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quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Livro: O Movimento da Independência: Homens e Mulheres na Conquista da Autonomia Nacional - André Heráclio do Rêgo (org.) (Appris)


 Livro: O Movimento da Independência: Homens e Mulheres na Conquista da Autonomia Nacional

André Heráclio do Rêgo (org.) (Appris) 

Independência resgata heróis para a História

 

Organizada pelo diplomata André Heráclio do Rêgo, coleção de 11 ensaios reúne especialistas que mostram a amplitude do 7 de Setembro

 

Diplomata, escritor e historiador André Heráclio do Rêgo lança O Movimento da Independência - Homens e Mulheres na Conquista da Autonomia Nacional. A obra reúne ensaios de especialistas com visão plural sobre os processos históricos como os da Revolução Pernambucana, da guerra de independência na Bahia e do decisivo empoderamento feminino de que foram protagonistas a arquiduquesa Leopoldina e a primeira militar brasileira, Maria Quitéria.

A obra nasceu de um seminário realizado na Câmara dos Deputados em comemoração ao bicentenário da independência do Brasil, em 2022. “O movimento da Independência, expressão criada pelo historiador e diplomata Oliveira Lima, não se limitou ao episódio do grito do Ipiranga ou às negociações políticas na corte. Trata-se de um processo muito mais complexo e longo, que envolveu inclusive projetos diferentes de Independência, como foi o caso da Revolução de 1817”. Quem explica é André Heráclio, doutor em Estudos Portugueses, Brasileiros e da África Lusófona pela Universidade de Paris Nanterre e sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano.

 O livro, que reúne 11 textos, é uma contribuição às raras iniciativas para comemorar uma das mais importantes datas, assevera o organizador.   No primeiro, “A política joanina no Brasil, centralização e consolidação do estado”, de autoria de Arno Wehling, presidente de honra do IHGB e acadêmico da ABL, o foco é a centralização e a consolidação do Estado. O segundo, do diplomata Paulo Roberto de Almeida, é dedicado a “Hipólito da Costa: o primeiro estadista do Brasil”, que se destacou por suas ideias pioneiras sobre a construção do Estado.

 “Dom João VI entre a história e a memória nos 200 anos da nação”, terceiro ensaio, é da autoria de Jurandir Malerba, professor de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e mostra como Dom João VI atuou decisivamente para a solução monárquica e centralizadora que se adotou com a Independência. 

Já a Revolução Pernambucana de 1817 é tratada no ensaio “José Bonifácio e outro projeto para o Brasil”, de autoria do organizador. O Patriarca da Independência foi uma figura central na construção do Brasil, mas seu projeto não é era o único. “Havia outro, anterior ao dele, o dos revolucionários pernambucanos de 1817, que propugnava uma outra Independência, caracterizada pela República e pelo federalismo”, destaca André Heráclio.

Os dois ensaios seguintes têm como personagem principal a imperatriz Leopoldina, e projetam a mulher não apenas na Independência do Brasil, mas na sociedade de seu tempo. O primeiro, de autoria de Maria Celi Chaves Vasconcelos é também uma busca pela participação feminina na política nacional. O ensaio seguinte, também sobre Leopoldina, é de autoria da historiadora Denise G Porto: “A imperatriz austríaca e a viajante inglesa: entre cartas e tristezas, a história de uma amizade nos tempos da Independência”.

Dom Pedro I, marido de dona Leopoldina, centraliza o que Theodoro Menck, doutor em História das Relações Exteriores pela Universidade de Brasília (UnB), chama “diversas independências”, e que contraria a crença de que a independência raiou apenas no dia 7 de setembro de 1822 às margens do Ipiranga. Outro ensaio sobre Dom Pedro I é de Luiz Carlos Villalta, doutor e mestre em História Social e professor da UFMG.

O incipiente poder feminino também aparece nos ensaios subsequentes. O primeiro, do doutor em História Ibérica pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS-Paris) Paulo de Assunção, “Amélia de Leuchtenberg, a nobre imperatriz do Brasil”, busca resgatar a trajetória dessa personagem feminina da elite, quase desconhecida no século 19 e nos dias atuais. O segundo, do pesquisador e dramaturgo Maurício Melo Júnior, traz a epopeia de Maria Quitéria, que fugiu de casa, disfarçou-se de homem e alistou-se no Exército para lutar. O livro se conclui com um ensaio do renomado jurista Ives Gandra Martins, professor de Direito da Universidade Mackenzie, que resume o percurso histórico do período da Independência até os dias de hoje.

 

Sobre André Heráclio do Rêgo – diplomata, historiador e escritor, é graduado em Diplomacia pelo Instituto Rio Branco, tem mestrado em Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos pela pela Universidade de Paris Nanterre, doutorado em Estudos Portugueses, brasileiros e da África Lusófona pela mesma universidade e pós-doutorado na Universidade Católica de Lisboa, em História Social, e no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), da Universidade de São Paulo. Sócio de várias instituições acadêmicas, entre as quais o IHGB, o IAHGP, o IHGSP, o IHGDF, o IHGP e a Sociedade de Geografia de Lisboa.

 




sexta-feira, 18 de junho de 2021

Apogeu e demolição da política externa: itinerários da diplomacia brasileira: finalmente terminado - Paulo Roberto de Almeida

 Tendo finalizado o livro algumas horas antes que o pior chanceler da história da diplomacia brasileira apresentasse, finalmente, sua carta de demissão, acabo de encaminhar uma nota liminar explicando como ele foi feito, cujo texto transcrevo abaixo, em seguida ao índice: 



Apogeu e demolição da política externa

 itinerários da diplomacia brasileira 

(Curitiba: Editora Appris, 2021)



Diplomatie

Belle carrière (mais hérissée de difficultés, pleine de mystères). Ne convient qu’aux gens nobles. Métier d’une vague signification, mais au-dessus du commun. Un diplomate est toujours fin et pénétrant.


