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quarta-feira, 8 de março de 2017

Politica externa, Itamaraty, discurso de posse do novo chanceler: Aloysio Nunes Ferreira (7/03/2017)

Este é o "texto base". Ficaram faltando as inúmeras improvisações ao longo do discurso, inclusive a mais importante: a referência à política "Que floreçam as cem flores", de Mao Tsé-tung, na segunda metade dos anos 1950. Parece que floreceram demais...
Paulo Roberto de Almeida


Texto-base para o discurso de posse do Ministro de Estado das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira – Palácio Itamaraty, 7 de março de 2017
Nota 62
07 de Março de 2017 - 19:30

Querido amigo José Serra, mais uma vez nos encontramos nesta mesma longa estrada de vida pública que desde jovens decidimos trilhar, e a cujo percurso sempre dedicamos o melhor de nossas energias.
Você é, sem dúvida, um dos mais destacados líderes políticos de nossa geração. Tive a honra de trabalhar sob sua direção na Prefeitura de São Paulo e no Governo de nosso Estado, e testemunhei de perto, até com sacrifício de minhas rotinas domésticas, a sua devoção à causa pública, o rigor na administração, sua capacidade de reunir e entusiasmar as equipes ao seu redor e a solidariedade fraterna com que você sempre distinguiu a todos, e a mim pessoalmente.
Agora, no Ministério das Relações Exteriores, eu vou entrando e você vai saindo. Mas deixa aqui um legado que constituiu uma base sólida para o cumprimento da missão que me foi atribuída pelo presidente Temer. Você acaba de produzir uma prestação de contas que demonstra cabalmente o sentido da reorientação do Itamaraty nessa nova fase da vida brasileira e das relações internacionais do nosso País. Não preciso insistir sobre isso: minha ação, à frente do ministério, na sequência e na atualização de sua orientação, falarão mais do que eu poderia dizer nesse discurso de transmissão do cargo. O que é certo é que, com o mesmo denodo que você, tratarei de assegurar que nossa política externa esteja sempre alinhada com os reais valores e os legítimos interesses nacionais.
Cada vez mais está presente na consciência dos cidadãos brasileiros a ideia da inseparabilidade entre política externa e política interna. Sempre foi assim. Sem me alongar sobre o tema, permito-me uma lembrança da nossa história e recorro a dois autores que, entre outros, assinalaram claramente essa conexão, Synésio Sampaio Góis e Gabriela Nunes Ferreira. A definição do “corpo da Pátria”, o que ele contém, quais os seus limites, onde ele termina e onde começa o dos seus vizinhos, essa definição que garantiu foros de legitimidade à ação multissecular de bandeirantes, religiosos, soldados e povoadores foi obra de diplomatas e dos condutores da nossa política externa. Uma ação levada a cabo com energia e paciência, e que foi inseparável da própria consolidação do Estado Nacional. Os setores mais informados da opinião, no início da República, compreendiam bem a conexão entre esses dois processos: é o que explica, penso eu, em grande parte, a imensa popularidade de que desfrutou o Barão do Rio Branco.
Volto aos dias recentes e evoco a última campanha presidencial da qual tive a honra de ser candidato a vice-presidente, ao lado de Aécio Neves, esse extraordinário líder político, a quem sou ligado por amizade e admiração que só fizeram crescer de lá para cá. No calor dos debates, na imprensa, no Congresso, onde quer que se reunissem eleitores nessa campanha apaixonante, despontava sempre a discussão sobre temas que, a rigor, dizem respeito à política externa. Como promover uma nova inserção, mais competitiva, nos grande fluxos de comércio, de investimentos e de intercâmbio tecnológicos no mundo globalizado? Como revigorar o Mercosul, afirmar seu propósito inicial de se constituir uma área de livre comércio, multiplicar seus acordos com outros países e blocos? Como valorizar, aos olhos do mundo e aos nossos próprios olhos, o fato de sermos uma grande potencia agroindustrial, nossas conquistas ambientais e esse extraordinário passaporte que é a cultura brasileira? De que forma poderemos fazer da nossa política externa um instrumento para buscar novas oportunidades para o desenvolvimento material de nosso país? Trata-se de uma exigência de sempre, mas particularmente premente, para superarmos a atual crise que nos assola e que impõe mais do que nunca a distinção entre nossos interesses permanentes e os alinhamentos partidários e ideológicos contingentes. Reafirmo o que tem sido dito desde o início do governo Temer: a política externa tem que estar a serviço do País e não dos objetivos de um partido, qualquer que seja ele. Não posso deixar de lembrar a preocupação, cada vez mais presente, com a escalada autoritária do governo venezuelano, que nos últimos anos esteve presente entre os grandes temas em debate. A nossa posição frente à Venezuela é emblemática do papel que queremos desempenhar na América Latina e no mundo. Nossa solidariedade irrestrita com aqueles que lutam pela liberdade nesse país irmão é a reafirmação do princípio constitucional da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais do Brasil democrático.
As preocupações que acabo de mencionar, presentes também em um amplo espectro de opiniões políticas, proporciona –espero- uma base para o entendimento entre os atores políticos, que ultrapassa os limites das atuais situação e oposição. Essa é, aliás, uma das lições que tiro de minha participação na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional.
Agradeço ao Presidente Michel Temer a confiança que, mais uma vez, deposita em mim. Depois da liderança do governo no Senado, agora para ajudá-lo a conduzir a política externa do Brasil.
Conheci Michel Temer em 1963 quando entrei na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Nunca o perdi de vista. Somos colegas na Procuradoria Geral do Estado de São Paulo e vim a conviver com ele, mais de perto, já no governo Montoro. Fui seu colega na Câmara, seu companheiro nas fileiras do PMDB. Michel Temer nunca mudou de lado no seu compromisso com a democracia, com a ordem jurídica e com a justiça em todas as suas dimensões. É uma honra estar ao seu lado nesse momento em que, com constância, sem ceder às tentações fáceis do populismo, vem dando rumo ao Brasil, de modo a superarmos a crise e entregarmos em 2018 um País mais organizado institucionalmente, mais próspero, voltando a gerar empregos e respeitado na área internacional.
É uma honra assumir a chefia do Itamaraty, instituição que tem dado ao país, ao longo da história, contribuição valiosa que a nação brasileira reconhece e respeita. Essa instituição é animada pela convicção de que uma boa política externa deve conciliar a primazia do interesse nacional com o papel que cabe a um País da estatura do Brasil, por suas dimensões, seu peso, sua história, como membro da comunidade internacional.
O Brasil anseia por seu desenvolvimento pleno e os brasileiros demandam a aceleração desse processo. Encaramos a interação com os demais povos e com as economias de todo o mundo como veículo para o nosso progresso. Estamos, pois, determinados a ampliar e aprofundar nossa participação integrada na economia mundial, por meio de negociações que produzam resultados equilibrados e atendam aos interesses de todas as partes. Não podemos, porém, fazer prova de ingenuidade voluntarista e de curto prazo das concessões unilaterais: a regra do jogo é e deve continuar a ser a da reciprocidade – particularmente, mas não somente, na frente econômico-comercial.
Ainda nesse terreno, a intensificação do trabalho de promoção comercial e promoção de investimentos, reforçado pela vinculação da APEX ao Itamaraty, foi uma prioridade central da gestão de José Serra que tenciono manter intacta e levar adiante com todo empenho.
Os sinais de melhora na economia e a força parlamentar do governo abrem oportunidades para uma ação externa mais vigorosa; uma política externa que projeta, sem rodeios ou hesitações, um País cuja solidez institucional foi testada e aprovada na recente crise do impeachment, um povo que hoje recupera sua confiança em si e anseia por parcerias que nos ajudem na retomada do crescimento e na busca da prosperidade.
Pretendo reunir-me com as chefias do ministério, de todas as áreas, para uma conversa aberta, uma desinibida circulação de ideias sobre os desafios que enfrentamos e sobre o que se vem fazendo e terá de ser feito. Precisamos partir de um entendimento objetivo e cuidadosamente refletido da conjuntura internacional. Há muitas incertezas no horizonte, tendências preocupantes que se acumulam: o protecionismo repaginado, o aumento da retórica anti-imigração, a atribuição a causas externas de problemas cuja solução, na verdade, depende muitas vezes de remédios de natureza e aplicação local. 
O Brasil não deve se acanhar – ou, ao contrário, se abespinhar – diante dessa conjuntura. Possuímos inquestionáveis ativos de caráter permanente: grande território e população, uma das maiores economias do mundo, recursos naturais e ambientais estratégicos, indústria diversificada, agricultura moderna e possante, imenso mercado interno, oportunidades atraentes de investimento.
Somos a um só tempo uma potência agrícola, que ajuda a alimentar o mundo, e um dos países com maior cobertura florestal e de matriz energética mais limpa e diversificada, com participação de cerca de 40% de fontes renováveis. Esses atributos conferem ao Brasil papel de relevo no encaminhamento das questões de meio ambiente, de mudança do clima e de desenvolvimento sustentável.
Temos tradição e credibilidade nos organismos multilaterais e na diplomacia bilateral. Nas Nações Unidas, o Brasil sempre foi apreciado e respeitado pela qualidade substantiva, pelo sentido agregador e construtivo de sua atuação. Continuaremos a buscar que a ONU, ainda que com atraso, reflita em suas instâncias centrais, particularmente no Conselho de Segurança, a realidade do mundo em que vivemos hoje. O Secretário-Geral António Guterres sabe que conta com o apoio do Brasil.
Na OMC, da mesma forma, onde o embaixador Roberto Azevêdo acaba de ser reconduzido para mais um mandato de quatro anos como Diretor-Geral, também temos sido um ator-chave. O Sistema Multilateral de Comércio continua a ser um dos pilares centrais da ordem econômica mundial. Não interessa a ninguém retroceder aos tempos da lei da selva.     
Devemos também reforçar nossa atuação – a defesa de nossos interesses e a promoção de nossas ideias e valores – em foros como o G-20, onde se gestaram depois da crise de 2008 importantes ajustes na governança das instituições financeiras internacionais, assim como no BRICS e no IBAS (Índia, Brasil e África do Sul).
Encontraremos as oportunidades e criaremos os espaços que melhor atendam às nossas aspirações, valores e interesses, na região e além dela, com a consciência de que o Brasil é um ator global que continuará a assumir suas responsabilidades sem titubeios.
Continuaremos a dar a necessária prioridade ao nosso relacionamento com as nações da América do Sul, da América Central, do conjunto da América Latina e do Caribe. 
Amanhã mesmo viajarei a Buenos Aires para um encontro com os chanceleres da Argentina, Paraguai e Uruguai. Manterei, assim, a boa tradição de que logo ao assumir os chanceleres brasileiros visitem a vizinha nação irmã, parceira maior e prioritária do Brasil. Em nossa região, a coincidência de visões políticas e de práticas econômicas favorece uma ampliação significativa de nosso intercâmbio comercial e de investimentos. Enseja uma imprescindível renovação do Mercosul.
Quero dar seguimento às ações de maior aproximação entre o Mercosul e os países da Aliança do Pacífico. Está marcado para o começo de abril um encontro nosso com os chanceleres de Chile, Colômbia, México e Peru.
A situação na Venezuela continua a nos preocupar. Queremos uma Venezuela próspera e democrática, sem presos políticos e com respeito à independência dos poderes, um país irmão capaz de reencontrar o caminho do progresso para o bem de sua gente.
As ações com nossos vizinhos para garantir a segurança e o desenvolvimento na faixa de fronteira são uma das importantes iniciativas do ministro Serra. A explosão de violência criminosa em nossas cidades, em nossos presídios, está intimamente ligada ao que se passa – literalmente – ao que passa por nossas fronteiras, nos dois sentidos. Amanhã me reunirei com o ministro da Defesa, Raul Jungmann, para debatermos formas de aprofundar a cooperação entre o Itamaraty e o Ministério da Defesa. Se o crime é crescentemente transnacional, também o combate que lhe damos há de sê-lo.
As relações com os Estados Unidos também podem ampliar-se de forma expressiva, em bases mutuamente benéficas. Nossos governos e nossas comunidades empresariais têm claro interesse na expansão de investimentos recíprocos, na facilitação de comércio, no aumento da cooperação cientifica e tecnológica, nos projetos comuns em energia, na indústria de defesa. O desafio está em fazer andar acordos e projetos desenhados há anos, mas que só agora começam a ser implementados.
Nosso relacionamento com a Europa está prestes, espero, a adquirir uma nova dimensão. O acordo entre o Mercosul e a União Europeia está na ordem do dia e poderá propiciar um salto qualitativo nas nossas relações com a Europa e que, por isso mesmo, não pode ser visto apenas como a desgravação de algumas linhas tarifárias. Ao falar de Europa, não podemos deixar de mencionar o leste europeu e a Rússia, um parceiro tradicional que continuaremos a valorizar.
Fato novo e relevante, nas últimas décadas, tem sido o extraordinário aumento do comércio e dos investimentos com a Ásia, particularmente com o Japão, também com a Coreia, e muito acentuadamente com a China. O avanço foi grande e o potencial, com esses e outros países da região, tais como a Índia e a Indonésia, evidentemente ainda maior. Precisamos conhecer melhor e fazer mais com esses parceiros. As relações com a China merecem uma atenção condizente com a escala e a natureza singular do intercâmbio, inclusive com vistas à identificação e estruturação de novas áreas de cooperação. Com o Japão, nosso parceiro mais tradicional na Ásia, temos o desafio de renovar sempre um relacionamento que já deu e continuará dando muitos e bons frutos. 
Não devemos esquecer o compromisso histórico e o interesse cada vez maior pelas relações com nossos parceiros no mundo em desenvolvimento. Sem descuidar das convergências que temos entre nós, é hora de concretizar as muitas oportunidades para um comércio ampliado, para investimentos recíprocos e para parcerias empresariais.
O caso da África é uma ilustração deste fato. O continente africano cresceu nas últimas décadas quase o dobro do que a América Latina. As mais expressivas lideranças africanas têm deixado claro que não buscam compaixão assistencial, mas investimentos e parcerias empresariais e tecnológicas. Como potência agrícola, o Brasil está pronto a compartilhar sua tecnologia agrícola, por exemplo, com parceiros e amigos mediante arranjos inovadores, maior cooperação entre entidades de pesquisa, intercâmbio de especialistas, investimentos e parcerias empresariais. Pretendo visitar países da África ainda neste semestre.
São fortes e conhecidos, também, nossos laços históricos, humanos, econômico-comerciais com países do Oriente Médio, que devem ser – e serão – objeto de esforço contínuo de aproximação nesses e em todos os campos.
Senhoras e senhores,
O Itamaraty continuará a dar atenção prioritária ao apoio às comunidades de brasileiros que vivem no exterior – é uma responsabilidade fundamental do Itamaraty para com nossos compatriotas emigrados.
A propósito, ressalto que o Brasil continuará a ser um país aberto aos estrangeiros e mais ainda, porque a nova Lei de Imigração, de minha iniciativa, que revoga dispositivos herdados do período autoritário  coloca o País na vanguarda do direito humanitário.
Assim como o Serra, passei anos da minha vida no exilio sob a proteção do alto comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e Apátridas, assim como do direito dos países que nos abrigaram. Nos orgulhamos de que o Brasil seja uma terra de asilo, dotado de um estatuto dos refugiados, de cuja elaboração tive a honra de participar como deputado federal ao tempo do governo de Fernando Henrique, e que e um dos mais generosos do mundo.
Trataremos igualmente de aprimorar práticas destinadas a facilitar a vida de quem nos quer visitar, como faremos ainda este ano com a implantação do visto eletrônico para nacionais de alguns países que exigem vistos de cidadãos brasileiros. Conciliar o princípio fundamental da reciprocidade com o primado da eficiência sempre foi algo que a diplomacia brasileira quis e soube fazer, nos mais diversos campos. 
Quero concluir com uma mensagem de compromisso ao corpo de servidores do Itamaraty. Ao longo dos últimos nove meses, tive o gosto de apoiar José Serra – inclusive como presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado – na tarefa que ele cumpriu de restabelecer as condições de espaço político e disponibilidade de recursos para que este ministério pudesse voltar a ocupar o lugar que sempre lhe coube no centro das decisões e das políticas mais estratégicas do Brasil. isso não será revertido, muito pelo contrário: o Itamaraty continuará a ser um ministério central na defesa e promoção dos interesses nacionais.
Contem com meu empenho para valorizar as carreiras do Serviço Exterior Brasileiro, bem como as demais categorias de servidores do ministério, nos limites angustiantes das atuais restrições orçamentárias.  Vou dar atenção especial a questões da administração do Itamaraty. Estou determinado a assegurar os meios adequados para que o Ministério possa cumprir suas obrigações com eficiência e para tanto conto com o mesmo respaldo que o Ministro teve de seus, agora meus colegas na Esplanada.
Política externa é política pública. Política pública estratégica e prioritária, da qual o Brasil irá necessitar cada vez mais. É uma politica cuja execução exige cada vez mais a integração do Itamaraty com outras áreas do governo e especialmente, no que tange ao comércio exterior, com o Ministério da Indústria Comercio e Desenvolvimento. Sempre sob a alta direção do presidente da República.
Política externa é o honroso ofício dos servidores do Itamaraty e, a partir de hoje, também o meu.


