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sábado, 27 de abril de 2019

24 ENERI: palestra de Paulo Roberto de Almeida: notas para desenvolvimento oral


Desafios Globais de Desenvolvimento: Igualdade, Sustentabilidade e Crescimento no Século XXI

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: notas para palestra; finalidade: 24ª edição do ENERI, Uberlândia.]

1. Introdução: invertendo a ordem dos conceitos e o seu significado
Peço permissão para revisar completamente os termos sugeridos para minha participação nesta 24ª. edição do ENERI. Em primeiro lugar não existem desafios globais de desenvolvimento. A despeito da preeminência avassaladora da globalização neste século, aliás desde a pré-história, o desafio do desenvolvimento é, continua sendo, e será ainda por muito tempo, eminentemente nacional, quase que exclusivamente nacional. Existem poucos exemplos de países no mundo, se algum, que se tenha desenvolvido pelas mãos de outros países, a não ser que se considerem colônias dominadas por certas metrópoles exemplos de processos globais, ou transplantados, de desenvolvimento. E, de fato, algumas colônias conseguiram galgar alguns degraus no caminho do desenvolvimento pelas mãos das metrópoles que as dominaram, mas entendo que não é este o conceito exatamente pensado pelos organizadores deste encontro, ao sugerir o título que me foi encaminhado para tema desta minha palestra.
Da mesma forma, permito-me alterar a ordem do subtítulo: “igualdade, sustentabilidade e crescimento”, embora aceite o final, “no século XXI”, pois é nele que nos encontramos, objetivamente. Igualdade não é necessariamente um desafio global do desenvolvimento, que ocorre de modo diferenciado entre povos e nações, num formato profundamente assimétrico – como são todos os processos nacionais conhecidos de desenvolvimento – e sequer deveria fazer parte dos objetivos nacionais nesse sentido, mas vou explicar porque mais adiante.
Sustentabilidade, por sua vez, virou o que se poderia chamar de “catch word”, um clichê, a que se recorre desde pelo menos a segunda conferência da ONU sobre o desenvolvimento sustentável, e que se tornou um conceito incontornável, obrigatório e até indispensável em qualquer discurso oficial de burocratas internacionais e de políticos nacionais. Ele serve para tudo: merchandising politicamente correto, sinal de que se está alinhado com a modernidade, respeito pela preservação do meio ambiente e todas essas palavras bonitas que precisam entrar nos discursos de todos e cada um: diplomatas em primeiro lugar, ecologistas obviamente, empresários com certeza, artistas e intelectual alinhados ao politicamente correto, enfim, gente bacana. Virou uma mania, até o ponto de perder qualquer significado concreto: tudo precisa ser sustentável, sob risco de ser execrado, condenado, abjurado, recusado, conspurcado, relegado ao limbo das más intenções, enfim, expurgado dos belos discursos recheados de bullshit.
Quanto ao crescimento, finalmente, esta é uma realidade concreta, com a qual podem trabalhar os economistas, pois ele pode ser medido, mensurado, quantificado, estimado, projetado, colocado numa série histórica, transformado em números e valores, pois que denotando uma realidade que existe como agregação de valor monetário e que se traduz, concretamente, em renda, riqueza, bem-estar, prosperidade, e até felicidade. Sem crescimento não há desenvolvimento, pelo menos no sentido mais prosaico dessa noção mais política do que econômica, pois que denota um processo de acréscimo nas opções abertas à satisfação das pessoas, na sua longevidade, na liberdade de poder dispor de bens e serviços que antes, sem crescimento, estavam mais ou menos tolhidas.
Vou me estender sobre cada um desses conceitos para me deleitar um pouco no meu exercício preferido como acadêmico, ou como simples cidadão consciente: o fato de ser um contrarianista profissional, ou seja, aquele que está sempre encontrando um motivo para contrariar o senso comum prevalecente, para introduzir um pouco de ceticismo sadio, apenas pelo prazer de ser um contestador daquelas verdades estabelecidas, o que Gustave Flaubert chamava de “idées reçues”, ou seja, fatos tidos como de entendimento corrente, mas frente aos quais eu ouso levantar o meu dedinho interrogativo para dizer: “Não é bem assim”. Ou então: Think Again, ou seja, pense duas vezes e revise seus conceitos aceitos até aqui. Não se intimidem em romper o consenso, desde que tenham argumentos bem fundamentados em dados empíricos, em um amplo conhecimento histórico, assim como em sólidas bases teóricas e lógicas.

