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segunda-feira, 11 de junho de 2018

Reduzir o tamanho do Estado: absoluta necessidade - Julio Marcelo de Oliveira (Crusoe)

É preciso reduzir o tamanho do Estado

O procurador que investigou as pedaladas fiscais de Dilma Rousseff defende a privatização de estatais como um atalho para reduzir a corrupção, tornar os serviços públicos mais eficientes e evitar problemas como o que deflagrou o levante dos caminhoneiros

Revista Crusoé, 10/06/2018

Júlio Marcelo de Oliveira: as estatais continuam servindo aos partidos e aos políticos (Adriano Machado/Crusoé)01.06.18
Quando o impeachment de Dilma Rousseff era apenas uma ameaça nos bastidores do Congresso Nacional, no início de 2015, o procurador Júlio Marcelo de Oliveira, hoje com 49 anos, apresentou ao Tribunal de Contas da União (TCU) uma representação cujos desdobramentos acabaram por fundamentar juridicamente a queda da petista, no ano seguinte. Representante do Ministério Público junto à corte, o procurador deu a partida no processo que eternizou na história brasileira o termo “pedaladas fiscais”, usado para definir a manobras orçamentárias que permitiam ao governo fazer caixa atrasando repasses aos bancos públicos.
Passados dois anos da saída de Dilma, o procurador diz que os problemas estruturais da gestão anterior persistem no governo Michel Temer. Ele vê alguns avanços pontuais, como na gestão da Petrobras, estatal que foi virada do avesso pela Lava Jato e, nos últimos dias, esteve no epicentro de mais uma crise. Mesmo assim, defende a privatização da companhia, de outras estatais e de bancos públicos como um atalho para reduzir a corrupção endêmica no país. Para ele, é preciso reduzir o tamanho do Estado e concentrar investimentos em áreas como educação e saúde. “Qual o sentido hoje de o país ser dono de uma petroleira estatal? Por que não ter aqui cinco petroleiras, abrir o mercado, gerar competição na exploração no refino na distribuição?”, diz. Eis a entrevista.
O que a crise atual, causada pela greve dos caminhoneiros, tem a ver com a ineficiência do Estado brasileiro?
Há um caldo de insatisfação da sociedade com um governo que cobra muito imposto, que custa caro e não entrega um serviço de qualidade. Basta ver a falta de segurança, os hospitais públicos caindo aos pedaços e a educação que não avança e está longe de ser uma alavanca de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, há o Poder Judiciário com esses habeas corpus em escala industrial, especialmente do ministro Gilmar Mendes, que acabam ajudando a aumentar a sensação de impunidade, de que há certas pessoas e grupos protegidos. Isso gera descrença na democracia e nas instituições. A credibilidade do Supremo nunca esteve tão em xeque, e isso faz parte do caldo de insatisfação da sociedade brasileira. Se as pessoas não acreditam nas instituições, por que vão mantê-las? Por que vou manter um sistema que não me devolve o que espero dele?
O senhor enxerga descrença na democracia? Qual seria a alternativa?
Eu não tenho descrença na democracia. Para mim, ela é um valor absoluto. O que vejo em grande parte da sociedade é uma descrença na democracia em razão de as pessoas não perceberem nas instituições uma resposta adequada ao problema que é apontado pela população como o mais grave do país hoje — a corrupção. Se o Congresso Nacional e os partidos políticos não expurgam nem mesmo os já condenados e se alguns ministros do STF concedem habeas corpus em escala industrial, a percepção da sociedade é de que nossa democracia não funciona. E assim as pessoas ficam perdidas, procurando uma alternativa que possa ser melhor, mas que não existe. Temos de consertar nossa democracia, não jogá-la fora. Democracia é incompatível com impunidade. O Judiciário é o fiador da democracia, tem de garantir o seu funcionamento, porque deve proteger a lei e punir quem a viola. Em vez de pedirem o fim da democracia, essas pessoas devem exigir intolerância com a corrupção nos três poderes, o STF incluído.
Em que medida a má gestão contribui para agravar o problema?
Os números mostram que a má gestão e o desperdício causam até mais prejuízos que a corrupção. Mas uma coisa está amarrada à outra, porque você tem a ocupação dos cargos públicos por pessoas incompetentes para gerir, mas competentes para arrecadar, para abastecer o caixa das campanhas dos partidos políticos. É por isso que é tão tão grande a sede dos partidos pelo loteamento dos cargos na Esplanada. É por isso que o número de cargos em comissão é altíssimo. E é por isso que instituições como a Caixa são troféus, e que os partidos procuram fazer indicações para diretorias dessa e de todas as outras grandes estatais.
O tamanho do Estado brasileiro atrapalha que se chegue a uma solução?
Atrapalha muito e gera ineficiência. Nosso país até hoje é patrimonialista. O Estado é visto como um meio de conseguir recursos, privilégios, benefícios fiscais, ocupação de cargos. Um Estado maior favorece isso. Um Estado menor dificulta. Por isso não se conseguiu privatizar mais na era Fernando Henrique. Recentemente, ele mesmo disse que não conseguiu privatizar Furnas porque era um condomínio de indicações políticas. O Estado é muito ineficiente. Não defendo Estado mínimo, mas pergunto: por que o Estado tem que ser empresário? Ele tem uma dívida imensa com a sociedade brasileira na saúde e na educação pública. Essas áreas, sim, podem alavancar nosso desenvolvimento. Na educação pública você investe e daqui a 15, 20 anos tem uma geração de pessoas educadas, bem formadas, com alta produtividade e capacidade de inovação. Isso hoje está restrito a quem pode pagar escola particular ou a um mínimo de escolas públicas de qualidade. Isso é que tinha que ser considerado estratégico pela população. As crianças brasileiras é que são nosso ativo estratégico para desenvolver o país, não é o petróleo.
Qual é a saída? Privatizar?
Por que não?
O senhor defende, então, a privatização de estatais como a Petrobras?
Qual o sentido hoje de o país ser dono de uma petroleira estatal? Por que não ter aqui cinco petroleiras, abrir o mercado, gerar competição na exploração, no refino, na distribuição? A gente só tem a ganhar.
E por que não se privatiza?
Porque no imaginário do brasileiro a Petrobras é estratégica. Se foi, lá na década de 50, hoje já não é. Petróleo já não é mais estratégico. Daqui até 2030, os países não vão ter mais combustível fóssil sendo queimado por tantos veículos. Vai ser quase tudo elétrico. Quanto mais a gente gerar de exploração de petróleo agora, aproveitar de geração de riqueza enquanto ele tem valor, melhor. Por que tratar isso como se fosse uma questão de soberania nacional? O Brasil precisa se abrir.