Sobre a campanha das "cem flores", da Wikipedia: 
The movement was in part a response to the demoralization of intellectuals, who felt estranged from The Communist Party. After this brief period of liberalization, Mao abruptly changed course. The crackdown continued through 1957 as an Anti-Rightist Campaign against those who were critical of the regime and its ideology. Those targeted were publicly criticized and condemned to prison labor camps.
The ideological crackdown following the campaign's failure re-imposed Maoist orthodoxy in public expression, and catalyzed the Anti-Rightist Movement.

terça-feira, 18 de agosto de 2015

Diplomacia e Politica de Defesa Hemisferica: tese de CAE de Paulo Cordeiro

A FUNAG publicou, na Coleção Curso de Altos Estudos, o livro "Diplomacia e Polí­tica de Defesa - O Brasil no debate sobre a segurança hemisférica na década pós-Guerra Fria (1990-2000)", do Embaixador Paulo Cordeiro de Andrade Pinto.

Trata-se de versão revista da tese elaborada entre 1998 e 2000 e aprovada com alto conceito no âmbito do Curso de Altos Estudos (CAE) do Instituto Rio Branco (IRBr). Nela, o autor estuda a evolução das posições do Brasil no debate sobre a reformulação do conceito de segurança hemisférica na Organização dos Estados Americanos (OEA) e em outros foros regionais.

O livro está disponível para download gratuito no site da FUNAG e também pode ser adquirido na loja virtual ou no estande promocional da Fundação, situado no Anexo II do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília.

Download neste link: http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/product&product_id=745

domingo, 16 de agosto de 2015

Dez regras modernas de diplomacia - Paulo Roberto de Almeida (2001)

Um texto antigo, mas aparentemente ainda válido.
Em vista da quebra de velhos links e de algumas imperfeições textuais, decidi incorporá-lo novamente a este blog.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 16 de agosto de 2015


Dez Regras Modernas de Diplomacia

Paulo Roberto de Almeida
Chicago, 22 de julho; São Paulo-Miami-Washington, 11-12 de agosto de 2001

Passei minhas férias de verão (setentrional) na companhia de um pequeno livro para o qual minha atenção tinha sido despertada pelo Embaixador Sérgio Bath, aliás sob recomendação inicial do Emb. Seixas Corrêa, ambos apreciadores de velhos manuscritos e de tudo o mais que se refira à história diplomática. Trata-se de um opúsculo hoje démodé (mas provavelmente um utilíssimo manual para meus antecessores do oitocentos) cujo autor, um diplomata monárquico português da segunda metade do século XIX, Frederico Francisco de la Figanière, o intitulou modestamente Quatro regras de diplomacia (Lisboa: Livraria Ferreira, 1881, 239 p.). Retirei-o da Biblioteca do Congresso americano, infalível para esse tipo de trouvaille, e passei bons momentos em sua companhia, 120 anos depois de sua publicação original (e, ao que parece, única).
O prazer me foi dado não tanto pelo enunciado, aliás pouco extensivo, das ditas quatro regras de diplomacia – manifestamente desadaptadas à diplomacia do século XXI  – mas mais exatamente pelos seus saborosos anexos históricos, uma "colecção de modelos das principaes especies de escriptos diplomaticos", entre elas cartas da época do tratado de Utrecht (1713), um protesto contra a violação de imunidades no período da Revolução francesa (o pobre enviado português à corte de Luís XVI jogado à prisão, como um reles conspirador aristocrata), além de outros "escriptos" do Congresso de Viena ou relativos ao Brasil imperial. Segundo Figanière, "Dos diversos ramos do serviço público, o diplomático é sem dúvida aquele em que ao agente é concedida maior liberdade no modus operandi" (p. 9), o que, se era correto em sua época de comunicações lentas e precárias, há muito deixou de corresponder à realidade de uma diplomacia cada vez mais enquadrada de perto, não apenas pela Secretaria de Estado " com a qual estamos em contato as 24 horas do dia, praticamente " mas seguida com atenção pela imprensa, pelos grupos de interesse e, agora também, pelas hordas de "antiglobalizadores" conectados às redes internéticas de uma aldeia decididamente global.
Enfim, quais eram essas regras que apareciam como um imperativo moral, quase que de ordem kantiana, ao colega lusitano de mais de um século atrás? Elas eram o objeto de quatro curtos capítulos de observações e de recomendações a eventuais candidatos à carreira diplomática:
I. Agradar;
II. Ser leal;
III. Antepor a palavra à pena;
IV. Ter concisão e ordem no redigir.
Como se vê, nada de muito esclarecedor ou propriamente entusiasmante, para a prática atual, a não ser talvez a última das regras, que vinha com uma advertência ainda válida para os tempos que correm: "O estilo prolixo e difuso é um defeito que cumpre evitar nas composições diplomáticas" (p. 70). Dois pontos para nosso antecessor português, pois que ele também achava que, de todos os deveres, o primeiro era o de bem servir a pátria, algo que não custa relembrar atualmente (e de modo permanente).
Deixo de lado as regras relativas a agradar e ser leal (ao seu real senhor, ora pois), mais adequadas talvez à "época das cabeleiras empoadas, dos peitilhos de renda, dos passeios em cadeirinhas, (ou) da pena de pato, aparada entre boas pitadas de rapé", nas palavras de outro antecessor meu da belle époque, José Manuel Cardoso de Oliveira (in A moderna concepção da diplomacia e do comércio, 1925). A terceira regra, a rigor, também apresenta sua utilidade, uma vez que ainda costumamos tratar oralmente de algum assunto importante, antes de oficializá-lo mediante uma nota diplomática ou um aide-mémoire. Em todo caso, inspirado no exemplo do ilustre representante da diplomacia lusa de tão saudosa memória – ela foi, com toda a sua habilidade no navegar entre os interesses sempre divergentes dos principais poderes europeus, a base de nossa diplomacia imperial, reconhecidamente excelente para os padrões da época, mesmo em escala comparativa com outros países mais avançados economicamente –, resolvi arriscar, igualmente, formular minhas próprias regras modernas de diplomacia, esperando que elas possam ser bem recebidas por meus colegas de profissão mais jovens. Aqui vão elas, em formato reduzido, geralmente mais pensadas em função do ambiente multilateral que é o comum na vida atual da diplomacia, do que para situações de relações bilaterais.

1. Servir a pátria, mais do que aos governos, conhecer profundamente os interesses permanentes da nação e do povo aos quais serve; ter absolutamente claros quais são os grandes princípios de atuação do país a serviço do qual se encontra.
O diplomata é um agente do Estado e, ainda que ele deva obediência ao governo ao qual serve, deve ter absoluta consciência de que a nação tem interesses mais permanentes e mais fundamentais do que, por vezes, orientações momentâneas de uma determinada administração, que pode estar guiada – mesmo se em política externa isto seja mais raro – por considerações partidárias de reduzido escopo nacional. Em resumo, não seja subserviente ao poder político, que, como tudo mais, é passageiro, mas procure inserir uma determinada ação particular no contexto mais geral dos interesses nacionais.

