O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador Ciencia e tecnologia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Ciencia e tecnologia. Mostrar todas as postagens

sábado, 2 de março de 2013

Limitacoes da PeD no Brasil e perspectivas dos Bricks...

Perfil de pesquisa no Brasil 'ameaça crescimento'
Portal G1, 1/03/2013

Foram analisados diversos indicadores ligados à pesquisa e à inovação no Brasil, Rússia, Índia, China e Coreia do Sul
A ausência de grandes avanços no Brasil em pesquisas em áreas como química, física, engenharia e geociências pode ser "um fator limitante no desenvolvimento econômico" do país, segundo um relatório do serviço de análise da Thomson Reuters.

O documento, assinado pelos pesquisadores Jonathan Adams, David Pendlebury e Bob Stembridge, analisou diversos indicadores ligados a pesquisa e inovação no Brasil, Rússia, Índia, China e Coreia do Sul - conjunto de países ao qual se refere pelo acrônimo "Bricks".

Sua conclusão é que os países emergentes estariam conseguindo reduzir o abismo que os separa do mundo rico na área de inovação, mas haveria grandes diferenças entre eles - e segundo dados levantado pelo relatório, o Brasil estaria ficando para trás em vários indicadores.

Em número de pesquisadores e total de patentes, por exemplo, o país seria o último colocado. A parcela dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento feitas pelo setor privado também seria "anomalamente baixa" no Brasil, segundo a Thomson Reuters.

O maior destaque, porém, é dado ao fato de que o Brasil seria "obviamente diferente dos outros Bricks" no que diz respeito a seu portfólio de pesquisas.

"Para Rússia, Índia, China e Coreia do Sul as áreas em foco são física, química, engenharia e estudos sobre os materiais", nota o relatório. Já no Brasil haveria mais avanços e esforços no que é definido como "economia do conhecimento da natureza" que inclui áreas como "ciências agrícolas", "estudo de plantas e animais" e "farmacologia e toxicologia".

"Para o Brasil seria possível dizer que a ausência de [pesquisas sobre] tecnologias e ciências físicas na lista de áreas prioritárias pode ser tornar um fator limitante para o desenvolvimento econômico", defende o documento.

A conclusão é tomada a partir do levantamento, em cada um desses países emergentes, das dez áreas de pesquisa responsáveis por uma maior parcela do total mundial de publicações em seu campo do conhecimento.

No caso do Brasil, além das três áreas mencionadas acima, a lista também inclui "microbiologia", "ecologia", "ciências sociais", "medicina clínica", "biologia e bioquímica", "neurociências" e "imunologia".

Para uma comparação, as áreas de maior contribuição da China incluiriam "estudos dos materiais", "ciências da computação", "engenharia", "matemática", "geociências", "física" e "química".

O país asiático também estaria avançando mais rápido que os outro cinco emergentes em quase todos os indicadores de inovação e pesquisa analisados pela Thomson Reuters.

"Os dados não só confirmam e quantificam o novo status de países que não estão no G7 [na área de pesquisa e inovação", mas também revelam complexidades individuais que estão por trás do rótulo de 'emergente'", diz.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

O Estado brasileiro contra o desenvolvimento do Brasil...


Parece incrível, mas os dirigentes brasileiros insistem em cooperar com quem é menos desenvolvido do que o Brasil, em várias áreas. Não sei por que não se propõe cooperação com quem está mais avançado do que o Brasil.

Do MDIC
Pretória – África do Sul (17 de outubro) – O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, defendeu hoje uma maior integração econômica e tecnológica entre Brasil, Índia e África do Sul, com o objetivo de manter o crescimento das economias dos três países. “Temos mercados emergentes, economias em grande medida complementares e processos de cooperação que devem ser estimulados de forma a preservar o crescimento de nossas economias”, afirmou.
A proposta foi endossada por seus colegas da Índia, Anand Sharma, e da África do Sul, Rob Davies, durante o V Fórum IBAS, que reúne autoridades dos três países, em Pretória, na África do Sul. O grupo reúne-se, periodicamente desde 2006, quando foi criado.

Para Pimentel, além da questão comercial, é preciso ampliar o acesso das empresas brasileiras, indianas e sul-africanas aos mercados dos três países. "Os governos devem ser facilitadores da ação das empresas porque são elas que impulsionam nossos países”, disse.
Assim como Pimentel, o ministro Rob Davies, da África do Sul, previu um período longo de baixo crescimento das economias da União Europeia e dos Estados Unidos. “Nesse momento, é preciso que as economias emergentes se unam", ressaltando que todas as metas traçadas na primeira reunião do IBAS foram cumpridas, como por exemplo, a meta de comércio trilateral a ser alcançada em 2010, de US$ 10 bilhões. O volume foi atingido em 2009.
O ministro indiano, Anand Sharma, ressaltou que Brasil, Índia e África do Sul têm a "demografia" a seu favor. "Somos 1,5 bilhão de pessoas. Temos muitos recursos humanos e naturais que devemos compartilhar", afirmou. 

Os três ministros voltam a ser reunir amanhã e participam de encontros entre os presidentes dos três países. O ministro Pimentel e o ministro Rob Davies irão se reunir reservadamente para tratar de questões do comércio Brasil-África do Sul.



terça-feira, 6 de setembro de 2011

Hackers bonzinhos: isso existe? - certo ministro acha que sim...

Vocês já ouviram falar em hackers éticos? Eu não.
Para mim parece uma contradição nos termos. Se é hacker, como pode ser ético?
Mas esse ministro acredita que sim; bem, ele encontrou uns hackers petistas que são contra a tecnologia proprietária, achando que isso é coisa de capitalistas malvados; tecnologia precisa ser livre, sobretudo gratuita, acreditam eles, o ministro e os tais hackers éticos.
Vamos ver até vai esse contradição nos termos...

Governo vai convidar hackers para ajudar na criação de portalValor Econômico, 6/09/2011

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) planeja lançar no início do ano que vem um portal para facilitar o acesso a informações sobre sua própria gestão, como a distribuição de gastos.
O fluxo de dados será alimentado por um sistema, batizado de Plataforma Aquarius, para o qual o MCTI quer a ajuda dos chamados "hackers éticos" - pessoas com grande habilidade na área de programação, mas que não usam esse conhecimento para invadir redes ou sistemas. Em vez disso, ajudam na prevenção de crimes digitais.

"Vamos formalizar um convite para ajudar no desenvolvimento da ferramenta", disse o ministro Aloizio Mercadante, ontem (5), durante um encontro com hackers em São Paulo. A proposta é que o portal seja baseado em softwares de código aberto - programas que podem ser modificados por qualquer programador. O princípio do software livre é que as mudanças feitas no código sejam oferecidas gratuitamente, já que partiram de uma base de conhecimento comum.

Inicialmente, porém, o desenvolvimento do portal contará com sistemas proprietários, cujo uso depende de uma licença. "Usamos sistemas proprietários nos casos em que não encontramos uma opção de software livre no mercado, mas vocês podem nos ajudar a desenvolver [alternativas]", disse Mercadante aos participantes do encontro.

O MCTI pretende oferecer a ferramenta a outros ministérios e entidades. Para fazer isso, no entanto, quer que toda a plataforma esteja baseada em software livre.

O uso de softwares proprietários foi criticado por alguns hackers que participaram do encontro. O grupo defendeu a criação de mecanismos pelos quais os usuários do portal poderiam cruzar dados, como os gastos destinados a áreas diferentes. Segundo Mercadante, oferecer informações desse tipo ao público vai gerar questionamentos, mas aumentará a eficiência da gestão pública.


sábado, 4 de junho de 2011

Deterioracao tecnologica da industria brasileira

Esvaziamento tecnológico
Roberto Nicolsky
O Globo, 4/06/2011

A competência tecnológica relativa de uma economia é avaliada principalmente pela qualidade do seu comércio exterior, ou seja, pelo seu desempenho nas relações com outras economias mais ou menos competitivas segundo a intensidade de tecnologia contida nos produtos. Esse critério foi estabelecido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico com base na distinção de níveis de intensidade tecnológica. Alta intensidade tecnológica corresponde ao segmento de produtos com elevada agregação de valor pela incorporação de inovações tecnológicas; média-alta intensidade tecnológica refere-se ao segmento dos produtos que, embora tenham valor agregado expressivo, alcançam índices inferiores; média-baixa reúne produtos bem mais simples, com pouca elaboração; baixa intensidade tecnológica designa produtos em que a inovação tecnológica incorporada tem pouca relevância; e os não industriais referem-se a produtos in natura. Assim, o perfil do comércio exterior torna-se um indicador expressivo da competência tecnológica relativa de uma economia em incorporar valor a seus produtos e processos através da geração de inovações.

