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quarta-feira, 27 de março de 2024

A tardia e tímida crítica do Itamaraty a Maduro - Editorial Estadão

A tardia e tímida crítica do Itamaraty a Maduro
O Estado de S. Paulo | Opinião O Estado de S. Paulo

27 de março de 2024 

NOTAS E INFORMAÇÕES

A tardia e tímida crítica do Itamaraty a Maduro

Mesmo quando finalmente resolve manifestar 'preocupação' diante das novas arbitrariedades do ditador, o governo Lula acha que é possível fortalecer' a inexistente democracia na Venezuela

N ão surpreende que o regime ditatorial de Nicolás Maduro tenha impedido o registro da candidatura da principal chapa de oposição na eleição presidencial de julho, pois é a culminação de um processo integralmente eivado de irregularidades, fraudes e violência política, aliás característico do chavismo desde sempre. Tampouco surpreende que só agora o governo brasileiro, por meio do Itamaraty, tenha manifestado alguma "preocupação" com a evidente destruição da democracia venezuelana.

Antes tarde do que nunca, mas mesmo no momento em que tomou coragem de reconhecer que o regime do companheiro Nicolás Maduro, ora vejam, está descumprindo suas promessas de permitir uma eleição minimamente competitiva e limpa, o Itamaraty o fez escolhendo bem as palavras, para não melindrar o ditador amigo de Lula da Silva - aquele mesmo Lula da Silva que não escolheu palavras quando comparou Israel à Alemanha nazista.

Diz a nota envergonhada do Itamaraty que, "com base nas informações disponíveis", a candidata Corina Yoris, indicada pela Plataforma Unitaria, força política de oposição, "sobre a qual não pairavam decisões judiciais", foi "impedida de registrar-se", o que "não é compatível com os acordos de Barbados" - em referência ao acerto em que Maduro garantiu a lisura da eleição para presidente em troca da suspensão das sanções dos EUA à Venezuela.

Ora, há tempos o regime chavista vem impedindo sistematicamente que os principais nomes de oposição possam disputar as eleições, seja prendendo-os, seja impedindo que se candidatem. O caso mais escandaloso foi o da ex-deputada María Corina Machado, que foi considerada inelegível pela Justiça Eleitoral, inteiramente controlada pelo governo. María Corina era líder de intenção de voto nas pesquisas independentes.

Em vez de denunciar a evidente arbitrariedade da ditadura venezuelana, Lula da Silva achou que era o caso de criticar María Corina, recomendando que ela parasse de "chorar" e escolhesse outro candidato para disputar em seu lugar.

Pois foi o que María Corina fez: escolheu Corina Yoris. De nada adiantou. Corina Yoris não conseguiu registrar sua candidatura porque simplesmente não teve acesso ao sistema de inscrição. O prazo se encerrou ontem. Com razão, María Corina suspeita que qualquer candidato que ela indicasse teria o mesmo destino: a impossibilidade de disputar a eleição. Somente "opositores" chancelados pelo regime conseguiram registrar suas chapas.

Ainda assim, pisando em ovos, o Itamaraty reiterou sua crença de que é possível fazer da eleição de julho "um passo firme para que a vida política se normalize e a democracia se fortaleça na Venezuela, país vizinho e amigo do Brasil". Se isso já era difícil antes, agora é virtualmente impossível. Não é possível "fortalecer" a democracia na Venezuela porque há décadas não existe democracia na Venezuela, e a ditadura só se aprofunda.

A diplomacia de Lula da Silva para a Venezuela em seu terceiro mandato é coerente com a dos dois anteriores, na década de 2000, quando assistiu passivamente à gradual captura do Legislativo, do Judiciário, das Forças Armadas e das instituições de controle de Estado pelo regime de Hugo Chávez. Não houve um pio de Brasília diante da demolição do Estado de Direito venezuelano e da imprensa livre e da brutal perseguição à oposição política. O silêncio de Lula jamais resultou em arrefecimento do regime. No entanto, essa mesma estratégia pusilânime prevalece como posição oficial do Brasil.

O governo Lula jamais considerou a possibilidade de integrar o grupo de países da região - entre os quais, os três sócios do Brasil na fundação do Mercosul - que manifesta coletivamente sua preocupação a cada arbitrariedade de Maduro nos últimos meses. Brasília tem se mantido apartada até mesmo de vozes respeitáveis da esquerda, como a do ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, que condenam sem rodeios o caráter autoritário do regime venezuelano.

O tardio esboço de surpresa do Itamaraty com a mais recente prova de autoritarismo de Maduro ainda está longe, na forma e no tom, de fazer jus ao interesse brasileiro na condenação inequívoca a qualquer regime autoritário, independentemente de sua coloração ideológica.*


segunda-feira, 25 de março de 2024

O Brasil já viveu na MENTIRA do poder. Agora está vivendo novamente na MENTIRA do poder - Editorial Estadão

 Triste é constatar que TODAS as elites brasileiras, com muito poucas exceções, são cúmplices na mentira que beneficia o roubo, a extorsão, a corrupção e a mendacidade.

Já é assim na política externa, porque seria diferente na política interna?

Paulo Roberto de Almeida

Revisionismo sem vergonha

O Estado de S. Paulo

A volta de Lula deu ânimo adicional aos que pretendem reescrever a história da Lava Jato, como se a corrupção durante os governos do PT não tivesse existido. Mas os fatos se impõem

O programa Especial 10 Anos da Lava Jato, levado ao ar recentemente pela TV Brasil, é um documento histórico. Não por reconstituir com imparcialidade a maior ação de combate à corrupção da história do Brasil, porque isso seria impossível numa TV pública convertida em emissora oficial do PT, mas justamente porque retrata com fidelidade a desfaçatez e a mendacidade do partido de Lula da Silva, ansioso por reescrever a história do período em que as entranhas corruptas do lulopetismo ficaram expostas para todo o País. E nesse revisionismo, diga-se a bem da verdade, o PT e Lula não estão sozinhos – têm a companhia de ministros do Supremo, de empresários corruptos ansiosos para limpar o nome e de políticos interessados em desmoralizar a luta contra a roubalheira.

A volta de Lula da Silva à Presidência certamente deu ânimo adicional aos petistas para distorcer os fatos. Afinal, o chefão petista – aquele que alhures disse que “o mensalão nunca existiu” – vive a alardear que a Lava Jato não passou de uma “conspiração” dos EUA para, por meio do então juiz federal Sérgio Moro, tido por Lula como “capanga” dos norte-americanos, “destruir a indústria de óleo e gás deste país”. Nada menos.

Com uma hora e meia de duração, o tal programa da TV Brasil dedicou somente 1 minuto e 53 segundos à corrupção na Petrobras – e apenas para tratá-la como “pontual”, segundo um sindicalista entrevistado. O resto do tempo foi usado para desancar a Lava Jato, com convidados escolhidos a dedo – todos críticos virulentos da operação.

Esse é o padrão do PT. Nem Lula nem os petistas jamais admitiram a corrupção desvendada pela Lava Jato, malgrado as provas irrefutáveis dos desvios de recursos públicos por meio de contratos fraudulentos entre as maiores empreiteiras do País e a Petrobras. Convenientemente, os erros e abusos cometidos pela força-tarefa da Lava Jato foram usados pelos detratores da operação para desqualificá-la como um todo, como se crimes confessos jamais tivessem sido praticados. Eis o grau da desfaçatez.

Esse discurso revisionista, mais orientado pela mudança dos ventos da política nacional do que pelo apego à verdade factual, contaminou até a atuação do Supremo – Corte que outrora chancelou não uma, mas quase todas as ações da Lava Jato que ora pretende desmoralizar, como se os erros cometidos por alguns membros da força-tarefa tivessem o condão de contaminar a operação em todas as suas dimensões, sobretudo sua dimensão fática.

Talvez se sentindo devedor de Lula, cuja prisão classificou como “um dos maiores erros judiciários da história”, o ministro Dias Toffoli também contribuiu para esse esforço revisionista. Com a volta do petista ao Palácio do Planalto, Toffoli decidiu anular as provas de corrupção e suspender o pagamento de multas impostas à Odebrecht e à J&F por considerar que essas empresas teriam sofrido, ora vejam, “coação institucional” para firmar acordos de colaboração premiada. Em audiência pública recente, no próprio Supremo, nem os prepostos dessas empresas admitiram ter sofrido tal violência estatal.