2. Ter domínio total de cada assunto, dedicar-se com afinco ao estudo dos assuntos de que esteja encarregado, aprofundar os temas em pesquisas paralelas.
Esta é uma regra absoluta, que deve ser auto-assumida, obviamente: numa secretaria de estado ou num posto no exterior, o normal é a divisão do trabalho, o que implica não apenas que você terá o controle dos temas que lhe forem atribuídos, mas que redigirá igualmente as instruções para posições negociais sobre as quais seu conhecimento é normalmente maior do que o do próprio ministro de estado ou o chefe do posto. Mergulhe, pois, nos dossiês, veja antigos maços sobre o assunto (a poeira dos arquivos é extremamente benéfica ao seu desempenho funcional), percorra as estantes da biblioteca para livros históricos e gerais sobre a questão, formule perguntas a quem já se ocupou do tema em conferências negociadoras anteriores, mantenha correspondência particular com seu contraparte no posto (ou na secretaria de estado), enfim, prepare-se como se fosse ser sabatinado no mesmo dia.

3. Adotar uma perspectiva histórica e estrutural de cada tema, situá-lo no contexto próprio, manter independência de julgamento em relação às idéias recebidas e às "verdades reveladas".
Em diplomacia, raramente uma questão surge do nada, de maneira inopinada. Um tema negocial vem geralmente sendo "amadurecido" há algum tempo, antes de ser inserido formalmente na agenda bilateral ou multilateral. Estude, portanto, todos os antecedentes do assunto em pauta, coloque-o no contexto de sua emergência gradual e no das circunstâncias que presidiram à sua incorporação ao processo negocial, mas tente dar uma perspectiva nova ao tema em questão. Não hesite em contestar os fundamentos da antiga posição negociadora ou duvidar de velhos conceitos e julgamentos (as idées reçues), se você dispuser de novos elementos analíticos para tanto.

4. Empregar as armas da crítica ao considerar posições que devam ser adotadas por sua delegação; praticar um ceticismo sadio sobre prós e contras de determinadas posições; analisar as posições "adversárias", procurando colocá-las igualmente no contexto de quem as defende.
Ao receber instruções, leia-as com o olho crítico de quem já se dedicou ao estudo da questão e procure colocá-las no contexto negocial efetivo, geralmente mais complexo e matizado do que a definição de posições in abstracto, feita em ambiente destacado do foro processual, sem interação com os demais participantes do jogo diplomático. Considerar os argumentos da parte adversa também contribui para avaliar os fundamentos de sua própria posição, ajudando a revisar conceitos e afinar seu próprio discurso. Uma saudável atitude cética " isto é, sem negativismos inconsequentes " ajuda na melhoria constante da posição negociadora de sua chancelaria.

5. Dar preferência à substância sobre a forma, ao conteúdo sobre a roupagem, aos interesses econômicos concretos sobre disposições jurídico-abstratas.
Os puristas do direito e os partidários da "razão jurídica" hão de me perdoar a deformação "economicista", mas os tratados internacionais devem muito pouco aos sacrossantos princípios do direito internacional, e muito mais a considerações econômicas concretas, por vezes de reduzido conteúdo "humanitário", mas dotadas, ao contrário, de um impacto direto sobre os ganhos imediatos de quem as formula. Como regra geral, não importa quão tortuosa (e torturada) sua linguagem, um acordo internacional representa exatamente – às vezes de forma ambígua – aquilo que as partes lograram inserir em defesa de suas posições e interesses concretos, Portanto, não lamente o estilo "catedral gótica" de um acordo específico, mas assegure-se de que ele contém elementos que contemplem os interesses do país.

6. Afastar ideologias ou interesses político-partidários das considerações relativas à política externa do país.
A política externa tende geralmente a elevar-se acima dos partidos políticos, bem como a rejeitar considerações ideológicas, mas sempre somos afetados por nossas próprias atitudes mentais e algumas "afinidades eletivas" que podem revelar-se numa opção preferencial por um determinado tipo de discurso, "mais engajado", em lugar de outro, supostamente mais "neutro". Poucos acreditam no "caráter de classe" da diplomacia, mas eventualmente militantes "classistas" gostariam de ajudar na "inflexão" política ou social de determinadas posições assumidas pelo país internacionalmente, sobretudo quando os temas da agenda envolvem definição de regras que afetam agentes econômicos e expectativas de ganhos relativos para determinados setores de atividade. Deve-se buscar o equilíbrio de posições e uma definição ampla, verdadeiramente nacional, do que seja interesse público relevante.

7. Antecipar ações e reações em um processo negociador, prever caminhos de conciliação e soluções de compromisso, nunca tentar derrotar completamente ou humilhar a parte adversa.
O soldado e o diplomata, como ensinava Raymond Aron, são os dois agentes principais da política externa de um Estado – embora atualmente outras forças sociais, como as ONGs e os homens de negócio, disputem espaço nos mecanismos decisórios burocráticos – mas, à diferença do primeiro, o segundo não está interessado em ocupar território inimigo ou destruir sua capacidade de resistência. Ainda que, em determinadas situações negociais, o interesse relevante do país possa ditar alguma instrução do tipo "vá ao plenário com todas as suas armas (argumentativas) e não faça prisioneiros", o confronto nunca é o melhor método para lograr vitória num processo negociador complexo. A situação ideal é aquela na qual você "convence" as outras partes negociadoras de que aquela solução favorecida por seu governo é a que melhor contempla os interesses de todos os participantes e na qual as partes saem efetivamente convencidas de que fizeram o melhor negócio, ou pelo menos deram a solução possível ao problema da agenda.

8. Ser eficiente na representação, ser conciso e preciso na informação, ser objetivo na negociação.
Considere-se um agente público que participa de um processo decisório relevante e convença-se de que suas ações terão um impacto decisivo para sua geração e até para a história do país: isto já é um bom começo para dar dignidade à função de representação que você exerce em nome de todos os seus concidadãos. Redija com clareza seus relatórios e seja preciso nas instruções, ainda que dando uma certa latitude ao agente negocial direto; não tente fazer literatura ao redigir um anódino memorandum, ainda que um mot d’esprit aqui e ali sempre ajuda a diminuir a secura burocrática dos expedientes oficiais’. Via de regra, estes devem ter um resumo inicial sintetizando o problema e antecipando a solução proposta, um corpo analítico desenvolvendo a questão e expondo os fundamentos da posição que se pretende adotar, e uma finalização contendo os objetivos negociais ou processuais desejados. No foro negociador, não tente esconder seus objetivos sob uma linguagem empolada, mas seja claro e preciso ao expor os dados do problema e ao propor uma solução de compromisso em benefício de todas as partes.

9. Valorize a carreira diplomática sem ser carreirista, seja membro da corporação sem ser corporatista, não torne absolutas as regras hierárquicas, que não podem obstaculizar a defesa de posições bem fundamentadas.
Geralmente se entra na carreira diplomática ostentando um certo temor reverencial pelos mais graduados, normalmente tidos como mais "sábios" e mais preparados do que o iniciante. Mas, se você se preparou adequada e intensamente para o exercício de uma profissão que corresponde a seus anseios intelectuais e responde a seu desejo de servir ao país mais do que aos pares, não se deixe intimidar pelas regras da hierarquia e da disciplina, mais próprias do quartel do que de uma chancelaria. Numa reunião de formulação de posições, exponha com firmeza suas opiniões, se elas refletem efetivamente um conhecimento fundamentado do problema em pauta, mesmo se uma "autoridade superior" ostenta uma opinião diversa da sua. Trabalhe com afinco e dedicação, mas não seja carreirista ou corporatista, pois o moderno serviço público não deve aproximar-se dos antigos estamentos de mandarins ou das guildas medievais, com reservas de "espaço burocrático" mais definidas em função de um sistema de "castas" do que do próprio interesse público. A competência no exercício das funções assignadas deve ser o critério essencial do desempenho no serviço público, não o ativismo em grupos restritos de interesse puramente umbilical.