Com base nesses conceitos, vê-se que o desempenho da economia não tem sido positivo. Temos tido um crescimento da produção industrial acompanhando parcialmente a expansão quase explosiva do mercado interno. Por outro lado, vemos que nossa competitividade em relação a países emergentes tem enfraquecido, resultando que esses países, especialmente a China, aproveitam muito mais a expansão do nosso PIB e mercado interno.

Considerando o primeiro trimestre de cada ano entre 2006 e 2011, observamos que, no segmento de média-alta intensidade tecnológica, que abrange as indústrias química, de equipamentos mecânicos e elétricos e de veículos rodoviários e ferroviários, fornecedoras de outras indústrias e, portanto, estratégicas para o desenvolvimento, a exportação brasileira cresceu 25%, alcançando US$9,1 bilhões, o que poderia indicar um bom desempenho. Entretanto, a importação explodiu, apresentando crescimento de 173%. O resultado do balanço tornou-se altamente deficitário, com saldo negativo de US$9,9 bilhões no último trimestre. Nos produtos de alta intensidade tecnológica — aviões, medicamentos, informática, telecomunicação e equipamentos médicos — as exportações do primeiro trimestre de 2011 totalizaram US$1,9 bilhão, com uma queda de 11%, enquanto as importações cresceram 86%, gerando um déficit de US$6,9 bilhões.

De que maneira o comércio exterior brasileiro compensou esses déficits? Exportando produtos industrializados de baixo conteúdo tecnológico e, principalmente, colocando no mercado internacional um volume maciço de produtos não industriais, as commodities. O perigo para nossa economia é que essas commodities têm preços formados no mercado internacional. Espera-se que haja uma ação governamental para mudar a tendência em curso e que a indústria manifeste sua insatisfação, apontando possíveis caminhos.

ROBERTO NICOLSKY é diretor da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica (Protec).

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Livro: O conhecimento no seculo 20 (e em alguns outros mais)

Um livro simplesmente essencial, para quem quer ficar "inteligente" (bem, é apenas uma maneira de dizer). Recomendo a todos (a todas) as brasileiras e os brasileiros:

Samuel Simon (org.)
Um Século de Conhecimento - Arte, Filosofia, Ciência e Tecnologia no século XX
Prefácio de Roberto Salmeron
(Brasília: Editora da UnB, 2011, 1282 p.; ISBN: 978-85-230-1276-2)

Organizador de livro sobre avanço da ciência vê tema como "grande ausente"
Max Miliano Melo
Correio Braziliense, 26/01/2011

Entrevista com o organizador do livro "Um Século de Conhecimento - Arte, Filosofia, Ciência e Tecnologia no século XX", Samuel Simon

- Como surgiu o interesse de escrever um livro tratando das teorias produzidas pela ciência ao longo do século XX?

As razões são, basicamente, duas. A primeira, conforme explico na Apresentação do livro, nasceu de uma constatação: nos balanços realizados pela imprensa no final do milênio, o tema "teorias científicas" era o grande ausente. Falou-se sobre acontecimentos políticos, grandes catástrofes, tecnologia, etc. O conhecimento científico e seus fundamentos foi esquecido. A segunda, porque "o que é uma teoria científica" é um dos meus objetos de estudo, na medida em que trabalho com filosofia da ciência. "Um Século de Conhecimento" nos apresenta as teorias em inúmeras áreas do conhecimento e podemos, assim, compreender melhor o que fazem os pesquisadores nas universidades.

- Explique um pouco como foi o processo de produção do livro.

Tive a ideia de fazer esse livro em 2000. Comecei então o contato com os autores explicando o projeto: fazer esse balanço das teorias produzidas na sua área no século XX, mas sem esquecer século anterior e sem esquecer as origens da área. Solicitei também uma avaliação sobre os possíveis desenvolvimentos da área para o século seguinte, o atual (século XXI).

- Qual a importância das teorias na produção do conhecimento?

As teorias são fundamentais para o desenvolvimento do conhecimento, embora não sejam as únicas fontes para o conhecimento. Antes um rápido esclarecimento: quando falo em conhecimento, estou me referindo ao conhecimento científico, que tem seus métodos, controles, aferições, etc. Voltando à importância das teorias, pode-se dizer, também de maneira breve, que elas buscam exprimir as causas de um fenômeno, qualquer que seja ele: do movimento da Lua a um distúrbio comportamental. A relação entre os enunciados de uma teoria, os termos que a compõem e a experiência é extremamente complexo e é um dos principais assuntos tratados pela filosofia da ciência. Nesse campo, não somente os filósofos, mas também cientistas deram e tem dado grandes contribuições. Albert Einstein, Sigmund Freud, são exemplos de cientistas que contribuíram para esse debate. Entre os filósofos, temos, evidentemente Karl Popper, Thomas Kuhn, para citar apenas dois grandes nomes do século XX.

- Porque tão relevantes elas não chegam, muitas vezes ao conhecimento do grande público?

As razões podem ser várias. Vou arriscar algumas: talvez o interesse por assuntos mais imediatos do dia-a-dia ocupem bastante as pessoas. Uma outra razão é que, muitas vezes, confunde-se tecnologia e produtos de teorias, que evidentemente têm sua importância, com as próprias teorias científicas e supõe-se que isso basta. Finalmente, os elementos mais fundamentais que compõem as teorias científicas, as conexões causais e os fundamentos dessas conexões para explicar certos fenômenos ("explicar o visível pelo invisível", como dizia o biólogo Jacques Monod) se relacionam de maneira bastante intrincada e com termos técnicos de difícil compreensão para quem não trabalha com aquele assunto. Nesse sentido, a imprensa tem um papel bem relevante.

- Este século a ciência passou por um processo de especialização?

A especialização no conhecimento tem a idade da filosofia ocidental e das primeiras pesquisas científicas no período clássico. Quando Platão faz filosofia, Euclides formula sua geometria, Arquimes enuncia os primeiros princípios da física, temos uma especialização. Com o passar do tempo, o número de domínios aumentou e, portanto, também a especialização.

- E a interdisciplinaridade ela teve um papel importante na produção do conhecimento neste século?

Também a interdisciplinaridade tem origem no período clássico. Para citar dois exemplos: Ptolomeu precisava de geometria para seu sistema geocêntrico de mundo. O século XVII continuou essa tendência e aguçou essa relação, na medida que incorporou definitivamente a matemática à física. Hoje, com maior número de domínios essa relação é inevitável. Não vejo uma grande novidade aí, pois ela é antiga.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Avancos cientificos de 2001 a 2010

Os grandes avanços da ciência na primeira década do século 21:

Os dez mais 
Science aponta os destaques do início do século na ciência
Giuliana Miranda
Folha de S.Paulo, 17/12/2010

A primeira década do século 21 mudou completamente a forma de fazer ciência. Muito do que parecia ser impossível aconteceu, como o mapeamento completo do DNA de criaturas extintas há milhares de anos e a descoberta de centenas de planetas fora do Sistema Solar.

A "Science", uma das mais importantes revistas da área, escolheu os destaques do período. Biotecnologia e genética dominam a lista.

O mergulho no lado oculto do genoma é um deles. Nos anos 2000, os cientistas descobriram que os humanos têm muito menos genes do que se pensava. Além disso, o que durante muito tempo foi chamado de "lixo" no DNA mostrou ter funções importantes, ajudando na regulação de todo o genoma.

As pesquisas com células-tronco também deram um salto. Os cientistas conseguiram "domá-las" e já produzem em laboratório qualquer tecido do corpo humano, viabilizando um dos mais promissores tratamentos para várias doenças.

O desenvolvimento de métodos para analisar DNA de criaturas que viveram há milhões de anos permitiu saber com precisão inédita detalhes de sua aparência.

Além de descobrir a cor de dinossauros ou mamutes, também se descortinou o passado dos seres humanos, os quais, agora se sabe, tiveram filhos com neandertais.

A astronomia ocupa três posições na lista. Além de avanços na precisão das medições no espaço, a década também foi marcada pela confirmação da existência de água no subsolo de Marte.

O registro de planetas fora do Sistema Solar bateu recordes. Em 2000, havia 26 confirmados. Hoje, são 505.

O levantamento da "Science" incluiu ainda uma questão política: as pesquisas sobre as mudanças climáticas.

Na opinião do historiador da ciência da USP Gilson Santos, a lista da "Science" é relevante, mas deixou de fora resultados importantes. "Noto a ausência da química e de outras ciências, como a geologia, a oceanografia e a matemática."