Gustave Flaubert: 

Dictionnaire des Idées Reçues 

(Paris: Éditions Conard, 1913)

  

 

Para o Brasil, esta é a hora do domínio das trevas. O Brasil nos dói, faz sofrer nosso coração de brasileiros. Também em nosso caso, a primeira atitude terá de ser a vergonha das coisas presentes como condição para despertar o espírito da nação. Reformar e purificar as instituições políticas, reaprender a crescer para poder suprimir a miséria e reduzir a desigualdade e a injustiça, integrar os excluídos, humanizar a vida social. Ao longo de todo este livro, tentou-se jamais separar a narrativa da evolução da política externa da História com maiúscula, envolvente e global, política, social, econômica. A diplomacia em geral fez sua parte e até não se saiu mal em comparação a alguns outros setores. Chegou-se, porém, ao ponto extremo em que não mais é possível que um setor possa continuar a construir, se outros elementos mais poderosos, como o sistema político, comprazem-se em demolir. A partir de agora, mais ainda que no passado, a construção do Brasil terá de ser integral, e a contribuição da diplomacia na edificação dependerá da regeneração do todo.

 

Rubens Ricupero:

A Diplomacia na Construção do Brasil, 1750-2016

(Rio de Janeiro: Versal, 2017, p. 738-9)

 

 

Esta obra é dedicada a Carmen Lícia Palazzo, com quem tenho desenvolvido várias décadas de feliz e profícua atividade intelectual, ela muito maior leitora,

pensadora e escritora do que este modesto escrevinhador.

Ela também traz a marca da felicidade com que fui contemplado ao ver dois filhos ativos e realizados, Pedro Paulo e Maíra, sendo que esta já nos presenteou com três belos netos: Gabriel, Rafael e Yasmin.


 

Índice

 

Nota liminar 

 

Uma história sincera do Itamaraty?

 

1. Relações internacionais do Brasil: uma síntese historiográfica

1.1. A historiografia: uma quase esquecida na história das ideias

1.2. A historiografia brasileira das relações exteriores: principais historiadores

1.3. Varnhagen, o pai da historiografia, o legitimista da corte

1.4. João Ribeiro inaugura a era dos manuais de história do Brasil

1.5. Oliveira Lima: o maior dos historiadores diplomatas

1.6. Pandiá Calógeras: o início da sistematização da história diplomática

1.7. Interregno diversificado: trabalhos da primeira metade do século XX

1.8. Os manuais didáticos de história diplomática: Vianna, Delgado e Rodrigues

1.9. O ideal desenvolvimentista: Amado Cervo e Clodoaldo Bueno

1.10. A diplomacia na construção da nação: Rubens Ricupero

1.11. A historiografia brasileira das relações internacionais: questões pendentes

 

2. As relações internacionais do Brasil em perspectiva histórica

2.1. Padrões e tendências das relações internacionais do Brasil

2.2. Etapas das relações internacionais do Brasil

       2.2.1. O Império: a construção da nação e as bases da diplomacia

       2.2.2. A Velha República: os mitos e as deficiências da política externa

       2.2.3. A era Vargas: escolhas estratégicas, a despeito de tudo

       2.2.4. O regime militar: consolidação do corporatismo diplomático

2.3. A redemocratização e as relações exteriores do Brasil

       2.3.1. Uma periodização diplomática para o período contemporâneo

       2.3.2. A restauração constitucional e os erros econômicos

       2.3.3. Os anos turbulentos das revisões radicais do momento neoliberal

       2.3.4. Estabilização macroeconômica e nova presença internacional

       2.3.5. A primeira era do Nunca Antes: a diplomacia personalista de Lula

       2.3.6. Uma transição pouco convencional: retornando a padrões anteriores

       2.3.7. Uma segunda era do Nunca Antes: a diplomacia bizarra de Bolsonaro

2.4. O que concluir de tudo isto? Que lições ficam de nossa trajetória histórica?

2.5. Nota final: reformas internas e inserção na globalização

 

3. Processos decisórios na história da política externa brasileira

3.1. O que define um processo decisório: observações preliminares

3.2. A diplomacia brasileira como instituição

3.3. A estrutura orgânica da diplomacia brasileira

3.4. Os processos decisórios na diplomacia brasileira

3.5. Virtudes e defeitos do processo decisório na diplomacia lulopetista

3.6. A degradação da cadeia de decisão no governo Bolsonaro

3.7. Conclusões: como funciona, como talvez devesse funcionar...

 

4. A política da política externa: as várias diplomacias presidenciais

4.1. Participação dos presidentes em política externa: da omissão ao ativismo

4.2. O início da liderança presidencial em política externa: a era Vargas

4.3. JK e o desenvolvimentismo: a caminho da política externa independente

4.4. O regime militar: tudo pelo “Brasil Grande Potência”

4.5. Redemocratização: crise externa e integração regional

4.6. Os anos FHC: enfim, uma diplomacia presidencial

4.7. Os anos Lula: o ativismo como norma, o personalismo como finalidade

4.8. A tímida diplomacia presidencial de Michel Temer

4.9. A antidiplomacia de Bolsonaro e dos assessores aloprados: afundamento

4.10. Conclusões: caminhos erráticos da diplomacia presidencial brasileira

 

5. O outro lado da glória: o reverso da medalha da diplomacia brasileira

5.1. Tropeços na independência e durante o império

5.2. Os fracassos da primeira diplomacia republicana

5.3. A difícil construção de uma diplomacia autônoma, e consciente de sê-la

5.4. A diplomacia profissional, como base da diplomacia presidencial

5.5. A deformação da política externa sob a diplomacia bolsolavista

 

6. Um exercício de planejamento estratégico para a diplomacia 

Introdução: demolição e reconstrução da diplomacia brasileira

6.1. A política externa e a diplomacia no desenvolvimento nacional

6.1.1. Etapas percorridas em 200 anos de história institucional

6.1.2. Os desafios: uma matriz dos recursos e das debilidades nacionais

6.2. Campos de atuação da diplomacia e da política externa 

6.2.1. Multilateralismo, regionalismo e bilateralismo como instrumentos

6.2.2. A política externa multilateral: interfaces políticas e econômicas

6.2.3. A geografia política e a geoeconomia global das relações exteriores

6.2.4. América do Sul: eixo de um espaço econômico integrado

6.2.5. O multilateralismo econômico: eixo da inserção global do país

6.2.6. Ambientalismo e sustentabilidade: eixos dos padrões produtivos
6.2.7. Direitos humanos e democracia: eixos da proposta ética do país