10. Não faça da diplomacia o foco exclusivo de suas atividades intelectuais e profissionais, pratique alguma outra atividade enriquecedora do espírito ou do físico, não coloque a carreira absolutamente à frente de sua família e dos amigos.
A performance profissional é importante, mas ela não pode ocupar todo o espaço mental do servidor, à exclusão de outras atividades igualmente valorizadas socialmente, seja no esporte, seja no terreno da cultura ou da arte. Uma dedicação acadêmica é a que aparentemente mais se coaduna com a profissão diplomática, mas quiçá isso represente uma deformação pessoal do autor destas linhas. Em todo caso, dedique-se potencialmente a alguma ocupação paralela, ou volte sua mente para um hobby absorvente, de maneira a não ser mais um "burocrata alienado". Sim, e por mais importante que seja a carreira diplomática para você, não a coloque na frente da família ou de outras pessoas próximas. Muitos se "sentem" sinceramente diplomatas, outros apenas "estão" diplomatas, mas, como no caso de qualquer outra profissão, a diplomacia não pode ser o centro exclusivo de sua vida: os seres humanos, em especial as pessoas da família, são mais importantes do que qualquer profissão ou carreira.

[PRA, 800: Chicago, 22 de julho;
São Paulo-Miami-Washington, 11-12 de agosto de 2001;
revisto: 2.11.01]

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Da diplomacia dos antigos comparada 'a dos modernos - Paulo Roberto de Almeida

O trabalho mais recente publicado:


Mundorama (20/05/2015; 
Relação de Originais n. 2822; Publicados n. 1178.