2. Crescimento: um processo basicamente nacional e endógeno
Gostaria, antes de qualquer outro comentário, de formular duas sugestões de leitura para aqueles interessados em aprofundar o conhecimento teórico e comparado sobre o processo de crescimento econômico, esse objetivo obsessivo de todo e qualquer estadista digno desse nome. A primeira é o manual para iniciantes de qualquer curso de economia nas faculdades americanas, de Robert Barro e Xavier Sala-i-Martin: Economic Gowth (várias edições pela MIT Pess), que discorrem sobre como taxas cumulativas de crescimento, mesmo em valores modestos, podem fazer diferença no longo prazo. O segundo é o livro de James Robinson e de Daron Acemoglu, Why Natins Fail, que examina os fatores responsáveis pelo desenvolvimento de algumas nações e não conseguem mudar a situação em outras.

3. Igualdade: uma aspiração que costuma representar uma aberração
Desde Rousseau, a igualdade é a palavra que mais causou confusão no mundo da política, e das lutas sociais, a partir de meados do século XVIII. Consagrada na Revolução francesa como um dos objetivos máximos do novo regime político e social – liberté, égalité, fraternité –, a igualdade foi igualmente incorporada aos supostos objetivos de qualquer programa econômico de governança no decorrer do século XX, inclusive no tocante aos programas das agências internacionais onusianas, ademais, é claro, de a palavra estar integrada a dez de cada dez discursos políticos em qualquer lugar do mundo. No entanto, esse não deveria ser o objetivo de estadistas responsáveis, uma vez que produzir igualdade pode ser, ou revelar-se, a iniciativa mais violenta que possa existir na face da terra, se esse objetivo é realizado por métodos compulsórios.
Poucos anos atrás, fez relativo sucesso o livro do economista socialista francês Thomas Piketty, O Capital do século XXI, uma evidente referência à obra magna do filósofo social Karl Marx, que tentou dar ares de cientificidade às suas duvidosas elucubrações sobre o capital no século XIX. O livro tenta provar, com o acúmulo de estatísticas rigorosamente selecionadas, que o capital financeiro tende a aumentar mais rapidamente do que os ganhos dos trabalhadores, e até a se multiplicar acima e além da própria taxa de crescimento geral da economia, segundo uma fórmula supostamente mágica, ao estilo da famosa equação einsteiniana (emc2), segundo a qual r > g. Trata-se de uma metodologia questionável, ao considerar unicamente como uma das fontes de riqueza o capital financeiro, que parece pairar acima das sociedades e através dos tempos como um ente metafísico, independente das formas variáveis de criação de riqueza e ao descartar os ativos intangíveis, que também são uma forma de riqueza. Mais grave ainda, as prescrições corretivas apontam todas no sentido da taxação vingativa da riqueza acumulada pelos mais ricos – os megabilionários, os culpados de sempre – e sua redistribuição aos menos ricos, como se essa fosse a forma correta de tornar todos os indivíduos igualmente ricos.
Não é: ao repartir a riqueza acumulada por todos os pobres do planeta, haveria um modesto quinhão adicional de algumas centenas de dólares para cada um, que seriam consumidos em compras imediatas de produtos de primeira necessidade e depois não sobraria mais nada, nem poupança, nem investimento, nem estímulo para que os megarricos, ou os simplesmente ricos, colocassem sua riqueza para operar em novos negócios. A função mais nobre do economista deveria ser enriquecer os mais pobres, não empobrecer os mais ricos...