6.2.8. Blocos e alianças estratégicas na matriz externa

6.2.9. Relações com parceiros bilaterais e regionais

6.2.10. Vantagens comparativas e exploração de novas possibilidades

6.2.11. Integração política externa e políticas de desenvolvimento

6.3. O Itamaraty como força motriz da inserção global do Brasil

6.3.1. Gestão da Casa, com base nas melhores práticas da governança

6.3.2. Responsabilização, abertura e transparência nas funções

6.3.3. Capital humano de alta qualidade: base de uma diplomacia eficaz

6.4. Planejamento estratégico como prática contínua da diplomacia 

 

Bibliografia e referências

Nota sobre o autor

Livros do autor 



Nota Liminar ao livro 

Apogeu e Demolição da Política Externa

  

Paulo Roberto de Almeida 

 

            Este livro encontrava-se basicamente terminado, revisto e preparado para publicação – embora numa versão bem mais volumosa do que a desta edição – pouco tempo após a vitória do candidato democrata Joe Biden, nas eleições presidenciais americanas de novembro de 2020. Nos primeiros dias de dezembro, redigi um primeiro rascunho de Introdução, que figura após esta nota liminar, com exatamente o mesmo título – Uma história sincera do Itamaraty? –, mas com um texto ligeiramente diferente, uma vez que o índice original comportava tanto ensaios de natureza mais conceitual, abordando fases anteriores da política externa brasileira (preservados neste volume), quanto artigos de cunho mais conjuntural, tratando das desventuras da diplomacia profissional sob o chamado bolsolavismo. O conteúdo daquele volume, preparado numa fase que se imaginava de grandes mudanças no contexto hemisférico e nacional, refletia a decisão de oferecer uma análise sintética de um período mais largo da política externa e da diplomacia brasileira (as três décadas precedentes aqui enfeixadas sob o conceito de “Apogeu”), tanto quanto o desejo de compilar notas e comentários de ocasião, elaborados no segundo semestre de 2020, que estavam mais focados nos desenvolvimentos conjunturais do bolsolavismo diplomático (isto é, a “Demolição” da política externa e os ataques à diplomacia profissional).

Depois de concluir o conjunto, naquele início de dezembro, hesitei, contudo, em encaminhar o manuscrito para a editora, pois pretendia que minha “derradeira” obra dedicada ao ciclo bolsolavista pudesse apontar o encerramento efetivo desse nefasto período em nossa história diplomática, ainda que também trazendo, no volume completo, a trajetória da diplomacia brasileira nas três décadas precedentes. A hesitação também se devia à possibilidade, sempre esperada – e até ansiada pela quase totalidade dos diplomatas profissionais –, de mudança na chefia do Itamaraty a partir da vitória de Biden em novembro, e sobretudo depois de sua posse como presidente, em janeiro de 2021, dado o notório comprometimento das chefias anteriores, do Brasil e do Itamaraty, com o candidato à reeleição que acabara de ser derrotado (ainda que continuando a contestar a aferição dos resultados em diversos colégios eleitorais estaduais até o último minuto da certificação pelo Congresso).

O manuscrito ficou, então, dormitando numa das pastas de trabalhos não terminados de meu computador, aguardando o tal desenlace que não vinha: passou dezembro, passou janeiro, entrou fevereiro, e nada. Dada a aparente “solidez” daquele que eu sempre chamei de chanceler acidental, decidi dar por encerrada a espera de uma aparentemente improvável demissão e de proceder, portanto, à publicação do livro. No entanto, inclusive por razões de suas dimensões já algo avantajadas, resolvi dividir o volume – então constante de duas partes, uma primeira, de natureza histórica-conceitual, chamada justamente de História, e a segunda, conjuntural, chamada Atualidade – em duas obras distintas, cada uma dedicada a essas partes. Os interessados em conhecer a estrutura original do livro, podem consultar o seu índice, tal como composto em 26 de março, colocado numa postagem dessa data em meu blog Diplomatizzando.

A de natureza conjuntural foi então consolidada num pequeno volume digital, cujo título, inicialmente colocado sob a égide do “Itamaraty sob ataque”, foi modificado de conformidade a sugestão do colega de carreira, e escritor prolífico, Miguel Gustavo de Paiva Torres, assumindo então esta identidade: O Itamaraty Sequestrado: a destruição da diplomacia pelo bolsolavismo2018-2021. Ela hoje se encontra disponível em formato Kindle, distribuído no sistema da Amazon (dotado, portanto, de ASIN, mas também de ISBN). Convido os leitores interessados nas desventuras finais do bolsolavismo no Itamaraty a percorrem o índice e o prefácio dessa obra no meu blog Diplomatizzando. Os livros precedentes do ciclo do bolsolavismo diplomático também podem ser acessados no mesmo quilombo de resistência intelectual.

A introdução ao presente volume finalmente publicado reflete, portanto, o “estado da arte” na madrugada do dia 29 de março de 2021, poucas horas antes demissão do chanceler acidental, que não foi exatamente uma surpresa, mas cuja factibilidade se chocava com o apoio irredutível do presidente, como também ocorria com seu colega do Meio Ambiente, o grande responsável, junto com o preposto do Itamaraty, pela péssima imagem do Brasil no exterior. Desconfiando que a mesma teimosia presidencial o manteria no cargo, contra “ventos e marés”, decidi, pois, remeter o novo manuscrito, já limitado à parte conceitual, à Editora Appris. Ao proceder a esta divisão mais racional, não me pareceu que caberia fazer, por dispensáveis, as poucas mudanças de tempos de verbos ou de atualização de datas nos argumentos e comentários relativos ao período bolsolavista da política externa e da diplomacia brasileira; considero que eles se situam num continuum histórico perfeitamente integrados à análise desenvolvida em torno das três últimas décadas das relações internacionais do Brasil, isto é, o “apogeu”, desde a redemocratização até o ano de 2018, quando, como resultado da vitória do primeiro candidato declaradamente de extrema-direita no Brasil, desembocamos na triste fase de “demolição” de ambas, agora parcialmente corrigida, mas apenas na parte da ferramenta diplomática, com o início de uma nova gestão, profissional, no Itamaraty, a partir de 6 de abril de 2021. 