Da diplomacia dos antigos comparada à dos modernos, por Paulo Roberto de Almeida

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Sob a inspiração e com o devido copyright moral corretamente atribuído a um antecessor bem mais antigo e famoso: Benjamin Constant (De la liberté des anciens comparée à celle des modernes, discurso em 1819; disponível: http://www.panarchy.org/constant/liberte.1819.html; acesso em 21/04/2015).
Messieurs,
Eu me proponho submeter-vos algumas distinções – ainda bastante novas chez nous – entre dois gêneros de diplomacia, cujas diferenças recíprocas podem ter, hélas, permanecido despercebidas até aqui, ou que, pelo menos, foram pouco ressaltadas pelos ensaístas. Uma é a diplomacia tradicional, tal como praticada pelos antigos, bastante apreciada por eles, tanto pelos profissionais do ramo, quanto pela sociedade em geral. A outra, é esta que estamos vendo implementada pelos modernos, e que lhes parece, a eles, perfeitamente adequada às necessidades do país, quando, na verdade, ela só contempla os interesses do pequeno grupo que a formulou e que a conduz. Tal exercício de comparação, se não me engano, me parece interessante por duas razões principais.
Primeiramente, a confusão entre as duas espécies de diplomacia constitui entre nós, sobretudo numa época revolucionária como esta, a causa de muitos males. O país parece ter cansado de tantos experimentos inúteis, cujos autores, irritados pelo pouco sucesso que tiveram nessas experiências amadoras, ainda tentam constrangê-lo a aceitar tudo aquilo que a sociedade manifestamente não quer. Em segundo lugar, porque o governo atual veicula uma noção de democracia e de participação popular que está nas antípodas do que se descobriu serem os desejos – talvez confusos – dos estratos mais esclarecidos da sociedade, que se redescobre um poder que, até aqui, ela acreditava não possuir. Abrem-se, portanto, perspectivas diferentes daquelas que tivemos até há pouco, desde a ruptura entre os tempos dos antigos e esta época dos modernos, chances talvez nunca antes percebidas pela opinião pública mais engajada na participação cidadã.
Eu sei que se tenta confundir a exata apreensão e a correta compreensão dessa realidade, apelando para falsos sinais de adequação entre a diplomacia moderna e a antiga, supostamente equivalentes, ou ainda, tomando a primeira como funcionalmente superior à segunda, o que é obviamente falso. A própria opinião pública hesita quanto aos caminhos e ações que devem ser tomados para realmente conciliar o que era forte e valioso, nos tempos antigos, e o que de novo lhe pretendem vender como sendo a sua vontade, mas que, aparentemente, nada mais é senão o chamado ouro dos tolos, a eterna mercadoria do populismo, envelopado na fantasia da mistificação. Vamos, portanto, neste exercício, efetuar as distinções que se impõem entre os dois tipos de diplomacia.
Da diplomacia dos antigos (sem qualquer demérito pela antiguidade)
Os tempos antigos, do Ancien Régime, não eram perfeitos, como todos sabem. Depois de convulsões políticas e sobressaltos econômicos, a nação parecia finalmente ter encontrado o caminho da estabilização, da previsibilidade, de um futuro um pouco menos confuso e incerto, do que aqueles que prevaleciam nos tempos da tirania, ou mesmo durante a fase de reconstrução do regime de liberdades, época assaz agitada pela demagogia política, pela exacerbação das vontades, muito perturbada pelo rebaixamento excepcional das moedas em circulação (foram várias). Ainda se teve de fazer ajustes de meio de percurso, mas, ao fim e ao cabo dos tempos antigos, tudo parecia ter entrado nos eixos para a retomada de um processo sustentado de crescimento e de prosperidade. As dores da transição foram rapidamente sanadas, tanto porque os modernos prometiam respeitar velhos acordos e convenções já formalizadas pelos antigos, e se propunham elevar ainda mais o novo respeito alcançado pelo país nos cenáculos externos.
No que se refere especificamente à diplomacia, a dos antigos sabia preservar o legado de tradições profissionais ainda mais antigas, e estava, senão codificada, pelo menos sistematizada num conjunto de práticas e de posturas que contemplavam os grandes interesses da nação na frente externa, sem constituir necessariamente uma alavanca poderosa para o seu desenvolvimento. Mas isto se devia a que ela era efetivamente tradicional, e se apegava ainda a velhas doutrinas que, se tinham tido sucesso em determinadas épocas, talvez não se prestassem mais aos novos tempos de abertura econômica e de liberalização comercial. Os diplomatas do Ancien Régime tinham sido treinados em escolas que valorizavam antigas noções de independência nacional e de autonomia tecnológica, de tempos nos quais se justificava o mercantilismo e se promovia, até com orgulho, a autarquia. No geral, contudo, eles sabiam distinguir, de modo bastante claro, entre os interesses do Estado (e da nação) e os dos grupos políticos que a dividiam em correntes contraditórias, passavelmente opostas entre si.
Mais importante, talvez, não tanto quanto aos temas e posturas, mas quanto aos procedimentos e formas de trabalho, a diplomacia dos antigos se desenvolvia mediante processos e métodos formalizados e rotineiros, que constituíam uma cadeia previsível de decisões, transparente, eficiente. Seu formato era o de uma perfeita pirâmide: na sua base estavam os trabalhadores manuais, aparentemente assimilados aos antigos ilotas, mas perfeitamente treinados nas técnicas e inseridos numa organização que sabia valorizar a competência primária e a responsabilidade individual sobre dossiês adrede distribuídos pelas áreas de competência específica. Cada uma destas era chamada a se manifestar sobre um determinado assunto, congregando opiniões e argumentos – todos eles rigorosamente apoiados em dados empíricos e simulações de efeitos – que depois eram assemblados e levados à consideração do nível superior para sua ultimação sob a forma de instrução, prontamente transmitida a um dos muitos agentes da instituição no exterior. Os tribunos eleitos reconheciam o valor da organização e vários chefes do Ancien Régime se valiam dessas competências, trazendo para trabalhar junto de si um determinado número desses profissionais, que podiam assim se exercer diretamente no centro de comando de decisões políticas. Aparentemente funcionou a contento de todos.
Este era o universo dos antigos, no campo da diplomacia; suas tarefas não eram unicamente compostas de missões informativas ou representativas, mas também de um papel formulador e executor da própria substância da política exterior que o soberano pretendia implementar, sempre sob estreito aconselhamento e consultas constantes entre os técnicos e os responsáveis últimos pelas decisões. Plebeus e aristocratas conviviam nessa atmosfera ainda um pouco patrimonialista, pois as regras eram conhecidas de todos, e mesmo servos de gleba podiam aspirar, um dia, alcançar pelos seus próprios méritos uma posição de maior realce na hierarquia disciplinada que constituía o edifício diplomático dos antigos. Alguns membros da casta compareciam à ágora, em algumas ocasiões, para explicar aos cidadãos as razões de tais e tais escolhas; no mais das vezes, contudo, se tratava de um clã bastante discreto e reservado, mesmo se alguns ousavam, por vezes, assinar escritos explicativos ou mesmo panfletos interpretativos. Os meios não eram especialmente abundantes, mas eram suficientes para o correto desempenho das missões que lhes eram atribuídas, de modo claro, direto, devidamente registradas nos anais e expedientes cuidadosamente preservados e regularmente arquivados. 
Messieurs, estou sendo, par hasard, condescendente com a diplomacia dos antigos? Não creio, tanto porque frequentei muito esses meios e sei do que vos falo, tanto pela minha experiência pessoal de terreno, quanto por delongados estudos e as muitas missões empreendidas a serviço dos barões daqueles tempos. Não pretendo que ela fosse perfeita, longe disso, mas parece ter sido bastante respeitada, na região e fora dela, chegando mesmo alguns vizinhos a inventar esse provável exagero ao dizer que essa diplomacia nunca improvisava. Não estou muito seguro disso, e creio mesmo que ela devia improvisar de tempos em tempos, uma vez que algumas decisões tinham de ser tomadas mesmo com escassa informação disponível, inclusive porque o pessoal era limitado em número – a despeito de ser de qualidade notoriamente superior à de outros serviços – e também porque a agenda de negociações não esperava que estivéssemos totalmente prontos para nos impor toda a sua urgência e sua grande complexidade.
Muitas vezes suávamos frios em conferências multilaterais, quando decisões relevantes para a economia nacional tinham de ser tomadas, mesmo na ausência de instruções precisas da capital, ou em face de orientações lacunares e insuficientes para adotar uma das opções sobre a mesa; nessas horas valia a experiência do negociador, seu conhecimento dos dossiês, e algum tirocínio do que fosse o interesse nacional, em toda a sua complexidade, livre de qualquer amarra da política vulgar. À falta de instruções seguras da capital, podíamos ser conservadores, mas sempre animados de propósitos legítimos: preservar os ganhos já alcançados pelo país na economia mundial, avaliar eventuais ganhos oferecidos pelas novas regras que se cogitava implementar, e decidir, apoiados no melhor conhecimento de que se dispunha, as opções apresentando as melhores vantagens comparativas, ainda que relativas, como ensinou mestre David Ricardo. Havendo cláusulas de exceção, ou reservas quanto a dispositivos intrusivos, se podia fazer recurso a esse tipo de expediente de escape, ou de socorro. Opções abertas sempre são de melhor alvitre do que obrigações muito rígidas ou regras inderrogáveis.
