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segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Transgressões no Itamaraty - Fabio Koifman (FSP, 2013)

Como o Itamaraty cortou a assinatura da Folha de São Paulo e eliminou o jornal de seu clipping diário, o que configurava uma das mais abjetas censuras já vistas na Casa de Rio Branco. Nem na ditadura militar ocorreu tal tipo de discriminação, só compatível com personalidades autoritárias e seus vassalos obedientes.
Por isso mesmo, não apenas em solidariedade, mas como leitura obrigatória, assinei o jornal.
Acabei verificando o que já tinha sido publicado em torno de meu nome no jornal, o que postei neste mesmo blog.
Entre os materiais, este artigo do historiador Fabio Koifman que fala dos dissidentes do Itamaraty, entre eles este que aqui escreve...
Paulo Roberto de Almeida


Transgressões no Itamaraty
FÁBIO KOIFMAN 
Folha de S. Paulo, 15/09/2013 03h05

RESUMO Dentro de um ministério regido por hierarquia e normas próprias como o Itamaraty, atos de rebeldia são pouco comuns. Historiador das relações internacionais faz um apanhado de casos em que representantes do país atuaram contra as regras estabelecidas, com motivações diversas, da convicção ética à pequeneza pessoal.
*
Como em uma orquestra, vige no Itamaraty, ministério hierarquizado e dotado de regras próprias, um ritual de obediência que visaria desmotivar, cercear e eventualmente punir a dissidência. A Casa --como muitos chamam o MRE-- não estimularia a independência de pensamento.
A desobediência não é fato tão comum na história do ministério. A maioria dos diplomatas é disciplinada e segue as regras. Quase sempre é quando as ordens ferem os princípios de um diplomata que pode surgir um transgressor.
Em 2008 fui chamado a falar sobre o embaixador Luiz Martins de Souza Dantas (1876-1954) aos alunos do Instituto Rio Branco em Brasília. Era um sinal positivo e curioso que a Casa convidasse alguém para falar aos futuros diplomatas sobre um embaixador que fez o que eles não deveriam de modo algum fazer: deixar de cumprir as orientações e ordens da chefia.
Representante do país na França ocupada, Souza Dantas não seguiu as orientações do Estado Novo (1937-45) de Vargas e praticou ajuda humanitária, emitindo vistos a perseguidos do nazismo.
Alguns articulistas, acadêmicos e jornalistas têm se referido a Souza Dantas quando opinam a respeito do recente caso envolvendo o diplomata brasileiro Eduardo Saboia, que ajudou na fuga do senador boliviano Roger Pinto Molina, asilado na Embaixada do Brasil em La Paz por quase 500 dias.
Em uma primeira análise, os casos de Souza Dantas e de Saboia têm pouco em comum. Enquanto Souza Dantas encontrou dificuldades morais em seguir a determinação da Secretaria de Estado, Saboia aparentemente teria enfrentado o silêncio quanto a como proceder para contornar a situação envolvendo o senador boliviano.
Nem todas as transgressões ocorridas no MRE deixaram registros escritos; alguns casos de diplomatas rebeldes só puderam ser apurados nos corredores da Casa. Nem todas, também, se deveram a motivos de consciência ou humanitários -várias tiveram mesmo origem em fatos comezinhos.
PERU
Eram fins de 1902 quando Manuel de Oliveira Lima foi indicado para a nossa representação no Peru. Desagradado com o destino, postergou o quanto pôde sua volta do Japão, onde estava lotado, apesar de o barão do Rio Branco ter solicitado com máxima urgência seu retorno ao Brasil --a demora se estendeu por mais de seis meses.
O desentendimento com o barão do Rio Branco agravou-se ao longo de 1903, com a publicação de artigos de Oliveira Lima em jornais expressando críticas às decisões da política externa brasileira. Citando o visconde de Cabo Frio, teria afirmado: "Peru só na mesa, assado, e para quem gosta. Eu não gosto".
Eleito para a Academia Brasileira de Letras, em seu discurso de posse em julho de 1903, na presença do presidente da República e de outras autoridades, Oliveira Lima teceu críticas à situação da carreira diplomática brasileira. Desejava ir para a Europa, mas acabou sendo enviado para a Venezuela onde permaneceu por três anos.
A intempestividade em público também atingiu Rui Barbosa.