4. Sustentabilidade: um ideal que mobiliza, e que pode obstruir o crescimento
Trata-se do conceito mais usado e abusado da história das relações internacionais desde várias décadas, praticamente desde os anos 1970, logo após a primeira conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento. É um catch-word, ou um saco de gatos, onde cabe tudo e qualquer coisa: tudo precisa ser sustentável hoje em dia, do contrário não vende ou não pode ser apresentado ao distinto público. Na verdade, a melhor sustentabilidade é aquela determinada pelo mecanismo de preços dos mercados livres, que consegue aferir, imediatamente e precisamente, a raridade relativa dos bens e ativos disponíveis para consumo humano ou incorporação ao processo produtivo. Nenhuma determinação de preços e valores por burocratas governamentais ou internacionais consegue se sobrepor à clareza, transparência e fiabilidade dos preços de mercado.

5. Crescimento: sustentado, competitivo, com alto capital humano e abertura
Volto ao conceito chave de crescimento, e apenas a ele. As sociedades avançam, progridem, se desenvolvem, se conseguem manter um processo de crescimento sustentado (não sustentável, pois essa condição vem automaticamente numa economia de livres mercados), com transformações produtivas e distribuição social dos benefícios desse crescimento pela via dos mercados, não por indução estatal.
Para que ele se realize, esse crescimento tem de estar mais ou menos baseado em cinco grandes pilares, ou alavancas operacionais: estabilidade macroeconômica, competição microeconômica, boa governança, alta qualidade dos recursos humanos e abertura econômica, liberdade ao capital estrangeiro, sobretudo sob a forma de investimentos diretos estrangeiros, e liberalização comercial, eventualmente até sob a forma de redução tarifária unilateral.
Quanto tivermos esses cinco pilares bem estabelecidos como políticas públicas teremos o desenvolvimento, em bases nacionais, num regime de plena inserção econômica internacional, ou seja, com globalização e globalismo, quaisquer que sejam as restrições que certos gurus e sofistas, totalmente ignorantes em economia, tenham quanto a este último termo. Globalismo não existe, mas se quisermos aceitá-lo como conceito absolutamente normal na atividade diplomática, ele nada mais é do que a vertente propriamente política do processo de globalização.

Paulo Roberto de Almeida
São Paulo, 27 de abril de 2019

sábado, 18 de abril de 2015

20 ENERI: Brasilia, 22 a 25 de abril de 2015 - FAAP

FAAP realiza em Brasília 20ª edição do ENERI


A 20ª edição do Encontro Nacional de Estudantes de Relações Internacionais (ENERI) será realizada entre os dias 22 e 25 de abril, em Brasília (DF). 
Com o tema “Rumo à multipolaridade”, o evento reunirá grandes nomes do setor em palestras, minicursos, mesas redondas e workshops.
Os temas serão debatidos a partir do tripé do curso de Relações Internacionais: política, história e economia. 
A palestra de abertura do evento será feita pelo ministro de Estado das Relações Exteriores do Brasil, embaixador Mauro Vieira.
O ENERI está sendo organizado pelos alunos da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), instituição cujo curso de Relações Internacionais chega a 18 anos de história. 

As inscrições devem ser feitas pelo link www.faap.br/eneri2015.
Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 3662-7263 / 7512 ou pelo e-mail atendimento.eneri@faap.br .

 XX Encontro Nacional de Estudantes de Relações Internacionais (ENERI)Datas: de 22 a 25/04/2015
Local: Centro de Convenções Ulysses Guimarães, Brasília (DF)
Inscrições: www.faap.br/eneri2015/
Informações: (11) 3662-7263 / 7512

domingo, 1 de junho de 2014

Quais os rumos para a politica externa brasileira na proxima decada? - Paulo Roberto de Almeida

Rumos adequados à política externa brasileira na próxima década

Paulo Roberto de Almeida
Texto preparado para o:
19° Encontro Nacional de Estudantes de Relações Internacionais (ENERI)
4 a 7 de junho de 2014, Balneário Camboriú - Santa Catarina
organizado pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI)

Do Brasil recebo um convite para participar do 19° Encontro Nacional de Estudantes de Relações Internacionais (ENERI), de 4 a 7 de junho de 2014, no Balneário Camboriú, em Santa Catarina, organizado pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Sugerem que eu discorra sobre o tema do título, ou, mais exatamente, que eu responda à seguinte questão: “Quais os rumos adequados à política externa brasileira para a próxima década?”. Na impossibilidade de estar presente pessoalmente, resolvi alinhar os meus argumentos sobre o tema sugerido nos parágrafos que seguem.