Mas os fatos insistem em se impor. Levantamento feito pelo Estadão com base em acordos firmados entre os investigados e o Ministério Público mostrou que cinco ex-funcionários de alto escalão da Petrobras aceitaram devolver nada menos que R$ 279,8 milhões ao Tesouro e à empresa. Dessa dinheirama, quase 90% se referem a propinas recebidas por aqueles executivos, subornados por algumas das maiores empreiteiras do Brasil interessadas em obter contratos com a Petrobras. Ao que consta, nenhum desses ex-funcionários corruptos foi coagido pela Lava Jato a confessar que havia embolsado milhões em suborno – e igualmente não há notícia de que o dinheiro que devolveram fosse de mentirinha.

É preciso recolocar as coisas nos seus devidos lugares. Quem quiser acreditar na fábula lulopetista de que o PT e seu chefão foram perseguidos por um poderoso consórcio golpista que envolveu até o FBI, que acredite, pois questões de fé não se discutem. Já quem preza a verdade factual, sem a qual não há democracia, certamente espera que a Lava Jato encontre seu melhor lugar na história

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

A guerra de Lula e do PT contra o Ocidente - Editorial do Estadão

Vou insistir, pela TERCEIRA VEZ, e incitar novamente à leitura deste Editorial do Estadão.

O Brasil pertence ao Ocidente, e NÃO PODE escolher ficar entre as mais execráveis ditaduras antiocidentsis.

O que o Lula e o PT estão fazendo é um CRIME CONTRA A NAÇÃO. Isso precisa ficar claro.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 23/02/2024


A guerra de Lula

Estadão.com.br, 21 de fevereiro de 2024

O presidente Lula da Silva parece ter declarado guerra ao Ocidente. Uma guerra imaginária, claro, mas nesse delírio o petista pretende posicionar o Brasil na vanguarda da luta contra tudo o que simboliza os valores ocidentais - tendo como companheiros de armas um punhado de notórias ditaduras, como China, Rússia, Irã e Venezuela.

A irresponsável declaração de Lula sobre Israel, comparando a campanha israelense contra os terroristas do Hamas ao Holocausto, está perfeitamente alinhada a esse empreendimento ideológico. Não foi, portanto, fortuita nem acidental.

Lula parece empenhado em usar seu terceiro mandato para lançar-se como líder político do tal "Sul Global", uma espécie de aggiornamento do "Terceiro Mundo" dos tempos da guerra fria. Nessa nova ordem, as características distintivas do Ocidente - democracia, economia de mercado e globalização - são confrontadas por regimes autocráticos que buscam reviver o modelo que põe o Estado e a soberania nacional em primeiro lugar, à custa das liberdades individuais, direitos humanos e valores universais, denunciados como armas retóricas das democracias liberais para perpetuar sua supremacia.

No confronto Ocidente-Oriente, a geopolítica e a segurança nacional prevalecem sobre a economia e a globalização. A geopolítica multilateral do pós-guerra se fragmenta em arranjos insuficientes para as necessidades de cooperação ante desafios globais, como mudanças climáticas, pandemias, terrorismo e guerras.

O Brasil não está imune a essas incertezas, mas, comparativamente, tem vantagens. Suas dimensões, sua democracia multiétnica e pacífica e sua economia relativamente industrializada e diversificada o tornam uma potência regional. Seus recursos o colocam numa posição-chave para equacionar o tripé do desenvolvimento sustentável global: segurança alimentar, energética e ambiental.

Nessas águas turvas e tumultuosas, sem grandes instrumentos de poder, o País precisa, para defender interesses nacionais e promover os globais, de sutileza, inteligência e credibilidade. Felizmente, conta com uma tradição diplomática consagrada nos princípios constitucionais do respeito aos direitos humanos, à democracia e à ordem baseada em regras, e corporificada nos quadros técnicos do Itamaraty.

Mas esse capital está sendo dilapidado pela diplomacia sectária do presidente Lula da Silva. Lula já disse que a democracia é relativa. Mas sua política externa é definida por um princípio absoluto: a hostilidade ao Ocidente (o "Norte", os "ricos") e o alinhamento automático a tudo o que lhe é antagônico.

Sua passagem pela África foi um microcosmo desse estado de coisas. Interesses econômicos foram tratados de forma ligeira. Em entrevista, ele se evadiu de cobrar a Rússia e a Venezuela por sua truculência autocrática, ao mesmo tempo que insultou judeus de todo o mundo ao atribuir a Israel práticas comparáveis às dos nazistas.

Seja em conflitos onde o País teria força e autoridade para atuar, como os da América Latina, seja naqueles nos quais não tem força, Lula se alinha ao que há de mais retrógrado e autoritário. Abrindo mão de sua neutralidade, o País se desqualifica como potencial mediador. O Brasil poderia promover seus interesses econômicos e pontos de cooperação com a Eurásia sem prejuízo da defesa de valores civilizacionais comuns ao Ocidente. Mas Lula sacrifica os últimos sem nenhum ganho em relação aos primeiros. Em sua ânsia de se autopromover como líder global dos "pobres" contra os "ricos", reduziu a máquina do Itamaraty a linha auxiliar de sua ideologia maniqueísta e seu voluntarismo narcisista.

A "frente ampla democrática" propagandeada na campanha eleitoral deveria ter sido projetada para as relações internacionais. Mas também aqui ela se mostrou uma fantasia eivada de sectarismo ideológico - arrastando consigo o Brasil, obliterando suas oportunidades de integração econômica e prejudicando possibilidades de cooperação pela promoção da paz, da democracia, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais que a Constituição traçou como norte da diplomacia nacional.


A guerra de Lula -- Editorial Estadão

 Um editorial muito importante para ser lido apenas uma vez:

A guerra de Lula - Editorial Estadão

 A guerra de Lula

Estadão.com.br, 21 de fevereiro de 2024

O presidente Lula da Silva parece ter declarado guerra ao Ocidente. Uma guerra imaginária, claro, mas nesse delírio o petista pretende posicionar o Brasil na vanguarda da luta contra tudo o que simboliza os valores ocidentais - tendo como companheiros de armas um punhado de notórias ditaduras, como China, Rússia, Irã e Venezuela.

A irresponsável declaração de Lula sobre Israel, comparando a campanha israelense contra os terroristas do Hamas ao Holocausto, está perfeitamente alinhada a esse empreendimento ideológico. Não foi, portanto, fortuita nem acidental.

Lula parece empenhado em usar seu terceiro mandato para lançar-se como líder político do tal "Sul Global", uma espécie de aggiornamento do "Terceiro Mundo" dos tempos da guerra fria. Nessa nova ordem, as características distintivas do Ocidente - democracia, economia de mercado e globalização - são confrontadas por regimes autocráticos que buscam reviver o modelo que põe o Estado e a soberania nacional em primeiro lugar, à custa das liberdades individuais, direitos humanos e valores universais, denunciados como armas retóricas das democracias liberais para perpetuar sua supremacia.

No confronto Ocidente-Oriente, a geopolítica e a segurança nacional prevalecem sobre a economia e a globalização. A geopolítica multilateral do pós-guerra se fragmenta em arranjos insuficientes para as necessidades de cooperação ante desafios globais, como mudanças climáticas, pandemias, terrorismo e guerras.

O Brasil não está imune a essas incertezas, mas, comparativamente, tem vantagens. Suas dimensões, sua democracia multiétnica e pacífica e sua economia relativamente industrializada e diversificada o tornam uma potência regional. Seus recursos o colocam numa posição-chave para equacionar o tripé do desenvolvimento sustentável global: segurança alimentar, energética e ambiental.

Nessas águas turvas e tumultuosas, sem grandes instrumentos de poder, o País precisa, para defender interesses nacionais e promover os globais, de sutileza, inteligência e credibilidade. Felizmente, conta com uma tradição diplomática consagrada nos princípios constitucionais do respeito aos direitos humanos, à democracia e à ordem baseada em regras, e corporificada nos quadros técnicos do Itamaraty.