Sem ser diplomata de carreira, em 1916 ele foi escolhido para representar o Brasil em importantes cerimônias comemorativas na Argentina. Naquele momento, o governo brasileiro ainda se mantinha neutro em relação ao conflito que seria conhecido mais tarde como Primeira Guerra Mundial.
Em 14 de julho, sob o argumento de que já estavam concluídas as cerimônias oficiais e que se expressava não como representante diplomático --embora tivesse exigido um salário mensal de embaixador--, Rui Barbosa pronunciou um discurso no qual assumia posição favorável a um dos lados em conflito, o dos aliados.
Nessa época, Luiz Martins de Souza Dantas respondia interinamente pelo Ministério das Relações Exteriores. Mesmo com antigas ligações de amizade entre as famílias, a defesa de posição divergente produziu acusações mútuas, bate-bocas nos jornais e o rompimento definitivo entre os dois.
Curioso foi o caso em que uma rebeldia foi respondida com outra.
Mário de Pimentel Brandão era embaixador na Bélgica quando os alemães invadiram o país, em 1940. Bruxelas estava sob bombardeio, o que levou o governo belga e todo o pessoal diplomático a fugir -Brandão inclusive. Do Rio, o secretário-geral do Itamaraty, embaixador Maurício Nabuco, dirigiu a Brandão uma repreensão por ter abandonado o posto sem a devida autorização do governo brasileiro e a divulgou por circular.
A resposta de Brandão, também aberta, foi de que se na antiga Roma de Calígula um cavalo havia sido feito cônsul, não era de se admirar que no Brasil moderno outro cavalo (algumas versões mencionam "burro") houvesse chegado a embaixador e a secretário-geral.
Sem conseguir do governo punição de Brandão pela resposta, Nabuco passou a transgressor: simplesmente abandonou o posto e viajou para Petrópolis e lá permaneceu. Foram precisos meses (e pedidos cordiais do presidente da República) para que o secretário-geral voltasse ao trabalho.
CÉLULA
Em 1952, com o Partido Comunista Brasileiro na ilegalidade, cinco diplomatas foram, a partir de uma denúncia, acusados de criar uma "célula comunista" dentro do MRE. Eram eles João Cabral de Melo Neto, Antônio Houaiss, Amaury Banhos Porto de Oliveira, Jatyr de Almeida Rodrigues e Paulo Cotrim Rodrigues Pereira.
Em 20 de março de 1953 foi publicado o despacho do presidente da República: Vargas seguiu o parecer do Conselho de Segurança Nacional e a proposta do ministro das Relações Exteriores, assinando decretos que colocavam os cinco "em disponibilidade inativa" --ou seja, sem remuneração.
O processo ainda foi enviado à chefia de polícia para promover a apuração "da responsabilidade criminal dos indicados". Os cinco impetraram ações no Supremo Tribunal Federal e só no ano seguinte seriam reintegrados ao Itamaraty. Houaiss e Almeida Rodrigues seriam aposentados compulsoriamente depois do golpe de 1964.
Álvaro de Barros Lins não era diplomata de carreira, mas em setembro de 1956 foi nomeado embaixador do Brasil em Lisboa por Juscelino Kubitschek. Desgastou-se com a ditadura salazarista por criticar o Tratado de Amizade e Consulta entre Brasil e Portugal, que considerava "lesivo" aos interesses brasileiros.
Em 1959 o Brasil concedeu asilo político ao general Humberto da Silva Delgado, líder oposicionista português. O governo português não reconheceu o asilo. Considerando a reação de Kubitschek ao fato insuficiente e acusando-o de cúmplice com as ditaduras, saiu do posto em outubro do mesmo ano. Delgado foi assassinado pela polícia política de Salazar próximo á fronteira espanhola em 1965.
Foi contra a nascente ditadura brasileira que se insurgiu, em 1964, o embaixador Jayme de Azevedo Rodrigues. Em serviço em Genebra na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), ao receber o comunicado da deposição do presidente João Goulart, telegrafou ao Itamaraty: "Não sirvo a governos gorilas". No dia 2 de julho, sua aposentadoria foi publicada com base no primeiro dos atos institucionais militares.
ZUM-ZUM
O regime militar brasileiro teria no diplomata Manoel Pio Correa um aguerrido defensor da ordem. Em 1966, ao assumir a função de secretário-geral, Pio Correa deixou claro que não gostava de diplomatas "pederastas", "vagabundos" e "bêbados" --os termos são do próprio diplomata, conforme citados em suas memórias ("O Mundo em que Vivi").
