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terça-feira, 14 de junho de 2022

O Labirinto Visto de Cima: Saídas para o Desenvolvimento do Brasil, por Fabio Giambiagi, Ricardo Barboza

 Fabio Giambiagi vem nos premiando, há  40 anos, com os melhores livros, obras, estudos, pesquisas, sobre os problemas do Brasil e, sobretudo, sobre como resolvê-los.

Paulo Roberto de Almeida

O Labirinto Visto de Cima: Saídas para o Desenvolvimento do Brasil 

Fabio Giambiagi, Ricardo Barboza 

Editora LUX (6/2022).

“Somos soldados do desenvolvimento”. Foi com essa afirmativa – praticamente, uma conclamação – que fui recebido ao ingressar no BNDES em 1984. Também se afirmava o papel do BNDES como “agente de mudanças”. E, desde então, o Brasil mudou. Em muitos aspectos, o país de fato se desenvolveu. Temos uma democracia consolidada. O processo inflacionário crônico deu lugar ao Real. Os instrumentos de política macroeconômica convergiram para padrões internacionais. A onipresença estatal no setor produtivo e na infraestrutura cedeu espaço ao setor privado, que adquiriu resiliência ao longo das crises. A economia extremamente fechada transformou-se numa economia mais integrada ao mundo. Houve mudanças positivas nos indicadores sociais. É grande a lista dos temas em que o país avançou. Porém, é consenso que o baixo crescimento ao longo dessas décadas foi frustrante. E a precária condição de vida de milhões de brasileiros é inaceitável. O Brasil esteve longe de aproveitar todo o seu potencial de desenvolvimento. Oportunidades foram perdidas. É disso que trata este livro: identificar caminhos para o país sair desta espécie de “labirinto” em que se encontra. Quais são os desafios para destravar o desenvolvimento brasileiro? Qual arcabouço macroeconômico parece melhor? Como melhorar a infraestrutura? Quais são as mudanças necessárias para galvanizar energias para o crescimento sustentável? Quais políticas o país deve adotar na saúde, na educação ou na segurança pública? São as respostas a essas questões que motivaram os autores – todos eles profissionais voltados ao desenvolvimento – a se engajar no projeto cujo resultado o leitor tem em mãos. Este livro expressa a voz de uma nova geração do BNDES, iluminando alternativas para o Brasil. Em momentos em que o país discute que rumos deve seguir, é uma contribuição muito bem-vinda. Guilherme Dias (ex-ministro de Planejamento, Orçamento e Gestão).

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sábado, 4 de junho de 2022

Dois projetos de nação: o autoritário e o democrático - José Eduardo Faria (Estado da Arte)


O PROJETO DE NAÇÃO E O LABIRINTO VISTO DE CIMA

JOSÉ EDUARDO FARIA (ESTADO DA ARTE), 3/06/2022

BRASILPOLÍTICA

 

Deixada de lado desde o advento da globalização dos mercados entre o final do século 20 e o início do século 21, período em que a ideia de governo inerente ao Estado keynesiano foi substituída pela ideia de governança subjacente ao Estado liberal, a expressão “projeto de nação” foi recolocada novamente na agenda por duas iniciativas colidentes entre si.

(Projeto de Nação do Instituto Villas Boas)

 

A primeira iniciativa tem origem nos meios militares — mais precisamente, do grupo que apoia o governo Jair Bolsonaro e acredita, de alguma forma, se manterá no poder até 2035. Ela foi tomada pelo Instituto General Villas Bôas, criado pelo grupo do general Eduardo Villas Bôas, que foi o comandante do Exército entre 2015 e 2019, em parceria com o Instituto Federalista e o Instituto Sagres — Políticas e Gestão Estratégica Aplicadas. Com o título Projeto de Nação, coordenado por um general e revisado por três militares, dois embaixadores e dois professores, ele apresenta um cenário prospectivo do país até 2035, a partir de seis perspectivas: “temas estratégicos e incertezas críticas, consultas áugures (especialistas e outros públicos), cenários prospectivos, “cenário foco”, objetivos nacionais (políticos), diretrizes político-estratégicas e óbices”.

A segunda iniciativa foi tomada por dois economistas, Fabio Giambiagi e Ricardo de Menezes Barboza, que aproveitaram a comemoração dos 70 anos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para lançar um livro no qual técnicos de carreira de diferentes áreas decidiram apresentar uma agenda econômica e socioambiental. Com o título Labirinto visto de cima — saídas para o desenvolvimento do Brasil e publicado pela Editora Lux, a obra foi redigida por especialistas que analisaram a transição de uma economia fechada rumo a uma economia mais integrada ao mundo, porém com baixo crescimento ao longo das últimas décadas e incapaz de aproveitar todo seu potencial de desenvolvimento.

O lançamento desses dois trabalhos às vésperas do início da campanha presidencial certamente balizará as discussões e as propostas de alguns candidatos ao Palácio do Planalto. Seu denominador comum é a identificação e análise dos gargalos estruturais que têm impedido o Brasil de sair do labirinto em que se encontra e a apresentação de propostas para removê-los. Evidentemente, as duas iniciativas refletem o ethosdas corporações a que seus autores pertencem. Enquanto a primeira expressa o viés estamental dos militares, especialmente do Exército, a segunda apresenta o pensamento das novas gerações de profissionais do desenvolvimento lotados num órgão de excelência da administração pública, como é o caso o BNDES.

Se o ponto comum dos dois trabalhos é a ideia de um “projeto de Nação”, mencionada expressamente no primeiro e subentendida no segundo, no restante só há divergências. A começar pelo fato de que, enquanto um trabalho prima por seu rigor técnico e sólida fundamentação, o outro é inteiramente comprometido por uma visão de mundo ideologizada e limitada — uma visão nacionalista e fortemente autoritária, que condiciona a transformação do país à “revitalização dos valores morais, éticos e do civismo”, ao fortalecimento do “sentimento de Pátria”, ao “combate à revolução cultural”, à “promoção do sentimento coletivo de Nação” e à “valorização dos vultos históricos do Brasil, sem viés ideológico, a fim de resgatar a identidade nacional”. Por isso, a distância entre as duas iniciativas é abissal.