Como maior destaque de 2010, a "Science" escolheu um invenção quase indecifrável: uma minúscula haste de metal, visível a olho nu, que obedece às regras da física quântica, antes só aplicáveis a objetos submicroscópicos, como átomos. Ela conseguiu vibrar rápido e devagar ao mesmo tempo, o que só é possível num cenário quântico.

Biotecnologia e genética também dominam o levantamento anual, com destaque para novas técnicas para regredir células-tronco adultas ao estágio embrionário.

A parte oculta do genoma
O que se imaginava a respeito do DNA humano estava errado. Além de menos genes (são 21 mil, contra os 100 mil idealizados antes), boa parte do que se achava "lixo" desempenha funções importantes

Células-tronco
Células com capacidade de reescrever seu próprio destino, as células-tronco foram uma das mais promissoras fronteiras para o tratamento de doenças. E, nesta década, os cientistas aprenderam melhor do que nunca como manejá-las e controlá-las

Microbioma
Nos anos 2000, os humanos finalmente deram uma trégua às bactérias e aceitaramque muitos desses micro-organismos desenvolvem funções importantes no funcionamento e até na proteção do corpo humano

DNA pré-histórico
Novas técnicas de análise permitiram avaliar o DNA de animais e plantas extintos dezenas de milhares ou milhões de anos atrás, com bastante precisão. Desse modo, descobriu-se a cor das penas de alguns dinossauros e até detalhes sobre cabelo e pele dos neandertais

Água em Marte
Missões espaciais encontraram evidências muito fortes de que houve água líquida no planeta vermelho bilhões de anos atrás. Mais recentemente, pesquisadores comprovarama existência de gelo enterrado no solo e até em grandes blocos

Exoplanetas
A quantidade de planetas conhecidos fora do Sistema Solar disparou: passou de 26, em 2000, para os atuais 505. E os registros não paramde acontecer, devido a vários avanços tecnológicos na astronomia

Estudos do aquecimento global
A década foi marcada pelo reconhecimento dos problemas climáticos e dos estudos sobre eles, que ganharam financiamento e repercussão mundiais

Inflamação
Os processos inflamatórios se mostraram muito mais complexos do que se imaginava. Descobriu-se que câncer, diabetes e até Alzheimer são relacionados a respostas inflamatórias que podem, em muitos casos, levar à morte ou a sequelas graves

Mais precisão na cosmologia
Vários experimentos mostraram melhor do que nunca o que está acontecendo no Universo. Algumas técnicas levarama resultados surpreendentes, como a comprovação de que o Cosmos é plano

Metamateriais
Cientistas criaram uma junção de materiais que age com propriedades que não são normalmente encontradas na natureza. Eles trabalham direcionando a luz e outras ondas eletromagnéticas, conseguindo efeitos considerados impossíveis de forma natural.

domingo, 14 de novembro de 2010

A desconcentracao do saber cientifico: monopolio do saber nao existe

Na imediata sequencia do post anterior, permito-me colocar aqui a ficha e o próprio texto desta minha resenha que despertou a ira do "dono" da tese, e que viu seu livro desmantelado pela avaliação que dele fiz (o que significa também dizer que sua professora orientadora foi incompetente, e os membros da banca idem...).
O autor publicou uma réplica que achei melhor não "treplicar". A matéria que publiquei no post anterior faz isso por mim.


1690. “A produção do conhecimento nas sociedades contemporâneas: a concentração e as desigualdades são inevitáveis?”, Brasília, 25 novembro 2006, 11 p. Nova resenha de Fernando Antonio Ferreira de Barros: A tendência concentradora da produção de conhecimento no mundo contemporâneo (Brasília: Paralelo 15 – Abipti, 2005, 307 p.), aproveitando algumas idéias da primeira (1536). Parcerias Estratégicas (Brasília: CGEE; nº 23, dezembro 2006; ISSN: 1413-9375; p. 435-446; link: http://www.cgee.org.br/parcerias/p23.php). Relação de Publicados n. 733. O autor respondeu a minha resenha por artigo de réplica, “A tendência concentradora da produção de conhecimento no mundo contemporâneo, Réplica, Fernando Antônio Ferreira de Barros”, na mesma revista Parcerias Estratégicas (Brasília: CGEE; nº 25, dezembro 2007; ISSN: 1413-9375; p. 291-300; link: http://www.cgee.org.br/parcerias/p25.php).

Segue a íntegra  de minha resenha: 

A produção do conhecimento nas sociedades contemporâneas:
a concentração e as desigualdades são inevitáveis?

Fernando Antonio Ferreira de Barros:
A tendência concentradora da produção de conhecimento no mundo contemporâneo
(Brasília: Paralelo 15 – Abipti, 2005, 307 p.)


A orelha do livro apresenta o que parece ser, ao mesmo tempo, a maior virtude e a maior fraqueza deste livro importante. Ela começa afirmando o seguinte, com o que concordamos inteiramente: “O conhecimento técnico-científico representa no mundo contemporâneo [não apenas nele, diríamos nós] uma base fundamental para o desenvolvimento socioeconômico das nações. Sua maior ou menor utilização nas estruturas organizacionais e produtivas de cada sociedade pode ser um dos fatores explicativos dos diferentes graus de desenvolvimento alcançados”. Até aí pode-se concordar com o autor, ou com quem elaborou a orelha, mas logo em seguida vem o argumento que justifica o título do livro: “Sua produção e apropriação [isto é, do conhecimento técnico-científico] encontram-se, entretanto, muito concentradas num grupo de países mais desenvolvidos”.
Minha discordância fundamental do autor, devo adiantar desde logo, localiza-se nesta premissa inicial e fundamental, vale dizer, a que dá sentido ao título e sustenta toda a argumentação da obra. Mas o livro tem várias outras qualidades, que vou agora enfatizar, antes de voltar para uma crítica substantiva, na segunda parte desta resenha.