Logo descobriu que Vinicius de Moraes, lotado ali, não era assíduo ao trabalho. Além disso, era contratado da casa noturna Zum-Zum, em Copacabana, onde se apresentava todas as noites.
Convocou-o propositalmente em uma manhã bem cedo para lhe dar duas opções: ou largava o trabalho noturno e assumia uma função ou pedia licença sem vencimentos. Vinicius foi obrigado a licenciar-se. O AI-5 o aposentaria compulsoriamente em 1968.
A atividade artística quase foi daninhas a outro homem de letras. José Guilherme Alves Merquior foi, desde cedo, muito presente no meio intelectual de sua época.
Em 1962, aluno do Instituto Rio Branco, ele participou da organização de um festival de cinema russo. No ano seguinte (ao fim do qual tomaria posse como terceiro secretário do Itamaraty), foi convidado a dar um curso de introdução à estética no Instituto Superior de Estudos Brasileiros e chamou a falar o marxista Leandro Konder. Teria ainda coordenado uma exposição de fotógrafos cubanos.
Designado para servir em seu primeiro posto internacional em 13 de maio de 1966, teria sido inquirido a respeito dessas atividades que flertavam com a ideologia comunista --segundo conta-se, por pouco não foi cassado.
Uma disputa de cunho pessoal quase coloca o Brasil em um grave incidente com a Síria de Hafez al-Assad --pai do atual ditador sírio, ele havia tomado o poder via golpe de Estado em 1970.
Entre 1969 e 1972, Roberto Luiz Assumpção de Araújo era embaixador em Damasco. Assad passou a cobiçar a casa na qual Assumpção estava instalado, tentando convencê-lo a se mudar. O embaixador não cedeu, e os dirigentes sírios passaram a utilizar outros meios de pressão, que incluíram o corte sistemático de energia e água da residência. Sem sucesso, obstruíram o esgoto, o que produziu uma situação insustentável.
Assumpção, ao invés de dar-se por vencido, arriou a bandeira brasileira e seguiu com o protocolo de rompimento de relações diplomáticas com o país árabe. O caso produziu alvoroço na comunidade sírio-brasileira, que se lançou em reclamações contra Assumpção. Uma ordem expressa de Brasília finalmente convenceu o embaixador a deixar a casa.
Para alguns, os atos de José Maurício Bustani quando diretor-geral da Organização para a Proibição das Armas Químicas (Opaq) o qualificam como transgressor --e, se não o foi com relação ao Itamaraty, certamente pode-se dizer que ele entrou em choque com o governo norte-americano.
Eleito para a Opaq no período 1997-2000 e reeleito para o quadriênio seguinte, 2001-2005, ele agiu de maneira independente a fim de tentar fazer fazer com que as regras valessem do mesmo modo para todos os países.
O governo George W. Bush passou a vê-lo como obstáculo, e Bustani não chegou a concluir o segundo mandato: menos de um ano antes do início da segunda guerra do Iraque, os Estados Unidos passaram a articular pela sua remoção do posto, o que acabou por ocorrer em abril de 2002.
DESALINHO
Com a inauguração do governo Lula e sua diplomacia influenciada pela perspectiva do PT, diversos funcionários tidos como contrários à nova política foram marginalizados na carreira e em suas funções. Um dos casos mais notórios foi o do também acadêmico Paulo Roberto de Almeida, conhecido autor de diversos artigos em "desalinho" com as novas orientações ideológicas.
Ainda há muita nebulosidade em relação ao ocorrido no caso recente envolvendo o nosso diplomata Saboia e o senador boliviano. No momento não é possível saber em que medida instruções informais foram ou deixaram de ser cumpridas. Houve consulta preliminar sobre eventual saída clandestina? Houve resposta negativa e Saboia descumpriu a ordem? Não existiu qualquer ordem e ele atuou no limite ou além de sua competência? Quais foram precisamente as orientações e ações da secretaria de Estado para solucionar o impasse? Os apelos para uma solução foram respondidos?
O distanciamento temporal dos fatos e o acesso suficiente às informações são elementos fundamentais para o esclarecimento das ideias e das ações e bons balizadores de toda e qualquer transgressão, potencialmente transformando os transgressores em egocêntricos, vítimas --nem sempre do Itamaraty, mas também dos governos--, idealistas ou até heróis.