Quando alguém se questiona sobre “rumos adequados” para a política externa brasileira para a próxima década, a impressão implícita, ou mesmo a suposição direta, é a de que a política externa que foi seguida nos últimos dez anos não foi exatamente adequada, ou pelo menos não tanto quanto poderia, ou deveria ser. Pode ser que esta seja apenas uma suspeita sem fundamento, e que, ao contrário do que possam pensar espíritos malévolos e indivíduos mal-intencionados, a política externa que está aí, esta mesma que esteve e está conosco pelos últimos dez anos e meio, foi a maior das maravilhas do governo do nunca antes. De fato, como está no título do meu livro mais recente, nunca antes na diplomacia brasileira tivemos uma política externa como essa.
Mas também pode ser que, ao falar de rumos adequados para a política externa, a intenção, altamente suspeita, dos responsáveis pelo convite, tenha sido essa mesma, ou seja: colocar em dúvida os propósitos, as intenções, os resultados, e quem sabe até os fundamentos da diplomacia do nunca antes. O pessoal do ENERI é mesmo desconfiado, e não deve comer gato por lebre, o que representaria, neste caso, trocar a diplomacia do Itamaraty, nossa velha conhecida, pela política externa partidária dos companheiros das boas causas, ainda que estas sejam perdidas ou simplesmente anacrônicas.
Em todo caso, agradeço pela lembrança do meu nome, e, sem poder falar diretamente aos participantes do 19. ENERI, por razões de trabalho, permito-me formular nas linhas que seguem alguns argumentos que poderiam sustentar uma hipotética política externa alternativa à dos companheiros, uma que tenha rumos adequados ao país, já que a que está ai trouxe fundadas desconfianças de que não serve a um país como o Brasil, que pode ser várias coisas, menos certamente bolivariano.
Pois bem, aceitando o desafio, caberia então, antes de falar do que poderia ser adequado para a política externa brasileira na próxima década, começar pela simples identificação do que não foi adequado nessa política, durante a última década. A partir daí talvez seja possível corrigir alguns dos erros, os desvios, os muitos equívocos, as deformações, enfim tudo aquilo que, antes dos companheiros chegarem ao poder, nunca tinha sido feito, mas que ele fizeram, de modo até despudorado, como se fosse essa mesma a intenção, ou seja, perpetrar todas essas iniciativas inadequadas, o que nos permite justamente estar agora discutindo, numa espécie de balanço, os seus rumos inadequados, num arremedo de “sessão descarrego” contra os maus espíritos, como se faz com alguns dos santos mais conhecidos do candomblé.
Se poderia começar, por exemplo, afastando qualquer retórica grandiloquente, dessas pelas quais se proclama, a altos brados, que se está defendendo a soberania nacional, lutando contra uma fantasmagórica dominação estrangeira, contra a submissão ao FMI, aos especuladores de Wall Street, aos neoliberais de Washington e tantas outras bobagens do gênero. Quem se enrola na bandeira da soberania, para enfrentar moinhos imaginários, é porque tem um sério problema psicológico, e não tem, no fundo, muita certeza de estar de fato defendendo o interesse nacional. O mais provável é que continue em campanha eleitoral e fica escondendo sua falta de imaginação com invectivas contra supostos inimigos da pátria, o que é, na verdade, uma insegurança tremenda sobre o que fazer, de fato, para defender os interesses nacionais. Ainda recentemente, um desses iluminados do partido da soberania nacional voltou a agitar o fantasma de uma volta ao passado, referindo-se continuamente ao neoliberalismo, como se um país dirigista e estatizante como o Brasil tenha sido, algum dia, um país liberal, e que não se sabe bem quais traidores da pátria andaram por aqui praticando as artes sempre perversas do neoliberalismo. Que falta de imaginação, ou que falta do que falar, justo do nosso velho fantasma do neoliberalismo. Devia ser numa assembleia da UNE, certamente.
Vamos ser diretos: a defensa dos interesses nacionais se faz com uma avaliação isenta, tecnicamente fundamentada, economicamente embasada, da agenda que cabe implementar na frente externa, sem arroubos, sem retórica vazia, sem grandes golpes de propaganda enganosa. Durante os últimos dez ou doze anos, os companheiros no poder fizeram exatamente isso: primeiro ficaram deblaterando contra quem os precedeu, inventando uma tal de herança maldita que só existiu por profunda desonestidade sub-intelectual, uma vez que a deterioração da situação econômica do Brasil, durante os meses da campanha eleitoral de 2002 só existiu por que os mercados temiam, justamente, os possíveis efeitos de uma política econômica esquizofrênica que os aprendizes de feitiçarias econômicas do partido dos companheiros tinham se encarregado de propagar durante os meses anteriores ao pleito presidencial.