O autor e sua obra
Doutor em sociologia pela UnB e integrante do corpo técnico do CNPq há mais de duas décadas, o autor possui várias obras nessa mesma área, entre elas o livro Confrontos e contrastes regionais da ciência e tecnologia no Brasil, resultado de sua dissertação de mestrado. Sua orientadora nesta tese de doutoramento, a prefaciadora Ana Maria Fernandes, enfatiza sua concordância com algumas teses do autor – e não poderia ser de outro modo –, como o papel do Estado no processo de desenvolvimento científico e tecnológico e na reversão dessas tendências concentradoras, com base nas conhecidas teses do economista coreano Ha-Joon Chang, em Chutando a Escada. O apresentador Lynaldo Cavalcanti destaca por sua vez, que no Brasil “as autoridades têm dedicado atenção quase exclusiva à geração de conhecimento científico, com negligência à sua apropriação, traduzida em novos produtos, serviços e mercados”. Seguindo o autor, porém, o apresentador conclui que, “não obstante os intensos esforços dos países, a distribuição regional dos poderes científico e tecnológico, bem como de desenvolvimento econômico e social, não mudou de forma significativa nos últimos 20 anos” (p. 16-17). Ora, o que caracteriza os últimos 20 anos de desenvolvimento científico e tecnológico no plano mundial é, precisamente, a gradual emergência de países antes dependentes tecnologicamente – Coréia do Sul, China, Índia, vários outros asiáticos, alguns latino-americanos, como o Brasil – nesse panorama antes monótono, dominado tradicionalmente por um punhado de líderes tecnológicos da OCDE.
Em sua introdução, o autor parece concordar com a tese de que, a despeito da dispersão global da produção do conhecimento na atualidade, “as desigualdades de riqueza tendem a persistir, ou mesmo a aumentar”, fazendo com que, as perspectivas de mudança no quadro da capacidade de pesquisa sejam “muito remotas” (p. 23). Ele também acha que essa tendência concentradora da produção e apropriação do conhecimento científico e tecnológico no mundo contemporâneo pode ser a base de uma “nova divisão internacional do trabalho mais rígida, que poderá implicar maior desigualdade de riqueza e exclusão social no contexto mundial” (p. 23). Como ele enfatiza corretamente, “não existem fórmulas mágicas que possam garantir saltos qualitativos a curto prazo para o progresso técnico-científico almejado” (p. 25).
Para montar sua análise, o autor conduziu uma série de entrevistas com dezoito personalidades brasileiras e internacionais dessa área, com base num roteiro de dez grandes questões cobrindo os campos principais de sua pesquisa (nomes e perguntas figuram em dois dos três anexos, sendo o terceiro a agenda de propostas e recomendações efetuadas no projeto “Inventando um futuro melhor”, que o Interacademy Council sugeriu como forma de para reforçar a C&T em todos os países.
O livro compõe-se de cinco capítulos e três anexos, como listados a seguir. O primeiro dá o quadro teórico da produção de conhecimento e sua organização social, com as tendências atuais a uma maior aproximação entre ciência e tecnologia, à pesquisa em rede e a um maior controle e participação social nos rumos de C&T. O capítulo termina, porém, sublinhando a concentração espacial dessa produção nos países desenvolvidos.
O segundo capítulo traça, justamente, o balanço das tendências e características da produção em C&T nos países avançados. Nos EUA, por exemplo, onde ocorreu uma notável constância dos investimentos em P&D de 1960 a 2000, em torno de 2,7% do PIB, observou-se uma tendência à duplicação dos esforços voltados para a pesquisa básica, uma estabilidade na pesquisa aplicada e uma diminuição nos gastos com o desenvolvimento, consoante, provavelmente, a passagem do país de uma sociedade industrial avançada para uma sociedade pós-industrial ou de serviços. Ao longo desse período, o governo federal tem sua importância diminuída no financiamento em quase três vezes, ao passo que aumenta significativamente a participação da indústria, e em menor proporção a das universidades e instituições não-governamentais. É patente, igualmente, a concentração de C&T nos EUA, com um terço da produção científica mundial, em 1988, e mais de dois quintos das patentes registradas nos EUA em 1990 (não exclusivamente americanas, portanto). Não há dúvida de que a tríade mundial nessa área é representada pelos EUA, UE e Japão e o autor enfatiza as principais diferenças entre eles nas diversas vertentes do complexo C&T.
O terceiro capítulo trata da C&T nos países em desenvolvimento, com destaque para China, Índia e Brasil. Uma primeira abordagem enfatiza a precariedade extrema da África nesse particular, o que não configura nenhuma novidade. Não há dúvida, tampouco, de que o Estado é o principal motor dos investimentos nos três grandes do mundo em desenvolvimento, em contraste com a predominância do setor privado na tríade dos desenvolvidos. Os três grandes atores em desenvolvimento também se esforçam para aumentar os investimentos em P&D em proporção do PIB e mesmo que os valores da China possam ser relativamente modestos, as cifras envolvidas, dado o enorme PIB alcançado, já são propriamente gigantescas. A execução de P&D nos três países também é diferenciada, com uma maior proporção para as universidades no caso do Brasil e uma predominância dos institutos nacionais no caso da Índia e em menor proporção no caso da China.
O capítulo quarto enfatiza as desigualdades científicas tecnológicas no contexto da globalização, destacando o autor, em epígrafe, uma frase do SG-ONU Kofi Anan, seßgundo a qual o mundo atualmente é muito mais desigual do que há 40 anos. Este é o pressuposto do trabalho, que associa a tendência à globalização a um agravamento da crise econômica, explicada segundo duas visões alternativas, a dos regulacionistas e a dos neoschumpeterianos. A bibliografia citada é classicamente acadêmica, no sentido mais tradicional da palavra, com a complementação oferecida pelas estatísticas de gastos em P&D, de registros de patentes e entrevistas com os especialistas da área. Parecem naturais, nesse contexto, as críticas à privatização da pesquisa e as “possíveis interferências negativas dos interesses do mercado no direcionamento e apropriação da pesquisa científica” (p. 207). A análise do papel das multinacionais tende a enfatizar seus efeitos negativos, considerados ainda mais sérios no caso dos países em desenvolvimento, que tiveram de fazer os ajustes liberalizantes requeridos pela globalização. As desigualdades entre os países ricos e os em desenvolvimento são maiores no plano tecnológico (patentes) do que no científico, ainda assim avassaladoras.
O foco do quinto e último capítulo é, precisamente, o da concentração espacial da produção de conhecimento, que o autor acredita esteja tendencialmente em expansão. O autor reconhece a interdependência tecnológica existente entre os países avançados, mas prefere acompanhar os que enfatizam que essa “dispersão” se dá, basicamente, dentro da tríade desenvolvida. Ou seja, as empresas multinacionais podem contribuir para a capacitação tecnológica dos países menos desenvolvidos, mas isso não chega a ser “um fato transformador no quadro de enormes desigualdades relativas à produção tecnológica no contexto mundial” (p. 253). O autor não é totalmente negativo quanto às tendências futuras, mas acredita que uma reversão da concentração só poderia ocorrer, no caso dos países em desenvolvimento, a partir de um papel mais ativo dos governos nacionais: o Estado nacional “continua sendo o ator fundamental na condução desse importante processo de capacitação técnico-científica e no estabelecimento e na execução de medidas que poderão trazer mudanças mais significativas no atual mapeamento mundial, regional e nacional da concentração da produção científica e tecnológica” (p. 264).
As conclusões retomam muitos dos argumentos já expostos acima, com algumas seleções capciosas. Por exemplo, enfatizar o lado negativo da globalização: apenas porque em meia centena de países as pessoas são mais pobres do que eram uma década atrás (e a África responde muito por isto), não quer dizer que a humanidade está mais pobre, ao contrário, pois apenas a China e a Índia concentravam algumas centenas de milhões de miseráveis extremos que foram alçados a uma condição de pobreza modesta. A ênfase na concentração, igualmente, não deveria eludir o fato de que a produção própria dos países em desenvolvimento também está crescendo. O autor recorre ao já citado economista coreano Ha-Joon Chang, que acredita que os países desenvolvidos querem impedir os em desenvolvimento de alcançá-los nos planos industrial, científico ou tecnológico, esquecendo este, talvez, que o seu próprio país desmente a hipótese. As perspectivas não parecem animadoras, portanto, e a única maneira de revertê-las, na visão do autor, seria pelo empreendimento de ações dirigidas pelas autoridades políticas, uma vez que os mercados seriam incapazes de reverter a tendência à concentração.
Este é o livro e suas premissas, apresentados de maneira relativamente objetiva. Cabe agora empreender uma avaliação qualitativa em torno dos principais argumentos.