Fábio Koifman, 49, doutor em história e professor da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), é autor de "Quixote nas Trevas: o Embaixador Souza Dantas e os Refugiados do Nazismo"(Record).

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Governos coruptos e incompetentes, e o direito de dizer isto - Anne Applebaum

Bem, estamos um pouco longes desta vez, mas o direito elementar de lutar contra governos incompetentes, ou corruptos, ou as duas coisas ao mesmo tempo, e contra várias outras coisas mais, como a denúncia da proteção dada a carteis e monopólios de capitalistas amigos, da aceitação que máfias disponham de recursos públicos, ou que permaneçam impunes, bem tudo isso é direito elementar numa democracia, não é mesmo?
Paulo Roberto de Almeida 
Anne Applebaum
Anne Applebaum
Opinion Writer

Can Ukraine and India go beyond slogans?

The Washington Post Opinion, January, 9, 2014


In the first week of the new year, in two very different parts of the globe, the citizens of two very different democracies were struggling with a very similar problem: how to reform a corrupt but legitimately elected political elite.
This isn’t a new problem, or an unfamiliar one. It certainly isn’t limited to the developing world. Voters in the United States and Europe have long grappled with flawed democracies and flawed democrats, as have voters from Mexico to Turkey to Brazil. But in recent months, the fight for reform has taken particularly dramatic turns in India and Ukraine.
Anne Applebaum
Applebaum writes a biweekly foreign affairs column and contributes to the PostPartisan blog.
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In Kiev, opponents of the current government are hunkering down for what looks set to become an extended street revolution. On New Year’s Eve, more than 100,000 Ukrainians gathered on the Maidan, the capital’s central square, and sang their national anthem (“Ukraine Has Not Yet Perished”) at the stroke of midnight. A smaller group of protesters have not left the square at all since the Ukrainian president, Viktor Yanukovych, abruptly refused to sign a trade treaty with the European Union in November. The participants support closer links to Europe and oppose closer union with Russia. They also oppose the authoritarianism that Russia represents, as well as its echoes at home: their own corrupt, oligarchic economy, their own murky security police. The latter beat up one particularly vocal Ukrainian activist on Christmas Day and left her for dead.
But while all of these things are said openly every day on the Maidan, there isn’t much evidence that anyone in power is listening. Yanukovych’s government gave up trying to clear the square by force — violence inspired more demonstrators — and now seems inclined to wait it out. It’s cold in central Kiev; people have jobs and families. It must be something to hear 100,000 people singing at midnight, but how does that change things? The crowd wants Yanukovych out, but an alternative has not yet emerged.
A year ago, a similarly broad and inchoate reform movement in India had reached a similarly dramatic turning point. Throughout 2011 and 2012, Anna Hazare, an activist who uses the symbols and tactics of Mohandas Gandhi — simple dress, nonviolent protest, hunger strikes — mobilized hundreds of thousands of Indians to support his campaign against corruption and in favor of political reform. He had some success: His 12-day hunger strike in August 2011 forced a panicked Indian government to agree to pass new anti-corruption legislation.