Uma vez no poder, eles foram logo se empenhando na implosão da Alca, o projeto americano de uma zona de livre comércio hemisférica, não porque tivessem conduzido brilhantes estudos técnicos de simulação econômica sobre os efeitos de um tal acordo para o Brasil, mas apenas porque ideologicamente eram contra tudo o que pudesse provir do gigante do norte. Em seu lugar eles esperavam maravilhas de um hipotético acordo entre a União Europeia e o Mercosul, ou até chegaram a propor um acordo de livre comércio entre o bloco do Cone Sul e a China, como se esta fosse a solução para todos os problemas externos do Brasil e do Mercosul. Deve-se reconhecer que eles conseguiram o seu intento os companheiros, não exatamente o livre comércio com a União Europeia – uma ilusão de ingênuos e de amadores – e menos ainda tal tipo de arranjo com a China, mas obtiveram, de fato, a implosão da Alca, transformada em dragão da maldade imperialista.
Os companheiros também ficaram iludidos pela possibilidade de o Brasil ser admitido como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidos, uma verdadeira obsessão para alguns, numa outra suprema demonstração de irrealismo e de total falta de prioridades para a agenda externa do Brasil. Em nome desse objetivo, o supremo mandatário saiu pelo mundo perdoando dívidas bilaterais de ditadores do petróleo e prometendo apoio político para os mesmos inimigos das liberdades e dos direitos humanos. Aliás, fazer amizade com ditaduras parece que se converteu numa mania dos companheiros, sempre dispostos a tratar com complacência os piores perpetradores de atentados aos direitos humanos e valores democráticos no mundo. Antigamente, o Brasil apenas se abstinha quando das discussões e votos a respeito dos casos mais politizados nessas matérias nas instâncias da ONU: a partir de 2003, o país passou a votar ativamente com os violadores e inimigos da democracia ao redor do mundo. Não se está aqui inventando nada: basta conferir os votos envolvendo alguns desses países. Um embaixador político companheiro numa dessas ditaduras até chegou a defender o fuzilamento de simples balseiros que tentavam fugir da ilha-prisão da qual os companheiros gostam tanto (a ponto de financiá-la fartamente nos dias que correm).
Um outro comportamento inadequado do ponto de vista dos verdadeiros interesses do Brasil, sob qualquer critério que se julgue, foi o abandono da agenda comercial do Mercosul, em favor de uma agenda política que poucos progressos trouxe ao bloco; ao contrário, fê-lo retroceder tremendamente nos últimos dez anos. Dizer que o Mercosul não é só econômico ou não é só comercial, e que ele deve também avançar nos terrenos político ou social, não constitui apenas uma impropriedade semântica, mas representa um crime contra o bloco. O Mercosul é, antes de mais nada, um tratado de integração comercial, e se fundamenta, basicamente, na abertura econômica recíproca, na liberalização comercial, e na plena integração produtiva do bloco ao resto do mundo, ponto. É isso que está escrito em seu tratado constitutivo e é essa agenda pela qual os países deveriam se bater em suas políticas comercial e industrial. Nada disso se fez na lula-década, ao contrário. Durante todo esse tempo, o bloco só recuou na liberalização interna e na abertura externa, voltando a ser o avestruz temeroso que nossos países eram nos tempos pouco gloriosos do protecionismo comercial e da introversão econômica.
Finalmente, os rumos sensatos da diplomacia profissional foram bastante afetados pelo personalismo presidencial, e tudo passou a girar em torno da figura retumbante do guia genial dos povos, o grande líder das nações oprimidas pelo imperialismo, o homem que iria comandar uma cruzada contra o unilateralismo arrogante dos países hegemônicos, até mudar a relação de forças no mundo e inaugurar uma nova geografia do comércio internacional. Em nome desses objetivos grandiloquentes, várias iniciativas de grande envergadura foram tomadas, para as quais se mobilizaram mundos e fundos, e recursos humanos em abundância, sempre com o objetivo de exaltar a figura do chefe e seus discursos de sindicalista universal. Tudo começou pela tentativa de se implantar um Fome Zero Universal, quando sequer o brasileiro deu certo, e foi logo abandonado e substituído pela assemblagem marota de todos os programas sociais existentes desde o governo anterior, apenas rotulando-os com um novo nome e aumentando o poder de fogo do curral eleitoral então criado. Sinceramente, não sei se deveria ser motivo de orgulho nacional o fato de ter mais de um quinto da população do país numa lista oficial de assistidos por esmolas do governo, como se isso fosse um sinal de normalidade no quadro da comunidade internacional.