Embora toque em pontos importantes para o desenvolvimento socioeconômico, o primeiro trabalho não só carece de objetividade, precisão técnica e propostas sofisticadas, como também não consegue deixar de lado o mantra da denúncia da “ideologização nociva”, ao mesmo tempo em que propõe como alternativa visões ingênuas, simplórias e distorcidas da realidade atual. Por exemplo, enquanto o livro dos técnicos do BNDES chama atenção para a necessidade de iniciativas voltadas à ampliação da exposição da economia brasileira à abertura do comércio internacional, o documento dos militares, explicitando o nacionalismo de cartilha de seus autores, opõe-se a um fato concreto — a globalização dos mercados de bens, serviços e finanças, acelerada após a crise do petróleo na década de 1970.

(Fabio Giambiagi e Ricardo Barbosa (orgs.): Labirinto Visto de Cima)

“O globalismo é um movimento internacionalista cujo objetivo é massificar a humanidade, progressivamente, para dominá-la; [para] determinar, dirigir e controlar tanto as relações internacionais quanto as dos cidadãos entre si”. “No centro do movimento está a Elite Financeira Mundial, ator não estatal constituído por megainvestidores, bancos transnacionais e outros entes megacapitalistas […]. O argumento central do globalismo é de que lidar com problemas cada vez mais complexos, como crises econômicas, proteção do meio ambiente, direitos humanos e outros, requer um processo centralizado de tomada de decisões em nível mundial. É comum a Elite cooptar, aliar-se ou se alinhar com potências mundiais, organismos internacionais e ONGs […]”. No Brasil, “é visível a união de esforços entre determinadas entidades nacionais e o movimento globalista, inclusive com o apoio de relevantes atores internacionais, visando a interferir nas decisões de governantes e legisladores, especialmente em pautas destinadas a conceder benesses a determinadas minorias, em detrimento da maioria da população, a exercer ingerência em nosso desenvolvimento econômico,  usando pautas ambientalistas a reboque de seus interesses e não pela necessária preservação da natureza, e a provocar crises que enfraquecem a Nação em    sua busca pelo desenvolvimento”.

Entre outras afirmações inverossímeis, o documento afirma que, em sua “face mais sofisticada”, o globalismo deflagrou o “ativismo judicial político-partidário”, levando parte do Judiciário, do Ministério Público e das Defensorias Públicas a atuarem “sob um prisma exclusivamente ideológico, reinterpretando e agredindo o arcabouço legal vigente, a começar pela Constituição brasileira”. Essa é uma posição de quem desconhece o funcionamento do Judiciário, não acompanhou as mudanças do direito contemporâneo, não sabe que a interpretação de uma lei não é uma atividade mecânica e ignora as técnicas mais elementares de hermenêutica jurídica[1].

Problema semelhante também pode ser visto no capítulo do documento relativo à educação. Os técnicos do BNDES apontam a importância de investimento em capital humano, por meio de uma reforma educacional capaz de melhorar as condições de chegada das novas gerações ao mercado de trabalho formal. Ao beneficiar jovens dos setores mais desfavorecidos da sociedade, um ensino público de qualidade reduziria desigualdades sociais gritantes, classificadas pelos autores como “uma chaga moral da sociedade” brasileira. Já o documento dos militares, entre outras platitudes, como a proposta de melhorar “as técnicas pedagógicas de emprego de recursos tecnológicos”, fala em “aperfeiçoar a formação profissional, ética e cívica dos docentes”, em “coibir a ideologização nociva do ensino” e desprezar “propósitos de ideologias de qualquer natureza”. Em que medida essa linha programática não é, ela própria, uma ideologia autoritária, avessa à pluralidade valorativa que deve nortear o sistema de ensino? No caso do ensino superior, além disso, esse pessoal se esquece de que, por princípio, a universidade não deve ser voltada apenas para a tarefa de produzir profissionais destinados a exercer tarefas específicas, limitadas pela própria especialização, nem converter a ciência em força produtiva. Pelo contrário, por ser um centro de formação, de produção do conhecimento, de geração de cultura e de liberdade de criação, com capacidade de colocara e equacionar problemas, ela deve ser livre, laica e independente. Seu papel é articular saberes, desenvolver pensamento crítico, forjar lideranças intelectuais e, acima de tudo, descortinar horizontes — em vez de encurtá-los ou até de fechá-los.

Em seu livro, os técnicos dessa ilha de racionalidade, que é o BNDES, apontam medidas para melhorar a qualidade dos gastos públicos. Entre os problemas relativos à má qualidade dos gastos públicos está a corrupção. Sobre este tema, o trabalho dos militares afirma, mais uma vez, que a maneira de combatê-la é… “coibir a pregação ideológica radical nos três níveis da educação”, reduzindo a corrupção e a improbidade na administração pública a uma simples questão ideológica. Para assegurar a retomada do crescimento, os técnicos do BNDES também propõem “uma nova construção política” com base em quatro itens: alterar a regra do teto de gastos; promover um aumento “modesto” da carga tributária; formular “uma política social inteligente e adequadamente dosada”, por meio de programas para beneficiar trabalhadores informais; e medidas de ajuste para reforçar a austeridade fiscal. Um pacto com esses objetivos só pode ser obtido por meio de amplo diálogo com todos os setores sociais, baseado nas regras democráticas e no respeito às prerrogativas do Legislativo.

Neste ponto, o documento dos militares parece avesso a esse diálogo amplo. O texto parte da premissa de que é preciso “fortalecer a democracia por meio de reformas institucionais que saneiem as disfuncionalidades do Estado, neutralizem a corrupção, o poder de ideologias radicais de qualquer natureza e valorizem o civismo”. Propõe o aperfeiçoamento dos sistemas político e jurídico, a fim de que a “a liberdade” possa ser “exercida com responsabilidade”, sem, contudo, explicitar quem é que define o que é responsabilidade. Defende a neutralização do “poder político e social das correntes de pensamento radical, sectárias, não democráticas, que dividem a Nação”. Afirma que a percepção de liberdade no país está sendo “confundida com liberalidade e sem cidadania e espírito cívico”. Diz que o “sistema jurídico” está submisso a lideranças corrompidas, motivo pelo “não garante leis iguais para todos e permite que elas sejam manipuladas por grupos poderosos”. Aponta como óbice para a democracia a “falta de lideranças atuantes e de movimentos sociais organizados que contribuam […] para que a grande maioria da população adepta da liberdade econômica com responsabilidade social e conservadora evolucionista, faça valer sua vontade e seu pensamento político”, desqualificando assim os demais movimentos sociais como interlocutores. E, de modo obsessivo, volta a tratar como problemas a “revolução cultural que vem comprometendo a coesão nacional” e o “enfraquecimento do sentimento de Pátria e de Nação, com tendência à divisão da sociedade, pela crescente submissão dos interesses da coletividade nacional aos que atendem aos anseios de grupos minoritários”.