But after that, Indians began to drift away. A sense of stasis returned. The movement divided, and its leaders began to argue. One, Arvind Kejriwal, wanted to turn the street revolution into a political party. Hazare was against it. “Politics is not service,” he declared, “it is all about selfishness.” Kejriwal disagreed. He left Hazare and founded Aam Aadmi, the Common Man Party, a move that many deemed quixotic. Even his admirers thought it made no sense to challenge India’s large and well-funded mainstream parties.
They stopped laughing when Aam Aadmi emerged as the governing party in Delhi’s state assembly after elections in December. I was in India last week, just days after Kejriwal became chief minister of Delhi — the top executive of a region containing 22 million people— and no one was laughing then either. On the contrary, the Indian press marveled: Kejriwal is conducting meetings out of his tiny, suburban apartment! Kejriwal wears a paper Gandhi cap! Within hours of taking office, he had banned water payment schemes that Delhi bureaucrats had long used to enrich themselves.
Kejriwal may turn out to be a disappointment. He may indeed be corrupted by power. His party may not be strong enough to win national votes. In the southwestern city of Kochi, I was told that Aam Aadmi still had no local presence, though many hoped it would. But Kejriwal’s decision to join the fray, to institutionalize his movement, to enter the “selfish” world of politics and leave behind the purity of the street revolution, has given him and his supporters the opportunity, at least, to bring about deeper change.
The real test of Ukraine’s revolution is whether its leaders can now do the same. Indeed, this is the real test of any protest movement in any democracy: Can its members find a way to join the system in order to change the system? In the end, a street movement’s success isn’t determined by the crowds it can mobilize, the clever slogans its members chant or even the government ministers it persuades to resign. Success is creating a real political alternative — and then getting that alternative elected to power.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Kafka e a Muralha da China: por favor, me prendam, eu quero ser preso, eu imploro...

Kafkiano, realmente...
Paulo Roberto de Almeida

China: Wanted Exile’s Attempt to Surrender Is Rejected
By THE ASSOCIATED PRESS, November 25, 2013

The second most-wanted student leader from the 1989 Tiananmen Square pro-democracy protests was turned back from Hong Kong on Monday in his latest attempt to surrender to Chinese authorities and return home. It was the fourth such attempt by the former student leader, Wu’er Kaixi, who said his lack of success so far was the result of “absurd” actions by the Chinese government.

Mr. Wu’er, who has lived in exile in the United States and Taiwan for more than two decades, is stuck in a situation in which he is both wanted for arrest and, like many other dissidents who have fled, prevented from returning to China. Mr. Wu’er said in a blog post that he wanted to go back to China to see his ailing parents and other family members, whom he has not seen since he fled into exile 24 years ago. His parents have also been denied permission to visit him. He was named No. 2 on the Chinese government’s list of 21 wanted student leaders (behind Wang Dan) after the military crushed the 1989 protests, killing at least hundreds.

domingo, 15 de setembro de 2013

Diplomatas "transgressores" - Fabio Koifman (FSP)