Este livro é mais uma contribuição didática, como são quase todas as minhas obras anteriores, pensada prioritariamente na perspectiva dos estudantes de relações internacionais, dos candidatos à carreira – embora muitas de minhas análises não coincidam com as da diplomacia oficial –, assim como na dos próprios pesquisadores, eventualmente capturados pelo discurso oficial ou por algumas das outras versões correntes nessa área, tendentes a refletir preferências partidárias ou inclinações ideológicas bastante conhecidas nos embates entre movimentos tidos por progressistas ou acusados de “neoliberais”. Se ouso proclamar pelo menos uma de minhas poucas virtudes na área acadêmica, esta seria o ecletismo intelectual, combinado a uma postura racionalista que chamo de ceticismo sadio, ou seja, a de nunca me conformar com a aceitação daquilo que Bouvard e Pécuchet, no célebre dicionário de Gustave Flaubert, poderiam chamar de idées reçues, ou verdades estabelecidas. As minhas não são, justamente, estabelecidas, mas tentativamente construídas ao cabo de um longo processo de leituras, pesquisas, perquirições em torno das realidades existentes e sua confrontação com teorias e teses oferecidas pelas mais diversas escolas de historiadores, economistas, cientistas políticos e outros trabalhadores acadêmicos. 

A carreira diplomática ofereceu-me a excelente oportunidade, que nunca recusei, de combinar o trabalho prático nas frentes negociadoras multilaterais e na representação bilateral com as lides docentes e de pesquisa em arquivos do passado e em gabinetes de atividade corrente. Sou muito reconhecido ao Itamaraty, por me ter aberto janelas conectadas ao mundo, além de vários outros estímulos à reflexão sobre nações e economias, que estão justamente na origem de muitas de minhas obras, certamente dos ensaios de pesquisa, de muitos artigos de conjuntura e de todos os livros acumulados em meio século de aventuras intelectuais. O trabalho de análise de nosso itinerário de dois séculos de diplomacia profissional ainda não está terminado, e a ele, assim como ao percurso do desenvolvimento nacional, pretendo dedicar os próximos anos de labor individual, talvez até oferecendo a promessa do título do prefácio, uma história sincera do Itamaraty. 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 18 de agosto de 2021


 Contracapa, ou quarta capa:



 



Orelha: 




sábado, 10 de outubro de 2020

Política Energética no Brasil: debate sobre a situação brasileira e internacional: 19/10, 14:00hs

Na próxima terça-feira, dia 19/10, às 14:00hs, participarei de um debate sobre o livro Política Energética no Brasil, com o qual também colaborei, com um capítulo sobre a energia no mundo. Mas o livro tem muito mais do que isso, abrangendo todas as formas de energia, no Brasil e no mundo.

O encontro está sendo organizado pela professora Vanessa Braga Matijascic, em pós-doutorado na USP, junto ao pessoal da Ciência Política e Relações Internacionais. 


Transcrevo a sopa de letras do final, para inscrição ao debate: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSfNvLGumGVpPQZha19C8bSF0pgoyRmTFVXHHUBDGSQytd6Wpw/viewform?usp=sf_link 

Os dados completos do livro são os seguintes: 

José Alexandre Altahyde Hage (org.): Política energética no Brasil: sua participação no desenvolvimento e no relacionamento internacional (Curitiba: Editora Appris, 2020, 370 p.; ISBN: 978-85-473-4201-2; disponível no site da Editora: https://www.editoraappris.com.br/produto/3756-poltica-energtica-no-brasil-sua-participao-no-desenvolvimento-e-no-relacionamento-internacional).

O excesso de oferta e a fraca demanda, causada pelos impactos da pandemia de covid-19, ainda desafiam a indústria global de petróleo. Mesmo com a retomada das atividades em vários países, o consumo de combustíveis, para fins rodoviários e aeroviários, por exemplo, ainda está abaixo dos patamares normais.

No Brasil, a produção de petróleo alcança a casa de 3 milhões de barris diários, impulsionada pela produção no campo de Tupi, responsável por cerca de um terço de todo o volume de óleo extraído no país, e pelo promissor campo de Búzios, principal aposta da Petrobras.

A energia é uma promissora forma de o Brasil obter ganhos na economia internacional. Petróleo, gás natural e etanol podem trazer ao país recursos tão necessários ao necessário desenvolvimento, à criação de empregos de qualidade, pesquisa e industrialização em base avançada tecnológica. Além disso, a dimensão da energia não é apenas nacional, que interessa apenas ao Brasil; é também questão internacional, pois depende de acordos diplomáticos que o país integra.