Dilma Rousseff ao deixar o Planalto: um impeachment sustentado nas “pedaladas fiscais” apontadas por Júlio Marcelo (Adriano Machado/Crusoé)
A Lava Jato expôs uma Petrobras bastante útil aos políticos. Vem daí a maior resistência à privatização?
São várias resistências. Primeiro, dos funcionários que vão sempre dizer que aquilo é um patrimônio do país, estratégico, que não pode ser vendido de jeito nenhum, como diziam da Vale. Segundo, tem esse imaginário popular que precisa ser desconstruído. A população precisa ver que tem muito mais a ganhar com a privatização. Enquanto o imaginário da sociedade achar que o petróleo é estratégico e que a Petrobras é fundamental para o futuro do país, políticos vão ficar com medo de tocar nesse assunto. E sempre há a resistência daqueles outros que usam a empresa para fortalecer o seu grupo.
Não seria mais interessante esperar pela plena recuperação da empresa?
A Petrobras já vinha recuperando seu valor. As ações estavam subindo até a greve dos caminhoneiros. Em qualquer lugar, fazer uma gestão boa dá trabalho, leva tempo, mas para destruir é muito rápido. Tem que pegar a empresa enquanto está boa e vender enquanto ela vale algo, enquanto está em boas condições. Um próximo governo com viés ideológico equivocado pode destruir a Petrobras, pode acabar com ela.
Acredita que o desastre pode se repetir?
(Pode) Querer que ela seja utilizada para controlar a inflação, impondo o prejuízo de comprar gasolina mais cara do que ela vende. Essa política causou 60 bilhões de reais de prejuízos na Petrobras e fez da empresa uma máquina de investimento sem capacidade de retorno. Essas refinarias que ela começou a construir no governo passado, várias simultaneamente, foram um absurdo. Sem orçamento, com orçamento chutado, com obras que custaram muitos bilhões a mais do que o inicialmente previsto, com outras que foram abandonadas, gastaram-se alguns bilhões e não haverá retorno nenhum. Esse dinheiro foi todo perdido.
O senhor vê os mesmos problemas da Petrobras nas outras estatais?
Há níveis de governança diferenciados. Percebemos diferença nítida, por exemplo, entre Caixa e Banco do Brasil. O Banco do Brasil conseguiu criar cultura de diretorias ocupadas por servidores de carreira de uma qualidade técnica maior e um senso de proteção da instituição, mas isso também não impede que esses funcionários de carreira não sejam ligados a partidos políticos e procurem nos partidos os vetores que lhe vão dar a oportunidade para ascender. Mesmo assim, o nível de qualidade da governança é melhor. A Caixa, por sua vez, é explicitamente vulnerável, como deixou claro a Lava Jato. Também é evidente a utilização da Caixa como instrumento político do governo para atender as suas bases.
O senhor defende a privatização dos bancos públicos?
Qual sentido faz a União ser dona de dois bancos (Caixa e Banco do Brasil) desse porte? Tem sentido o Estado ter uma instituição financeira quando o mercado é incipiente. Quando não há outras instituições financeiras, o Estado vai lá e ocupa esse espaço. Com o mercado financeiro sofisticado como o que temos no país, não tem sentido o Estado ser dono de metade do crédito do mercado financeiro. Não tem sentido ser dono do Banco do Brasil e ser dono da Caixa.
Michel Temer: governança melhorou, mas está longe do ideal (Adriano Machado/Crusoé)
A privatização das teles trouxe resultados, os brasileiros passaram a ter telefone, mas o processo foi controverso.
Não é porque você vai privatizar que vai privatizar mal. Privatização não pode ser um fetiche que se justifica por si só. Ela pode ser melhor para o país se for bem feita. No caso das teles, houve erros. Mas é fácil avaliar olhando para trás.
Em que medida o trabalho do Ministério Público aqui no Tribunal de Contas decorre da ineficiência da máquina pública?
Vejo instituições públicas sendo levadas a fazer maus negócios para atender orientações políticas. A Caixa Econômica libera empréstimos para município e estados que têm dificuldade, que têm capacidade de endividamento comprometido a ponto de não conseguir o aval do Tesouro. Bradesco e Itaú não iriam emprestar dinheiro para município sem aval do Tesouro. Por que a Caixa tem que fazer isso? Se o Tesouro não está dando aval é porque esse município e esse estado já estão com capacidade de endividamento esgotada, já estão devendo muito. Agora, em ano eleitoral, o prefeito e o governador querem gastar e o negócio é feito. Isso é uma disfunção.
O senhor fala de indicações políticas, mas o próprio TCU é formado por ministros escolhidos politicamente.
Defendo publicamente o fim das indicações políticas para ministros e conselheiros dos tribunais de contas. Isso tem que acabar. Tem várias propostas de emenda constitucional nesse sentido. Mas a questão cultural é muito forte. Na cabeça dos políticos brasileiros, tribunais de contas são para nomear, para ter indicação política.
E nos estados é ainda pior, não?
É bem pior por duas razões. Primeiro, porque nos estados você tem uma elite menor e acontece de haver um mesmo grupo político dominando o estado por 20, 30 anos. Acaba que todos os conselheiros fazem parte do mesmo grupo político e têm uma visão afinada. Isso prejudica ainda mais a independência e a liberdade.
Com a investigação das pedaladas fiscais, o senhor teve papel relevante na queda de Dilma Rousseff. No que diz respeito ao loteamento da máquina, vê mudanças no governo Temer?
Na Petrobras, dado o seu estado crítico, houve a sensibilidade de que ela tinha que ir para a UTI e ser recuperada, blindada desses critérios de indicação política que a corroeram. Agora, no resto do governo, a lógica continua sendo a mesma de loteamento político. O BNDES hoje é mais transparente. Quando Maria Silvia (Bastos Marques) assumiu, a postura foi de abrir a base de dados para os órgãos de controle. Ainda assim, estamos longe do ideal.
O que poderia tornar mais eficiente a ação dos órgãos de controle?
Quando se tem transparência, isso facilita muito a atividade. Hoje se trabalha melhor com o paradigma de transparência nas empresas estatais e nas agências reguladoras. O grande desafio de um órgão como o TCU, que tem que ter seletividade na sua atuação, é fazer um mapeamento de risco, de relevância. Não tem como controlar tudo o tempo todo. O controle tem que ser eficiente e gerar expectativa. É como a Lei Seca. Não dá para ter um policial para cada cidadão. Agora, se o cidadão sabe que existe o risco de ser parado em uma blitz, ele é estimulado a cumprir a lei. É fundamental que exista a certeza de que tudo pode ser fiscalizado.