Mas esse capital está sendo dilapidado pela diplomacia sectária do presidente Lula da Silva. Lula já disse que a democracia é relativa. Mas sua política externa é definida por um princípio absoluto: a hostilidade ao Ocidente (o "Norte", os "ricos") e o alinhamento automático a tudo o que lhe é antagônico.

Sua passagem pela África foi um microcosmo desse estado de coisas. Interesses econômicos foram tratados de forma ligeira. Em entrevista, ele se evadiu de cobrar a Rússia e a Venezuela por sua truculência autocrática, ao mesmo tempo que insultou judeus de todo o mundo ao atribuir a Israel práticas comparáveis às dos nazistas.

Seja em conflitos onde o País teria força e autoridade para atuar, como os da América Latina, seja naqueles nos quais não tem força, Lula se alinha ao que há de mais retrógrado e autoritário. Abrindo mão de sua neutralidade, o País se desqualifica como potencial mediador. O Brasil poderia promover seus interesses econômicos e pontos de cooperação com a Eurásia sem prejuízo da defesa de valores civilizacionais comuns ao Ocidente. Mas Lula sacrifica os últimos sem nenhum ganho em relação aos primeiros. Em sua ânsia de se autopromover como líder global dos "pobres" contra os "ricos", reduziu a máquina do Itamaraty a linha auxiliar de sua ideologia maniqueísta e seu voluntarismo narcisista.

A "frente ampla democrática" propagandeada na campanha eleitoral deveria ter sido projetada para as relações internacionais. Mas também aqui ela se mostrou uma fantasia eivada de sectarismo ideológico - arrastando consigo o Brasil, obliterando suas oportunidades de integração econômica e prejudicando possibilidades de cooperação pela promoção da paz, da democracia, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais que a Constituição traçou como norte da diplomacia nacional.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

A guerra de Lula - Editorial Estadão

 A guerra de Lula

Estadão.com.br, 21 de fevereiro de 2024

O presidente Lula da Silva parece ter declarado guerra ao Ocidente. Uma guerra imaginária, claro, mas nesse delírio o petista pretende posicionar o Brasil na vanguarda da luta contra tudo o que simboliza os valores ocidentais - tendo como companheiros de armas um punhado de notórias ditaduras, como China, Rússia, Irã e Venezuela.

A irresponsável declaração de Lula sobre Israel, comparando a campanha israelense contra os terroristas do Hamas ao Holocausto, está perfeitamente alinhada a esse empreendimento ideológico. Não foi, portanto, fortuita nem acidental.

Lula parece empenhado em usar seu terceiro mandato para lançar-se como líder político do tal "Sul Global", uma espécie de aggiornamento do "Terceiro Mundo" dos tempos da guerra fria. Nessa nova ordem, as características distintivas do Ocidente - democracia, economia de mercado e globalização - são confrontadas por regimes autocráticos que buscam reviver o modelo que põe o Estado e a soberania nacional em primeiro lugar, à custa das liberdades individuais, direitos humanos e valores universais, denunciados como armas retóricas das democracias liberais para perpetuar sua supremacia.

No confronto Ocidente-Oriente, a geopolítica e a segurança nacional prevalecem sobre a economia e a globalização. A geopolítica multilateral do pós-guerra se fragmenta em arranjos insuficientes para as necessidades de cooperação ante desafios globais, como mudanças climáticas, pandemias, terrorismo e guerras.

O Brasil não está imune a essas incertezas, mas, comparativamente, tem vantagens. Suas dimensões, sua democracia multiétnica e pacífica e sua economia relativamente industrializada e diversificada o tornam uma potência regional. Seus recursos o colocam numa posição-chave para equacionar o tripé do desenvolvimento sustentável global: segurança alimentar, energética e ambiental.

Nessas águas turvas e tumultuosas, sem grandes instrumentos de poder, o País precisa, para defender interesses nacionais e promover os globais, de sutileza, inteligência e credibilidade. Felizmente, conta com uma tradição diplomática consagrada nos princípios constitucionais do respeito aos direitos humanos, à democracia e à ordem baseada em regras, e corporificada nos quadros técnicos do Itamaraty.

Mas esse capital está sendo dilapidado pela diplomacia sectária do presidente Lula da Silva. Lula já disse que a democracia é relativa. Mas sua política externa é definida por um princípio absoluto: a hostilidade ao Ocidente (o "Norte", os "ricos") e o alinhamento automático a tudo o que lhe é antagônico.

Sua passagem pela África foi um microcosmo desse estado de coisas. Interesses econômicos foram tratados de forma ligeira. Em entrevista, ele se evadiu de cobrar a Rússia e a Venezuela por sua truculência autocrática, ao mesmo tempo que insultou judeus de todo o mundo ao atribuir a Israel práticas comparáveis às dos nazistas.

Seja em conflitos onde o País teria força e autoridade para atuar, como os da América Latina, seja naqueles nos quais não tem força, Lula se alinha ao que há de mais retrógrado e autoritário. Abrindo mão de sua neutralidade, o País se desqualifica como potencial mediador. O Brasil poderia promover seus interesses econômicos e pontos de cooperação com a Eurásia sem prejuízo da defesa de valores civilizacionais comuns ao Ocidente. Mas Lula sacrifica os últimos sem nenhum ganho em relação aos primeiros. Em sua ânsia de se autopromover como líder global dos "pobres" contra os "ricos", reduziu a máquina do Itamaraty a linha auxiliar de sua ideologia maniqueísta e seu voluntarismo narcisista.

A "frente ampla democrática" propagandeada na campanha eleitoral deveria ter sido projetada para as relações internacionais. Mas também aqui ela se mostrou uma fantasia eivada de sectarismo ideológico - arrastando consigo o Brasil, obliterando suas oportunidades de integração econômica e prejudicando possibilidades de cooperação pela promoção da paz, da democracia, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais que a Constituição traçou como norte da diplomacia nacional.

Vandalismo diplomático (Lula-Holocausto) - Editorial Estadão

 De O Estado de São Paulo:

Vandalismo diplomático

Ao dizer que guerra de Israel contra os terroristas do Hamas equivale ao Holocausto, Lula avilta a História, a memória dos judeus assassinados pelos nazistas e os interesses do Brasil

Editorial Estadão 

Por Notas & Informações

20/02/2024 | 03h00

O presidente Lula da Silva não precisou de mais do que um punhado de frases carregadas de ranço ideológico e antissemitismo para fazer do último domingo um dia infame na história da diplomacia brasileira. Ao dizer que a guerra de Israel contra os terroristas do Hamas se assemelha ao Holocausto, Lula, a um só tempo, vandalizou a História, a memória das vítimas da indústria da morte nazista e os interesses do Brasil. Nem os mais ferozes inimigos de Israel ousaram ir tão longe nas críticas à campanha militar conduzida pelos israelenses na Faixa de Gaza – uma campanha que decerto inclui atos que podem ser classificados como crimes de guerra, mas que nada tem a ver, nem sob licença poética, com o assassinato sistemático dos judeus europeus na 2.ª Guerra.

Durante uma entrevista coletiva na Etiópia, onde esteve para a Cúpula da União Africana, Lula afirmou que “o que está acontecendo em Gaza (as mortes de civis) não existiu em nenhum outro momento histórico”, a não ser, segundo o petista, “quando Hitler resolveu matar os judeus”. Das duas, uma: ou Lula é profundamente ignorante ou está de má-fé.

A hipótese benevolente, a da ignorância, é remota. Custa acreditar que Lula, que está no terceiro mandato presidencial, desconheça a natureza e a singularidade do Holocausto, talvez a maior tragédia humana do século 20. Por isso, a hipótese da má-fé é a mais plausível, sobretudo porque, é forçoso dizer, Lula mal escondeu que tinha lado nesse conflito ao relutar, por semanas, em reconhecer o ataque do Hamas como o ato de terrorismo que foi, além de subscrever a frágil acusação de “genocídio” contra Israel apresentada à Corte Internacional de Justiça pela África do Sul.

Fiel ao discurso esquerdista raivoso contra o Ocidente, Lula sempre dá um jeito de deslegitimar Israel. O estado da arte dessa tentativa de deslegitimação é atribuir a Israel – fundado sobre as cinzas dos milhões de judeus assassinados nas câmaras de gás – crimes semelhantes aos da Alemanha nazista.