A crítica
O título do livro já representa uma tese: obviamente, a de que a produção do conhecimento tende a se concentrar. Onde, exatamente? Nos países avançados, claro. A tese do livro, aliás defendida na Universidade de Brasília, deve recolher o assentimento de muitos colegas do autor. Em geral, acadêmicos das universidades públicas, que são as que concentram a produção do conhecimento (não no mundo contemporâneo, mas pelo menos no Brasil), tendem a pensar segundo as linhas convencionais, que dividem o mundo em produtores e consumidores de conhecimento especializado, com tendências ao monopólio e à concentração.
Como seria de se esperar, eles também devem partilhar várias outras teses do autor, que são relativamente tradicionais na academia brasileira, a começar pela própria divisão entre países desenvolvidos e em desenvolvimento e a exploração destes últimos pelos primeiros. Não existe qualquer critério legitimamente racional que possa justificar a separação entre as duas categorias de países, a não ser certa preguiça mental dos seus formuladores, o conservadorismo das instituições internacionais, a acomodação política dos próprios países em desenvolvimento e algumas evidências prima facie que tenderiam, aparentemente, a justificar essa divisão que já tem mais de meio século.
 Entre essas evidências, ademais dos conhecidos indicadores relativos à renda, disponibilidade de bens e outros critérios de bem-estar, em geral, se situariam aqueles relativos à produção de ciência e tecnologia em bases propriamente nacionais. Que seja: a autonomia tecnológica, de fato, representa um poderoso indicador de riqueza e poder; mas as linhas divisórias entre os países, nesse particular, são bem mais matizadas do que o simples agrupamento dos membros da ONU em duas ou três categorias de países – havia também o grupo dos socialistas, que desapareceu de forma melancólica na grande transição ao capitalismo dos anos 1990 – o que permitiria circunscrever, inclusive porque é apenas indiretamente que a produção de conhecimento está correlacionada à renda per capita. Em outros termos, a relação não é causal, mas circunstancial, sendo bem mais dependente da educação do que da renda.
A divisão entre os vários grupos de países remonta aos primeiros tempos da ONU, quando se tratava de organizar as agências e comissões setoriais da ONU e suas agendas de prioridades. Do lado mais importante estavam as responsabilidades pela paz e pela segurança internacionais, a cargo, em última instância, de um pequeno grupo de países encastelados, como resultado da Segunda Guerra Mundial, no Conselho de Segurança. Pode-se dizer que os EUA, a França e o Reino Unido, estes dois últimos dispondo de vastos impérios coloniais, constituíam, efetivamente, países desenvolvidos. Mas o que dizer da Rússia e da China, devastadas no conflito, possuindo imensos contingentes populacionais na miséria, contribuindo minimamente, não apenas para os fluxos globais de comércio, finanças e tecnologia, mas, sobretudo, para o estoque global de saberes acumulados nos planos científico e tecnológico? Tratou-se de uma decisão eminentemente política e militar como sabemos.
Do outro lado, a agenda da ONU sempre revelou uma preocupação primordial, quase obsessiva, pode-se dizer, com a questão do desenvolvimento. Cabe lembrar que, nas últimas seis décadas, a ONU ocupou-se bem mais de desenvolvimento do que de paz e de segurança, sendo que suas incursões neste terreno foram bem menos felizes, dada a relutância de grandes e pequenas potências em aceitar intromissão em suas querelas internas ou nos conflitos inter-estatais nos quais estivessem envolvidas. A ONU tem registro de poucas operações de peace-making e bem mais de peace-keeping, quando os maiores danos já foram cometidos contra as populações inocentes. Mas, tampouco sua ação no campo do desenvolvimento foi muito mais feliz, já que passadas várias décadas ditas de desenvolvimento (e muitos bilhões de dólares destinados à cooperação oficial – bilateral e multilateral – ao desenvolvimento), poucos países alteraram radicalmente as condições de partida, e os poucos que o fizeram, não parecem dever nada à ONU ou aos programas oficiais de ajuda ao desenvolvimento. Aqueles poucos países que de fato conseguiram fazer o “salto de barreira” – se é que existe algum – entre a condição anterior de “subdesenvolvidos” para a de “desenvolvidos”, pouco parecem dever à ajuda externa e muito menos aos programas da ONU. Tanto a Coréia do Sul quanto Cingapura, os dois exemplos mais conspícuos, devem suas trajetórias em direção à prosperidade mais ao investimento produtivo – com base na poupança doméstica e na tecnologia importada, legalmente ou não – do que à ajuda externa, de qualquer tipo.
Daí o ceticismo com que devem ser recebidas essas obras que tendem, com uma aborrecida repetição, a dividir o mundo entre os produtores de conhecimento – que seriam, ipso facto, os concentradores – e os demais, em princípio classificados como em desenvolvimento. O modelo adotado é bem mais evidente nas escolas econômicas ditas desenvolvimentistas, que continuam a ver o mundo segundo a estrutura centro-periferia. Mas ele também se reproduz nessas análises sobre a produção científica e tecnológica no plano mundial, que tendem a considerar como um dado fixo que a produção de conhecimento, tanto científico quanto prático, isto é, tecnológico, tende a se concentrar cada vez mais num pequeno grupo de países. A tese é tão auto-induzida quanto sua equivalente no plano do desenvolvimento econômico: como os países atualmente ricos são os que mais produzem tecnologia avançada e seus produtos derivados, essa situação só pode ter tido origem na concentração de recursos, capitais e outros fatores nesses países, em detrimento e com a “colaboração involuntária” dos demais, que transferiram recursos e excedentes – a famosa “extração de mais-valia” da tradição marxiana – para os paises do centro, identificados a dominadores e exploradores.
Como estes países “centrais” e “produtores” de conhecimento mantêm políticas e programas de capacitação tecnológica e de qualificação científica, conclui-se, então, que foi devido a essas políticas e programas que eles conseguiram se desenvolver. Daí à criação de novos programas e políticas, sob a égide da ONU (e suas agências) ou dos países mais ricos que prestam cooperação oficial ao desenvolvimento, vai um pequeno passo que é alegremente dado por todos esses “cooperadores” e “cooperados”, com resultados altamente insatisfatórios, como já constatado depois de seis décadas de ativa assistência aos países menos desenvolvidos, especialmente africanos. Nenhum deles conseguiu de fato se desenvolver, para dizer o mínimo. A mesma situação se reproduz, no plano nacional, em matéria de políticas macroeconômicas setoriais tendentes a “produzir” o tão aspirado desenvolvimento: políticas agrícolas, industriais, tecnológicas e muitas outras ainda, como constatado na experiência latino-americana. Não se pode dizer que o resultado tenha sido magnífico, muito pelo contrário, ao ponto de um conhecido economista do chamado “mainstream” – Gustavo Franco, em uma das suas Crônicas da convergência: ensaios sobre temas já não tão polêmicos (Rio de Janeiro: Topbooks, 2006, 598 p.). – ter clamado por uma “política não-industrial”.
O fato é que os países hoje desenvolvidos o são não necessariamente em virtude da aplicação de políticas industriais e tecnológicas, ou da implementação de programas governamentais nessas áreas, mas simplesmente em razão de terem conseguido chegar, desde muito cedo, a uma situação de virtual educação universal, bem mais nos ciclos básico e internediário (inclusive técnico-profissional) do que necessariamente no ciclo superior (que emergiu gradualmente e naturalmente a partir da capacitação prévia e ampla nas fases precedentes). O processo pode ter variado aqui e ali, mas nenhum deles chegou ao píncaro sem ter feito antes o dever de casa nas etapas elementares.
Compreende-se, por outro lado, a obsessão com o processo de desenvolvimento – econômico ou tecnológico – dos países ditos retardatários, já que os últimos dois séculos (grosso modo a partir da aceleração das duas primeiras revoluções industriais) conheceram o fenômeno, ao qual os historiadores econômicos dão o nome de “grande divergência”, ou seja, a defasagem crescente entre os níveis de desenvolvimento dos países avançados industrialmente, de um lado, e todos os demais, de outro. Como esse é um fato empiricamente verificável, tende a se considerar essa divergência como algo irrecorrível, inevitável ou tendencialmente agravante, não colmatável pela simples força dos mercados ou da evolução natural das sociedades. Mas, como revelado em alguns trabalhos de Jared Diamond – como em Germes, Armas e Aço, por exemplo – dotados de maior escopo geográfico e abrangência histórica, não há nada de inevitável nesse curso da história. De fato, o processo de divergência parece estar sendo revertido sob nossos olhos, operando-se atualmente uma relativa convergência entre os níveis de desenvolvimento industrial, de renda disponível e de conhecimento auto-gerado, pelo menos em relação a alguns dos atores participantes da grande divergência dos últimos dois ou três séculos, como podem ser, com grande visibilidade, a China e a Índia.
Esses dois países – juntamente com o Brasil – estão justamente no âmago do terceiro capítulo deste livro de Fernando Barros, que constitui uma tentativa acadêmica (relativamente bem sucedida, nesse contexto) para identificar os fatores indutores da “grande divergência” científica entre “concentradores”, de um lado, e os “penalizados”, de outro. China e Índia, precisamente, foram os grandes “divergentes” dos séculos XIX e XX, não necessariamente porque tenham sido dominados, humilhados e expropriados pelos mais ricos – o que também se passou, reconheçamos – mas porque perderam, em algum momento de suas histórias respectivas, a capacidade de continuar inovando nos terrenos tecnológico e militar e se deixaram, assim, dominar e expropriar pelos mais ricos, ou mais capazes militarmente. Considerar que o processo histórico tenha sido o inverso do que realmente foi – isto é, que os mais ricos só se tornaram ricos porque “extrairam” riquezas dos explorados – representaria considerar que basta vontade política para se tornar imperialista, independentemente de uma “acumulação primitiva” (que sempre é propriamente nacional) em capacitação industrial e militar.
O fato é que, a partir das duas últimas décadas do século XX esses dois países convergem, novamente, em direção a padrões de industrialização e a níveis de produção científica mais próximos dos países da OCDE, bem mais rapidamente do que foi o caso nesse período de relativa estagnação (ou mesmo retrocesso, para a China) dos dois séculos anteriores. Um dos problemas da análise conduzida por Fernando Barros em torno do desempenho científico e tecnológico – em geral muito rudimentar – dos países em desenvolvimento é que ele parte de uma suposta tendência dos governos desses países, nas duas últimas décadas, a “se alinhar a programa de ajustamento estrutural e [a] medidas de estabilização de suas economias” (p. 122), supostamente concordes com ditames dos mercados globais. Estas reformas se teriam traduzido “numa maior abertura das economias nacionais [desses países] aos investimentos externos, na eliminação de barreiras protecionistas para toda uma série de produtos manufaturados, na passagem do modelo de substituição de importações para a promoção das exportações, na expansão do setor privado, sobretudo de empresas multinacionais”. “Todas essas medidas de liberalização e privatização”, continua o autor, “implicaram numa redução dos investimentos que o Estado mantinha para determinados setores como a educação e a ciência e a tecnologia” (p. 122).
O problema desse tipo de análise é que China e Índia, nas duas últimas décadas, fizeram exatamente isso que ele parece considerar como fatores negativos e que os problemas dos países mais pobres, com sua inserção econômica internacional e sua dependência tecnológica, não data, em absoluto, das fases de ajuste estrutural e de abertura externa, mas são problemas estruturais que atravessam décadas, senão séculos. Como diria Nelson Rodrigues, o subdesenvolvimento não se improvisa, é uma obra de séculos. A mesma falta de visão histórica abrangente que aparece ao se pretender datar a preeminência econômica, tecnológica e militar dos países mais ricos a partir de suas eventuais fases imperialistas (já que os EUA não se conformam ao padrão europeu de dominação direta de outros povos), se reproduz aqui ao especular que o “esmagamento” das capacidades de pesquisa de países em desenvolvimento poderia ser devido aos ajustes estruturais, à la Consenso de Washington, da fase recente.
Que os países mais pobres – notadamente os africanos – continuem a divergir em relação ao desempenho dos mais avançados, não elimina o fato de que grande parte dos países emergentes, entre eles o Brasil (malgrado sua medíocre taxa de crescimento econômico nessa fase, justamente), caminha no sentido de colmatar as diferenças mais gritantes de desenvolvimento – de renda, de capacitação industrial e de inovação tecnológica – em relação aos países mais ricos. Falar de uma tendência à concentração do conhecimento no mundo contemporâneo, como evidenciado no título deste livro, parece, assim, uma contradição nos termos, e isso a mais de um título. Ainda que as desigualdades sejam um fato, a tendência é desconcentradora, paradoxalmente.
O paradoxo é apenas aparente, uma vez que os frutos do progresso científico e tecnológico, a despeito do que afirmam os antiglobalizadores, tendem a se disseminar rapidamente pelo mundo, acompanhando a deslocalização de empresas e a integração de mercados propriciados pela terceira onda de globalização capitalista (as duas primeiras tendo ocorrido, obviamente, na era dos descobrimentos marítimos e na fase de ascensão do capitalismo industrial que precedeu à belle Époque, ou seja, antes da Primeira Guerra Mundial). Hoje em dia – e isso é válido também para o mais pobre dos países africanos, à condição que ele tenha acesso à internet – a maior parte do estoque de conhecimento científico acumulado pela humanidade está livremente disponível a quem tiver acesso às redes eletrônicas de dados.
Nesse sentido, o mundo nunca foi tão “igualitário” como atualmente – ainda que as pressões à desigualdade e a certa tendência concentradora sejam processos residuais –, mas isso não é, necessariamente, uma perversidade dos “produtores de ciência”, e sim o resultado da incapacidade dos mais pobres em acompanhar o ritmo da pesquisa e do desenvolvimento científico e tecnológico para fins produtivos. O que sempre distinguiu, basicamente, os países entre si – sem falar aqui de desenvolvidos e em desenvolvimento – foram os diferenciais de produtividade do trabalho humano, algo intrinsecamente ligado à capacitação educacional de cada um, não à sua capacidade “extratora” de recursos de uns pelos outros.
A visão conspiratória transparece da adesão do autor às teses de Ha-Joon Chang (Chutando a escada), que acha que os países desenvolvidos querem impedir os menos avançados de alcançá-los e por isso recomendam receitas neoliberais que eles mesmos não seguiram nos seus processos de industrialização. Os fundamentos metodológicos e empíricos desse tipo de raciocínio já foram contestados por diversos autores que não deixaram de apontar suas inconsistências lógicas e históricas, o que não impede sua boa recepção nos meios acadêmicos opostos ao mainstream economics.
As teses desenvolvimentistas, por sua vez, já receberam muitas ressalvas, mas suas bases continuam intactas, como revelado no movimento anti-globalizador. O autor não diz, exatamente, que “um outro mundo científico é possível”. Mas ele talvez gostasse que isso ocorresse segundo as vias tradicionais do investimento estatal e da coordenação das agências públicas com o capital privado. Talvez falte um pouco de confiança na capacidade da própria sociedade se organizar para produzir o saber científico, mas isso começa pela impulsão da educação de base, não necessariamente pelo pródigo apoio à superestrutura algo elitista da comunidade científica. Em todo caso, poucos cientistas acadêmicos dos países em desenvolvimento – como revelado em diversas entrevistas conduzidas pelo autor – parecem confiar na capacidade de suas indústrias nacionais, assim como dos próprios mercados, de forma similar ao que sempre ocorreu nos países desenvolvidos, de colmatar as brechas que os separam destes últimos em matéria de produção e apropriação de conhecimento científico-tecnológico.
O que parece uma constante histórica, na verdade, não é tanto o aprofundamento da brecha científica e tecnológica entre os países, mas, aparentemente, as lamúrias sobre a concentração de saberes nessa área e uma falta de confiança básica na capacidade dos países ditos periféricos de diminuir a distância na produção de ciência e tecnologia. A crer em muitos autores desses países, as desigualdades, quaisquer que sejam suas razões, devem continuar no futuro previsível, configurando assim uma situação estrutural. Este resenhista acredita que a história desmentirá esse tipo de visão pessimista.