terça-feira, 24 de abril de 2018

Mini-reflexao sobre o Estado brasileiro atual e sua classe politica - Paulo Roberto de Almeida

Mini-reflexão sobre o Estado brasileiro atual e sua classe política

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: desabafo; finalidade: expor meus sentimentos] 

Uma mini-reflexão suscitada pelo espetáculo absolutamente deprimente a que assistimos todos os dias no cenário político do país.
O Estado brasileiro, em todos os níveis, da mais humilde vereança do mais pobre município da mais atrasada região do interior do Brasil, até os pináculos do poder, entre os mandarins da República que a estão transformando em republiqueta de bananas, o Estado brasileiro, volto a dizer, de antigo promotor do desenvolvimento brasileiro, transformou-se no mais poderoso inimigo de qualquer perspectiva de crescimento no Brasil. 
E sua classe política, do mais humilde vereador ao mais alto mandatário, transformou-se numa classe em si, perdulária, irresponsável, afrontosa para com a nação trabalhadora, despoupadora líquida dos recursos duramente criados pelos agentes econômicos primários, indigna de ser considerada uma classe política. 
Sei que meu anarquismo visceral pode parecer exagerado, mas não sou nem liberal, nem conservador, nem nada; sou apenas um reformista radical, e acredito que o Brasil precisa passar por uma reforma radical, em todos os níveis, para tentar ser um país normal, o que ele está longe de ser hoje em dia.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 24 de abril de 2018