Bem, chega de inadequações e de equívocos do passado. Cabe agora refletir sobre o que significa ter uma política externa adequada para um país que pretende se inserir plenamente nos circuitos da economia globalizada, não retrair-se defensivamente apenas porque o Brasil perde competitividade, e se mostra incapaz de concorrer com outros parceiros comerciais por não lograr ganhos de produtividade que dependem de um diagnóstico correto dos problemas reais e uma prescrição conforme as necessidades sentidas. A primeira condição para superar o estado lastimável em que se encontra o Brasil atualmente é justamente saber traçar uma avaliação adequada dos desafios a serem enfrentados e colocar-se corajosamente na condição de propositor de novas medidas proativas, não ficar atribuindo ao ambiente externo as razões de seu baixo desempenho no contexto internacional.
Quais são os principais problemas enfrentados atualmente pelo Brasil? Eles estão, na frente interna, no baixo crescimento, no recrudescimento da inflação, na infraestrutura medíocre, na nossa insuficiente produtividade, que por sua vez se reflete, no plano externo, na perda de competitividade da economia brasileira, na chamada reprimarização da pauta exportadora – que diminuiu bastante em sua composição – e na nossa dependência de alguns grandes compradores dos produtos primários de exportação. O Brasil se tornou hoje bem mais dependente da China do que ele jamais o foi, no passado, dos Estados Unidos, país com o qual sempre mantivemos uma interface bastante diversificada, feita das exportações as mais variadas, inclusive manufaturados, e que sempre nos abasteceu de know-how, tecnologia, financiamentos, cooperação educacional, e também filmes de Hollywood e, ultimamente, iPhones e iPads.
Aparentemente, mais até do que esses problemas de ordem econômica, o Brasil parece ter perdido uma mercadoria ainda preciosa na frente internacional, uma coisa que se chama credibilidade. É isso que dá ficar apoiando ditaduras comunistas, violadores dos direitos humanos, agressores dos valores democráticos e outros meliantes do mesmo tipo. Vejam bem: temos consagrados na nossa Constituição alguns princípios que nos são muito caros, pois lutamos muito, no passado, para assegurá-los na ordem política interna e na nossa expressão externa: o pleno respeito dos direitos humanos, dos valores democráticos, a condenação do terrorismo e a não intervenção nos assuntos internos de outros países. E o que aconteceu nos últimos dez ou doze anos? Segundo um “wikileaks” do Itamaraty, recentemente divulgado pelo grupo Anonymous, pedimos aos Estados Unidos que retirem Cuba da lista dos países que patrocinam terroristas. Parece que somos aliados, justamente, de alguns dos piores regimes do planeta que violam esses princípios e valores constantemente, e ainda hoje o fazemos, numa superação da antiga hipocrisia – que parece ser normal quando alguns desses temas são politizados na agenda internacional – em favor de um apoio direto e solidário a essas ditaduras.
Mais grave ainda: nossa Constituição consagra o princípio de que qualquer acordo gravoso para o país tem de ser necessariamente aprovado pelo Congresso, para ser plenamente válido, depois de formalmente ratificado. Não é isso que tem ocorrido nos últimos tempos. Um outro princípio relevante da Constituição, que é a necessária aprovação do Senado para operações financeiras externas, também tem sido descurado em diversas ocasiões, por acaso envolvendo algumas das mesmas ditaduras. Como é possível que empréstimos de órgãos públicos possam ser classificados como secretos, e se eximirem, assim, do necessário escrutínio do Congresso? Não se trata nem mais de só fazer favores a ditaduras corruptas, mas de um desrespeito a todo o povo brasileiro – que alimenta esses empréstimos com os seus impostos – bem como ao próprio poder legislativo, que deveria monitorar as condições sob as quais são feitas esses generosos empréstimos a regimes muito pouco frequentáveis nesse nosso planetinha redondo.