São afirmações perigosas. De um lado, porque são retrógradas, desprezando o pluralismo do mundo contemporâneo. Se ficasse fora dessa revolução cultural, o Brasil seria um país isolado, como uma Coreia do Norte. De outro lado, porque essas afirmações justificam a tutela da sociedade por um estamento que se arvora, sem legitimidade, em uma autoridade moderadora acima das instituições democráticas. Esse pessoal se esquece de que a República brasileira é fruto de um golpe militar, origem que viciou o regime político-democrático desde seu início. Como lembra José Murilo de Carvalho, aquela “intervenção militar tornou-se um modelo, quase uma norma recorrente ao longo da República. Esta origem criou entre os militares a ideia de que eles são os pais da República. Que eles são os responsáveis pela República e herdaram o direito, como corporação, de intervir na política quando assim o desejarem”[2].

Além de uma visão de mundo da altura de um rodapé, esse é o maior problema do documento dos oriundos de uma corporação que, desde 1889, têm dificuldades para conter ao desejo de ir muito além de sua missão constitucional específica. Ele cheira a naftalina, dada sua associação ao preâmbulo dos Atos Institucionais 1, 2 e 5 da ditadura de 64, nos quais os militares se diziam autorizados a legislar em nome de uma “autêntica ordem democrática”, porém assumindo-se como instrumento de neutralização de quem fizesse oposição à “ordem revolucionária”. O problema é que, quando esse tipo de Estado define o inimigo, ele se converte em Estado totalitário. Quando um regime político quer que todos cantem pelo mesmo missal, não há democracia. Quem mudar de hino terá de sair da igreja, espontaneamente ou pela força. Nesse sentido, falta aos autores do projeto de Nação dos militares o que os técnicos do BNDES, ao entreabrirem o encontro entre o pensamento econômico e a realidade do mundo atual, têm de sobra — capacidade de compreender a história como processo, levando em conta a tensão entre continuidades e rupturas. Em seu livro, eles defendem ideias e instituições para melhorar a realidade, o que traz novos problemas — e estes, para serem enfrentados, exigem pesquisas, estudos e embates acadêmicos com atores que são expressamente desqualificados pelos autores do documento dos militares.

Essa é a distância abissal entre as duas iniciativas que recolocam na agenda a ideia de definição de um projeto de país. No limite, o documento dos militares — o estamento que almeja estar por trás do Estado e que, apesar de ser uma instituição permanente, deixa-se confundir com o atual governo, que é transitório — caminha na linha do pereat mundi, fiat ordo, sob comando deles, é claro. Já para os técnicos do BNDES está claro que economia e democracia são coisas sérias; suas propostas manifestam a consciência de que a responsabilidade política é uma via de mão dupla, tendo como marco fundamental um Estado que ouve e responde ante os poderes constituídos e os setores articulados da sociedade e que se prepara para atender às demandas e pressões da sociedade.

 

Notas:

[1] Ver, nesse sentido, meu artigo “Judicialização da política, ativismo judicial e tensões institucionais”, in Journal of Democracy, edição de novembro de 2021.

[2] Entrevista concedida ao Jornal do Brasil, publicada em 5 de novembro de 1989, p. 13.


(Publicado simultaneamente em Estado da Arte, em 03 de junho de 2022: https://estadodaarte.estadao.com.br/projeto-nacao-labirinto-cima-jef/ )

 

domingo, 5 de setembro de 2021

"O orçamento publico deveria ser a discussão mais importante em uma democracia”: Fabio Giambiagi (Conjuntura Econômica)

 O maior conhecedor das contas públicas do Brasil, conta tudo o que sabe e tudo o que você gostaria de saber sobre déficit público: 

“O orçamento publico deveria ser a discussão mais importante em uma democracia” (Giambiagi)


terça-feira, 14 de junho de 2016

A economia brasileira, por quem entende (sobretudo de gente competente) - Fabio Giambiagi

Artigo muito bom de Fabio Giambiagi sobre os condutores da política econômica, e mais especificamente sobre liderança, equipe, projeto, rumo. Enfim, coisas que não são muito frequentemente vistas no debate público brasileiro na área de economia.
Paulo Roberto de Almeida 

Os pingos nos is 
FABIO GIAMBIAGI
O GLOBO, segunda-feira, 13 de junho de 2016

Incomoda-me a postura falsamente neutra que tende a colocar no mesmo nível a gestão de governo 1995-2002 com o que aconteceu depois

Volto aqui a lidar com as questões nacionais. Não tenho procuração para defender a gestão FHC. Embora tenha exercido uma função subalterna no governo dele em 1995, seria despropositado me considerar parte da sua equipe. Feito o esclarecimento inicial, o leitor que porventura tiver acompanhado meus artigos nos últimos 20 anos sabe da minha identificação com as políticas implementadas por FHC, cujo governo defendi, sem ter me furtado na época, entretanto, a criticar a política fiscal implementada até 1998. Além disso, estou ligado, por comunhão de ideias e vínculos de amizade, a boa parte das pessoas que ocuparam posições de destaque na equipe econômica naqueles anos.

Por isso, incomoda-me a postura falsamente neutra que tende a colocar no mesmo nível a gestão de governo 1995-2002 com o que aconteceu depois. Ao dizer isto, quero ressaltar o papel que uma boa equipe, competente e honesta representa para o desempenho de um governo. Só para citar os casos mais conhecidos, vou lembrar nomes cujo espírito público, dedicação ao trabalho e qualidade técnica seriam reconhecidos em qualquer burocracia pública das mais avançadas do mundo: Malan, Gustavo Franco, Arminio Fraga, Amaury Bier, Bacha, Lara Resende, Mendonça de Barros, Pérsio Arida, Gustavo Loyola, Murilo Portugal, E. Amadeo, Eduardo Guimarães, Fabio Barbosa, Eduardo Guardia, Martus Tavares, Pedro Parente, Guilherme Dias, Reichstul, Francisco Gros, Elena Landau e os diretores do Banco Central naqueles anos fariam bonito em qualquer país. Todos se destacaram no governo FHC; todos tinham um nome profissional prévio; todos saíram da função pública sem maiores problemas quando as circunstâncias assim o requereram, dando mostras de que não tinham interesse no cargo em si — e todos voltaram à planície e continuaram se destacando nas suas respectivas áreas. Ainda que com todos os problemas de um país difícil de governar e com as tensões inerentes a qualquer grupo — administradas com maestria por FHC —, eles deram uma colaboração decisiva para vencer a hiperinflação, revezaram-se para “tocar o barco” durante oito anos, legaram um país com a economia essencialmente estabilizada — noves fora a bagunça de 2002, associada às estripulias da campanha eleitoral — e depois foram cuidar da vida, com pleno sucesso. Eles tinham o sentimento de ajudar o país, senso de pertencimento a uma equipe e cumpriram com zelo a sua missão. Eram anos em que havia liderança, equipe, projeto e rumo.