sábado, 7 de setembro de 2013

Reflexoes ao leu: sobre a dia da Independencia - Paulo Roberto de Almeida

Reflexões ao léu: sobre a dia da Independência

Paulo Roberto de Almeida

Não consigo me lembrar de um dia da Independência no qual o Brasil tenha amanhecido tão dividido e tão temeroso. O medo se espalhou em todas as partes, indistintamente: os poderosos de plantão manifestam temor em relação a possíveis manifestações da massa contra eles, nos desfiles e discursos patrióticos (tanto que os dois chefes do poder legislativo, minúsculas, sequer compareceram ao ato oficial presidido pela chefe de Estado); temor também da população em geral, de que vândalos e outros arruaceiros promovessem violência nessa ocasião, colocando em risco a vida ou a integridade física de inocentes, sobretudo mulheres e crianças; temor, talvez, dos oportunistas de sempre, dos aproveitadores e mentirosos contumazes, de que o castelo de cartas fantasioso que vêm construindo na última década possa ser derrocado a partir de manifestações especificamente dirigidas contra eles, responsáveis que são pelo descalabro registrado no país nos dias que correm; enfim, temor em todas as partes, menos, provavelmente, da parte dos vândalos e arruaceiros, talvez os anarquistas idiotas e niilistas inconscientes, que se aproveitam desse clima para tirar algum proveito material, ou simplesmente pelo prazer de destruir as instituições burguesas e o sistema capitalista. Temores cruzados, múltiplos, autoalimentados e retroalimentados.
De fato, não consigo me lembrar de um Sete de Setembro como este; talvez durante as ditaduras que vivemos, na era Vargas e durante o regime militar, esse clima de temor e de divisão do país, mesmo contrabalançado por fortes doses de publicidade governamental, algo do ambiente atual pairasse sobre os encontros e manifestações oficiais em torno da data da independência do país. Eu que não sou nada patriota – e teria palavras fortes contra o patriotismo rastaquera exibido por muitos – e menos ainda ufanista das nossas coisas, por considerar-me um simples indivíduo, se possível universal, não vejo precedentes para o clima atual de divisão e de perplexidade no país. Gostaria de ter um simples fator explicativo para esse ambiente de temores recíprocos, mas não acho apenas um, mas vários, múltiplos, talvez dificilmente identificáveis e menos ainda obstáveis com base em alguma ação cirúrgica numa direção determinada. Não existe, e não creio que consigamos identificar todas as causas do malaise atual e encontrar respostas adequadas para vencer esse estado no futuro previsível. Sinto muito: gostaria de ser mais otimista, neste texto reflexivo, mas simplesmente não consigo.
O que é a independência de um país? No sentido estrito, liberar-se de mestres estrangeiros e estabelecer o seu próprio sistema de governo, se possível democrático, aberto a todos os cidadãos – alguns continuam súditos daquilo que um historiador, aliás marxista, chamou de “ideologia do colonialismo” – e propenso a facilitar a todos eles as condições pelas quais cada um sai em busca de sua felicidade pessoal, exercendo seus talentos, mobilizando seu gênio criativo, empregando seu tempo em criar prosperidade individual, ou simplesmente se colocando ao serviço de alguma outra causa – ou emprego – que lhe dispense faculdades de empreendedorismo, mas que lhe garanta, da mesma forma, um meio de vida adequado e satisfatório.
Toda independência se concentra, numa primeira etapa, na criação de um Estado, geralmente nacional – em alguns casos multinacional, ou compósito – que passa então a representar os cidadãos em face dos outros Estados da comunidade internacional e assume os encargos da defesa externa, da segurança doméstica, das grandes obras coletivas – infraestrutura de grande porte, por exemplo – e também se desempenha na criação de um ambiente aberto ao exercício dos talentos individuais, que passarão, por sua vez, a cuidar da produção, do abastecimento, da oferta de bens e serviços (inclusive coletivos) dos mais variados tipos, segundo regras de transparência e de abertura total ¡a competição de todos aqueles que pretendem se lançar em atividades econômicas privadas. Estes são os deveres primários de todo e qualquer Estado, aos quais talvez se pudesse acrescentar tarefas de “equalização de oportunidades sociais”, consistindo em geral no provimento da educação fundamental em bases universais – obrigatórias, pelo menos nos ciclos elementares – e de condições sanitárias mínimas, para que todos possam ser resguardados das epidemias e das endemias mais comuns que atingem a raça humana. Creio que este é, sumariamente, o sentido da independência de um povo.
O Estado brasileiro no plural, o que emergiu da independência, os que se lhe seguiram nas várias mudanças de sistemas e de regimes políticos que tivemos ao longo dos quase dois séculos que nos separam da separação da metrópole, e o Estado atual, que convive com uma democracia de fachada e de baixa qualidade – dificilmente cumpriu as tarefas acima, e talvez venha até sendo o responsável pela erosão atual de algumas instituições já criadas e cuja eficácia e proficiência estão sendo nitidamente diminuídas na sua forma e na sua substância. Não é difícil reconhecer isso na situação de insegurança que atinge todos os cidadãos honestos, nas péssimas condições da infraestrutura – sobretudo comunicações e energia – e nos serviços coletivos que supostamente estariam a cargo do Estado, notadamente saúde e educação.