Transgressões no Itamaraty
FÁBIO KOIFMAN
Folha de S.Paulo, 15/09/2013

RESUMO Dentro de um ministério regido por hierarquia e normas próprias como o Itamaraty, atos de rebeldia são pouco comuns. Historiador das relações internacionais faz um apanhado de casos em que representantes do país atuaram contra as regras estabelecidas, com motivações diversas, da convicção ética à pequeneza pessoal.
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Como em uma orquestra, vige no Itamaraty, ministério hierarquizado e dotado de regras próprias, um ritual de obediência que visaria desmotivar, cercear e eventualmente punir a dissidência. A Casa --como muitos chamam o MRE-- não estimularia a independência de pensamento.
A desobediência não é fato tão comum na história do ministério. A maioria dos diplomatas é disciplinada e segue as regras. Quase sempre é quando as ordens ferem os princípios de um diplomata que pode surgir um transgressor.
Em 2008 fui chamado a falar sobre o embaixador Luiz Martins de Souza Dantas (1876-1954) aos alunos do Instituto Rio Branco em Brasília. Era um sinal positivo e curioso que a Casa convidasse alguém para falar aos futuros diplomatas sobre um embaixador que fez o que eles não deveriam de modo algum fazer: deixar de cumprir as orientações e ordens da chefia.
Representante do país na França ocupada, Souza Dantas não seguiu as orientações do Estado Novo (1937-45) de Vargas e praticou ajuda humanitária, emitindo vistos a perseguidos do nazismo.
Alguns articulistas, acadêmicos e jornalistas têm se referido a Souza Dantas quando opinam a respeito do recente caso envolvendo o diplomata brasileiro Eduardo Saboia, que ajudou na fuga do senador boliviano Roger Pinto Molina, asilado na Embaixada do Brasil em La Paz por quase 500 dias.
Em uma primeira análise, os casos de Souza Dantas e de Saboia têm pouco em comum. Enquanto Souza Dantas encontrou dificuldades morais em seguir a determinação da Secretaria de Estado, Saboia aparentemente teria enfrentado o silêncio quanto a como proceder para contornar a situação envolvendo o senador boliviano.
Nem todas as transgressões ocorridas no MRE deixaram registros escritos; alguns casos de diplomatas rebeldes só puderam ser apurados nos corredores da Casa. Nem todas, também, se deveram a motivos de consciência ou humanitários -várias tiveram mesmo origem em fatos comezinhos.
PERU
Eram fins de 1902 quando Manuel de Oliveira Lima foi indicado para a nossa representação no Peru. Desagradado com o destino, postergou o quanto pôde sua volta do Japão, onde estava lotado, apesar de o barão do Rio Branco ter solicitado com máxima urgência seu retorno ao Brasil --a demora se estendeu por mais de seis meses.
O desentendimento com o barão do Rio Branco agravou-se ao longo de 1903, com a publicação de artigos de Oliveira Lima em jornais expressando críticas às decisões da política externa brasileira. Citando o visconde de Cabo Frio, teria afirmado: "Peru só na mesa, assado, e para quem gosta. Eu não gosto".
Eleito para a Academia Brasileira de Letras, em seu discurso de posse em julho de 1903, na presença do presidente da República e de outras autoridades, Oliveira Lima teceu críticas à situação da carreira diplomática brasileira. Desejava ir para a Europa, mas acabou sendo enviado para a Venezuela onde permaneceu por três anos.
A intempestividade em público também atingiu Rui Barbosa.
Sem ser diplomata de carreira, em 1916 ele foi escolhido para representar o Brasil em importantes cerimônias comemorativas na Argentina. Naquele momento, o governo brasileiro ainda se mantinha neutro em relação ao conflito que seria conhecido mais tarde como Primeira Guerra Mundial.
Em 14 de julho, sob o argumento de que já estavam concluídas as cerimônias oficiais e que se expressava não como representante diplomático --embora tivesse exigido um salário mensal de embaixador--, Rui Barbosa pronunciou um discurso no qual assumia posição favorável a um dos lados em conflito, o dos aliados.