Não haveria nenhum problema se Lula fosse líder estudantil e estivesse numa assembleia de centro acadêmico, que é o lugar ideal para esse tipo de discurso inconsequente. Mas Lula é o presidente da República, e suas falas são consideradas, por quem as ouve, como manifestação do Estado brasileiro. Assim, até prova em contrário, Lula alinhou o Brasil ao Hamas – que, não por acaso, elogiou a fala do presidente brasileiro.

O Hamas, convém lembrar, é um movimento que defende a eliminação física dos judeus – em outras palavras, genocídio. No dia 7 de outubro do ano passado, lançou um ataque covarde e particularmente cruel contra civis israelenses, que incluiu tortura, estupros e o sequestro de bebês. Para enfrentar o previsível contra-ataque israelense, os terroristas do Hamas se escondem entre a população civil palestina, usando hospitais como quartéis, com o objetivo evidente de provocar o maior número possível de mortes de inocentes e usá-las em sua campanha de propaganda contra Israel e os judeus.

Nada disso foi levado em conta por Lula. O presidente também não levou em conta o fato de que os judeus assassinados pelos nazistas na 2.ª Guerra não haviam atacado a Alemanha ou qualquer outro país, diferentemente do que fez o Hamas em outubro passado; não levou em conta que os nazistas mataram milhões de judeus não em bombardeios ou em tiroteios em zonas densamente povoadas, mas em campos de extermínio cuidadosamente projetados para otimizar esse processo, num deliberado projeto genocida, algo que nem remotamente está acontecendo em Gaza; e finalmente não levou em conta que o Brasil, tradicionalmente neutro nos conflitos no Oriente Médio, perderá qualquer capacidade de fomentar o diálogo ao comparar Israel à Alemanha nazista.

Isso ficou claro, aliás, quando o governo israelense chamou o embaixador brasileiro em Tel-Aviv para “uma conversa dura de repreensão”, além de declarar Lula uma persona non grata em Israel até que haja uma retratação formal do petista. De fato, Lula deveria se retratar, mas será surpreendente se o fizer. Não é do feitio de um demiurgo reconhecer que errou.

sábado, 20 de janeiro de 2024

O Brasil que não deveria ter voltado - Editorial Estadão

 O Estadão é implacável com a imbecilidade ruinosa de Lula ecdis petistas: querem refazer o desastre: (PRA)

O Brasil que não deveria ter voltado

Editorial, O Estado de S. Paulo (19/01/2024)

No momento em que nenhuma petroleira no mundo ousa investir em novas refinarias, Lula pretende apostar suas fichas na retomada das obras de Abreu e Lima para reescrever o passado

O presidente Lula da Silva decidiu retomar as viagens pelo interior do País. O roteiro passou por Ipojuca (PE), para celebrar as obras de ampliação da Refinaria Abreu e Lima. Para Lula da Silva, não há melhor local para anunciar aos quatro ventos que “o Brasil voltou”. O problema é que o Brasil que está de volta é o Brasil que jamais deveria ter voltado.

Na ânsia de ampliar investimentos e gerar empregos, Lula, em seus dois primeiros mandatos, decidiu que faria da Petrobras um braço a serviço do governo para a execução de grandiloquentes (e caríssimos) planos para supostamente impulsionar o desenvolvimento nacional. Vários projetos ambiciosos foram anunciados, como o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), as Refinarias Premium I e II, no Maranhão e no Ceará, e a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.

A ideia era obter a autossuficiência na produção de combustíveis e reduzir seus preços, aproveitando-se da posição dominante da companhia nesse mercado. O que o governo deliberadamente desconsiderava é que os derivados de petróleo flutuam conforme a cotação do barril no exterior e o comportamento do câmbio, fatores fundamentais para definir a viabilidade econômica de cada projeto.

Como uma empresa de capital misto, a Petrobras submeteu as propostas ao Conselho de Administração, que teria condições de avaliar seus custos e benefícios e o enquadramento na estratégia de atuação da empresa. O governo, no entanto, abusou de sua participação majoritária na companhia para impor suas vontades aos acionistas privados.

Lembrar esse contexto é extremamente relevante no momento em que o governo tenta reescrever a história recente. Na versão petista, não fosse a operação liderada pelo juiz Sérgio Moro, todas as obras da Petrobras teriam sido concluídas e o País estaria em outro patamar de desenvolvimento econômico.

Na delirante versão petista, Moro teria usado a Lava Jato para minar o crescimento do País e da petroleira para atender a interesses norte-americanos. Dado que a investigação caiu em total descrédito, nada mais justo que retomar os planos originais. A fábula de Lula ignora o fato de que a Petrobras já estava em maus lençóis antes mesmo da criação da malfadada força-tarefa de Curitiba.

A desaceleração da economia chinesa a partir de 2009 derrubou os preços das commodities, inclusive do petróleo, e corroeu boa parte do retorno dos projetos da Petrobras. Como se não bastasse, a companhia passou a ser usada como instrumento para controle da inflação, vendendo combustíveis a preços inferiores aos cobrados no exterior. A desvalorização do câmbio agravou os prejuízos e levou seu endividamento a níveis insustentáveis. Sem condições de se financiar, as faraônicas obras começaram a atrasar, e algumas nunca foram iniciadas.

Não havia como a Petrobras conciliar as duas funções que o governo esperava dela – ser um braço dos investimentos e um instrumento da política monetária – sem perder muito dinheiro. Nessa toada, entre 2011 e 2014, a Petrobras acumulou prejuízos da ordem de R$ 100 bilhões, muito mais que as perdas reconhecidas em balanço em razão das descobertas da Lava Jato, de cerca de R$ 6 bilhões.

No caso de Abreu e Lima, houve outras agravantes. A parceria com a venezuelana PDVSA, anunciada em 2005 por Lula e o caudilho Hugo Chávez, nunca foi formalizada, e o ônus da refinaria ficou todo com a Petrobras. O custo de construção explodiu, as obras se arrastaram por nove anos e os executivos das construtoras relataram superfaturamentos e propinas a diversos partidos no esquema do petrolão.

Por fim, a capacidade instalada foi reduzida à metade do projeto original, o que fez de Abreu e Lima uma das refinarias mais caras e menos produtivas do mundo – tanto que a Petrobras, quando quis se livrar do ativo, não conseguiu vendê-lo a ninguém.

Agora, quando nenhuma empresa no mundo ousa investir em novas refinarias, é nesta obra que o governo pretende apostar suas fichas. Seja porque pretende se vingar da turma da Lava Jato, seja porque quer reescrever a história, Lula retoma um projeto que deveria custar US$ 2,5 bilhões, consumiu quase US$ 18,5 bilhões, deveria ficar pronto em 2011 e permanece inacabado, tornando-se símbolo da húbris lulopetista que arruinou o País.

sábado, 15 de julho de 2023

O Itamaraty lulopetista está ficando estranhamente parecido com o Itamaraty bolsonarista -Editorial do Estadão

 Confesso que não me surpreende: era até esperado, dado o registro do passado recente… (PRA)

Hora de mudar o tom com Maduro

Editorial, O Estado de S. Paulo, 15/07/2013

Governo informa que acredita em eleições livres na Venezuela, mas é preciso cobrar isso do ditador

O governo federal anunciou há poucos dias que pretende manter relações com a Venezuela, malgrado a ditadura de Nicolás Maduro cassar, sistematicamente, os direitos políticos de todos os opositores que representem ameaça à sustentação do caudilho no poder. A mais recente vítima das garras de Maduro foi a ex-deputada María Corina Machado, favorita para representar a oposição na eleição presidencial de 2024.

Ao Estadão, a embaixadora Gisela Padovan, secretária de América Latina e Caribe do Itamaraty, anunciou que a posição do governo segue inalterada na relação com a Venezuela, mesmo após a ditadura inabilitar María Corina para o exercício de cargos públicos por 15 anos sem apresentar razões consistentes para a condenação. “Nossa posição não muda, de sempre buscar dialogar com a Venezuela, em favor de que no ano que vem haja eleições livres, transparentes e abertas”, disse a diplomata, reforçando que isolar a Venezuela “não resolve”.