O que veio depois? Aqui é preciso fazer uma distinção. Na equipe de Lula em 2003 e nos primeiros anos, havia nomes com algumas daquelas características: Henrique Meirelles, Joaquim Levy, Marcos Lisboa, Roberto Rodrigues e a ótima equipe de diretores do Banco Central. Eles tinham dois denominadores em comum: 1) a competência; e 2) a ausência de identificação com o PT ou com as ideias por este defendidas ao longo dos 20 anos anteriores. Ou seja, não havia um vínculo com o projeto de governo. Enquanto Lula manteve esse time, as coisas funcionaram. O problema é que a política adotada naqueles anos não tinha nada a ver com o partido. Quando o PT começou a dar as cartas, em meados da década, o barco do país começou a desandar — e, quando assumiu de vez o controle, o barco naufragou. Treze anos depois, o que tínhamos no começo de 2016? Falta de liderança, de equipe, de projeto e de rumo. A ideia de que as experiências de FHC e de Lula/Dilma se igualam é um completo equívoco.

Insisto para que o leitor faça os devidos paralelos. De um lado, o que temos? Ex-autoridades que podem ir a qualquer lugar, têm seu papel reconhecido e formaram um elenco estelar de craques que honrariam qualquer equipe. E do outro? Um ex-ministro da Fazenda que teve que sair do governo duas vezes por fatos que não conseguia explicar; outro que não consegue sair para a rua sem passar por constrangimentos por ter levado o país à maior crise da sua história; uma penca de membros do “alto generalato” partidário espalhados pelas prisões do país; e o vazio mais absoluto.

Liderança, equipe, projeto, rumo. Havia no passado; deixou de haver depois. Em momentos em que o país precisa reencontrar o caminho do progresso, é bom estabelecer as diferenças. A formação da equipe de Temer, nesse sentido, dá espaço para recuperar certo otimismo.

Fabio Giambiagi é economista.

domingo, 1 de novembro de 2015

Convite Gustavo Franco-Fabio Giambiagi: 17/11 - Lançamento "Antologia da Maldade"

Sem ter tido o privilégio da leitura deste novo livro, já antecipo o prazer de uma futura leitura, e por isso não hesito em disseminar o convite para seu lançamento:

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Livro: Capitalismo, Modo de Usar - Fabio Giambiagi (disponivel)








CAPITALISMO: MODO DE USAR
Fabio Giambiagi 
Rio de Janeiro, Campus-Elsevier, 2015

Por que o Brasil precisa aprender a lidar com a melhor forma de organização econômica que o ser humano já inventou
 
Prefácio: Fernando Gabeira
Orelha: Marcelo Madureira
Contracapa: Guilherme Fiúza

Parte I – Introdução

1. 17 anos, 5 meses e 4 dias
2. O óbvio ululante
3. Por que alguns países dão certo e outros não?
4. A cultura do coitado ou “o Haiti não é aqui”

Parte II – Falha nossa

5. O analfabetismo financeiro
6. Educação para o subdesenvolvimento
7. Produtividade: tudo errado
8. Imprensa golpista? Conta outra...
9. A Venezuela é logo ali

Parte III – Capitalismo: modo de usar

10. Sucesso, essa ofensa pessoal
11. O ciclo da vida
12. Um tal Schumpeter
13. Os incentivos, sempre eles
14. Darwin e as empresas
15. Histórias e modelos
16. O nome do jogo

Capitalismo – modo de usar
Livro mostra como a luta ideológica contra o capitalismo alimenta o subdesenvolvimento do Brasil
O atoleiro político e econômico no qual o país adentrou nos últimos anos fez com que o economista Fabio Giambiagi decidisse fazer uma análise descomplicada para os leitores em geral – e não direcionada unicamente ao universo dos conhecedores do árido terreno da economia - de como o progresso futuro está rigorosamente atrelado às leis do capitalismo - com valorização da competitividade e do empreendedorismo. O desafio está, em boa medida, no alcance de uma mudança na mentalidade de grande parte da sociedade brasileira, estacionada no passado em sua desconfiança profunda do sistema capitalista e ilusão com o ideal socialista.
Em seu 26º livro “Capitalismo – Modo de usar” (editora Campus/Elsevier), a ser lançado  em  agosto, no Rio de Janeiro,  Fabio Giambiagi percorre a trajetória recente da economia do país  para  demonstrar, de forma crítica, que o Brasil tem um componente anticapitalista densamente enraizado na sociedade,  aprofundando o debate sobre como esta cultura pode explicar algumas das principais causas do subdesenvolvimento do país.
Capitalismo – Modo de usar traz no prefácio um novo olhar sobre o sistema capitalista do jornalista e antigo militante esquerdista Fernando Gabeira e, ainda, na orelha, a revelação do comediante Marcelo Madureira, que provocou o autor a escrever um livro sobre Economia acessível ao grande público. A obra guia o leitor por citações inspiradoras, revelando um hábito antigo do autor de colecionar reflexões literárias e filosóficas. Entre os vários teóricos mencionados, Giambiagi rende um tributo especial ao austríaco Joseph Schumpeter, por suas considerações acerca das inovações tecnológicas e seu papel renovador no capitalismo. O Brasil, contudo, caminha em direção contrária aos ensinamentos do prestigiado economistaalerta Fábio Giambiagi.
Com uma linguagem leve e boas pitadas de humor e ironia, Giambiagi joga luz sobre como informações manipuladas e alguns mitos perpetuam e acentuam a visão  anticapitalista no país. E denuncia como a mídia é sistematicamente acusada de “cometer crime de lesa pátria” ao questionar as convicções do Governo e noticiar a opção por uma política econômica que impede o país de progredir.  “A superação do preconceito contra o sistema capitalista é um imperativo  para o desenvolvimento do Brasil”, afirma Giambiagi, para quem a luta ideológica contra a ortodoxia econômica se traduz em um viés antiempresarial e conspira contra o progresso e a riqueza.  
Enquanto sociedades de países da Europa e dos EUA se destacam pela obsessão pela produtividade o Brasil, em contraposição, está entre os 25% menos produtivos da América Latina: a produtividade do trabalho no Brasil é de US$17.295 por trabalhador, enquanto nos EUA é de US$ 93.260 e, na Coréia do Sul, US$ 59.560. Ainda assim, o aumento  real dos ganhos dos trabalhadores  brasileiros ficou acima dos ganhos de produtividade do país entre 2003 e 2010.