Mesmo aquela larga fração da população que se beneficiou, nas últimas décadas, com generosas políticas distributivas, se ressente da má qualidade dos serviços coletivos e da insegurança geral que atinge a todos, especialmente os mais humildes. Pode-se até argumentar que, no contexto mais amplo da América Latina, ou em confronto com outros continentes – como a África, por exemplo – ainda mais atingidos pela erosão de ineficiência estatal que atinge quase todos os Estados contemporâneos, o Brasil não é dos piores exemplos de deterioração de qualidade de sua governança, anda que isto não sirva de consolo, pois existem alguns outros exemplos que demonstram que é possível, sim, atingir patamares mais elevados de prosperidade de bem estar.
O Estado brasileiro falhou, portanto, embora essa conversa de Estado seja muito enganosa. O Estado é uma entidade impessoal, quase abstrata em suas manifestações concretas, a não ser quando encarnado por governos reais, liderados por determinados homens, como indivíduos ou grupos (partidos e suas coalizões), que dão um sentido específico à ação do Estado. Os responsáveis pela má situação de um país, de uma nação devem, assim, ser apontados, devidamente: são as lideranças que falham, são as elites incompetentes, algumas até criminosas, que não cumprem o mandato em prol da prosperidade e da felicidade individual que todo povo imagina estar elaborando no momento de sua independência.
Como as comunidades humanas são sempre complexas e diversificadas, o mandato é primeiramente negociados através de um contrato coletivo – a Constituição – que deveria resumir os grandes objetivos nacionais e definir, de maneira ampla, os meios e mecanismos para que eles possam ser atingidos. Um povo, como o nosso, que já teve sete constituições, e oito moedas, não pode considerar especialmente bem dotado de qualidades “constitucionais”, ou de simples educação política (na verdade de educação, tout court). Examinando a nossa Constituição – que foi objeto de uma análise sistemática de minha parte recentemente: “A Constituição brasileira contra o Brasil”, em fase de publicação – pode-se constatar como ela é totalmente inadequada para cumprir o mandato que esbocei anteriormente. Ela pretende atribuir ao Estado uma série inacreditável de tarefas que este simplesmente não consegue cumprir, nos limites (parcos) de nossa riqueza nacional: pretenderam criar um oásis de felicidade nacional antes de dispormos de recursos suficientes.
Por outro lado, os governantes de plantão, vários, mas especialmente os atuais, são singularmente incompetentes para mudar esse estado de coisas: eles estão apenas interessados em se perpetuar no poder, e vão utilizar-se de todos os meios para tentar conseguir esse objetivo monopólico (o que aliás combina bem com o espírito autoritário, quando não totalitário, de vários dos integrantes do partido no poder). Não creio que a situação mude de maneira significativa no futuro imediato. Minhas previsões, já externadas em diversos trabalhos publicados, é a de que o Brasil foi conduzido a um impasse de baixo crescimento, e de malversação do Estado, o que torna difícil lograr grandes progressos sociais e políticos no curto e médio prazo. Outros povos enfrentaram decadências semelhantes ou similares: não estamos fazendo nada de extraordinário, ao recuarmos um pouco, ou talvez muito, bem mais no plano mental, na verdade, do que no plano propriamente material.
Desculpo-me por ser pessimista no dia da Independência, mas estou tentando ser apenas realista. Repito: nunca encontrei o país tão temeroso, e tão dividido num dia da Pátria. Pode ser temporário, ou passageiro, mas a sensação que tenho é a de certo desalento na população, ao ver que a situação não caminha para o melhor, sobretudo no âmbito estatal, justamente. Quando vemos quadrilheiros sendo saudados como salvadores do povo e heróis da pátria, é porque perdemos o sentido da realidade; quando vemos mentirosos declarados se perpetuando é porque perdemos nossa capacidade de indignação, e de reação. Quando vemos tantos medíocres encarregados do Estado, é porque os homens de valor se desinteressaram da coisa pública.
A responsabilidade maior está com a elite, não todas as elites – porque existem elites de diversos tipos, algumas até mafiosas – mas com as elites vinculadas ao mundo produtivo, os criadores de riqueza e supostamente os financiadores de alguns bandidos que os representam no poder. São estes que deveriam empreender as tarefas de regeneração do país, mas que no momento estão muito ocupados tentando extrair mais algumas vantagens do Estado (que recursos que lhes foram previamente extorquidos, por sinal). Se eles não assumem sua responsabilidade, não teremos condições de superar o estado atual (que não é apenas de letargia, mas de recuo visível em várias areas). Por isso venho defendendo a ideia de uma fronda empresarial, uma conquista do Estado pelos empreendedores, os únicos interessados (ao que parece) na prosperidade geral do país num sentido economicamente racional, previsível, aberto e competitivo.
Acontecerá isto? Não tenho certeza, mas gostaria de acreditar...
Bom dia da independência a todos...