Em resumo, a antiga diplomacia, ou a diplomacia dos antigos, era um mélange de conservação e de renovação, de cautela e de ousadia, de passos bem medidos, com poucas rupturas de continuidade, tudo meticulosamente registrado, documentado, para iluminar a memória dos contemporâneos com os registros do passado, e para instruir os futuros cronistas sobre os motivos de terem sido conduzidos os assuntos em tal ou tal sentido, num serviço tão tradicional quanto circunspecto em sua maneira de ser. Mais importante: éramos respeitados em função do nosso saber (feito, na verdade, bem mais de experiência adquirida) e da dedicação ao estudo dos dossiês. Até se dizia, vejam só, que representávamos o consenso possível em matérias sempre tão complexas quanto são os assuntos exteriores, envolvendo soberania e, mais que tudo, a credibilidade nacional.
Voilà Messieurs, creio ter traçado um retrato peut-être trop flatteur, mas assaz realista da diplomacia do Ancien Régime, sem sequer precisar abordar algum tema de substância, apenas me limitando ao seu espírito, ao seu modo de ser, vale dizer, à sua natureza profunda. Não é preciso, aliás, penetrar nas querelas políticas, ou nas disputas dos políticos – sempre mutáveis e inconstantes –, para refletir sobre as características dessa diplomacia que criou escola e deixou saudades em espíritos mais sentimentais. Ela constituía, acima de várias outras qualidades, um modo de ser, o resultado natural de uma longa evolução, um estilo muito peculiar entre todos os demais serviços do Estado. E, se me permitem uma referência literária, retirada do nosso caro Buffon, em seu discours de réception na Academia, ousaria dizer que, nessa diplomacia dos antigos, le style c’est l’homme même, ou seja, ela era fundamentalmente uma maneira de ser, ou então, de navegar, entre um porto e outro de todas as representações abertas ao engenho e arte dos nossos nômades profissionais.
Messieurs, essa era a diplomacia dos antigos, como penosamente me vem agora à mente umas poucas lembranças, fugidias, de uma época que não parece muito perto de voltar, uma vez que estamos reduzidos à diplomacia dos modernos, nestes tempos não convencionais, nunca antes vistos num país tão contraditório e tão cheio de surpresas.
Da diplomacia dos modernos (e das surpresas que ela trouxe)
O que traz a diplomacia dos modernos a esse ambiente já vetusto, mas jamais empoeirado, que constituía a diplomacia dos antigos num país em transformação? O que poderia ela representar de novo para um serviço talvez enclausurado na sua suficiência, infenso às reviravoltas do poder, mas jamais distante das preocupações fundamentais da nação? Do que seria feita a modernidade numa área tão sensível da ação estatal?
Aos olhos de alguns, parecia que, finalmente, se instalava o republicanismo por entre as colunas um tantinho aristocráticas, quase monárquicas, do Ancien Régime. A chegada dos modernos foi cantada em prosa e verso como sendo o reencontro da nação com suas raízes profundas, certamente mais rústicas do que os trejeitos das elites nos ambientes acarpetados dos palácios de função. A nação parecia prestes a resgatar certas dívidas antigas, tão antigas quanto as oligarquias carcomidas que rapidamente foram se aliando aos novos representantes da modernidade ensaiada, estes ainda incertos sobre como controlar aquela máquina imensa, quase uma imensa caverna regurgitando de tesouros insuspeitos. Lampedusa, provavelmente, saberia encontrar as palavras certas para fazer a descrição fiel da nova situação, e poderia escolher as boas imagens para representar os cristãos-novos da modernidade anunciada em tons algo triunfalistas.
Não se tinha percebido ainda qual era o espírito dessa república de fachada, à la Potemkin, com muita figuração e pouco conteúdo, muito discurso e pouca substância, com excesso de publicidade e grau extremamente baixo de realizações. Na verdade, se manteve, no começo pelo menos, muitas das orientações gerais que tinham sido legadas pelo Ancien Régime, mesmo se este era denunciado desonestamente por alguma herança que se pretendia malfadada. Eram arroubos de aprendizes, em meio à preservação das anteriores linhas de conduta no tocante ao que importava: o emprego, a moeda, o valor das pequenas coisas, a credibilidade das regras estáveis. As coisas só começaram a se complicar, realmente, do meio para o fim, mas na diplomacia a coisa se precipitou.
A diplomacia dos antigos foi mudada desde o início, em nome de uma suposta modernidade que hoje se considera ser uma mera volta atrás na roda da História, um retorno a velhas concepções que acreditávamos terem sido superadas por experiências já testadas e desacreditadas pelos fracassos acumulados em anos e décadas de ensaios e erros, inclusive em tentativas frustradas dos antigos. As concepções que comandaram as mudanças já estavam sedimentadas desde longas décadas nas mentes dos soi-disant modernos; alguns deles, aliás, conseguiam ser ainda mais coerentemente anacrônicos: eles mantinham as mesmas ideias desde os tempos em que o Império distribuía as cartas um pouco em todas as partes do universo, sobretudo no hemisfério, e pretendiam aplicá-las aos novos tempos, como se o mundo tivesse se mantido tal qual, como se o Império fosse o mesmo, depois de quatro ou cinco décadas de mudanças não controladas.
Os modernos pretendiam rejeitar qualquer aliança com os representantes do Império e estabelecer uma parceria dita estratégica com os representantes do Império do Meio, que eles acreditavam ser os novos aliados preferenciais. Sequer se lembravam de uma velha frase do mais famoso imperador do Oriente, segundo quem o imperialismo era apenas um “tigre de papel”, e como tal deveria ser tratado. Esses companheiros orientais, por falar nisso, abandonaram antigas diatribes anti-imperialistas e trataram de usar a seu proveito, na máxima extensão possível, as benesses do velho Império – que continuava novo, na verdade – para negócios dos mais diversos tipos: troca de saberes, comércio ampliado, investimentos, pirataria, contrafação, possibilidades no campo das capacitações humanas em ciência e tecnologia, enfim, tudo aquilo em que o Império imperialista (se nos perdoam a redundância) continua primando pela excelência.
Totalmente ignaros quanto a essas mudanças certamente dialéticas, os modernos inventaram uma tal de “mudança no eixo das relações de força no mundo”, para a qual pretendiam contar com o apoio e a ação conjunta dos companheiros orientais, mas nisso se viram frustrados pelo pouco companheirismo e reduzida coordenação da parte dos novos companheiros. Eles até queriam inaugurar essa trouvaille bizarre que seria uma “nova geografia do comércio internacional”, feita essencialmente de relações Sul-Sul, como se esses intercâmbios tivessem de ser feitos à exclusão de todos os demais, com os velhos parceiros do Norte, aliás bem mais providos de mercados e de créditos do que os novos, os do Sul, recorrendo, por vezes, a insolvências e outras práticas heterodoxas, digamos assim. Os modernos nem se deram conta que os companheiros orientais já tinham inaugurado, bem antes, a tal de “nova geografia do comércio internacional”, que era feita, justamente, de suas exportações de todos os tipos de produtos para todos os parceiros possíveis, com ênfase especial nos mercados dos velhos imperialistas, os mais atrativos a que podem aspirar os emergentes dinâmicos da economia mundial.
Em outra iniciativa infeliz, os modernos se empenharam em implodir propostas dos velhos imperialistas de liberalizar o comércio no âmbito regional, alegando que o que eles pretendiam não era bem integração, e sim um projeto de anexação, perverso portanto, e como tal devendo ser devidamente sabotado pelos novos anti-imperialistas no poder. Tal foi feito, com sucesso surpreendentemente rápido, tendo os modernos encontrado aliados complacentes (ainda mais anti-imperialistas) no próprio continente, o que permitiu uma implosão rápida, definitiva, sem apelo, desse projeto imperialista. Menos feliz foi constatar que os demais possíveis parceiros na luta anti-imperialista logo apelaram ao império para que este negociasse tratados bilaterais de adesão, que lhes permitisse acesso privilegiado ao mercado dos velhacos imperialistas. Ah, ces lâches, ces traîtres! Eles não percebem que estão se metendo na jaula do leão.
Inabalados por essas surpresas desagradáveis, os modernos buscaram expulsar o império de todas as instâncias de coordenação e consulta da região, e assim também foi feito, com a constituição de novas entidades, exclusivamente regionais, numa mostra de orgulho e de afirmação identitários que certamente contaria com a plena aprovação dos próceres da independência, esses antigos heróis da pátria continental, enfim liberta da tutela imperial e de influências nefastas vindas de parceiros não desejados. Mais um sucesso, igualmente, nessa nova empreitada, e assim passamos a dispor, graças aos modernos, de entidades dedicadas exclusivamente aos interesses regionais, mesmo se esses interesses estavam difusamente representados nas novas estruturas para poder cumprir adequadamente o que supostamente eram os seus objetivos: integrar todos num impulso vital em direção de um novo tipo de desenvolvimento, autônomo, integral, justo, igualitário, inclusivo, progressista, soberano, ativo e altivo, bref, moderno.
Não importa muito se essa modernidade se fez em torno de velhas ideias, as tais defendidas pelos modernos, retiradas por eles de velhos alfarrábios de outras eras, feitas de muita intervenção estatal, de dirigismo, de protecionismo, de espaços para a implementação de políticas setoriais de desenvolvimento nacional. Tudo isso, ao fim e ao cabo, vai contra os objetivos da integração que se pretende impulsionar mediante projetos grandiosos traçados nas conferências de cúpula e nos encontros políticos. Enfim, não se pode pretender que tudo se faça ao mesmo tempo, e que tudo aconteça como num passe de mágica, inclusive, naquilo que funcionava antes. Existia, por exemplo, um pequeno espaço de livre comércio, que deveria evoluir para uma união aduaneira, e depois, de maneira otimista, para um mercado comum, como o daqueles velhos europeus imperialistas. O fato é que essas coisas meramente comerciais foram julgadas pouco condizentes com o novo espírito inclusivo, progressista, dos modernos. Não houve hesitação: o ânimo mesquinhamente comercialista que tinha presidido à assinatura dos velhos acordos foi substituído pela nova abertura de espírito, social, inclusivo, avançado e progressista, dos novos acordos rapidamente concluídos, todos eles destinados a melhor defender os direitos sociais dos trabalhadores, mesmo se o comércio – esse outro grande traidor das melhores esperanças – insistia em diminuir perigosamente de volume e enfrentar alguns sobressaltos imprevistos.