 Opção pelo passado
Para ajudar o leitor a entender melhor algumas das questões acerca do tema,  Giambiagi demonstra como a cultura nacional mantém viva a noção de que a solução de todos os problemas virá dos favores estatais, ao defender uma  forte presença do Estado e bem estar social amplo. A Previdência é o maior símbolo deste equívoco, traduzida na despesa do INSS: em 1988 foi de 2,5 % do PIB, em 2015, será de quase 7,5 % do PIB - e  continuará subindo, uma vez que  o número de idosos aumentará em torno de 4% a.a. nos próximos 15 anos. “É uma  tragédia anunciada. É como se o país tivesse feito uma escolha pelo passado em detrimento das gerações futuras”.
O ponto essencial do livro é mostrar que para que uma economia tenha êxito, no mundo moderno, cabe aos governos, um papel crucial na regulação e na coordenação de certas políticas, mas a chave do dinamismo é a competição travada no campo do setor privado. As coordenadas para a correção do rumo são indicadas pelo economista. “É para os EUA que temos que olhar. É um país com uma boa base de contrato social e, no restante, o que prevalece é a competitividade”. 
Para progredir, finalmente, o Brasil precisa, de uma vez por todas, se assumir como uma economia capitalista. O papel do Governo será fundamental para liderar uma agenda de reformas. Estas requerem cinco condições: a) um bom diagnóstico; b) convicções firmes; c) energia para implementar a agenda; d) uma enorme capacidade de persuasão; e, finalmente, e) um grande poder de articulação. Se estes requisitos forem cumpridos, o país vai dar um salto.

 
O autor
FABIO GIAMBIAGI. Economista, com graduação e mestrado na UFRJ. Ex-professor da UFRJ e da PUC/RJ. Funcionário concursado do BNDES desde 1984. Ex-membro do staff do Banco Inter-Americano de Desenvolvimento (BID) em Washington. Ex-assessor do Ministério de Planejamento. Coordenador do Grupo de Acompanhamento Conjuntural do IPEA entre 2004 e 2007. Autor ou organizador de mais de vinte e cinco livros sobre Economia Brasileira. Assina uma coluna mensal no jornal Valor Econômico e outra no jornal O Globo.

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Este livro é dedicado a todos aqueles que, ao longo dos últimos anos, têm se feito – e, alguns deles, têm me feito – uma indagação angustiante: “Será que o Brasil vai dar certo?”. Os capítulos a seguir constituem uma modesta tentativa de contribuir para que a resposta a essa pergunta seja positiva.

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 “O Brasil não gosta do sistema capitalista. Os congressistas não gostam do capitalismo, os jornalistas não gostam do capitalismo, os universitários não gostam do capitalismo... O ideal, o pressuposto que está por trás das cabeças, é um regime não-capitalista e isolado, com Estado forte e bem-estar social amplo” (Fernando Henrique Cardoso, “A arte da política”).

 
Apresentação

Num dia qualquer de junho de 2013, Pedro Galindo saiu de sua residência, num bairro de classe média do Rio de Janeiro. Estava animado. Na véspera, tinha visto no noticiário a matéria sobre os tumultos e depredações que tinham acontecido no Centro da cidade e sentiu-se identificado com aquelas figuras de preto que tinha vislumbrado no meio do quebra-quebra. Aluno medíocre, passara sempre com notas baixas. Tentara a Faculdade, mas a nota que conseguiu no ENEM não lhe permitiu ingressar sequer na terceira reclassificação para o segundo semestre de uma das carreiras menos requisitadas. Assim, só lhe restou ter que arrumar trabalho. No lugar onde conseguiu um emprego como auxiliar de escritório, os R$ 1.200 que levava para casa todo final do mês não lhe permitiam grandes sonhos, ainda que fossem suficientes para levar a sua vida de saídas com amigos como ele, já que ainda morava com os pais. Na sua vida, tinha substituído o mantra de que “estudar é um saco” pelo mais atual de “o trabalho é uma merda”. Eufórico com a perspectiva dos tumultos do dia anterior se repetirem, ele tinha a secreta esperança de ser aceito naquele grupo, os tais “black blocs”. No final do dia, seria um dos mascarados que, sem camisa, invadiu o prédio da Assembléia Legislativa. Sua revolta contra o sistema tinha encontrado o canal para poder se expressar à altura do que ele sentia no fundo da sua alma. Sem se conter, tirou fotos de um caixa de banco destruído e de um carro pegando fogo e mandou para um amigo por celular, com o comentário: “Maior barato!”. Era seu dia de glória. No dia seguinte, seria preso. Favorecido pela ação de um grupo de advogados, saiu da delegacia esbravejando para a imprensa, reclamando da “brutalidade da ação da polícia, totalmente desproporcional”.