Paulo Roberto de Almeida

Hartford, 2511: 7 de Setembro de 2013, 4 p.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Terror Economico no Brasil: o grande terrorista e'... o proprio Terrorista Grande

Quem, no Brasil, tem poder para determinar as principais variáveis do jogo econômico?
Quem determina juros, aplica tarifas, corrige tabelas, concede subsídios, dá isenções, atende demandas de proteção, subvenciona movimentos ditos sociais?
Quem impede brasileiros de legitimamente se abastecer no exterior, cobra impostos e contribuições abusivos sobre todos os bens e serviços comercializáveis, quem promete segurança, saúde, educação, transportes e uma infinidade de outras coisas e não cumpre?
Quem diz que toda essa carga fiscal é para melhor atender à população?
Quem tenta nos enganar dizendo num dia que não permitirá a volta da inflação e no outro dia introduz uma medida demagógica e eleitoreira de subsidiar eletrodomésticos para os já contemplados dos subsídios da casa própria, aumentando a dívida pública em dezenas de bilhões de reais?
Quem abusa da nossa paciência mentindo deliberadamente nos meios de comunicação e fazendo propaganda enganosa o tempo todo?
Quem nos trata como bebês irresponsáveis e pretende ser a babá incontornável em todos os aspectos da vida privada?
Que alimenta esse fascismo corporativo que inferniza a nossa vida com agências governamentais que pretendem decidir por nós o que é melhor para nós mesmos?
Sim, você já descobriu: é ele mesmo, o ogro famélico que se alimenta de nossos recursos para tentar saciar sua fome inaudita. Por acaso ele também disponibiliza as informações que nos permitem confirmar que, se o Estado brasileiro foi, algum dia, um promotor do crescimento brasileiro, ele se tornou, atualmente, no mais formidável obstrutor do processo brasileiro de desenvolvimento.
Ele é o próprio terror econômico...
Paulo Roberto de Almeida