Paulo Roberto de Almeida
(Brasília, 1687, 25 novembro 2006)

A desconcentracao do saber cientifico (contra certos "concentracionistas")

Poucos anos atrás, desconstrui a tese universitária de um acadêmico brasiliense, dizendo que todos os seus argumentos estavam fundamentalmente errados, o que significa desmantelar sua banca e desmentir todos os professores que dela fizeram parte também.
Simplesmente publiquei uma resenha de sua tese editada e... o mundo caiu abaixo: o acadêmico clamou contra a minha resenha, invocou os membros da banca e fez questão de publicar uma réplica de minha resenha (o que já é sumamente ridículo). Deixei passar, embora pudesse ter feito uma tréplica e ter desmantelado, mais uma vez, seus argumentos. Não vale a pena dialogar com mentes obtusas.
Vou postar, em seguida, minha resenha e outras informações sobre essa diatribe acadêmica.
Por enquanto faço questão apenas de transcrever matéria traduzida da Economist, que diz exatamente o que eu dizia alguns anos atrás: que em lugar da tremenda concentração e "monopólio do saber", como pretendia o cientista brasiliense em questão, existe de fato uma desconcentração e um crescimento da ciência e da inovação em países que ele chamava de "periféricos" (outra palavrinha a que tenho ojeriza).
Fiquem com o artigo agora.
Paulo Roberto de Almeida

O novo regime científico mundial

Relatório da Unesco revela que ‘aristocracia’ ocidental da ciência está perdendo espaço para nações em ascensão, como China, Índia e Brasil