Vinte anos antes, em 1993, pertencente a uma família humilde, órfã de pai, criada pelos avôs e com a mãe trabalhando como doméstica sem carteira de trabalho há mais de trinta anos, Kátia Fernandes tinha saído da periferia de Governador Valadares, em Minas, para tentar comprovar a máxima de Eça de Queiroz, de que “a distância mais curta entre dois pontos é uma curva vadia e delirante”. Na época com dezoito anos, Kátia não andava feliz com os rumos que a sua vida estava tomando. Mesmo tendo tirado boas notas na escola, não conseguia ver muito bem o horizonte. Foi quando uma amiga lhe falou que um conhecido de Brasília, diplomata, estava precisando de uma pessoa para tomar conta do casal de gêmeos que sua esposa tinha tido duas semanas antes. Ainda que a perspectiva de seguir os passos da mãe fosse a princípio frustrante, o pagamento era bom e lá foi ela atrás do destino. Passado algum tempo, o diplomata foi enviado em missão para os EUA e propôs a ela levá-la junto para as tarefas de apoio doméstico, com passagem e tudo incluído. E “tudo incluído” era o pacote completo de residência, visto e um pagamento mensal de US$ 800, praticamente líquido, pois seus gastos seriam muito pequenos. Lá aproveitou para aprender inglês, para o qual revelou ter grande facilidade. Três anos depois, a família do diplomata foi transferida para a Alemanha – e ela foi junto. Com mais quatro anos, com uma licença especial para trabalhar, acabou contratada como secretária – nessa altura, seu alemão era muito bom – de uma Câmara de Comércio local. A saudade, porém, apertava. Tendo conhecido um brasileiro com quem se casou no exterior, acabaram voltando anos depois. Hoje, é dona de uma escola de inglês em Juiz de Fora, onde mora há alguns anos. A escola vai de vento em popa e já tem mais de 500 alunos.

Essas duas pessoas definem dois perfis diferentes de brasileiros e de país. O primeiro, ranzinza, de mal com a vida, sem nada a fazer nem a esperar dela, reclamando de tudo e de todos, joga nos demais a culpa pelo próprio infortúnio. O segundo, empreendedor, ativo, desejoso de progresso, correto, exemplar, ciente de que o que se faz na vida deve decorrer fundamentalmente do seu próprio empenho. Este livro é um pequeno tributo a esses brasileiros, mas é ao mesmo tempo o resultado da constatação de que, para que o Brasil dê um salto, é preciso aumentar – e muito – a proporção de Kátias e diminuir bastante a proporção de Pedros.

Não se está querendo com isso, evidentemente, dizer que o país tem milhões de black blocs. O que gerou a motivação para este livro é a percepção de que ainda hoje, 239 anos depois da publicação do livro de Adam Smith sobre a riqueza das Nações (uma espécie de “Bíblia” do capitalismo), 193 anos depois da nossa Declaração da Independência, 126 anos depois da proclamação da República, 85 anos depois da Revolução de 30 comandada por Getúlio (o homem que, na prática, inventou o Brasil, até então um aglomerado de Estados com escassas relações entre si) e 21 anos depois da estabilização do Plano Real, o Brasil continua sendo um país onde uma parte considerável das pessoas continua sem estar preparada e sem entender como funciona adequadamente o regime capitalista. A epígrafe deste livro, na frase de Fernando Henrique Cardoso – manifestada mais com “chapéu” de sociólogo que com o de então Presidente da República - para Armínio Fraga ao prepará-lo para a sabatina no Senado em 1999, é a mais pura expressão dessa realidade. Não haverá um futuro de prosperidade para o Brasil, sem que essa limitação seja superada.

Nossa tradição jurídica de colocar as mais diversas exigências na legislação gera, no limite, pérolas como a do Artigo 3 do Estatuto do Idoso, que reza que “é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida”. A redação deixa a família de um moribundo na difícil situação, na iminência da partida de um ser querido, de se perguntar o que significa exatamente isso. Tais fatos seriam meramente folclóricos, se não tivessem uma contrapartida importante na alocação dos recursos do país. O problema surge justamente da combinação deletéria entre a utilização cada vez maior de recursos públicos para a “garantia de direitos” e a disseminação de uma cultura que colide com o que são os princípios do bom funcionamento de uma economia capitalista.

Winston Churchill dizia que “é uma idéia socialista que lucrar é um vício. Eu considero que o vício verdadeiro é gerar prejuízo”. Essa idéia singela parece não ter sido devidamente absorvida por um contingente expressivo de brasileiros.

Tome-se o noticiário dos dias em que a decisão de fazer este livro estava sendo tomada. A simples leitura das manchetes daquelas semanas mostrava os seguintes fatos:
i)               Distúrbios em São Paulo. Um prédio - ou seja, uma propriedade privada - tinha sido invadido por membros de um coletivo de pessoas consideradas sem teto. Os proprietários tinham conseguido uma decisão judicial determinando a saída dos invasores e a reintegração de posse. Diante da recusa, a polícia, como representante da ordenação formal do país nos casos em que alguém se recusa a cumprir uma ordem judicial, foi chamada ao local, sendo recebida com pedras, coquetéis molotov e até por uma cama que foi jogada de uma janela, convertendo a rua numa praça de guerra. As manchetes dos jornais no noticiário on line foram todas referentes à “violência policial”.
ii)             Propaganda eleitoral. Nos dias da campanha presidencial de 2014, o principal partido do país, crítico da proposta de conceder autonomia operacional ao Banco Central na forma da Lei – como vigente em democracias consolidadas como os EUA, a Inglaterra, a Nova Zelândia, o Canadá e os países da Europa da zona do euro, entre outros – denunciou a iniciativa como a implantação de um “Quarto Poder”. Além disso, ele colocou no ar na TV um anúncio, onde associava a idéia ao desaparecimento da comida do prato do povo, mostrando um comercial onde a medida em que o locutor falava sobre a autonomia do Banco Central, a comida ia sumindo da mesa.
iii)            Ameaças. Em ato em defesa do petróleo, diante da crítica da candidata Marina Silva de que a exploração do mesmo seria um “mal necessário”, o MST, convertido em braço operacional de uma das candidaturas à Presidência, expressou-se de forma explícita dizendo que, se Marina ganhasse, a organização iria para a rua para promover manifestações diárias.
iv)            Propostas dos candidatos. Nas ruas e nos jornais, proliferavam as propostas dos candidatos a Deputado, com proposições como “fim do fator previdenciário” ou “contra a cobrança de pedágio”.
v)              Promessas. Na eleição para Governador do Rio de Janeiro, um dos candidatos prometia “cancelar a concessão do Maracanã”.
vi)            Adiamento do leilão da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, usina com capacidade de geração de 8 mil MW. A matéria do Globo dizia que “o componente indígena foi fundamental para o cancelamento do leilão”. No mundo da tecnologia 4G, a reportagem era ilustrada pela fotografia dos índios mandakurus, de arco e flecha, apontando para as águas que circundam o Ministério da Justiça em Brasília.

A lista seria longa. O denominador comum dessas posições é o fato de ignorarem olimpicamente as conseqüências desses atos sobre a organização econômica de um país e sobre as causas de longo prazo do desenvolvimento de uma Nação. Estas se relacionam com o aumento da produtividade, o investimento e a existência de instituições sólidas, incluindo uma gestão fiscal responsável.

