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segunda-feira, 26 de abril de 2021

O ex-chanceler acidental pretende continuar mentindo - Fabio Zanini (FSP)

 O patético pior ministro das relações exteriores em 200 anos de história do Itamaraty não poderá mentir impunemente enquanto eu estiver atento.

Paulo Roberto de Almeida 

Após queda, Ernesto Araújo vira mártir da direita e é estimulado a se candidatar

Ex-ministro das Relações Exteriores estreita laços com olavistas e usa redes sociais para se defender

Fábio Zanini
Folha de S. Paulo, 24.abr.2021 às 23h15

SÃO PAULO- Nos pouco mais de dois anos em que esteve à frente do Itamaraty, Ernesto Araújo fez da oposição ao “globalismo” uma de suas marcas. Nas primeiras semanas depois de deixar o cargo, em 29 de março, agregou outro termo à sua lista de alvos: o “multilateralismo mágico”.

“O multilateralismo mágico é onde se diz ‘multilateralismo’ e pronto. Esse jogo não joguei”, escreveu em sua conta no Twitter, que recentemente passou de 800 mil seguidores. Já é mais popular que a de ex-colegas de governo como Onyx Lorenzoni (796 mil), Marcos Pontes (494 mil) e Ricardo Salles (461 mil).

A postagem recebeu diversos elogios de apoiadores, muitos expressando inconformismo com a saída de Ernesto do cargo, o que mostra sua crescente popularidade na base conservadora. Desde que retornou à planície do Itamaraty, após um longo processo de desgaste interno e com a opinião pública, Ernesto deu sinais de que não pretende desperdiçar o capital político que adquiriu junto à direita bolsonarista.

Passou a usar o Twitter para se defender das acusações de que teria negligenciado a compra de vacinas contra a Covid-19, principal fator que levou à sua queda. “Nunca houve uma crise de vacinas. A política externa que conduzi jamais acarretou problemas à vacinação. O que houve foi a armação de uma falsa narrativa, como parte da tentativa de extinguir a chama transformadora e popular do governo e retirar o Ministério das Relações Exteriores desse projeto”, escreveu ele, em 17 de abril.

Ernesto também retomou seu blog pessoal, o “Metapolítica”, em que escrevia posts que o cacifaram, em 2018, para ser escolhido chanceler. Em 10 de abril, publicou uma longa defesa de sua gestão.

Na última segunda-feira (19), ele foi anunciado como um dos participantes de uma superlive em homenagem ao escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo e da chamada “nova direita”.

Participaram integrantes da nata do olavismo, como o dono do canal Terça Livre, Allan dos Santos, o youtuber católico Bernardo Kuster e o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub. Ernesto, no entanto, acabou cancelando a presença na última hora, devido, diz ele, a um imprevisto.

“O Ernesto é visto como um soldado fiel. Ele fez o que precisou ser feito, trabalhou na agenda do presidente e, na hora que precisou ser sacrificado, saiu quieto”, afirma Silvio Grimaldo, diretor-executivo do jornal conservador Brasil Sem Medo e responsável por conduzir a live dos olavistas.

As circunstâncias da queda do ex-ministro, diz Grimaldo, o tornaram um mártir entre os conservadores.

“Ele é muito querido, visto como um sujeito com as ideias corretas, e uma surpresa. Ninguém conhecia o Ernesto, ele apareceu e fez a política externa que todo mundo esperava. É um conservador puro sangue.”

Outro participante da live, o empresário e influenciador digital Leandro Ruschel diz que “a base conservadora entende que Ernesto é um sujeito que foi fiel aos seus princípios e acabou caindo por conta disso”. “Infelizmente, ele acabou sendo alvo do rolo compressor da esquerda global, que não tolera a possibilidade do Brasil ser uma nação soberana, liderando um movimento conservador”, afirma Ruschel.

Entre bolsonaristas em redes sociais, o nome de Ernesto como um possível nome na eleição do ano que vem passou a ser mencionado, numa articulação que envolveria também candidaturas como as dos ministros Damares Alves (Direitos Humanos), Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), além do ex-titular da Educação Abraham Weintraub.

Ex-vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, o deputado federal Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PSL-SP) é um entusiasta da ideia. “Estamos precisando de bons senadores. Adoraria que ele saísse para senador, para pautar o impeachment dos ministros do STF [Supremo Tribunal Federal]. O Brasil ganharia muito com alguém com coragem, como o Ernesto”, afirma.

Para o deputado, o ex-chanceler foi alvo de uma conspiração capitaneada pelo PSDB. “Uma conspiração montada pelo Aécio [Neves, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara] e pelo Senado. Foi uma articulação espúria com o centrão, e as pessoas reconhecem isso”, diz.