De fato. Ninguém em sã consciência espera que o Brasil corte relações com a Venezuela, um país com o qual compartilha uma fronteira de mais de 2 mil km. Ademais, entre os dois países há interesses de Estado, perenes, e não só de governo, circunstanciais. Há questões políticas, comerciais e humanitárias nessa relação que, para serem bem encaminhadas, dependem fundamentalmente da existência de canais de diálogo desobstruídos. No entanto, se é importante para o Brasil não isolar a Venezuela, como disse a embaixadora com razão, a questão de fundo é saber sobre qual base e com qual objetivo se sustenta essa relação.

Lula sabe com quem está lidando. Sua condescendência com os desmandos do “companheiro” Maduro é notória. Tampouco há ingênuos no Itamaraty. Como esperar, então, que o mesmo regime que, entre outras barbaridades, cassa reiteradamente opositores por temer o escrutínio público e a supremacia da vontade popular seja capaz de promover “eleições livres, transparentes e abertas”? Ora, nem a ONU acredita nisso, haja vista o recente relatório de seu Conselho de Direitos Humanos atestando que a ditadura de Maduro “não cumpre, de maneira nenhuma, as condições mínimas para a realização de eleições livres e confiáveis” na Venezuela.

O Brasil não só pode, como deve manter o diálogo com a Venezuela, mas esse diálogo não pode ser fajuto nem, menos ainda, desrespeitoso aos princípios norteadores da política externa brasileira – sobretudo a defesa do Estado Democrático de Direito e dos direitos humanos. Fajutas serão as eleições de 2024 no país vizinho se aos candidatos de oposição não forem asseguradas as condições de competir com liberdade e paridade de armas. Ao que tudo indica, o pleito será apenas mais um simulacro, como tantos outros que têm eternizado Maduro no Palácio de Miraflores.

Qualquer relação do Brasil com a Venezuela que não sirva para ajudar aquele país a reencontrar o caminho da normalidade institucional e democrática é um desserviço ao povo venezuelano e uma violação da Constituição de 1988.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Mais realismo na diplomacia, presidente - Editorial Estadão

 Mais realismo na diplomacia, presidente


Por Notas & Informações
O Estado de S. Paulo, 15/02/2023

O saldo diplomático do governo Lula tem sido positivo. Dentre as primeiras visitas, três são para os maiores parceiros comerciais do Brasil: Argentina, EUA e China. Lula tem dado preeminência à agenda ambiental, na qual o Brasil pode e deve ser um protagonista-chave. Mas o presidente precisa parar de gastar capital diplomático com questões que o País não tem condições de influenciar e que servem apenas ao seu apetite por autopromoção. O encontro com o presidente norte-americano, Joe Biden, ilustra esses aspectos da diplomacia lulista.

Que não tenha havido resoluções bilaterais concretas é natural. Com pouco mais de um mês de governo, o objetivo do encontro era simbólico: marcar a reaproximação após os atritos provocados por Jair Bolsonaro. Nesse contexto se deram as conversas sobre as ameaças à democracia e os compromissos genéricos contra a desigualdade e pelos direitos humanos.

Até certas omissões foram positivas. Mesmo que divergências, como, por exemplo, sobre a Organização Mundial do Comércio, tenham sido levantadas, o foram de passagem, evitando confrontos contraproducentes. Felizmente, Lula não insistiu em suas críticas aos embargos dos EUA a Cuba ou Venezuela, que dizem respeito às relações entre esses países e não têm relação direta com o Brasil. Mais importante, a China não foi assunto, o que sinaliza a prudência de Lula em manter equidistância entre as duas potências.

O resultado mais relevante foi o aceno dos EUA de integrar o Fundo Amazônia. As cifras sinalizadas (US$ 50 milhões) foram irrisórias, mas há um imenso espaço para cooperação: na campanha presidencial, Biden chegou a prometer US$ 20 bilhões para a Amazônia.

Como de hábito, porém, Lula perdeu uma oportunidade de ficar calado, ao embutir na conversa a guerra na Ucrânia. Biden se restringiu diplomaticamente a desconversar. Coube à repórter da CNN Christiane Amanpour enquadrá-lo: “O senhor fala muito sobre democracia, mas por que está tão comprometido com a democracia em seu país e não fora?”. Tão melíflua era a peroração de Lula sobre a “paz”, que Amanpour se viu obrigada a interrompê-lo: “Isso é legal, mas o senhor acredita que um país soberano, democrático e independente tem direito à legítima defesa?”. As respostas de Lula, recorrendo às mesmas platitudes, mais que uma demonstração de idealismo, foram um atestado de ingenuidade. Tudo se passa como um mal-entendido: “Precisamos explicar ao presidente (Vladimir) Putin o erro que cometeu”.

Mais importante que o quimérico “clube da paz” de Lula, seria tratar de oportunidades para o Brasil, como o ingresso na OCDE. Mas Lula não só evitou essa pauta, como a sabotou: a diplomacia americana ofereceu reforçar no comunicado oficial o apoio à entrada do Brasil, mas o trecho foi vetado pela comitiva brasileira. As gestões petistas deixaram na geladeira o ingresso na OCDE, desdenhada como o “clube dos ricos”. Na verdade, ela é um clube de boas práticas em políticas públicas. O ingresso implica adesão a instrumentos que garantam um ambiente de negócios amigável e transparência e racionalidade à governança pública. Por razões óbvias, tudo isso incomoda o PT.

Mesmo os pontos positivos do encontro, como a defesa da democracia ou do meio ambiente, foram maculados. Em nome do último, Lula traiu a primeira, deixando transparecer seus instintos autoritários ao conclamar Biden a fazer alguma coisa “para que a gente obrigue os países, os nossos Congressos, os nossos empresários, a acatar as decisões que nós tomamos a níveis globais”.

Após o nanismo diplomático de Bolsonaro, não seria difícil para qualquer presidente fazer boa figura no plano internacional, auferindo ganhos para o País. Seja por oportunismo ou convicção, Lula percebeu que o Brasil tem um grande ativo na questão ambiental. Mas, até para que não o desperdice, o presidente faria bem em traduzir para a diplomacia a atitude atribuída a São Francisco de Assis: “Senhor, dai-me coragem para mudar as coisas que posso mudar, serenidade para aceitar as que não posso, e sabedoria para distinguir umas das outras”.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Por uma frente ampla diplomática - Editorial O Estado de S. Paulo

Por uma frente ampla diplomática

Isolamento promovido pela militância ideológica bolsonarista denunciada pelo novo chanceler só será revertido se o governo lulopetista renunciar à sua própria militância ideológica

Editorial O Estado de S. Paulo, 5/01/2023 


Não se pode negar que a exposição dos desafios da política externa brasileira apresentada pelo novo chanceler, Mauro Vieira em seu discurso de posse, alicerçada em uma longa experiência como funcionário de carreira do Itamaraty, foi lúcida e ampla. Mas entre as palavras e os atos, há que se desfazer um complexo de incertezas, cujo maior epicentro é justamente o Palácio do Planalto.

Ao avaliar o legado do último governo, Vieira criticou o alijamento do cenário internacional “por força de uma visão ideológica militante”. De fato, Jair Bolsonaro submeteu a política externa aos seus instintos confrontacionais e sectários. Como já dissemos neste espaço, no editorial Entre párias e megalomaníacos (9/7/22 [transcrito abaixo]), o legado do governo anterior nas relações internacionais é fiel ao imperativo, enunciado por Ernesto Araújo, dublê de chanceler e ideólogo do bolsonarismo, de fazer do Brasil um orgulhoso pária. Para isso, o País desprezou direitos humanos, aderiu ao negacionismo científico em plena pandemia e também nas questões ambientais, brigou com valiosos parceiros comerciais por mera birra ideológica e alinhou-se a extremistas de direita sem qualquer contrapartida.

Essa dilapidação do soft power (poder brando) do Brasil, em especial de seu protagonismo nas instâncias multilaterais, não poderia ter ocorrido em pior hora. Como destacou Vieira, o Brasil navega em “um dos mais conturbados momentos no cenário internacional”. As tensões entre grandes potências, a guerra na Europa, as sequelas da pandemia, tudo isso cria um quadro de incertezas nas cadeias de suprimento, no abastecimento de energia e na segurança alimentar.