No terreno dos procedimentos, finalmente, as mudanças foram sensíveis, lato senso, e muito pouco sensíveis, estrito senso. A começar pela famosa pirâmide dos processos decisórios, rapidamente invertida pelo esprit partisan, dito de centralismo democrático (na verdade autoritário) dos modernos. Os ilotas responsáveis pelo trabalho duro em cada uma das áreas e células em que se tinha organizado a casa antiga, numa divisão social do trabalho dada pelas competências técnicas de cada um, passaram a ser mais orientados pela linha do comitê central, do que preferencialmente pela análise técnica de cada assunto do dossiê; assim, todo o processo começou a funcionar de modo estranhamente alterado, de cima para baixo, e não segundo o curso natural das coisas, como ocorria no Ancien Régime. De resto, como explicar decisões bizarras e tomadas de posição inéditas, que dificilmente teriam emergido a partir do fluxo normal de estudo dos temas, baseado na memória dos antigos e nos maços da memória coletiva? Aliás, pergunta-se até onde, e se, algumas delas estão devidamente registradas nos cartapácios onde antigamente se guardava todo o itinerário anotado das instruções adotadas?
Que reste-t-il de tout cela? Une photo, vieille photo, d’une ancienne demeure?
Messieurs, o quadro que estou traçando pode parecer exageradamente sombrio, e pouco condizente com as novas disposições dos modernos, mas o fato é que nenhum dos objetivos que eles mesmos se tinham fixado para sua diplomacia ativa e altiva – e soberana, cela va sans dire – foram alcançados, e não foi por falta de empenho: não só o representante le plus en vue dos modernos saiu pelo mundo em desabalada carreira de viagens, visitas, convescotes e outras conferências grandiosas, como também o assessor principal para essas coisas de soberania passou o tempo todo indo de um aeroporto a outro, de uma capital a outra. Era preciso proclamar os novos tempos e as intenções de mudança nas relações de força teimosamente presentes no mundo arrogante dos velhos senhores, e de reforma do comércio internacional, em prol da tal nova geografia.
Vous savez, Messieurs, ce qui en est résulté de tous ces projets. Enfin, c’est le droit, pour chacun, d’influer sur l’administration du Gouvernement, soit par la nomination de tous ou de certains fonctionnaires, soit par des représentations, des pétitions, des demandes, que l’autorité est plus ou moins obligée de prendre en considération. Os modernos abusaram de todas essas prerrogativas até a exaustão, multiplicando cargos e novas agências estatais à outrance. C’est probablement par un coup de malchance que as aspirações não se materializaram; e não foi certamente por falta de presença no mundo: nenhum petit village ficou à margem da nova cartografia universal tão sabiamente desenhada pelo guia genial dos povos.
Mas, o que restou, finalmente, da diplomacia dos modernos, comparada à dos antigos? Vejamos antes, brevemente, em que consistia a diplomacia dos antigos, como nos recomendaria nosso velho amigo Benjamin Constant. Ela consistia em exercer coletivamente, mas diretamente, antigos princípios de soberania – sem precisar ficar proclamando a sua defesa a cada instância, a cada momento, en tout et pour tout – e a deliberar, no pleno respeito dos processos decisórios bem experimentados, sobre todos os acordos e os tratados de aliança e de cooperação, dos quais pleno e integral conhecimento era dado em seguida ao corpo parlamentar da nação, para seu debate e eventual aprovação; ela também se preocupava em dar a devida publicidade a esses atos internacionais pelos meios disponíveis, para que os citoyens deles tivessem consciência, sem que qualquer secret d’office fosse subtraído aos representantes da nação.
Messieurs, s’il y a un souvenir qui me poursuit sans cesse, c’est celui-ci : ele pode até parecer une vieille chanson d’automne, mas ele se baseia nas boas qualidades da diplomacia dos antigos em comparação com essa, supostamente “moderna”, dos modernos. Em todos os pontos de substância, e mesmo nos de organização e métodos, em torno dos quais as duas foram exercidas, em suas respectivas plenitudes, não encontro modernidades efetivas na diplomacia dos modernos, só velharias, e muitos fracassos acumulados. Alors, que reste-t-il des beaux jours das parcerias estratégicas, escolhidas entre os anti-hegemônicos, que prometiam nos conduzir aux sommets des inner circles do poder mundial, a tal de democratização das relações internacionais? Que reste-t-il da fabulosa organização sem a tutela do império, que pretendia manter a democracia e inaugurar uma nova era de desenvolvimento inclusivo, com comércio ampliado entre os parceiros progressistas e novos direitos assegurados a todo o povo trabalhador? Que reste-t-il de tout cela? Une photo, vieille photo?
O fato é, Messieurs, que a diplomacia dos modernos falhou, miseravelmente, nas suas expectativas mais otimistas, e até nas mais prosaicas, aquelas que dependiam da concordância dos novos aliados e parceiros estratégicos para mudar irreversivelmente o velho mundo dos velhacos imperialistas. Existem, claro, novos e ambiciosos órgãos, como esses bancos de financiamento estatal, que proliferaram como champignons après la pluie, e que deveriam trazer novos negócios para nossos mais valentes capitalistas. Mas a realidade é que não falta dinheiro no mundo; o que falta, na verdade, são bons projetos para serem financiados com o dinheiro privado dos capitalistas, sempre ávidos para colocar seus recursos em coisas que lhes permitam retornos razoáveis.
Esta é, de fato, uma pergunta que je me fais, Messieurs: se existe tanto dinheiro privado pelo mundo, por que fazer arranjos financeiros oficiais em todos esses bancos estatais, por que dispersar o dinheiro público, quando ele deveria se dirigir às nossas necessidades realmente sociais e mais urgentes? E se uma análise de custo-benefício indicar que não caberia realizar investimentos que tiveram uma decisão puramente política em seu desenho e avaliação? O que fazer com tantos capitalistas promíscuos que se aproximam dos modernos apenas para arrancar os parcos recursos? E o que dizer dos impostos de todos os citoyens que são canalizados para projetos duvidosos no exterior, et qui plus est, tenus dans le plus grand secret ? C’est cela une marque de diplomatie, par hasard ? La diplomatie du secret, du cache-cache ?
J’avoue, Messieurs, que je n’ai pas de réponses à toutes ces questions. Começo a desconfiar – mas esta já era uma suposição de départ – que a diplomacia dos ditos modernos é feita, na verdade, de velharias, de ideias muito antigas, que se aposentaram em outras paragens e que acabaram aportando por aqui e aqui ficando, pois encontraram terreno fértil na cabeça de certos amadores da diplomacia, uma tribo de exóticos e de sonhadores que ainda não atinou, hélas, que o mundo mudou, e que eles, sem perceber, acabaram ficando anacrônicos. E se por acaso estivéssemos todos enganados, no sentido em que os antigos são os verdadeiros modernos, e que os tais modernos se revelaram surpreendentemente en arrière des faits et des choses ? Voyez bien, honnêtes gens!
Pode até ser que este meu relatório de minoria, Messieurs, não sirva para muita coisa, em nossos tempos não convencionais. Mas não hesito em apresentá-lo aos senhores, na esperança (peut-être illusoire) de que seu esprit de contradiction possa convencer de ce formidable bouleversement du monde alguns céticos dispersos dans cette ancienne demeure, riche de traditions, par trop respectable, mais devenue – comment le dire Messieurs? – dispensable, superflue, négligeable?
Como diriam em certas terras exóticas, talvez bizarras: não há bem que sempre dure, não há mal que nunca se acabe. Os anos de bonança, quando tudo parecia fácil e alcançável, parecem aujourd’hui révolus. É tempo de pensar em revisar certas ideias fora de lugar e fora de época; é hora de repensar os fundamentos dessa tal de diplomacia dos modernos. Mal parafraseando os epígonos, ela se parece com aquelas estruturas sociais desajustadas, perdidas na transição entre dois modos de produção, e que não conseguiram combinar muito bem as forças produtivas da nação, uma infraestrutura pujante ainda que contida por um Estado feudal, e a superestrutura das relações de produção, que carecem de que lhes quebrem os grilhões que as prendem a noções antiquadas, contaminadas pela poeira dos tempos, mesmo que pouco convencionais. L’édifice bien décoré proposé en tant que modèle et hautement chanté par les modernes ce serait-il, finalement, écroulé ?
Il est temps, Messieurs, de repartir, alors, pour de bon. J’ai confiance que les bonnes idées prévaudront, car ce sont elles qui sont les bonnes, même anciennes. En fait, Messieurs, les modernes, sommes nous. Ils sont les arriérés, les âmes candides, les décervelés. Défions-nous donc, Messieurs, de cette admiration béate, déplacée, qu’ils entretiennent pour certaines idées qui semblaient modernes, mais qui, en fait, ce sont des réminiscences antiques, d’une époque complètement révolue. Libérons-nous de tout cela, car nous ne sommes pas esclaves de concepts liés a des anciens despotismes. La diplomatie antique, Messieurs, voilà la véritable modernité! En plus, elle défend les libertés, contre les amis des dictatures et des tyrannies.
Réjouissons-nous donc de sages conseils de la diplomatie des anciens, car c’est elle qui nous a amené les progrès que les civilisations réussies ont consenti à l’Humanité toute entière. C’est elle qui nous a mené à tout ce que l’ancienne maison de notre diplomatie a construit de bien et de durable. C’est elle qui va nous faire revenir sur le chemin de l’avenir, car c’est elle qui correspond le mieux à l’éducation morale des citoyens…
Nota final: o presente texto é alegórico, no sentido mais abstrato possível, e não pretende reproduzir nenhuma situação concreta; honni soit qui mal y pense
Paulo Roberto de Almeida é diplomata e professor do Centro Universitário de Brasília – Uniceub (@pauloalmeida53).