A idiossincrasia local está dominada pela crença de que um mítico “projeto nacional”, com um pacote de grandes investimentos coordenados por uma central governamental, deveria conduzir o país para o ideal do Progresso. Ignora que, nas palavras de Gustavo Franco em um livro (“O Brasil tem jeito?”) publicado há anos pela Editora J. Zahar, “o investimento privado é determinado de forma descentralizada, individual. [É] um complexo processo social, uma teia de decisões interdependentes que precisa de uma atmosfera positiva, na qual horizontes precisam ser claros, a carga tributária moderada, o custo do capital razoável, a macroeconomia previsível, o marco regulatório consolidado, o mercado de capitais profundo, os investidores institucionais prestigiados, o empreendedorismo celebrado e a chance de intervenções discricionárias de autoridades de vezo redentor desprezível”.

Uma interpretação parecida de como deve ser entendido o bom funcionamento de uma economia foi exposta também pelo ex-Ministro e ex-Deputado Antonio Delfim Netto, que em artigo no Valor, no dia 16 de setembro de 2014, assim se manifestou: “Em larga medida, os mercados são o produto da cooperação natural espontânea entre os homens que possibilitou a vida em sociedade. Com eles, a divisão do trabalho aumentou a eficiência produtiva e coordenou as necessidades de cada um com a capacidade dos outros para atendê-las. Mas os mercados não são o ‘capitalismo’. O capitalismo é o velho mercado da antiguidade, somado a mais um – o mercado de trabalho – e à instituição da propriedade privada. Ele separou a sociedade em duas classes: os detentores de capital e os que lhes vendem a força de trabalho. Isso aumentou ainda mais a eficiência produtiva, mas criou dois grandes problemas: por um lado, produziu uma exagerada desigualdade de renda e, por outro, aumentou as incertezas do trabalhador com a aleatoriedade do seu emprego. É por isso que o capitalismo só funciona quando protegido por um Estado forte, constitucionalmente limitado, capaz de garantir a propriedade privada e de regulá-lo para reduzir seus inconvenientes. O capitalismo não é uma coisa: é um instante de um processo evolutivo que prossegue e vai construindo instituições que vão tornando viável a sociedade civilizada”.

Em 2007, antes da revisão das Contas Nacionais que mostrou um desempenho melhor da economia nos anos anteriores em relação aos dados que tinham sido divulgados pelo IBGE até a época, eu publiquei um livro chamado “Brasil – Raízes do atraso”, em assumida analogia com o título de “Raízes do Brasil” do mestre Buarque de Holanda. O livro tinha o subtítulo “Paternalismo vs.Produtividade” e tentava investigar onde se localizavam algumas causas profundas de nosso subdesenvolvimento. Pouco depois, o IBGE divulgou novos dados das Contas Nacionais desde 1995, mostrando, particularmente para 2006, um crescimento maior do PIB que o que até então se tinha considerado. E, como todos sabem, a economia teve um crescimento bastante acentuado no segundo Governo Lula.

Anos depois, tive a grata surpresa de ser comunicado que uma instituição financeira que escolhe todos os anos um livro para fazer uma edição de brinde para alguns dos seus principais clientes, tinha escolhido aquele meu livro para doar a esses clientes top. Fui então chamado para dar uma palestra por ocasião do lançamento dessa edição especial. Os anos Lula tinham deixado seqüelas positivas no ânimo nacional e me vi, portanto, na curiosa contingência de falar sobre um livro que tratava do atraso, em um contexto em que tudo ia bem no Brasil, aparentemente.

O mais estranho, porém, relendo o livro, é que todos os problemas para os quais ele apontava continuavam lá, intactos, no que poderíamos chamar de “Brasil profundo”. Minha palestra, consequentemente, talvez algo frustrante para a platéia que creio que estaria mais interessada em ouvir notícias boas, focou-se em: a) refletir por que o país poderia exibir bons números, apesar de ter tanta coisa que precisava ser corrigida; e b) apontar para a conclusão de que a mensagem do livro, de que o país precisava de mudanças, continuava de pé, apesar da euforia reinante.

A reforma mais importante de todas, porém, pela qual o Brasil precisa passar, é uma mudança de mentalidade. Há, na política brasileira, por uma série de razões históricas que não cabe aqui analisar, uma grande ojeriza pelos EUA. Durante sua Presidência, homenageado pela Assembléia Nacional da França no exercício do mandato, Fernando Henrique Cardoso concluiu seu discurso, para delírio da platéia de parlamentares franceses, com a exclamação “Vive la France!”, sem maiores conseqüências políticas aqui no Brasil. Pois bem, um Presidente brasileiro que fosse aos EUA e exclamasse “God save the USA” estaria politicamente morto na hora, pela péssima repercussão que tal manifestação teria por estas bandas, diante da acusação retórica de ser, supostamente, a manifestação de uma subserviência inaceitável.

E, entretanto, é para lá que deveríamos olhar. Há traços da sociedade norte-americana - como, por exemplo, certo individualismo algo exacerbado ou a cultura das armas - que, particularmente, não me agradam. Entretanto, considero que a base do contrato social dos EUA é essencialmente correta. E o que estabelece esse contrato social? Que é dever do Estado prover a seus habitantes uma boa educação e dispor de uma rede de atendimento de saúde razoável, além de procurar dar uma vida minimamente digna aos idosos. Fora isso, porém, como diria Arnaldo César Coelho, “a regra é clara”, ou seja, prevalece a competição. Os detratores chamam esse modelo de “capitalismo selvagem”, pelo fato de que é um sistema em que há ganhadores e perdedores. A analogia que cabe fazer, porém, é um pouco como no esporte: há ganhadores e perdedores, sim, mas isso é parte inerente ao sistema, da mesma forma como no Brasileirão, com 20 times, a cada ano há um único campeão, mais 3 ou 4 classificados para a Libertadores e 4 times caem para a segunda divisão.

Em contrapartida, a economia dos EUA exibe uma pujança que a levou a ter uma das maiores rendas per capita do mundo e a ser a terra de algumas das principais marcas globais e um lugar marcado pela constante inovação, além da capacidade de gerar empregos. Este livro se destina a que o Brasil do futuro se pareça mais com os EUA e se distancie do que temos visto nos últimos anos, em alguns casos; e há décadas, em outros.