Nessa época, Luiz Martins de Souza Dantas respondia interinamente pelo Ministério das Relações Exteriores. Mesmo com antigas ligações de amizade entre as famílias, a defesa de posição divergente produziu acusações mútuas, bate-bocas nos jornais e o rompimento definitivo entre os dois.
Curioso foi o caso em que uma rebeldia foi respondida com outra.
Mário de Pimentel Brandão era embaixador na Bélgica quando os alemães invadiram o país, em 1940. Bruxelas estava sob bombardeio, o que levou o governo belga e todo o pessoal diplomático a fugir -Brandão inclusive. Do Rio, o secretário-geral do Itamaraty, embaixador Maurício Nabuco, dirigiu a Brandão uma repreensão por ter abandonado o posto sem a devida autorização do governo brasileiro e a divulgou por circular.
A resposta de Brandão, também aberta, foi de que se na antiga Roma de Calígula um cavalo havia sido feito cônsul, não era de se admirar que no Brasil moderno outro cavalo (algumas versões mencionam "burro") houvesse chegado a embaixador e a secretário-geral.
Sem conseguir do governo punição de Brandão pela resposta, Nabuco passou a transgressor: simplesmente abandonou o posto e viajou para Petrópolis e lá permaneceu. Foram precisos meses (e pedidos cordiais do presidente da República) para que o secretário-geral voltasse ao trabalho.
CÉLULA
Em 1952, com o Partido Comunista Brasileiro na ilegalidade, cinco diplomatas foram, a partir de uma denúncia, acusados de criar uma "célula comunista" dentro do MRE. Eram eles João Cabral de Melo Neto, Antônio Houaiss, Amaury Banhos Porto de Oliveira, Jatyr de Almeida Rodrigues e Paulo Cotrim Rodrigues Pereira.
Em 20 de março de 1953 foi publicado o despacho do presidente da República: Vargas seguiu o parecer do Conselho de Segurança Nacional e a proposta do ministro das Relações Exteriores, assinando decretos que colocavam os cinco "em disponibilidade inativa" --ou seja, sem remuneração.
O processo ainda foi enviado à chefia de polícia para promover a apuração "da responsabilidade criminal dos indicados". Os cinco impetraram ações no Supremo Tribunal Federal e só no ano seguinte seriam reintegrados ao Itamaraty. Houaiss e Almeida Rodrigues seriam aposentados compulsoriamente depois do golpe de 1964.
Álvaro de Barros Lins não era diplomata de carreira, mas em setembro de 1956 foi nomeado embaixador do Brasil em Lisboa por Juscelino Kubitschek. Desgastou-se com a ditadura salazarista por criticar o Tratado de Amizade e Consulta entre Brasil e Portugal, que considerava "lesivo" aos interesses brasileiros.
Em 1959 o Brasil concedeu asilo político ao general Humberto da Silva Delgado, líder oposicionista português. O governo português não reconheceu o asilo. Considerando a reação de Kubitschek ao fato insuficiente e acusando-o de cúmplice com as ditaduras, saiu do posto em outubro do mesmo ano. Delgado foi assassinado pela polícia política de Salazar próximo á fronteira espanhola em 1965.
Foi contra a nascente ditadura brasileira que se insurgiu, em 1964, o embaixador Jayme de Azevedo Rodrigues. Em serviço em Genebra na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), ao receber o comunicado da deposição do presidente João Goulart, telegrafou ao Itamaraty: "Não sirvo a governos gorilas". No dia 2 de julho, sua aposentadoria foi publicada com base no primeiro dos atos institucionais militares.
ZUM-ZUM
O regime militar brasileiro teria no diplomata Manoel Pio Correa um aguerrido defensor da ordem. Em 1966, ao assumir a função de secretário-geral, Pio Correa deixou claro que não gostava de diplomatas "pederastas", "vagabundos" e "bêbados" --os termos são do próprio diplomata, conforme citados em suas memórias ("O Mundo em que Vivi").
Logo descobriu que Vinicius de Moraes, lotado ali, não era assíduo ao trabalho. Além disso, era contratado da casa noturna Zum-Zum, em Copacabana, onde se apresentava todas as noites.
