
A atual tendência funciona como forte atrativo para que mais pessoas saiam do setor privado e busquem os maiores salários e benefícios do setor público. Segundo a Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac), associação formada por cursos preparatórios para concursos, cerca de 11 milhões de pessoas se candidataram a vagas no funcionalismo público em 2011. E, julgando pela atual conjuntura, não existe perspectiva de mudança nesse cenário. À medida que os trabalhadores mais capacitados deixam o setor privado, menores tenderão a ser, no longo prazo, as perspectivas de crescimento da produtividade da economia.
Não há dúvidas de que o país precisa de funcionários públicos capacitados e justamente remunerados que ajudem a minimizar as ineficiências da gestão governamental e combater a corrupção. Contudo, é difícil argumentar em favor de salários ainda maiores para um funcionalismo público que ganha, na média, quase 75% mais do que o resto da sociedade que o sustenta. Uma radiografia dos salários no setor público revela, portanto, uma política que concentra renda, drena talentos dos setores produtivos e, por questões políticas, garante aumentos reais maiores do que os ganhos médios de produtividade do país – minando as bases de seu crescimento no longo prazo.
* Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 07/08/2012.

Sobre o Autor

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Carlos Góes é mestrando em Economia Internacional pela Universidade Johns Hopkins, bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, membro fundador da Aliança pela Liberdade (http://www.blogdaliberdade.com) e Conselheiro Executivo do Estudantes pela Liberdade (http://www.estudantespelaliberdade.com.br).