Onde está o terror econômico

Editorial O Estado de S.Paulo, 18 de junho de 2013
 
Continuam piorando as perspectivas da economia brasileira para este ano, segundo a pesquisa realizada semanalmente pelo Banco Central (BC) com cerca de cem instituições do mercado financeiro e do setor de consultoria. Os economistas aumentaram suas projeções de inflação, agora estimada em 5,83%, e reduziram as do crescimento econômico (2,49%), da produção da indústria (2,5%) e do saldo comercial (reduzido para pífios US$ 6,55 bilhões).
Elevaram para US$ 73,66 bilhões, ao mesmo tempo, a previsão do buraco na conta corrente do balanço de pagamentos. Basta ler esses números para identificar um dos focos do terrorismo econômico denunciado pela presidente Dilma Rousseff. Um dos principais aliados desse foco é naturalmente o BC, responsável pela divulgação de tanto pessimismo.
Outros focos devem estar nas entidades representativas da indústria, em organizações acadêmicas, como a Fundação Getúlio Vargas (FGV), e até no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), fontes de informações pouco animadoras sobre a evolução dos preços, a recuperação da atividade, o emprego industrial e a disposição dos empresários de se arriscar em novos investimentos.
Auxiliares próximos da presidente já identificaram uma crise de confiança. Evitam falar disso publicamente, mas já se esforçam para embelezar a imagem do governo. O BC elevou os juros básicos, intensificando e tornando mais sério o combate à inflação, e seu presidente, Alexandre Tombini, promete agir sem restrições para conter a alta de preços. Não basta, no entanto, restabelecer a confiança na política monetária, quando o lado fiscal permanece uma barafunda.
O ministro da Fazenda promete alcançar a meta de superávit primário equivalente a 3,1% do PIB, enquanto o secretário do Tesouro desqualifica esse objetivo e o condiciona a uma estratégia de gastos anticíclicos. Mesmo a promessa do ministro pouco significa em termos de austeridade.
O governo ainda se mostra disposto a abater investimentos e desonerações da meta fiscal e anuncia, além disso, a intenção de incluir na conta receitas de concessões e os bônus do leilão de blocos do pré-sal. Usará, portanto, receitas eventuais para ajeitar uma contabilidade formada, em um dos lados, por despesas permanentes cada vez maiores.
Em 30 dias investidores de fora tiraram da Bovespa R$ 8 bilhões, reduzindo a R$ 3,4 bilhões o saldo de aplicações estrangeiras. A fuga de capitais tem afetado muitas economias emergentes e é motivada, na maior parte dos casos, pela perspectiva de uma política monetária menos folgada nos Estados Unidos e, portanto, de mudanças no mercado financeiro internacional.
Mas fatores internos também minam a confiança no Brasil e isso é reconhecido sem dificuldade entre especialistas. A Standard & Poor's já ameaçou rebaixar a classificação do Brasil. Há um sério risco de rebaixamento pelas agências de classificação até o começo de 2014, segundo informe do Banco Barclays divulgado em Nova York. O crescimento permanece baixo e a inflação continua alta, de acordo com o informe.
Mesmo no governo poucas pessoas parecem levar a sério a conversa sobre terrorismo econômico. O problema de credibilidade é reconhecido, mas a única mudança relevante, até agora, foi a da política monetária. Demonstrando mais preocupação com as eleições, a presidente Dilma Rousseff lançou mais um programa de estímulo ao consumo, o Minha Casa Melhor, apesar do comprovado fracasso dessa estratégia nos últimos dois anos e meio.
Os problemas de produção e de oferta, amplamente reconhecidos por especialistas como os mais importantes, continuam sendo atacados com ações desarticuladas, claramente improvisadas e de alcance limitado.
Além disso, o ativismo do governo - de fato, hiperativismo -, apontado como um dos fatores de desconforto e desconfiança do empresariado, tanto nacional quanto estrangeiro, será mantido, como deixou claro a ministra chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann. Eis aí uma promessa aterrorizante.
 

domingo, 19 de maio de 2013

O esquizofrenico sistema tributario brasileiro - Folha de S.Paulo


PESADELO FISCAL
Gargalo tributário
Série mostrará, a cada 15 dias, os entraves tributários do país; veja hoje como o governo leva R$ 45 de cada R$ 100 pagos por um vinho gaúcho
RICARDO MIOTO, DE SÃO PAULO
Folha de S. Paulo, 1905/2013
Alguns países se orgulham da sofisticação das suas cadeias produtivas. Não é, com frequência, o caso brasileiro. Aqui, complexa é a cadeia tributária, tão cheia de detalhes e siglas que, em uma representação gráfica, como a desta página, quase oculta a ação do setor produtivo.
Em 2012, a carga tributária do país chegou a inéditos 36,27% do PIB, minando a competitividade. Aqui, uma garrafa de vinho paga 45% de impostos. Na concorrente Argentina, apenas 26%.
Além da carga alta, duas questões tornam a tributação um tema momentoso.
Uma é que em junho se torna obrigatório incluir a carga tributária na nota fiscal. Para os entusiastas, a população criará uma consciência inédita, passando a cobrar (e votar pela) redução de impostos.
A outra questão é que o governo federal tem levantado a bandeira da desoneração tributária. Não é renúncia fiscal pura, mas troca: em alguns setores, deixa-se de arrecadar 20% da folha de pagamento das empresas para cobrar de 1% a 2% do faturamento.
As empresas fizeram as contas. Alguns setores, como TI, intensivo em mão de obra, comemoram. Outros viram que seria uma fria. Mesmo as vinícolas, ainda não contempladas, não querem o "benefício".
"Não vale a pena. O vinho usa muita mão de obra no campo, mas a folha de pagamento da indústria em si não é grande", diz Kelly Bruch, pesquisadora em direito e agronegócio na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
A noção de que as "desonerações" propagandeadas pelo governo nem sempre significam de fato redução da carga tributária traz uma pergunta maior: será possível em algum momento reduzir para valer os impostos no país?
A resposta passa pela Constituição de 1988. Ela foi generosa em expressões como "é direito de todos e dever do Estado". Assim, criou aqui, em tese, um sistema de proteção social de país rico europeu.
Mas o texto pouco tratou de financiamento. Roberto Campos, provavelmente o mais famoso constituinte crítico a isso, viveu até 2001 reclamando que ninguém se perguntou quem pagaria a conta.
Alguns direitos, até pelo exagero, não pegaram. O lazer é um exemplo: difícil imaginar alguém processando o Estado por estar entediado. A moradia também é utopia.
Direitos mais objetivos, porém, acarretaram mudanças bem concretas na sociedade --e custos para o governo.
Exemplos são o SUS e a expansão dos benefícios previdenciários. Outro direito social, a educação, foi em alguma medida levado a sério, e nos anos 1990 o país teve sucesso em universalizar a educação básica. Processos contra o Estado por ele não estar provendo tratamentos ou pensões se tornaram comuns.
Como nossa renda segue pequena (PIB per capita de US$ 12 mil ao ano, ante US$ 50 mil dos EUA), a conta ficou difícil de pagar. Foi preciso aumentar muito os impostos --e nem assim eles são suficientes para financiar serviços públicos que prestem. No começo dos anos 90, a carga tributária era de 24% do PIB.
Houve ainda certa moralização das contas públicas. O Brasil sempre financiou gastos públicos com dívidas ou expandindo sua base monetária --na prática e traduzindo do economês, isso significa imprimir dinheiro.
As duas opções nada mais são do que jeitos de jogar o custo para as gerações futuras, que terão respectivamente de pagar a dívida ou lidar com maior inflação (pense que mais dinheiro circulando significa que ele vai ficando menos valioso).
Mudanças na gestão econômica (no fim dos anos 80, o Banco Central parou de imprimir dinheiro para bancar empréstimos irresponsáveis do Banco do Brasil; nos anos 1990, foram criadas metas de gasto público, via superavit primário) e na legislação (em 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal) tornaram mais difícil elevar gastos públicos sem aumentar impostos. Resultado: eles aumentaram.
Para reduzir tal mordida, quantificada na relação entre impostos e PIB, é possível:
1) Cortar impostos. Mas vamos desistir do Estado de bem-estar social de 1988?
2) Aumentar o PIB. Mas o números mostram que estamos tendo dificuldade nisso.
Assim, o cenário não é de otimismo. Se não for possível cortar a carga tributária, é razoável fazê-la ao menos deixar de ser o Frankenstein atual.
O Brasil tem mais de 80 tributos. Surgem mais 30 normas por dia. Nas palavras do economista Clóvis Panzarini, "a cada edição do Diário Oficial', o sistema tributário brasileiro fica pior".