Essa “crise de governança global sem precedentes” é agravada pela paralisação de mecanismos como a Organização Mundial do Comércio ou o Conselho de Segurança da ONU. O quadro é ainda mais tenebroso, quando se pensa na indispensabilidade da cooperação internacional ante os grandes desafios do século 21, como a revolução digital ou as mudanças climáticas.

“Existe uma clara demanda do mundo pelo Brasil”, apontou Vieira. De fato, sem uma atuação construtiva do Brasil, não há como equilibrar o tripé que alicerça uma economia global sustentável: a segurança ambiental, energética e alimentar.

A agenda delineada por Vieira é ambiciosa. O chanceler aludiu a desafios ambientais, direitos humanos, reforma do Conselho de Segurança da ONU, acordos para facilitação do comércio e neutralização de barreiras protecionistas, revalorização do Mercosul, equilíbrio das relações com parceiros tradicionais como EUA e União Europeia e ampliação das relações com o bloco Ásia-Pacífico.

A fórmula de Vieira para nortear essa agenda, a “ideologia da integração”, pode ser considerada o equivalente na política externa à “frente ampla democrática” propagada na campanha do presidente Lula da Silva para a política doméstica. E aqui começam as incertezas. Na formação do governo, a “frente ampla” se mostrou mais reduzida do que esperavam muito de seus apoiadores, e está, simbolicamente, restrita às figuras do vice-presidente Geraldo Alckmin; da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva; e da ministra do Planejamento, Simone Tebet.

Na política externa, Lula tem capital político e prestígio com a mídia e muitos governos estrangeiros. Mas nem o histórico do PT no poder nem as palavras do presidente até o momento permitem supor que a “ideologia da integração” de Vieira, em tese muito “ativa e altiva”, não será subvertida, na prática, pela “visão ideológica militante” lulopetista, que, a seu modo, também condicionou a política externa ao sectarismo e, a seu modo – seja priorizando o viés “sul-sul”, seja renegando acordos com países desenvolvidos (cujo maior emblema é o descaso com o ingresso do Brasil na OCDE, o “clube dos ricos”) – também desperdiçou oportunidades para o País.

“O Brasil está de volta”, repete sem cessar Lula, ecoado por Vieira. Mas, para que isso seja realidade e não mera idealização, é preciso que o velho ranço ideológico fique petista fique no passado.

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Entre párias e megalomaníacos

Para contrastar o ‘orgulho’ bolsonarista de ‘ser pária’, o PT ameaça retomar a política externa partidária e ideológica que fez a alegria de tiranos esquerdistas nos governos lulopetistas

Editorial O Estado de S. Paulo, 9/07/2022 

Tradicionalmente a política externa é tema sem relevo nas eleições. Mas, seja pelas transformações estruturais do mundo, seja pelas condições conjunturais do Brasil, nunca foi tão importante subverter essa tradição.

Aos desafios do século 20 – como as ameaças nucleares ou o terrorismo – o século 21 acrescentou novos, como os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – mudanças climáticas, ajustes na saúde e seguridade com as transformações demográficas, as crises migratórias –, além da interdependência econômica e cultural promovida pelas tecnologias digitais. A pandemia mostrou a importância da cooperação internacional ante esses desafios. Mas guerras comerciais – especialmente entre EUA e China – ameaçam fragmentar o mercado global, e conflitos como o da Ucrânia ameaçam o retorno da guerra fria.

Tradicionalmente pacífico, o Brasil é a segunda maior democracia do Ocidente e, em que pesem as mazelas de seu passado escravagista, é um exemplo de pluralismo multiétnico. A riqueza de seus biomas é decisiva para solucionar dois desafios planetários: a sustentabilidade ambiental e a segurança alimentar.

Por suas dimensões continentais e populacionais, o País é uma potência regional e pode se tornar uma potência global. O fato de estar alijado de instrumentos tradicionais de poder – como armas e dinheiro – torna a diplomacia mais, não menos importante. Transformando essas carências em ativos, o País construiu, com base nos princípios constitucionais de adesão aos direitos humanos e às soluções negociadas e no profissionalismo do Itamaraty, uma consistente tradição de “pluralismo de contatos”.

A dilapidação desse soft power brasileiro será um dos legados mais perniciosos do governo de Jair Bolsonaro. Traduzidos para a política externa, os instintos personalistas, sectários e confrontacionais que pautaram sua carreira militar e parlamentar fomentaram não a propalada “independência” do País, mas seu isolamento. O desprezo pelos direitos humanos; o negacionismo na pandemia; o antiambientalismo; a subserviência ao desvairado presidente americano Donald Trump e as consequentes hostilidades ao sucessor de Trump, Joe Biden; a adulação a líderes autoritários; os atritos gratuitos com líderes como Angela Merkel ou Emmanuel Macron ou com parceiros comerciais como China e Argentina: tudo isso é mero corolário de uma doutrina exprimida de forma lapidar por seu chanceler predileto: o “orgulho de ser pária”.

O petista Lula da Silva, por sua vez, promete fazer tábula rasa dessa doutrina. Mas não se corrige um erro com outro: 13 anos no poder mostraram o que é a política externa “ativa e altiva” que o lulopetismo pretende ressuscitar. Não foi ativa, mas ativista; não foi altiva, mas megalomaníaca.

O voluntarismo ideológico traduzido no emblema “Sul-Sul” desperdiçou oportunidades comerciais com as grandes potências ocidentais, privilegiando negócios periféricos com parceiros irrelevantes, cujo traço comum era seu feroz antiamericanismo. Esse terceiro-mundismo militante da diplomacia lulopetista atravancou a inserção internacional do País.

Mesmo políticas mais ou menos social-democratas adotadas internamente foram renegadas no plano internacional pelo alinhamento doutrinário com tiranias socialistas, que prejudicou a integração do Mercosul e produziu episódios lamentáveis, como a conivência com a invasão de uma instalação da Petrobras na Bolívia, em 2006, ordenada pelo então presidente Evo Morales, amigão de Lula.

Paradoxalmente, do ponto de vista de política externa, a pauta mais importante que os partidos políticos poderiam oferecer é justamente a despartidarização da diplomacia. Por antagônicos que sejam, o lulopetismo e o bolsonarismo compartilham do mesmo apetite por submetê-la aos seus interesses ideológicos. Em um aspecto o resultado foi idêntico: a degradação da isonomia e do profissionalismo da Casa de Rio Branco, a começar pela escassez orçamentária precipitada pela irresponsabilidade fiscal de ambos. Nem um nem outro foram capazes de promover – ao contrário, obstinaram-se em perverter – os princípios da diplomacia nacional definidos pelo Conselho do Império e corporificados na Constituição de 88: “Inteligente sem vaidade, franca sem indiscrição, enérgica sem arrogância”.


quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

O novo Imperador recua a China aos tempos de Mao Tsetung - Editorial Estadão

 Deng Xiaoping tinha criado, primeiro, uma economia de mercado aberta ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros, depois um sistema de poder e um regime político dominado por um partido leninista implacável na sua ditadura repressiva, mas aberto à alternância entre as diversas correntes do partido, e também não GC na diversidade de tendências econômicas: globalistas, velhos comunistas, crntristas.

O novo imperador concentrou poder político e gestão econômica. Tem mais chance de errar, portanto. (PRA)

O ''modelo chinês'' em questão
Por Notas & Informações
O Estado de S. Paulo, 03/01/2023

Em 2022, a credibilidade das autocracias foi abalada. Não por uma razão moral – se fosse, já teria acontecido nas ocasiões em que as atrocidades das guerras de Vladimir Putin ou da opressão doméstica do Partido Comunista chinês vieram à tona –, mas sim de competência.

Na Turquia a inflação cresce a galope. A aventura de Putin na Ucrânia foi um fiasco militar que isolou ainda mais seu país. As loas do presidente Lula, há pouco mais de um ano, à eficiência do totalitarismo chinês no combate à pandemia envelheceram grotescamente mal, agora que as consequências da política de “covid zero” estão escancaradas: os longos e indiscriminados lockdowns provocaram desaceleração da economia e revolta popular; agora que estão sendo afrouxados, as perspectivas para uma população mal imunizada são de morticínio em massa. Ainda mais drásticos e duradouros serão os efeitos da interferência estatal na economia promovida pelo ditador Xi Jinping.