The Economist, 14/11/2010
CHá vinte anos, a América do Norte, a Europa e o Japão produziam quase toda a ciência mundial. Eles eram os aristocratas do conhecimento técnico, liderando um regime de vários séculos. O que eles produziam era reinvestido em seus complexos industriais, militares e médicos para impulsionar a inovação, a produtividade, o poder, saúde e prosperidade.
Todas as coisas boas, contudo, chegam ao fim, e o reinado desses aristocratas científicos está começando a parecer frágil. Em 1990, eles eram responsáveis por mais de 95% do trabalho de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) mundial. Em 2007, esse número já havia caído para 76% – segundo o relatório da Unesco de 2010. O quadro que este estudo sobre a ciência mundial revela é a de um Ocidente em declínio e Oriente e Sul em ascensão, espelhando as mudanças econômicas ocorrendo mundo afora. Os sans culottes da ciência estão em marcha.
GERD é bom
Comparações entre a competência científica de países geralmente começam com os gastos. Uma medida disso é o GERD (Gross Domestic Expenditure on R&D), que mede os gastos em Pesquisa e Desenvolvimento baseados no PIB. Mundialmente, o GERD somou $1,15 trilhões em 2007 (ultimo ano que o relatório da Unesco mediu). Isto significa um aumento de 45% comparado a 2002. Em adição a isso, nestes cinco anos, o total da Ásia subiu de 27% para 32%. O gráfico abaixo apresenta os índices do GERD em sete diferentes países e na União Europeia:
GERD
A parcela de riqueza nacional gasta em Pesquisa e Desenvolvimento também é útil para comparar economias de tamanhos diferentes – particularmente na medida em que a excelência científica tende a se concentrar em áreas pequenas do mundo, permitindo que pesquisadores de países pequenos como Singapura desafiem aqueles de nações maiores, como os Estados Unidos. Em 2007, o Japão gastou 3,4% de seu PIB em P&D; os Estados Unidos, 2,7%; a União Europeia, coletivamente, gastou 1,8%, e a China, por sua vez, gastou 1,4%. Muitos países, visando à melhora de sua posição científica no mundo, querem aumentar estes números. A China planeja chegar a 2,5%, e Barack Obama gostaria de levar os Estados Unidos para os 3%.
O número de pesquisadores também cresceu em todo lugar. A China está prestes a superar os Estados Unidos e a União Europeia na quantidade de cientistas. Cada um teve aproximadamente 1,5 milhões de pesquisadores, considerando um total global de 7,2 milhões em 2007. Ainda assim, o número de cientistas por cada milhão de pessoas permanece relativamente baixo na China. E a Índia, que perde apenas da China em tamanho populacional, tem apenas um décimo dos pesquisadores. Isso é uma anomalia surpreendente para um país que se tornou o maior exportador de serviços de tecnologia de informação e é o terceiro maior produtor de farmacêuticos – atrás apenas de Estados Unidos e Japão. Confira abaixo os índices de publicações científicas em diferentes países e na União Europeia:
Publicacoes_Cientificas
Ter uma grande quantidade de cientistas, contudo, não importa se eles não forem produtivos. Um indicativo de proeminência científica é o quanto os pesquisadores de um país produzem. Individualmente, os Estados Unidos ainda lideram com alguma folga. Porém, a quantidade de publicações mundiais norte-americanas, que englobava 28% em 2007, está caindo. Em 2002, era de 31%. A parcela coletiva da União Europeia também caiu de 40% para 37%, enquanto a da China mais que dobrou para 10% e a do Brasil cresceu 60%, de 1,7% da produção mundial para 2,7%.
O tamanho da população da Ásia leva a Unesco a concluir que o continente se tornará “o continente cientificamente dominante nos próximos anos”. Mas a citação de artigos em língua inglesa de veículos chineses em outras publicações permanece baixa. Isso pode ser tanto porque a ciência chinesa é pobre quanto porque pesquisadores nos Estados Unidos, Europa e Japão têm um preconceito histórico quanto a citar uns aos outros. Um trabalho norte-americano tipicamente foi citado 14,3 vezes entre 1998 e 2008, enquanto os chineses foram citados apenas 4,6 vezes – mais ou menos o mesmo que os trabalhos publicados na Índia e menos que os publicados na Coreia do Sul.
Para os aristocratas da ciência, muito disso sugere que as guilhotinas estão próximas. Mas a história não termina aí. O que também conta é o nível do sucesso dos países em utilizar o conhecimento que geram. Um jeito de analisar isso é contar quantas patentes um país produz. Isso pode ser traiçoeiro. Um relatório recente da Thomson Reuters, uma firma de informação que também serve de fonte para muitos dados da Unesco sobre publicações científicas, sugere que as patentes chinesas cresceram 26% entre 2003 e 2009 – muito mais rápido que em qualquer outro lugar. Por esta medida, a China irá se tornar a maior registradora de patentes em 2011. Há um obstáculo, contudo. Burocratas em escritórios de patente chineses pagam mais por artigos que “aprovam”. Como resultado, há uma montanha de patentes chinesas de qualidade dúbia.
A última tentativa da Unesco de observar patentes se focou nos escritórios nos Estados Unidos, Europa e Japão, uma vez que são considerados de “alta qualidade”. Nesses escritórios de patentes, os Estados Unidos dominaram, com 41,8% das patentes mundiais em 2006, uma parcela que só caiu levemente em relação aos quatro anos anteriores. O Japão teve 27,9%, a União Europeia 26,4%, a Coreia do Sul teve 2,2% e a China 0,5%.
As perspectivas para o investimento em P&D pelas empresas parecem promissoras na maioria das nações emergentes, contudo. Entre 2002 e 2007, o investimento em negócios como parte do GDP cresceu rapidamente na China, na Índia, em Singapura e Coreia do Sul (ainda que o aumento na Índia seja em relação a uma base baixa). Mas ao menos um aristocrata está contra-atacando, uma vez que o investimento cresceu rapidamente no Japão.
Embora muito disto pareça motivo de preocupação para o velho regime, há um outro padrão que merece ser observado: o da crescente colaboração internacional. Graças às viagens baratas e a ascensão da internet, cientistas estão achando mais fácil que nunca trabalhar juntos. De acordo com Sir Chris Llewellyn-Smith, presidente do grupo responsável por outro relatório sobre a ciência mundial (a ser publicado no início do ano que vem pela Royal Society, a mais antiga instituição científica), mais de 35% dos artigos em publicações de liderança são produtos de colaboração internacional, em relação aos 25% de 15 anos atrás – algo que tanto o antigo quanto o novo regime podem celebrar.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

2062) Ciencia e tecnologia na diplomacia do seculo 19 - Pesquisa Fapesp

Humanidades - Relações internacionais
O Império da inovação: A ciência escondida nos arquivos do Itamaraty
Carlos Haag
revista Pesquisa Fapesp, 170 - Abril 2010

Salão nobre do Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro

Nada mais moderno e atual do que a discussão sobre inovação tecnológica e P&D como forma de diminuir a dependência externa do Brasil e colocá-lo em pé de igualdade com as grandes nações do Primeiro Mundo. Curiosamente, como revela uma pesquisa recente, nada mais antigo também do que pensar nessas questões. Em Inovações tecnológicas e transferências tecnocientíficas: a experiência do Império brasileiro, os pesquisadores Sabrina Marques Parracho Sant’Anna e Rafael de Almeida Daltro Bosisio, a partir de um projeto do Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD), feito no Arquivo Histórico do Itamaraty (AHI), descobriram documentos que revelam a ação do Estado brasileiro e de seus agentes diplomáticos, entre 1822 e 1889, no sentido de usar a inovação tecnológica e a ciência como forma de criar uma nação, civilizar o Brasil e colocar o jovem país em compasso com os territórios europeus nos quais o Primeiro e o Segundo Reinados se espelhavam.

“Foi muito importante a ação do Ministério dos Negócios Estrangeiros no sentido de transferir tecnologia fazendo circular pessoas, bens e informações, numa tentativa de criar condições para a formação e manutenção do Estado imperial, almejando o seu ingresso no grupo das nações civilizadas e reduzindo o hiato que, segundo se acreditava, o separava dele. Ora querendo se aproximar da Europa, ora buscando uma civilização adequada ao mundo dos trópicos, uma Europa possível, construía-se uma identidade nacional baseada no território e num sentimento de exclusão”, explicam os pesquisadores. Segundo Sabrina, coordenadora da pesquisa, “a discussão sobre a formação da ideia de nação no Brasil é longa e controversa, mas o material indica que múltiplos atores sociais efetivamente se empenharam na construção de elementos de distinção da metrópole a partir da superação do estigma da natureza selvagem e se fizeram protagonistas de um Estado independente a partir da construção de uma imagem de cultura e civilização na especificidade dos trópicos”.

O universo do material da pesquisa constituiu--se da documentação disponível no Arquivo Histórico do Itamaraty. No total, foram lidos 297 maços documentais e levantados e fichados cerca de 5.500 documentos, dos quais resultou a seleção e reunião de 2.621 resumidos e classificados por tema que hoje compõem o catálogo, pronto, mas ainda sem data para ser editado, apesar da quantidade preciosa de informações para pesquisa que contém. Os documentos vêm acompanhados da precisa localização no arquivo. “No papel desempenhado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros como mediador das relações entre o Brasil e os demais Estados, buscando superar as desigualdades e fazer com que o país entrasse no grupo das nações tidas como civilizadas, deu-se ênfase à circulação de ciência e tecnologia diretamente relacionada ao movimento de trazer, para dentro do país, o saber que se disponibilizava no resto do mundo, buscando encontrar nas transferências as bases de construção de uma nação em sincronia com suas congêneres”, notam os pesquisadores.

Uma das primeiras e mais constantes preocupações era com a educação da mão de obra, seja pela importação de obras para aplicação no Brasil, seja pelo envio de pessoal qualificado para aperfeiçoamento no exterior. “Salta aos olhos o grande fluxo de ofícios e despachos relativos à instrução pública na busca de métodos educacionais e na compra de livros e equipamentos para faculdades. São desde guias para a introdução de aulas de ginástica até livros variados para a formação de cursos especializados, numa vontade de civilização. Os documentos indicam esforços de universalização do saber, equiparação a modelos europeus e apontam para o desejo de constituição de elites aptas ao controle do Estado e de formação da população como povo capaz de construir a nação”, observam os pesquisadores. Em detrimento da educação universal, porém, os cursos para formação de mão de obra especializada parecem receber ênfase e não por acaso a preocupação centrada na formação das bibliotecas dos cursos jurídicos de Olinda e São Paulo: entre 1822 e 1841, mais de um terço dos documentos são relativos ao assunto. Afinal, era o curso que tinha o lugar central na formação do Estado nacional e ocupava a preocupação das elites dirigentes.