Cabem, aqui, três esclarecimentos. O primeiro é que este não é um texto para economistas. Como o leitor poderá observar, praticamente não há tabelas e não há gráficos. É um texto que procura conquistar corações e mentes para os argumentos aqui defendidos, numa linguagem que o leigo possa entender perfeitamente. Economistas, evidentemente, se quiserem poderão ler estas páginas, mas elas se destinam ao público em geral e não ao público especializado. Ainda que correndo o risco de abandonar a pureza da Academia – algo que muitas vezes não é visto com bons olhos pelos meus colegas – o esforço de fazer chegar a mensagem a outro tipo de leitor justifica encarar o desafio de vencer a barreira da linguagem, para ir além das estreitas fronteiras do “economês”.

O segundo esclarecimento é que os capítulos podem ser lidos de forma independente entre si, porque eles são, de certa forma, autônomos. Há um fio condutor do relato, mas cada capítulo trata de um tema e, embora a idéia é que, ao concluir um capítulo, o leitor fique com gosto de “quero mais” e procure iniciar logo a leitura do seguinte, cada capítulo é auto-contido e pode ser lido individualmente ou mesmo fora de ordem.

Já para o terceiro esclarecimento, acerca da proliferação de citações ao longo dos capítulos, há – reconheço – leitores que podem julgar a abundância dessas “quotations” excessiva ou até, eventualmente, pedante. Gostaria (ou deveria dizer “torço”?) que o número de leitores que apreciem esses comentários espirituosos ditos por terceiros seja maior que o daqueles que não aprovam o estilo. Pessoalmente, sempre aprendo um pouco com as boas citações.

O livro está dividido em três partes e dezesseis capítulos, em alguns casos com títulos que envolvem certa “licença poética” e não explicitam de forma imediata o seu conteúdo. A primeira parte, meramente introdutória, inclui quatro capítulos. O capítulo 1 (“17 anos, 5 meses e 4 dias”) apresenta alguns traços de nossa sociedade, marcadamente paternalista. O capítulo 2 (“O óbvio ululante”) expõe certos conceitos e princípios que serão importantes no desenvolvimento da argumentação do restante do livro. O capítulo 3 (“Por que alguns países dão certo e outros não?”) tenta explicar as razões das diferenças entre os graus de desenvolvimento dos países. O capítulo 4 (“A cultura do coitado ou o Haiti não é aqui”) faz a transição para a segunda parte do livro, com título auto-explicativo.

A segunda parte do livro, com cinco capítulos, mostra por que, apesar de tantas vezes nos considerarmos vítimas de alguma conspiração alheia, os problemas que vivemos no país são de nossa própria responsabilidade. O capítulo 5 (“O analfabetismo financeiro”) aborda um dos problemas mais sérios para sermos um país mais desenvolvido: o atraso enorme da maior parte da população no entendimento dos rudimentos das finanças, algo essencial hoje em dia para poder crescer na vida. O capítulo 6 (“Educação para o subdesenvolvimento”) trata das chagas da nossa educação. O capítulo 7 (“Produtividade: tudo errado”) explica as diversas coisas equivocadas que fazemos e que geram como resultado uma baixa produtividade. O capítulo 8 (“Imprensa golpista? Conta outra...”) critica a idéia de que a imprensa seja parte de alguma conspiração. O capítulo 9 (“A Venezuela é logo ali”) mostra os perigos de insistirmos em seguir certos caminhos.

Por último, a terceira parte expõe como deve ser entendido o funcionamento do capitalismo e se compõe de sete capítulos. O capítulo 10 (“Sucesso, essa ofensa pessoal”) destaca a necessidade de o Brasil rever a forma com que encara certas características intrínsecas ao sistema. O capítulo 11 (“O ciclo da vida”) descreve como as etapas da vida do ser humano influenciam a sua capacidade de geração de poupança, como à luz disso certas decisões devem ser pensadas no processo de desenvolvimento de uma pessoa e como afetam a dinâmica econômica dos países. O capítulo 12 (“Um tal Schumpeter”) explica as idéias do famoso economista Joseph Schumpeter. O capítulo 13 (“Os incentivos, sempre eles”) destaca o papel que incentivos adequados desempenham para o bom funcionamento do sistema. O capítulo 14 (“Darwin e as empresas”) enfatiza que o nascimento e a morte de empresas são parte do dia-a-dia de uma economia capitalista. O capítulo 15 (“Histórias e modelos”) estabelece um contraste entre processos de desenvolvimento que deram certo em algumas Nações e a frustração de outras. O capítulo 16 (“O nome do jogo”) põe luzes de néon na palavra-chave para entender o livro – e o capitalismo. Essa palavra é “competição”.

Este é um livro de um autor engajado. Em carta a Roberto Fernández Retamar, em 1967, um Julio Cortazar militante das causas políticas, tratando da “situação do intelectual latino-americano contemporâneo”, revela a sua conversão, de “escritor que considerava que a realidade devia culminar em um livro”, em um “homem que considerava que os livros deveriam culminar na realidade”. Parodiando Cortazar, em que pesem as diferenças ideológicas, é justamente a tentativa de tentar influenciar a realidade, mediante a construção de uma narrativa alternativa à vigente, que orienta as páginas que o leitor lerá a seguir.

Cabe o registro de umas palavras de agradecimento, neste espaço, para Tamires Freitas, que compensou minhas deficiências flagrantes sobre o tema oferecendo uma colaboração fundamental na escolha e tratamento das fotografias que acompanham este livro.

As chamadas “revistas do coração” e até mesmo certo tipo de livros tratam de forma profunda temas inteiramente superficiais. Este livro, por contraste, busca tratar de forma ligeira, em linguagem acessível que induza o leitor a procurar por novas abordagens sobre os assuntos tratados, temas de grande profundidade, tais como:
i)Que tipo de país queremos?
ii)Que papel deveríamos esperar do Estado?
iii)Qual deve ser a inserção do Brasil na economia mundial?

Se, a partir da leitura destas páginas, o leitor se interessar pelo aprofundamento dessas questões, o livro terá alcançado seu objetivo.

Karl Popper disse certa vez que “a guerra das idéias é uma das invenções mais importantes de toda a História, porque a possibilidade de lutar com palavras constitui o fundamento de nossa civilização”. Na guerra das idéias, cabe agora utilizar a arma da palavra. Vamos então para o campo de batalha. 

O Autor 
Rio de Janeiro, março de 2015