Em um artigo no China Leadership Monitor, o cientista político Minxin Pei apontou os objetivos de Xi: domínio pessoal; revitalização do partido-Estado leninista; e a expansão da influência global da China. “A mensagem central”, disse, a propósito do relatório apresentado por Xi ao 20.º Congresso do Partido, o ex-premiê da Austrália Kevin Rudd, “é que a definição da segurança nacional substituiu a economia como o foco central para o futuro.” Isso implica uma bateria de regulamentos, subsídios e intimidações cujos efeitos já se fazem sentir. Neste ano, segundo o Banco Mundial, pela primeira vez desde 1990 o crescimento chinês ficará abaixo do resto da Ásia.

Em tese, o “novo conceito de desenvolvimento” de Xi não difere dos esforços ocidentais de adequar a economia de mercado às novas demandas do Estado de Bem-Estar Social: enfrentar desigualdades, monopólios e a dívida, orientando a produção a indústrias verdes e de alta tecnologia para gerar inovações e se tornar tecnologicamente autossuficiente. Na prática, as condições para esse crescimento sustentável – um sistema financeiro apto a capitalizar as partes mais produtivas da economia, empresas sem medo de interferências arbitrárias e capital humano proficiente em novas tecnologias – estão sendo dilapidadas pelas obsessões político-ideológicas do Partido.

O Departamento de Pesquisa Econômica dos EUA coletou evidências para responder às seguintes questões: se a política de subsídios de Pequim era orientada às empresas mais produtivas ou se estava estimulando empresas a se tornarem mais produtivas. Em ambos os casos a resposta foi “não”. Ao contrário, os subsídios favoreceram grupos de interesse político ou indústrias decadentes.

O Centro para Pesquisa Econômica do Japão, um think tank, projetou que em 2030 o crescimento do PIB chinês cairá para 2%. “O trabalho, o capital e o Fator Total de Produtividade serão adversamente afetados por um aperto nas restrições à Tecnologia da Informação para as empresas, preocupações crescentes sobre a situação de Taiwan e a continuação de uma política moderada de covid zero.”

A confiança dos investidores para investir e a dos consumidores para consumir dependem de políticas econômicas que forneçam segurança e flexibilidade. As democracias buscam esses objetivos complementares por meio da alternância de poder. Desde os anos 80, a receita da China foi mesclar reformas liberalizantes do mercado com o controle estatal de setores estratégicos. Mas para Xi a economia inteira se tornou “estratégica”. O resultado, segundo o ex-premiê Wen Jiabao, é uma economia “instável, desequilibrada, descoordenada e insustentável”.

A engenhosidade e o dinamismo do povo chinês tiveram uma parte no espetacular crescimento econômico das últimas décadas. A controvérsia entre entusiastas e críticos do “modelo chinês” sempre foi se esse crescimento aconteceu por causa das interferências estatais ou apesar delas. A questão está para ser definitivamente solucionada, agora que Xi Jinping, tendo destruído quaisquer resquícios de “freios e contrapesos”, está disposto a ampliar essa interferência a largos passos.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Os desafios do futuro chanceler - Editorial Estadão

 Os desafios do futuro chanceler


Por Notas & Informações
Editorial O Estado de S. Paulo, 15/12/2022 | 03h00

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva indicou o experiente embaixador Mauro Vieira para o Ministério das Relações Exteriores. Ainda que não seja possível antecipar como o sr. Vieira se desincumbirá de tão importante missão, é fato que não será nada fácil, seja porque o presidente Jair Bolsonaro destruiu a imagem do País nos últimos quatro anos, seja porque muitos petistas nutrem a expectativa de fazer o Brasil retomar a vergonhosa diplomacia terceiro-mundista que marcou a primeira passagem do lulopetismo pelo poder.

Mauro Vieira foi chanceler do governo de Dilma Rousseff, esteve à frente de alguns dos mais importantes postos diplomáticos do Brasil no exterior, como as embaixadas na Argentina e nos Estados Unidos e a representação permanente do Brasil na ONU – seu último posto de expressão até ser enviado por Bolsonaro para a embaixada do Brasil na Croácia como uma espécie de “punição”, sabe-se lá por quê. Tem, portanto, condições de representar bem o Brasil.

Deveria causar alívio ver no comando da diplomacia brasileira alguém que não considera o trambiqueiro Donald Trump como o “salvador do Ocidente”, na inesquecível definição de Ernesto Araújo, primeiro chanceler da era bolsonariana. Poucos representaram melhor a transformação do Brasil em pária internacional como o sr. Araújo, que desestruturou o Itamaraty e antagonizou o País com alguns de seus principais parceiros comerciais, como China e Argentina. Conspurcou a tradição brasileira de diálogo multilateral e alinhou a voz do Brasil à da família Bolsonaro, interessada em bajular líderes da extrema direita mundo afora e hostil a tudo o que lhe cheirasse a esquerdismo. Araújo foi sucedido por Carlos França, que se limitou a fazer o que o chefe mandava e pouco ajudou a mudar a imagem do Brasil, miseravelmente vinculada ao obscurantismo bolsonarista, em especial na área ambiental. Perde-se o fôlego só de imaginar mais quatro anos disso.

Por outro lado, não anima nada a perspectiva de ver a política externa brasileira novamente a serviço de uma ideologia deletéria, que trata ditadores sanguinários como “companheiros”, cuja tirania o PT sempre considerou como parte da “luta contra o imperialismo estadunidense”. O velho Lula da Silva já disse que havia democracia “em excesso” na Venezuela chavista e que a perseguição implacável de dissidentes em Cuba era “assunto interno” dos cubanos; já o “novo” Lula, fiel a seu estilo, foi incapaz de condenar a ditadura nicaraguense do amigo Daniel Ortega. Ademais, também é frustrante imaginar que o Brasil possa retomar o viés “sul-sul”, que fez o País abrir embaixadas em lugares remotos tratados pelos ideólogos da política externa petista como parceiros “estratégicos”, em detrimento da possibilidade de bons acordos com grandes potências, como Estados Unidos e União Europeia. A intenção era mostrar-se independente. No final do mandarinato lulopetista, não havia dinheiro nem para pagar a conta de luz de várias dessas representações.

Neste momento, convém lembrar que a política externa brasileira não é algo que possa ser formulado ao sabor dos devaneios de quem ocupa a Presidência. Este jornal espera que os princípios que regem as relações internacionais do Brasil, consagrados no artigo 4.º da Constituição, voltem a ser respeitados, sobretudo o que determina a prevalência dos direitos humanos. Também espera que o Brasil procure, de maneira inteligente e proativa, retomar seu papel histórico de interlocutor indispensável em várias questões de interesse global, entre as quais o combate às mudanças climáticas, a cooperação internacional para o enfrentamento do tráfico de armas e drogas, o resgate do protagonismo de organizações multilaterais e o desenvolvimento das relações de comércio.

“A política externa é um instrumento de afirmação internacional do País e de defesa da soberania, da presença no mundo”, disse Mauro Vieira ao Estadão logo após a confirmação de sua indicação para o Itamaraty. “O Brasil esteve ausente do mundo e dos grandes centros de decisão nos últimos anos. Todas as medidas tomadas a partir de agora serão importantes nesse sentido, de trazer o Brasil de volta para o cenário internacional.” Que assim seja.

https://www.estadao.com.br/opiniao/os-desafios-do-futuro-chanceler/

domingo, 12 de junho de 2022

Constituição maltratada - Editorial Estadão

 A CF-88 já é uma barafunda que obsta um processo sustentado de crescimento econômico. A febre de PECs do bolsonarismo estúpido a está tornando uma caixa de contradições, um Frankenstein institucional. O mal permanecerá por anos. Os políticos do Centrão estão destruindo o Brasil!