“O fato é revelador na medida em que se criava o curso pelo estado de independência política e que se tornava incompatível demandar, como antes, estes conhecimentos à Universidade de Coimbra. O país precisava começar a formar seus próprios bacharéis. Médicos, engenheiros, militares e técnicos do governo continuariam sendo enviados ao estrangeiro para completarem a sua qualificação. Estes profissionais tornaram-se pensionistas do Estado.” Uma parte do catálogo fala justamente da concessão de benefícios de viagem para aperfeiçoamento no exterior, já que não são raras no Império as práticas de envio de estudantes brasileiros para qualificação no estrangeiro e formação de uma elite capaz de suprir as demandas dos quadros técnicos para operacionalização do Estado. As pensões deveriam: solucionar um problema imediato notado pelo Império; formar um profissional que, além do fim último de sua viagem, devia deixar os olhos sempre abertos para o aprendizado do mundo. “As viagens em comissão e aquelas de estudo, exigindo com frequência relatórios semestrais, foram, de fato, de formação”, dizem os pesquisadores.

Plantio de café: cônsules se empenhavam na remessa de sementes
No entanto, aos poucos, as viagens comissionadas por interesses do Estado vão ganhando proeminência sobre as longas viagens de estudo. “A partir de 1827, o governo passaria a tratar a instrução individual no exterior como de interesse do próprio estudante e deixaria de financiar períodos de formação completa no estrangeiro, deixando que os títulos de doutor ou bacharel ficassem a expensas das famílias abastadas da elite imperial. O financiamento das viagens de instrução passaria a se restringir ao que chamaríamos hoje de especializações e abarcaria apenas as áreas vistas como de interesse imediato do Estado nacional.” Ora vista como meio de ascensão social individual, ora vista como instrumento de civilização fundamental ao Império, a política de educação se fazia no movimento de padronização do acesso à formação civilizadora no interior do país e de formação de elites técnicas para atender a fins específicos da burocracia estatal. “Assim, o movimento de declínio das viagens de estudo em prol do crescimento das viagens de estudo a cargos comissionados parece ser concomitante aos processos de internalização da formação profissional e de busca da maior universalização do acesso ao ensino primário e secundário.”

A exceção, a partir de 1841, eram as pensões destinadas aos estudantes de belas-artes, já que a criação de um corpo de profissionais formados no estrangeiro com valores universais se fazia premente no momento em que Pedro II começava a construir sua imagem de mecenas e homem das artes e quando, no âmbito imagético, pintores, músicos e arquitetos parecem ter contribuído para forjar um sentimento de pertencimento nacional. “Assim, se a engenharia e a medicina, a agricultura e outros ramos do conhecimento se apresentaram como foco fundamental do Estado, oscilando da formação de quadros no estrangeiro para a formação no interior do país, direito e belas-artes aparecem aqui como casos-limite: o primeiro, símbolo maior do que deveria ser exclusivamente nacional, forma administrativa do Estado que se fundava; o segundo, símbolo do que deveria ser pautado em modelos estrangeiros, forma universal, civilizada, a enquadrar a nação nos cânones consagrados do belo internacional.”

Entre 1822 e 1834, o Ministério dos Negócios Estrangeiros inicia suas primeiras atuações a fim de promover a troca de plantas e sementes com outras regiões do mundo, agindo, sobretudo, como mediador nas trocas entre instituições brasileiras ligadas à agriculturas e suas congêneres no exterior. “Olhando o procedimento de envio de sementes, tudo parece apontar para a emergência dos primeiros esforços do Estado em implementar inovações na agricultura diversificando a produção e contribuindo para o progresso nacional, já que a agricultura de gêneros para exportação era vista como fonte de civilização”, notam os pesquisadores. Categorias como rotina, indolência e falta de cultura eram usadas para designar o estado em que se achava a produção agrícola nacional, e as técnicas vindas das nações avançadas eram consideradas inovações necessárias para eliminar esse atraso. De início, até 1834, o papel do ministério era secundário na aquisição e remessa de sementes, mas aos poucos ele se tornou atuante por meio do seu corpo diplomático, que passou a participar ativamente na obtenção de informações científicas e na aquisição e remessa de novas espécies. “Uma clara mudança na ação dos representantes brasileiros no exterior pode ser notada e vários foram os ofícios enviados descrevendo novas espécies que fossem úteis ao desenvolvimento da agricultura nacional. Sementes e mudas foram remetidas com detalhadas informações sobre o plantio, solo apropriado, época para o cultivo e colheita, zona climática adequada para cada espécie. As plantas passaram a ser descritas com seus nomes científicos e de acordo com a classificação de Lineu.”

Pedro II: mecenas

“Cônsules e outros agentes diplomáticos passaram a se empenhar pessoalmente na remessa de sementes, mesmo sem um pedido formal do governo imperial. Muitas vezes, os próprios diplomatas tomaram a iniciativa de selecionar e enviar informações científicas que pudessem contribuir para a aclimatação de novas espécies e para a racionalização da agricultura”, avaliam os pesquisadores. Agentes contratados para tratar de assuntos de imigração também foram envolvidos na elaboração de trabalhos que pudessem contribuir ao desenvolvimento da indústria e do comércio do país e se empenharam na aquisição e remessa de sementes e plantas como algodão, tabaco, café, amoreira, freixo, quina, guaco, verbena, carvalho, baunilha, canela, pinheiro, anil, açafrão, e uma série de outras sementes que deveriam ser aclimatadas para serem úteis na construção do Estadão-nação imperial. “Além do envio de sementes e mudas, passou a ocorrer um crescente intercâmbio de publicações entre instituições científicas brasileiras e suas congêneres no exterior. Os próprios diplomatas brasileiros selecionavam e enviavam artigos científicos que pudessem contribuir para a aclimatação de novas espécies e para a racionalização da agricultura”, contam. “Em seus ofícios e correspondências, faziam relatos de experiências realizadas por cientistas que lhes eram contemporâneos, novas máquinas empregadas para determinadas culturas, enfim novidades no que diz respeito à tecnologia agrícola daquela época. Depois de remetidas as sementes, tais agentes demandavam os resultados do plantio para que a observação empírica lhes servisse de guia nas novas remessas.”

Num terceiro momento, entre 1865 e 1889, há um arrefecimento na atividade de troca de insumos e cresce a participação do governo brasileiro nas exposições mundo afora, tornando o Brasil fornecedor de produtos exóticos e úteis ao comércio internacional. A partir de 1870 observa-se na documentação, afirmam os pesquisadores, um aumento dos pedidos de sementes e mudas nativas do país por outros governos: palmeira, carnaúba, tajujá, fibras têxteis e também de espécies aprimoradas no país, como café, tabaco e cana-de-açúcar. “Com a ênfase nas exposições, as trocas de sementes voltaram a ocorrer no âmbito das instituições científicas que, mesmo vinculadas ao governo, ganharam autonomia”, dizem os pesquisadores. As poucas espécies que chegaram ao Brasil não vieram, como antes, com dados sobre cultivo e plantio, mas acompanhando os novos tempos, com estatísticas comerciais e apontamentos sobre a sua rentabilidade do café, já que, entre os anos de 1876 e 1877, amostras de café brasileiro foram enviadas à França para análise do produto e aprimoramento de sua qualidade a fim de aumentar seu valor de venda no mercado estrangeiro. “Ao longo do século XIX, ao lado da construção do Estado brasileiro, delineou-se uma política agrícola voltada para a exportação. Nesse transcurso, a administração da agricultura pelo governo deixou de lado as ciências naturais, como a botânica, a química e a geologia, para fazer uso das ciências econômicas como forma de desenvolver essa atividade agrícola. Esse novo paradigma passou a coordenar a divulgação científica tal como empreendida anteriormente pelos agentes diplomáticos.”

Ao longo de todo esse período estudado houve, além dos pedidos do Estado, muita iniciativa individual dos diplomatas, bem como a receptividade às inúmeras ofertas feitas, no estrangeiro, de inovações tecnológicas que poderiam servir ao desejo de civilização do Império, prova da importância do ministério no cumprimento da “tarefa civilizacional” que lhe foi indiretamente delegada pelo Estado brasileiro. “É interessante notar que o papel desempenhado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros forjava, como mediador das relações entre o Brasil e os demais Estados, imagens do eu e do outro, buscando superar as desigualdades e fazer com que o paísentrasse no grupo das nações tidas como civilizadas. Aos diagnósticos de civilização ausente e de um território-potência, se sobreporia também o de um aparato estatal faltante, definindo, no período, uma identidade nacional e um mito originário: cosmogonia a repercutir indefinidamente sobre um Estado eternamente em formação”, completam os pesquisadores. Tarefa para a ciência, via diplomacia.

Leia também:
- Documentos de nervos e sangue
CHDD difunde um dos maiores acervos diplomáticos do país