Sumário

 

PREFÁCIO, 7

Paulo Cesar Manduca, Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético, Unicamp

 

INTRODUÇÃO, 11

José Alexandre Altahyde Hage

  

1. O QUADRO GLOBAL DAS QUESTÕES ENERGÉTICAS: O BRASIL E O MUNDO, 13

Paulo Roberto de Almeida

2. BALANÇO SUL-AMERICANO: O GÁS NATURAL COMO VETOR DE INTEGRAÇÃO ENERGÉTICA DO CONE SUL, 41

Edmilson Moutinho dos Santos

Bruna Eloy de Amorim

Drielli Peyerl

Hirdan Katarina de Medeiros Costa

3. A CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA ENERGÉTICA NO BRASIL: AVANÇOS E IMPASSES EM UM ESTADO EM DESENVOLVIMENTO, 77

José Alexandre Altahyde Hage

Paulo Cesar Manduca

Ronaldo Montesano Canesin

4. SEGURANÇA ENERGÉTICA E REGIMES JURÍDICOS REGULATÓRIOS NO SEGMENTO DE E&P DO SETOR DE HIDROCARBONETOS, 99

Carolina Leister

José Raymundo N. Chiappin

5. CONTROVÉRSIAS ACERCA DOS SIGNIFICADOS E DAS PRÁTICAS POLÍTICAS DE SEGURANÇA ENERGÉTICA, 145

Iure Paiva

 

6. CONTEÚDO LOCAL NO SETOR DE PETRÓLEO E GÁS: DEBATE E PRÁTICA NO BRASIL DE 2000 A 2017, 173

Giorgio Romano Schutte

7. POLÍTICA DE DUTOS NO BRASIL, 209

Alencar Chaves Braga

Carolina Leister

8. POLÍTICAS PARA BIOCOMBUSTÍVEIS NO BRASIL, 235

Glória Pinho

Arnaldo Cesar da Silva Walter

9. O ETANOL NO MUNDO: POTENCIAIS DESAFIOS, 263

Eduardo L. Leão de Sousa

Geraldine Kutas

Leticia Phillips

10. A CONSTRUÇÃO DO BRASIL ATÔMICO: DE 1950 ATÉ 1971, 285

Helen Miranda Nunes

11. O PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO A PARTIR DE 1975: CONCEPÇÃO ESTRATÉGICA E DESTINO ENERGÉTICO, 307

Vanessa Braga Matijascic

 

SOBRE OS AUTORES, 331


quarta-feira, 20 de março de 2019

"Contra a Corrente: ensaios contrarianistas" saindo do forno - Paulo Roberto de Almeida

Recebo o último relatório da Editora Appris pedindo-me para autorizar a publicação. 
O conteúdo, apresentação e prefácio do livro já foram informados nesta postagem: 
Estou autorizando a impressão; reproduzo abaixo a capa do livro:

On 18 Mar 2019, at 16:33, Editora Appris <xxxxxxxxx@editoraappris.com.br> wrote:

Prezados, segue o relatório de aprovação:
(Peço a(o) autor(a) Paulo que confirme não apenas a aprovação dos arquivos anexados, como também as demais informações contidas nesse e-mail)

O arquivo pdf final do livro segue em anexo (a partir desse, peço ao autor que confirme a aprovação);
A capa completa segue em anexo;
  
1.         Projeto: 000
2.         Titulo: Contra a corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil 2014-2018
3.         Autor (es): Paulo Roberto de Almeida
4.         Editora/Selo: Appris
5.         Assunto (s): s/ coleção
6.         Complemento: 1. Política externa brasileira. 2. Relações internacionais. 3. História diplomática. 4. Democracia. 5. Diplomacia 

7.         Sinopse: 
“Comecei a leitura de seu Contra a Corrente pelos apêndices, pois a narrativa da experiência profissional e intelectual é sempre reveladora das balizas do pensamento, como apontava Hannah Arendt.

A sua avaliação da diplomacia lulopetista é contundente, mas muito bem embasada. São pertinentes suas considerações sobre o Itamaraty e o seu papel na vida brasileira e de particular relevo a ênfase dada ao papel do conhecimento na condução da política externa. 

O livro expressa as características da sua identidade intelectual que combina o empenho no rigor e o domínio do conhecimento à uma inquieta vocação polêmica, que explica o seu destemido à vontade de escrever contra a corrente.”

Carta de Celso Lafer ao Autor

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O embaixador Rubens Barbosa, com quem o autor trabalhou em diversas ocasiões, ao longo de quase três décadas de carreira diplomática, chamou-o certa vez de accident-prone diplomat, ou seja, um diplomata criador de casos. Ele confessa aceitar a designação com prazer, pois nunca hesitou em expressar abertamente suas opiniões, sem muito respeito pelos sacrossantos princípios da hierarquia e da disciplina. 
Costuma dizer que nunca deixou o cérebro em casa quando saia para o trabalho, nem nunca o depositou na portaria ao adentrar no Itamaraty. Sempre expressou suas posturas e opiniões, independentemente dos regimes e dos governos. Por isso mesmo, pagou um alto preço durante os quase 14 anos de desgoverno lulopetista no país e volta a enfrentar problemas similares ao iniciar-se um novo governo, em 2019.


8.         Formato: Impresso e e-book
9.         Encadernação: Brochura
10.       Altura: 23 cm
11.       Largura: 16 cm
12.       Profundidade: 1,5 cm
13.       ISBN:  978-85-473-2798-9
15.       Número da Edição: 1ª edição
16.       Número de Páginas: 248
17.       Preço de Venda: 62,00 | 27,00
18.       Idioma: Português
19.       Ano da Edição: 2019
20.       Data da Aprovação da Produção: 00/00/0000
21.       Agente de publicação: -
22.       Áreas da ficha catalográfica: 1. Política externa brasileira. 2. Relações internacionais. 3. História diplomática. 4. Democracia. 5. Diplomacia
23.       Este livro será impresso com capa colorida e miolo em preto e branco (peço ao autor que confirme esta informação) 

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Um trecho, escrito em 2019, no último capítulo, aqui transcrito: 

https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/03/contra-corrente-trecho-de-meu-proximo.html

Eis a capa, completa: 




quarta-feira, 10 de maio de 2017

O Homem que Pensou ao Brasil, de volta a Cuiaba, no Mato Grosso - Paulo Roberto de Almeida

Graças a meu bom amigo Marcos Troyjo, e à excelente recepção do presidente do LIDE (Grupo de Lideranças Empresariais) de Mato Grosso, Pedro Neves, voltei, pela primeira vez em 40 anos, a Cuiabá, capital do Mato Grosso, e terra de Roberto Campos, para fazer uma palestra a lideranças empresariais e políticas da cidade e do estado, ocasião na qual também divulguei o livro que organizei recentemente, publicado pela Editora Appris.
O evento transcorreu no restaurante Mahalo, uma supresa extremamente agradável no coração da América do Sul.
Abaixo o texto-guia que tinha preparado para a ocasião, sem que no entanto eu o tenha lido ou utilizado. Transcrevo para conhecimento dos presentes ao encontro, e para tutti quanti se interessam pelos problemas atuais do Brasil e pelas soluções propostas, décadas atrás, por Roberto Campos.