Paulo Roberto de Almeida

Constituição maltratada

Ao emendar a Carta e mexer no sistema tributário por imperativos eleitorais, sem pensar no futuro, Brasil cria insegurança e desestimula investimentos

Notas & Informações, O Estado de S.Paulo

12 de junho de 2022 | 03h00

 Em um país onde 33,1 milhões de pessoas passam fome diariamente, a obsessão de Jair Bolsonaro com os combustíveis já seria suficientemente ofensiva. Para além do fato de que a proposta de reduzir impostos para conter preços é altamente regressiva, a forma que o governo escolheu para colocar seu plano populista em prática representa um ataque à Constituição e ajuda a explicar as razões pelas quais o País não cresce há tantos anos. Mirando nos combustíveis, um governo que foi eleito sob o discurso “mais Brasil, menos Brasília” está disposto a ferir de morte o pacto federativo, arranjo institucional que garantiu aos Estados autonomia para definir um tributo que representa sua principal fonte de arrecadação, e, em reação previsível, parlamentares apresentaram uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para garantir compensação aos Estados.

A Constituição não é obra pronta e certamente está sujeita a atualizações. Tanto é verdade que deputados e senadores promulgaram 122 emendas constitucionais entre 1988 e 2022. Foram 22 nos três anos e meio de Jair Bolsonaro – um fenômeno, considerando o rito de tramitação e o quórum qualificado que as PECs exigem. Mas esse mesmo governo que conta com maioria no Congresso foi incapaz de aprovar as necessárias reformas para destravar a economia. 

Propostas que visam a uma ampla reforma tributária na Câmara (PEC 45/2019) e no Senado (PEC 110/2019) repousam nos escaninhos do Congresso. A construção de texto que dê fim ao manicômio tributário que vigora no País passa por um acordo entre União, Estados e municípios, mas pontes importantes que poderiam ser utilizadas na busca de um imposto único sobre bens e serviços foram queimadas pelo governo federal ao impor o teto do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na marra. A reforma administrativa (PEC 32/2020) permanece intocada desde que saiu de uma comissão especial em setembro do ano passado, sem qualquer perspectiva de ir à votação no plenário da Câmara. Por outro lado, articulações entre Senado e Judiciário apontam apoio ao retorno do anacrônico quinquênio a ser cristalizado na maltratada Constituição, e voltou a circular no Legislativo uma proposta que tira o poder das agências reguladoras. A quem e para que tem servido essa maioria parlamentar?

A forma como o mundo privado interpreta e reage a esses movimentos varia conforme os setores. Aqueles mais diretamente afetados pela imposição de um teto para o ICMS sobre bens essenciais, por exemplo, anseiam por sua aprovação. Com a inflação nos níveis em que está, qualquer migalha pode representar um alívio momentâneo na inadimplência e contribuir com as receitas de empresas que já atuam no País há muitos anos. É uma visão de curto prazo e focada em extrair benefícios próprios em um momento politicamente conturbado. Por outro lado, o Brasil está fora do mapa mundial das grandes transformações e do avanço tecnológico pós-pandemia. Estudo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) aponta que a taxa de investimentos no Brasil deve ficar em 18,4% do PIB neste ano, menor que a registrada em 139 países. O mundo investirá US$ 140 bilhões nos próximos dois anos para resolver o problema global da escassez de semicondutores, talvez o item mais importante para a indústria atualmente, mas segundo reportagem publicada pelo Estadão, nenhum quinhão foi reservado ao Brasil.

Investimentos relevantes para a economia são decididos de olho em um horizonte de médio e longo prazos. Estabilidade é condição mínima para convencer investidores a aportar recursos em qualquer país, bem como o respeito ao marco jurídico, legal e regulatório. Lamentavelmente o Brasil colhe o que planta quando a Constituição é alterada ao sabor dos interesses eleitorais, as alíquotas de um dos impostos mais relevantes do sistema tributário são definidas na base do grito e as reformas estruturais ficam para as calendas. Sem crescimento, até problemas que pareciam superados como a fome voltam a assombrar o País.


quinta-feira, 14 de abril de 2022

Lula em estado bruto: o ódio contra a classe média como "estratégia eleitoral" - Editorial Estadão

 Não, não quero comentar nada, nem provar mais nada, mas nem precisa. Lula se revela inteiramente como o ser rústico que efetivamente é. Estou apenas registrando, em meu blog implacável com os deslizes de nossos horripilantes candidatos a qualquer coisa, estes retratos de nossa miserável campanha presidencial.

Paulo Roberto de Almeida.

LULA EM ESTADO BRUTO
OPINIÃO - ESTADÃO, 13/042022

As recentes declarações de Luiz Inácio Lula da Silva expõem as falhas insanáveis do discurso de moderação que o petista pretendia emplacar nas eleições deste ano. Lula se apresenta como o único em condições de liderar uma frente ampla em defesa da democracia e, portanto, seria a única opção contra o autoritarismo do presidente Jair Bolsonaro. O convite ao ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin para ser vice em sua chapa seria a prova de sua definitiva conversão ao centro democrático. Mas o Lula “moderado desaparece quando ele está em ambientes exclusivamente petistas, onde não precisa enganar ninguém. Ali, Lula surge em estado bruto.
Na Fundação Perseu Abramo, instituto de estudos criado pelo PT, Lula se sentiu à vontade para atacar seu alvo favorito: a classe média. Segundo o petista, a classe média brasileira “ostenta um padrão de vida que em nenhum lugar do mundo a classe média ostenta”. E continuou: “Nós temos uma classe média que ostenta um padrão de vida que não tem na Europa, que não tem em muitos lugares. Aqui na América Latina, a chamada classe média ostenta muito um padrão de vida acima do necessário”.
O ódio petista à classe média é velho conhecido. Foi enunciado comtodas as letras por uma das intelectuais petistas mais representativas, a filósofa Marilena Chauí, em inesquecível discurso num evento do partido em 2013: “Eu odeio a classe média. A classe média é o atraso de vida. A classe média é a estupidez; é o que tem de reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista. É uma coisa fora do comum. (...) A classe média é uma abominação política, porque é fascista, é uma abominação ética porque é violenta, e é uma abominação cognitiva porque é ignorante. Fim”.
É evidente que os petistas de classe média – e eles existem aos montes, como é o caso da própria Chauí – não se consideram nada
disso. Talvez se envergonhem dos bens e do patrimônio de que dispõem, talvez sejam apenas cínicos, mas o fato é que, para a turma que urra quando Chauí e Lula atacam a classe média, os odiados um “burgueses” são sempre os outros.
Mas Lula agora foi além: pretende dizer como devem viver os cidadãos de classe média que pagam impostos e ganham dinheiro com o suor do rosto. Em seu marxismo de botequim, o líder petista, ora vejam, acha que a classe média não pode ter um padrão de vida acima do que ele
considera “necessário”.
Em outro evento, na CUT, Lula fez pior. Disse que de nada adianta realizar protestos em frente ao Congresso, porque isso não comove os políticos. Para o petista, o ideal é que os militantes perturbem os parlamentares em suas residências, bem como suas famílias.
“Deputado tem casa. Eles moram em uma cidade, nessa cidade tem sindicalista. (...) Se a gente mapeasse o endereço de cada deputado e fossem 50 pessoas até a casa dele, não é para xingar, mas para conversar com ele, conversar com a mulher dele, com o filho dele, incomodar a tranquilidade dele. Eu acho que surte muito mais efeito.” Muito democrático.
Não se sabe exatamente qual é a estratégia de Lula por trás desse discurso autoritário, mas isso pouco importa. O que interessa é que fique muito claro para os eleitores que Lula não é tão diferente de Bolsonaro como pretende fazer crer. Assim como o presidente, Lula aposta no rancor e na divisão da sociedade para eletrizar seus devotos. Ambos querem resumir a eleição a um confronto do “bem” contra o “mal”.
A pacificação do País obviamente passa por dar fim a essa polarização agressiva que não resolveu nem resolverá nenhum dos problemas crônicos da sociedade brasileira, como um desemprego resistente de dois dígitos, a inflação alta, a volta da fome e a ausência de soluções para a deficiente oferta de serviços de
educação e saúde pelo Estado.
Nesse sentido, é muito bem-vinda a sinalização de uma união de partidos de centro em torno de uma só candidatura ao Palácio do Planalto. Independentemente da escolha final desse grupo, trata-se por enquanto da melhor resposta a esse embate apocalíptico que Lula e Bolsonaro tentam fazer parecer inevitável.