Convocou-o propositalmente em uma manhã bem cedo para lhe dar duas opções: ou largava o trabalho noturno e assumia uma função ou pedia licença sem vencimentos. Vinicius foi obrigado a licenciar-se. O AI-5 o aposentaria compulsoriamente em 1968.
A atividade artística quase foi daninhas a outro homem de letras. José Guilherme Alves Merquior foi, desde cedo, muito presente no meio intelectual de sua época.
Em 1962, aluno do Instituto Rio Branco, ele participou da organização de um festival de cinema russo. No ano seguinte (ao fim do qual tomaria posse como terceiro secretário do Itamaraty), foi convidado a dar um curso de introdução à estética no Instituto Superior de Estudos Brasileiros e chamou a falar o marxista Leandro Konder. Teria ainda coordenado uma exposição de fotógrafos cubanos.
Designado para servir em seu primeiro posto internacional em 13 de maio de 1966, teria sido inquirido a respeito dessas atividades que flertavam com a ideologia comunista --segundo conta-se, por pouco não foi cassado.
Uma disputa de cunho pessoal quase coloca o Brasil em um grave incidente com a Síria de Hafez al-Assad --pai do atual ditador sírio, ele havia tomado o poder via golpe de Estado em 1970.
Entre 1969 e 1972, Roberto Luiz Assumpção de Araújo era embaixador em Damasco. Assad passou a cobiçar a casa na qual Assumpção estava instalado, tentando convencê-lo a se mudar. O embaixador não cedeu, e os dirigentes sírios passaram a utilizar outros meios de pressão, que incluíram o corte sistemático de energia e água da residência. Sem sucesso, obstruíram o esgoto, o que produziu uma situação insustentável.
Assumpção, ao invés de dar-se por vencido, arriou a bandeira brasileira e seguiu com o protocolo de rompimento de relações diplomáticas com o país árabe. O caso produziu alvoroço na comunidade sírio-brasileira, que se lançou em reclamações contra Assumpção. Uma ordem expressa de Brasília finalmente convenceu o embaixador a deixar a casa.
Para alguns, os atos de José Maurício Bustani quando diretor-geral da Organização para a Proibição das Armas Químicas (Opaq) o qualificam como transgressor --e, se não o foi com relação ao Itamaraty, certamente pode-se dizer que ele entrou em choque com o governo norte-americano.
Eleito para a Opaq no período 1997-2000 e reeleito para o quadriênio seguinte, 2001-2005, ele agiu de maneira independente a fim de tentar fazer fazer com que as regras valessem do mesmo modo para todos os países.
O governo George W. Bush passou a vê-lo como obstáculo, e Bustani não chegou a concluir o segundo mandato: menos de um ano antes do início da segunda guerra do Iraque, os Estados Unidos passaram a articular pela sua remoção do posto, o que acabou por ocorrer em abril de 2002.
DESALINHO
Com a inauguração do governo Lula e sua diplomacia influenciada pela perspectiva do PT, diversos funcionários tidos como contrários à nova política foram marginalizados na carreira e em suas funções. Um dos casos mais notórios foi o do também acadêmico Paulo Roberto de Almeida, conhecido autor de diversos artigos em "desalinho" com as novas orientações ideológicas.
Ainda há muita nebulosidade em relação ao ocorrido no caso recente envolvendo o nosso diplomata Saboia e o senador boliviano. No momento não é possível saber em que medida instruções informais foram ou deixaram de ser cumpridas. Houve consulta preliminar sobre eventual saída clandestina? Houve resposta negativa e Saboia descumpriu a ordem? Não existiu qualquer ordem e ele atuou no limite ou além de sua competência? Quais foram precisamente as orientações e ações da secretaria de Estado para solucionar o impasse? Os apelos para uma solução foram respondidos?
O distanciamento temporal dos fatos e o acesso suficiente às informações são elementos fundamentais para o esclarecimento das ideias e das ações e bons balizadores de toda e qualquer transgressão, potencialmente transformando os transgressores em egocêntricos, vítimas --nem sempre do Itamaraty, mas também dos governos--, idealistas ou até heróis.