Paulo Roberto de Almeida
 [Notas para palestra a convite do LIDE-Mato Grosso, em Cuiabá, em 9 maio 2017, presidido por Pedro Neves; participação de Marcos Troyjo e Adriano Pires]


1. O liberalismo, um animal completamente desconhecido no Brasil
O Brasil está tão longe do liberalismo quanto a Terra está de Andrômeda, ou seja, é improvável que tenhamos a chance, a sorte, a inacreditável melhoria da situação sociopolítica e econômica em nosso país nas próximas décadas. Não pretendo ser pessimista, derrotista, ou catastrofista, mas o fato é que nem as nações ditas liberais, atualmente, são realmente liberais. Todas elas são, em maior ou menor grau, formações socialdemocratas, ou seja, economias de mercado com alto grau de intervenção estatal, obviamente em diferentes modalidades de dirigismo e com níveis também variados de carga fiscal, mas todas elas oscilando entre 30 e 50% do PIB. Não se pode, assim, acreditar que qualquer uma delas se aproxime de uma estrutura institucional identificada com o chamado “Estado Mínimo”, que supostamente equivaleria ao ideal pregado por alguns economistas clássicos, neoclássicos, das escolas austríaca, de Chicago, ou qualquer outra cultivando preceitos usuais dos liberais ou neoliberais.
Mesmo aquelas economias frequentando tradicionalmente e regularmente os primeiros lugares nos indicadores de liberdades econômicas, de competitividade e de bom ambiente de negócios – como Cingapura, Hong Kong, Nova Zelândia, Suíça, Emirados Árabes, Irlanda, Canadá ou Chile – não poderiam verdadeiramente ser classificados como “países liberais”, ainda que se aproximem de alguns critérios normalmente retidos nessas listas para identificar as economias mais abertas do mundo. Grande parte delas também padece de uma burocracia intrusiva, mas nenhuma delas consegue vencer o Brasil em matéria de surrealismo burocrático-kafkiano. Segundo leio no livro de meu amigo Marcos Troyjo, no ensaio introdutório ao Desglobalização, “nos últimos dez anos, o Brasil editou cerca de 4 milhões de normas. Mais de 800 por dia. Uma a cada 2 minutos.” (p. 16)
Não por outra razão, o Brasil se situa depois do 120o. lugar dentre 160 países aproximadamente, ou seja, no final do terceiro quarto nessas listas que trabalham sob diferentes critérios de natureza objetiva, isto é empiricamente embasada, ademais de avaliações do tipo qualitativo, ou de seja, de natureza mais impressionista. Em todo caso, quer julguemos o Brasil pelos relatórios do Fraser Institute (Economic Freedom of the World), do World Economic Forum (Global Competitiveness Report) ou do Banco Mundial (Doing Business), ou de nossa própria percepção e conhecimento direto da realidade brasileira, a situação do nosso país é propriamente deprimente, por qualquer lado que o julguemos.
Aliás, há duas maneiras, justamente, de avaliar o Brasil, e se pode até mesmo utilizar esses relatórios dotados de uma metodologia rigorosa, em seus diferentes componentes, para julgar e constatar o quanto o Brasil se afasta ou se aproxima, numa relação inversa de organização dos dados, de um bom ambiente de negócios, tendente, portanto, a uma democracia de mercado, ou, ao contrário, de um inferno terrível para os empresários, segundo outros dados. Com efeito, basta separarmos os indicadores setoriais usados nesses relatórios e os agregarmos sob dois critérios, micro e macro, ou seja, aqueles que dependem unicamente da performance das empresas, ou aqueles que, inversamente, dependem da ação do governo. Listando, portanto, o Brasil na primeira categoria veremos que a sua classificação tende a melhorar tremendamente, podendo se situar no final do segundo quarto, mas o mérito incumbe integralmente ao setor privado, que sabe ser competitivo mesmo num terreno hostil em termos de ambiente de negócios. Mas, se por uma infelicidade separarmos unicamente os elementos pertinentes ao setor estatal, aqueles dos quais nem indivíduos nem empresas conseguem escapar da sanha normativa e da voracidade arrecadatória do Estado, constataremos que nossa classificação pode ir para os últimos lugares da lista, tamanha é a ação deletéria do ogro famélico e do monstro burocrático que nos inferniza a existência, todos os dias, do nascimento à morte, de indivíduos ou empresas (aliás, nem na morte, de uns ou de outras, conseguimos escapar da abominável entidade que nos aprisiona).
Para não sermos totalmente pessimistas, não há como não reconhecer que existem, sim, liberais no Brasil. Eles são poucos, rarefeitos como essas espécies ameaçadas de extinção, mas que por incrível que pareça começam a florescer nas planícies, nas cidades, no cerrado central, em diversas partes do Brasil, e esse renascimento talvez possa ser creditado – como nas leis de consequências involuntárias – inteiramente aos companheiros que comandaram aos destinos do país entre 2003 e 2016, que nos levaram ao que eu chamo de Grande Destruição, ou seja, à pior recessão de toda a nossa história, nunca antes vista no país. Um deles foi liberal de nascimento, e morreu há dezesseis anos, e estaria completando cem anos, se vivo fosse, nascido em 1917, nas terras do Mato Grosso: eu quero referir-me, obviamente, a Roberto Campos.