sábado, 25 de agosto de 2012

Os mandarins da Republica contra a Republica (e seus habitantes...)

Alguns desses mandarins são verdadeiros marajás, e são os mesmos que pretendem aumentar em proporções irrealistas seus já altos salários.
São as novas saúvas do Brasil.
Eu tenho várias soluções, entre elas a proibição de greves em setores essenciais (como segurança, estradas, portos e aeroportos, por exemplo) e o fim da estabilidade para funcionários públicos (além da diminuição dos salários para níveis compatíveis com sua produtividade e com patamares médios do setor privado.
Isso vai acontecer? Claro que não.
Não importa, defendo mesmo assim essas propostas.
O artigo abaixo, e o editorial que se segue, são eloquentes a respeito da verdadeira chantagem que os mandarins da República (contra a República) cometem contra todos os habitantes do Brasil, em primeiro lugar os brasileiros trabalhadores e pagadores de impostos (e todos somos). 
O Brasil está a caminho da decadência econômica, tendo sido apropriado por máfias sindicais que tomaram de assalto o Estado.
Paulo Roberto de Almeida 


Greve do funcionalismo: leis a favor da minoria
Jorge Peixoto Vasquez
O Estado de S.Paulo, 24/08/2012
Quando o governo compra serviços de um grupo de pessoas, ou seja, de uma empresa, é obrigado a seguir uma série de procedimentos para obter o menor preço, resguardada a qualidade. Quando o fornecedor é um indivíduo, um servidor público, tudo muda: a contratação passa a seguir regras que, aplicadas a uma entidade privada, seriam consideradas escandalosas. No primeiro caso há uma tentativa de respeitar o dinheiro da população. No segundo essa preocupação desaparece. Observando as notícias da greve de funcionários públicos que ora se desenrola, fica evidente que boa parte do Estado brasileiro serve a indivíduos em detrimento da população em geral.
Fornecedor é fornecedor, não há diferença se presta o serviço sozinho ou em grupo. No lado privado da economia, afora regulamentações trabalhistas arcaicas, é assim que as coisas ocorrem. Claro que, em troca da exclusividade (ainda que tácita, por causa do volume de trabalho contratado) embutida numa relação de trabalho, o contrato, ainda que livre das amarras da lei, usualmente incluirá provisões de proteção ao trabalhador, como aviso prévio em caso de encerramento, indenização por rompimento unilateral (demissão) e até regras de reajuste do valor do serviço. É exatamente o mesmo ao se contratar porção significativa da operação de uma empresa.
No setor público, entretanto, o contrato com os fornecedores isolados é absurdamente desvantajoso para o Estado. Imagine que o síndico do seu prédio resolvesse contratar funcionários com cláusulas de estabilidade permanente, salários muito acima dos pagos no seu bairro ou na sua cidade e benefícios como pensão integral: você acharia que esse síndico estaria cuidando bem do dinheiro dos condôminos? Com o governo é ainda pior, pois você não pode mudar de país sem incorrer num custo muitas vezes proibitivo. E, para completar, os próprios funcionários votam e influem na eleição dos governantes.
Este último argumento merece ser explorado mais pausadamente: o peso desproporcional que o lobby dos funcionários públicos tem sobre o governo. Pensando em termos de incentivos, pode-se entender o que ocorre. Imagine que seja proposta uma legislação que favoreça os funcionários públicos em R$ 1 bilhão. Os funcionários federais, em torno de 1 milhão, podem gastar até aproximadamente R$ 1 mil cada um para influenciar sua aprovação e ainda sair no lucro. Esse gasto pode-se dar, por exemplo, no apoio do sindicato da categoria a um ou outro candidato ou partido político. Por outro lado, os 190 milhões de brasileiros que pagarão a conta sofrerão, de uma forma ou de outra, um custo adicional médio de cerca de R$ 5,26 cada um. Ora, não só é mais difícil organizar a população inteira, como o benefício individual (deixar de pagar os R$ 5,26) de qualquer mobilização nesse sentido certamente será menor que o custo (ainda que de tempo) de dedicar-se a tal intento.
Não é de espantar, portanto, que a combinação do sistema democrático de representação com a existência de funcionários públicos leve inexoravelmente a um crescente aumento dos privilégios desse grupo.
Uma questão paradoxal que diz respeito à remuneração dos servidores públicos e aos incentivos que o sistema político acaba por criar: diferentemente do que ocorre na iniciativa privada, no setor público premia-se o fracasso com aumento de verbas e salários. Por exemplo, estamos em época de eleições e, segundo os recentes resultados do Ideb, sabemos que a educação avançou muito pouco e continua péssima. Mesmo assim, o que prometem os candidatos a prefeito? Aumentar salários de professores e funcionários. Em outras palavras, no governo, se os funcionários fizerem um péssimo trabalho, o mais provável é que eles venham a ser recompensados com aumentos. O resultado desse sistema é perverso e previsível: serviços públicos caros e de má qualidade.
Um último aspecto da questão da remuneração do funcionalismo público merece ser abordado. No livre mercado, duas forças determinam os salários: as leis de oferta e demanda e o valor do trabalho realizado. Ninguém em sã consciência bate à porta do chefe para pedir um aumento que tornará seu custo para empresa maior do que o incremento de receita causado por sua atividade, pois nenhuma empresa pode operar no prejuízo indeterminadamente sem falir. Assim, existe uma barreira para o salário de qualquer funcionário privado, que é o valor agregado pelos serviços que presta. Mesmo um movimento de cartelização, como a formação de sindicatos com objetivos de negociação coletiva, não pode mudar essa lei econômica, pode apenas agir sobre a oferta e a demanda. Ora, a negociação de salários de funcionários públicos é descolada de ambas as forças e, por isso, é mais ou menos como jogar pôquer apostando grãos de feijão sem valor algum. Totalmente irracional.
Primeiro, não há como determinar valor agregado ao governo, já que ele não objetiva o lucro. Isso vale para qualquer entidade sem fins lucrativos, como condomínios. Mas, diferentemente de entidades privadas, o governo não tem como comparar no mercado os salários pagos a seus funcionários, afinal, ele mesmo se outorga monopólios em praticamente todas as áreas em que atua. Segundo, as leis de oferta e demanda simplesmente não funcionam quando é impossível demitir ou reduzir salários, sendo as contratações vitalícias.
Inescapavelmente se conclui que, com as leis que temos, e das quais não nos podemos livrar, dados os incentivos do sistema democrático, cada vez mais os servidores públicos serão uma casta de privilegiados a consumir o dinheiro subtraído à força dos demais cidadãos. A única saída para salvar parte de nosso suado dinheiro é diminuir significativamente o quadro de servidores, transferindo para a iniciativa privada, ainda que via terceirizações, boa parte das atividades hoje executadas diretamente pelo Estado.
* EMPRESÁRIO,  É PRESIDENTE DO INSTITUTO DE FORMAÇÃO DE LÍDERES DE SÃO PAULO (IFL-SP)
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Greve contra o público
Editorial Folha de S. Paulo, 24/08/2012

Congresso Nacional precisa regulamentar paralisações de servidores para coibir atuais abusos, como a ruptura de alguns serviços essenciais

Enquanto se disseminam as paralisações e operações-padrão de funcionários públicos federais, multiplicam-se os prejuízos à população. A suspensão da fiscalização em fronteiras, nesta semana, é apenas um exemplo dos excessos cometidos pelos grevistas.

Servidores públicos gozam de regalias, como estabilidade e rendimentos acima da média. Sobretudo nas carreiras de Estado, como as de diplomatas e juízes (que não estão parados), greves não deveriam ser admitidas.

Da onda paredista, contudo, ainda pode emergir algo de positivo, se Congresso e governo federal finalmente regulamentarem o direito de greve no funcionalismo. A necessidade de uma lei específica para isso é exigência da Constituição, mas desde 1988 nada se fez.

Coube ao Supremo Tribunal Federal fechar parcialmente a lacuna. Em 2007, a corte estendeu para o funcionalismo a Lei de Greve do setor privado. Foi um avanço.

A decisão explicitou que servidores também têm assegurado o direito de fazer greve, mas prescreveu que esta deve seguir regras -por exemplo, quanto à prestação de serviços essenciais e ao desconto de dias não trabalhados.

As paralisações atuais mostram que a iniciativa do STF não bastou. A Lei de Greve, por não regular as relações no setor público, é omissa. Basta dizer que a segurança pública não figura no rol de atividades essenciais e que nada é dito sobre sanções ao gestor que não descontar salários.

Essa situação de incerteza quanto à aplicação da lei só mudará com uma norma específica. O projeto de lei 710/11, do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), vai no caminho correto ao propor mecanismos que tornam as paralisações custosas tanto para os servidores quanto para o poder público.

Entre seus méritos evidentes estão a ampliação da lista de serviços essenciais, a fixação de percentuais mínimos de servidores em atividade nesses e em outros setores (de 50% a 80%), a determinação de desconto salarial para grevistas e a prescrição de punições, por improbidade administrativa, a agentes públicos que atuarem em desacordo com a norma.

Além disso, o projeto avança ao impor a necessidade de negociações prévias, sugerir a tentativa de soluções alternativas do conflito (como mediação, conciliação e arbitragem) e estabelecer requisitos para o início de uma greve legal.

A proposta acerta ainda ao proibir paralisações de membros das Forças Armadas e da Polícia Militar, conforme a Constituição. Perde a chance, porém, de vetar greves de todos os agentes armados.

Dificilmente os legisladores encontrarão momento mais oportuno do que este para corrigir uma omissão que já dura 24 anos.