sexta-feira, 8 de maio de 2015

1492 e o nascimento da moderna diplomacia - Paulo Roberto de Almeida (RBPI, 1991)

Um trabalho antigo, mas que faz parte do processo de revisão e nova edição de artigos publicados para disponibilidade no Academia.edu:

1492 e o nascimento da moderna diplomacia

Paulo Roberto de Almeida
Phd em Ciências Sociais. Mestre em Economia Internacional.
Ex-Professor na Universidade de Brasília e no Instituto Rio Branco
do Ministério das Relações Exteriores. Diplomata.
   
Sumário:
1. O ato fundador da história moderna
2. O monopólio pontifício das relações internacionais
3. Da arbitragem papal à negociação direta
4. Tordesilhas: a primeira partilha do mundo
5. Do condomínio ibérico à balança de poderes
6. O nascimento da diplomacia permanente
7. O Brasil na perspectiva de 1492

[Trabalho apresentado no “VIº Encontro Regional de História”,
organizado pela Junta Regional de História e Estudos Conexos,
Montevidéu, 21-23 de setembro de 1991.]

Revista Brasileira de Política Internacional (Rio de Janeiro: Ano XXXIV, n. 135-136, 1991/2, pp. 35-55). Relação de Originais n. 212; Publicados n. 070.