A credibilidade de nossa política externa também tem sido posta à prova nesses episódios de inadimplência negociadora: o país, que pertence a um bloco que outrora pretendia ser um mercado comum, não consegue montar uma oferta exportadora, e concessões nas importações, para as negociações entre o Mercosul e a União Europeia. O bloco tampouco consegue dar início a novos processos negociadores com parceiros promissores, e isso quando esses mesmos parceiros têm assinado acordos de livre comércio ou de liberalização comercial com vizinhos mais ousados, ou talvez mais inteligentes e mais abertos do que nós. Por que é que o Brasil insiste nessa política de avestruz, se fechando ao comércio internacional, atribuindo a outros as fontes de nossos velhos problemas internos e pretendendo voltar a construir uma economia apenas baseada no mercado interno, quando sabemos que esse tempo já passou? Será que os companheiros no poder pretender voltar ao stalinismo industrial praticado em outras eras de nosso itinerário econômico?
Quando é, finalmente, que vamos parar de sustentar ditaduras miseráveis, e regimes inviáveis, e nos relacionarmos normalmente com as maiores democracias de mercado, atendendo de fato ao que nos prescreve a Constituição? Quando é que vamos deixar a introversão de lado e nos integrarmos plenamente nos circuitos da globalização contemporânea, sem mais esses pruridos defensivos que só tem atuado para diminuir, cada vez mais, nossa participação no comércio internacional? Quando é, por fim, que vamos deixar de lado essa diplomacia partidária, extremamente enviesada do ponto de vista dos interesses nacionais, e voltar às boas tradições do Itamaraty, baseadas numa análise isenta e objetiva das realidades externas, num tratamento profissional, tecnicamente embasado, dos itens da agenda internacional, e numa implementação consensual de questões que deveriam nos integrar cada vez mais ao mundo como ele, não colocar-nos à margem, e por vias obscuras, da grande integração global que se processa sob nossos olhos mas com pouca participação do Brasil?
Está na hora de retificar os rumos e de realmente adotar uma política externa que seja consentânea, adequada e condizente com o que o Brasil passou a ser depois do Plano Real: uma democracia, ainda que com muitas falhas, fundada numa economia de mercado, e que deve procurar defender sua estabilidade interna e sua plena integração ao mundo contemporâneo. O Itamaraty sabe como fazer, sempre fez, mas seria preciso deixá-lo fazer.

Paulo Roberto de Almeida
Portland, Maine, 31 de maio de 2014


Post scriptum:
Na verdade, um comentário, que retiro do rodapé (que não sei se todo lê) e coloco aqui, ao pé da postagem, pois gostei do comentário e acho que é isso mesmo:
Alguns poucos vão lamentar minha ausência, e muitos vão ficar aliviados com a minha não presença, já que eu poderia deixá-los embaraçados...
Paulo Roberto de Almeida

Mauricio Martins

46 minutos atrás  -  Compartilhada publicamente
 
Melhor análise impossível. Pelo que conheço do ambiente acadêmico, alguns professores e alunos respirarão aliviados sabendo que o senhor não se fará presente no dito encontro. Ficará mais fácil enaltecer a diplomacia do "nunca antes".