2. Roberto Campos, 100 anos: atualidade de suas ideias
As principais ideias econômicas de Roberto Campos foram sendo formuladas ao longo dos anos 1950, paulatinamente a seus trabalhos no âmbito da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e, imediatamente após, no quadro do BNDE, onde ele começa a trabalhar desde o seu início, designado Diretor Econômico. O que então caracterizava o seu pensamento era a mobilização da capacidade administradora do Estado para acelerar o processo de industrialização, por meio do planejamento indutivo e da atração de capitais estrangeiros, atuando na linha de um projeto nacional de desenvolvimento guiado pela racionalidade de resultados, antes que por um nacionalismo de intenções. Mas, por força de suas leituras e registros empíricos sobre os processos inflacionários ocorridos em outros países, Roberto Campos atribuía também grande importância à estabilidade macroeconômica, ou seja, ao equilíbrio fiscal e à contenção da inflação.
Tendo participado da formulação do Plano de Metas de JK, e depois de planos de estabilização feitos com Lucas Lopes, ministro da Fazenda de JK, e a pedido de Tancredo Neves, em 1961, quando este se preparava para assumir o cargo de primeiro ministro no gabinete parlamentarista de João Goulart, Roberto Campos adquiriu plena maturidade para formular ele mesmo um projeto de reforma completo da economia brasileira, por ele apresentado na primeira reunião de trabalho convocada pelo presidente Castello Branco, em 23 de abril de 1964. Nesse documento, intitulado “A Crise brasileira e diretrizes de recuperação econômica” – Anexo VII da Lanterna na Popa, p. 1353-1359 – Campos formula uma abrangente análise da crise conjuntural, das perspectivas para 1964, examina as raízes do desequilíbrio econômico e propõe um elenco de medidas corretivas, composto de combate à inflação (por medidas fiscais, de ação sobre as expectativas, ação emergencial sobre a oferta), de reativação da economia, de correção do desequilíbrio cambial e de inversão da crise de motivação, para trazer de volta os investimentos e a criação de empregos, com amplas reformas de estrutura.
Esse programa seria aplicado de maneira coerente no PAEG, mas sem o caráter de ajuste recessivo que economistas puramente monetaristas, ou então o próprio FMI, recomendavam, o que confirma o caráter eclético do economista-diplomata. Depois disso Roberto Campos se retira do governo e continua seu trabalho de explicação didática da economia por meio de seus livros – dois publicados com Mário Henrique Simonsen – e de seus muitos artigos publicados de maneira regular nos grandes jornais de São Paulo e Rio. Ele só volta realmente a propor um programa abrangente de correção dos desequilíbrios econômicos quanto pronuncia seu discurso inaugural no Senado Federal, em junho de 1983. Esse discurso, chamado de “As lições do passado e as soluções do futuro” constituiu, segundo suas memórias, “talvez a melhor peça que já escrevi, como síntese de problemas e propositura de soluções”. A despeito disso, ele não tardou a reconhecer que a sua “capacidade de análise e previsão era vastamente superior à [sua] capacidade de persuasão e mobilização” (A Lanterna na Popa, p. 1073). A importância desse discurso merece que suas propostas, formuladas portanto 34 anos atrás, sejam relidas, melhor conhecidas e talvez aplicadas, pois praticamente nenhuma delas conseguiu inserção nos muitos planos de estabilização ou nos programas de desenvolvimento econômico conduzidos desde então. Com a possível exceção do problema da dívida externa, relativamente desimportante atualmente, todos os demais pontos elencados nesse discurso, e na dezena de projetos de leis de reformas estruturais apresentados simultaneamente, poderiam ser implementados hoje em dia (aliás, estão sendo, como parcialmente nas reformas laboral e previdenciária).
Já seu discurso de despedida do Congresso, realizado em janeiro de 1999 na Câmara dos Deputados, representou um “melancólico pronunciamento”, uma confissão de fracasso, o de toda uma geração, que não conseguiu retirar o Brasil de uma condição de pobreza evitável para colocá-lo numa de prosperidade atingível, como ele mencionou em mais de uma ocasião. No intervalo entre um e outro se situaram batalhas épicas contra os descaminhos do desenvolvimento brasileiro, equívocos tremendos de políticas econômicas e setoriais, contra as quais ele se posicionou resolutamente em oposição, fazendo discursos de alerta e apresentando propostas alternativas, mas sendo sempre derrotado pela conjuração de néscios, ao ter de votar solitariamente, ou com apenas dois ou três colegas solidários no liberalismo, contra leis e outras medidas adotadas cujo desastre previsível ele anunciava com amargo sabor de desespero político e econômico.
Situam-se nesse universo de estupidezes legais, desde sempre ou como novidades dentro do atraso mental característico da classe política brasileira, o monopólio do petróleo, a lei de informática, o nacionalismo comercial e tecnológico, o protecionismo tarifário, o corporativismo dos mandarins do Estado contra a renda dos demais cidadãos, ou súditos do ogro famélico que ele denunciava sem cessar, e sobretudo o conjunto esquizofrênico de direitos e benesses concedidos no âmbito da Constituinte, que ele já antecipava como uma receita segura para preservar a pobreza geral, inviabilizar a formação de poupança para fins de investimento, destruir o equilíbrio das contas públicas, produzir inflação e de modo geral manter o Brasil isolado da economia mundial.  Os inimigos continuam os mesmos: nacionalismo rastaquera, protecionismo inibidor da inserção na economia global, estatismo excessivamente intervencionista nas atividades do setor privado, patrimonialismo das elites, corporativismo institucional, enfim o domínio da sociedade pelo Estado.
Registre-se que, em todos esses terrenos, Roberto Campos tinha razão antes da adoção das políticas equivocadas, durante a sua vigência desastrosa, e depois, quando depois de provocar os previsíveis efeitos nefastos, elas foram, no todo ou em parte, mudadas, eliminadas, parcialmente alteradas por revisões legais ou constitucionais posteriores. Subsistem ainda diversas generosidades irracionais no texto constitucional que continuam a produzir desequilíbrios nas contas públicas, como ele antecipava de modo lógico e racional, sem precisar de muitas provas empíricas para comprovar o acertado de suas críticas. Campos não apenas teve razão durante todo o tempo, mas também viu antes de todos os demais as consequências do caminho errado tomado pelo Brasil, e sobretudo viu mais e melhor do que todos os seus contemporâneos.
Mas registre-se igualmente que Roberto Campos teve a duvidosa “felicidade” de morrer antes da ascensão dos companheiros ao poder, que combinaram algumas das políticas erradas dos “estruturalistas” que ele combatia nos anos 1950, com o pior do intervencionismo estatal dos anos Geisel, sem ter a competência para administrar políticas públicas como feito durante a era militar. Se ele continuasse vivo durante toda a vigência do caos econômico criado pelas políticas esquizofrênicas do lulopetismo, até o paroxismo da Grande Destruição trazida não só pela velhíssima “Nova Matriz Econômica”, mas também pela incompetência gerencial, inépcia administrativa e inacreditável corrupção megalomaníaca dos aloprados do partido neobolchevique, Roberto Campos poderia ter morrido deprimido, ao contemplar tamanha destruição de riqueza em tão pouco tempo.
Um ano depois de seu discurso de despedida das atividades parlamentares, e um ano antes de morrer, Roberto Campos publicou um novo e contundente artigo, cujo título é apropriadamente “Repetindo o óbvio” (9/01/2001), no qual ele diz claramente, com todas as letras que “nosso grave subdesenvolvimento não é só econômico ou tecnológico. É político.” Ele listava então todas as graves deficiências da arquitetura institucional e da legislação político-partidária que atuavam como poderosos entraves ao desenvolvimento do país, muitas das quais são objeto dos atuais debates sobre reforma político-eleitoral. Ele terminava esse artigo num tom de lamentação que se aplica ainda hoje:
O mundo está cansado de esperar pelas “reformas” brasileiras. E de ouvir lamentações sobre a nossa pobreza. Há muito, exceto em regiões desérticas da África ou gravemente sobrepovoadas da Ásia, a pobreza deixou de ser uma fatalidade. É um acidente histórico de povos que preferem externalizar a culpa em vez de fabricar seu próprio destino.

Não há nenhuma dúvida quanto a isso: Roberto Campos continua atual, em seus diagnósticos dos erros cometidos pelas lideranças políticas e econômicas, em seus alertas sobre os desastres potenciais das políticas em vigor, em suas prescrições de urgentes reformas estruturais e em suas antecipações de possíveis caminhos que nos retirariam da pobreza evitável para nos lançar na construção da riqueza possível. Como aliás eu me esforcei de demonstrar no livro que organizei com a colaboração de muitos amigos: O Homem que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos (pela editora Appris, de Curitiba).

3. O que os empresários têm a ver com tudo isto? Muito...
Se leio o site do LIDE, o que vou encontrar? Esta declaração de valores e princípios:
O LIDE, fundado em 2003, é a mais influente organização privada que reúne líderes de empresas nacionais e estrangeiras com o objetivo de difundir e fortalecer os princípios éticos de governança corporativa no Brasil, promover e incentivar as relações empresariais e sensibilizar o apoio privado para educação, sustentabilidade e para construção de uma sociedade mais ética, desenvolvida, consciente e justa.

Ora, se percorro os relatórios e informes relativos às investigações da Operação Lava Jato, ou a outras investigações nas demais esferas desse imenso universo que parece constituir a corrupção organizada no Brasil – ou seja, crimes de colarinho branco, na acepção a mais ampla possível – não seria difícil encontrar várias, muitas empresas que frequentam os encontros do LIDE, empresas que devem contribuir para suas atividades e até conseguem, vejam só, fazer discursos que refletem perfeitamente a missão acima explicitada do LIDE, mas que na prática constituem nada mais do que pronunciamentos da mais alta hipocrisia, uma vez que sabemos que diversos, muitos executivos que assim se pronunciaram em público estavam, simultânea e dedicadamente, engajados em torpes negociações com políticos indignos desse nome, todos eles ativos habitantes desse imenso continente que constitui a propinocracia brasileira.
Vamos reconhecer, senhores, que existe algo de muito errado quando vemos, quando constatamos, em relatórios policiais, que vários líderes da economia brasileira, e supostamente líderes do LIDE também, conseguem ostentar uma imagem ética, limpa, hipocritamente seguindo os melhores princípios de governança corporativa defendidos pelo LIDE, quando ao mesmo tempo, na calada da noite, ou nos intervalos do dia, estavam ativamente engajados em corromper, em fraudar, em mentir, em elidir o Fisco, em transacionar com bandidos profissionais, cometendo, portanto, crimes econômicos, crimes políticos, ou vulgares crimes comuns, tipificados no Código Penal, o que lhes deveria garantir, hipoteticamente, várias décadas de cadeia firme.
Não vou me estender mais sobre este aspecto. Apenas vou terminar dizendo que Roberto Campos certamente ficaria tão deprimido quanto eu disse que ele ficaria, se tivesse vivido para assistir à Grande Destruição perpetrada por companheiros ineptos e corruptos, sobretudo nos últimos anos de comando político desta nossa nação por uma organização criminosa, se ele tivesse, igualmente, vivido para assistir a vários, a muitos, dos maiores capitalistas do Brasil envolvidos nas mais sórdidas transações criminosas com vulgares bandidos e com políticos de alto coturno, se ouso dizer. Ele poderia, da mesma forma, morrer deprimido.
O Brasil nunca mereceu o grande intelectual, o grande economista, o insigne diplomata que foi Roberto Campos, um dos maiores estadistas da segunda metade do século XX. Ele não o mereceria ainda hoje, pelo que se lê nos jornais, pelo que se sabe nas redes de informação, pelo que se assiste nas telas que nos invadem com mostras da mais pura desfaçatez política e empresarial. Espero que não estejamos muito longe do dia em que poderemos ler, ou reler, Roberto Campos, num ambiente mais propício à discussão de suas ideias e propostas para melhorar o Brasil.
Grato a todos pelo convite e pelo comparecimento.
Muito obrigado.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 8 de maio de 2017