Já Ruschel e Grimaldo avaliam que o ex-chanceler pode ser mais útil fora da política partidária. O influenciador digital vê em Ernesto um perfil de educador, o que, diz ele, "talvez ajudasse mais o movimento" caso se dedicasse a tal função. Para Grimaldo, o ex-ministro tem condições de ajudar a construir uma base conservadora sólida no país. “Hoje o movimento conservador é uma força eleitoral, mas não é uma força política. Consegue eleger candidatos, mas não consegue fazer pressão para colocar suas pautas para andar. O Ernesto, pela projeção que teve, pela clareza de ideias, tem a capacidade de pegar várias forças conservadoras no Brasil e articular debaixo de um guarda-chuva só”, afirma.

Procurado pela Folha para falar sobre sua militância conservadora e possível candidatura, o ex-ministro não respondeu ao pedido de entrevista. Ernesto está de férias até 30 de abril, lotado na Secretaria de Gestão Administrativa do Itamaraty, um posto burocrático e visto como transitório, até que o governo encontre um local adequado para ele no exterior.

Uma alternativa é o posto de representante brasileiro junto à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o clube dos países ricos, em Paris, cargo que não necessita de confirmação pelo Senado, Casa na qual o ex-ministro coleciona vários desafetos.

Segundo a legislação, Ernesto terá de se licenciar da carreira caso se candidate a cargo eletivo.

Procurada, a assessoria do Itamaraty afirmou que as manifestações políticas de Ernesto seguem o que determina a lei 11.440/06, conhecida como regime jurídico dos servidores do serviço exterior. No artigo 27, a regra afirma que manifestações públicas de servidores do ministério sobre política externa devem ter “anuência da autoridade competente”.

O Ministério das Relações Exteriores, no entanto, afirma também que a regra deve ser seguida “à luz dos preceitos constitucionais de livre manifestação do pensamento”. Ou seja, Ernesto poderá seguir tuitando, blogando e participando de lives livremente, ao menos por enquanto.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/04/apos-queda-ernesto-vira-martir-da-direita-e-e-estimulado-a-se-candidatar.shtml?utm_source=twitter&utm_medium=social&utm_campaign=comptw

quinta-feira, 8 de março de 2018

Book Review, Fabio Zanini: Euforia e Fracasso do Brasil Grande - Sean W Burges

Zanini, Fábio. Euforia e Fracasso do Brasil Grande: política externa e multinacionais brasileiras da Era Lula [Euphoria and Failure of Grand Brazil: Foreign Policies and Brazilian Multinationals] (São Paulo: Editora Contexto, 2017): pp. 224 ISBN 978-85-7244-988-5


At the heart of traditional Brazilian foreign policy thinking is the idea of ‘Brasil grandeza’ or a ‘great Brazil’. For decades this was seen as the country’s natural destiny, something that would arrive in the future. Lula’s Workers’ Party (PT) government brought a real sense that the future had arrived, that Brazil was now a major global player. To a significant extent this new status was underwritten by the outward expansion of Brazilian business into African and South American markets. While the subject of a growing scholarly and policy literature, there is little work that provides a more granular, contextualized account of the story. This is the task Zanini sets for himself.

Researched and written in a sabbatical period as Zanini moved from being foreign editor to national politics editor at the Folha de São Paulo newspaper, this book combines the easy style of travel writing with the perceptive eye of an investigative journalist. For example, the story of Brazil’s training of the Namibian navy and attempts by Petrobras to explore for oil are well known. How these companies integrated into the fabric of Namibian society, working through social networks at an elite level is less well understood. The account Zanini provides is one of clear strategic calculation by the Brazilian government and a sense of wildcat pioneer capitalism by Brazilian entrepreneurs. Zanini describes an influx of ‘mini Eikes’, taking the reader on a tour through their now abandoned offices in an attempt to search out what is going on in terms of Brazilian trade and investment in the country and other frontier markets.

Another theme Zanini takes up is that of the Brazilian corporate model, which major firms such as Odebrecht and Vale sell as being more inclusive and humane. Again, the author’s use of the travel diary style is particularly compelling in unpacking this rhetoric. In Angola, an economy dominated by Odebrecht, attention is turned to the centrality of Lula’s support and the importance of funding from Brazil’s National Bank for Economic and Social Development (BNDES). The difficulties Brazilian firms face operating in Africa are starkly highlighted, disentangling the public relations spin and pointing to an underlying business case that seeks to maximize the use of local labour to minimize project delivery cost while maintaining quality. Public good is being done because it makes financial sense. For Brazilian firms, as Zanini alludes, this sort of approach is not new and grows from the experience of many projects in the remoter parts of Brazil. It is also consistently hailed by Brazilian firms, corporate observers, and African government officials as a strength, but one that is not particularly well exploited by Brazil’s government.

The importance of the Brazilian experience for these firms remains as a subtle theme throughout the book with clearly referenced echoes of the Lava Jato corruption scandal that was taking place as Zanini researched and wrote the book. While the close relations between Odebrecht and the ruling Santos family in Angola are not deeply unpacked, neither are they minimized nor their implications discarded. Perhaps more interesting is the discussion of Vale’s coal project in the Tete province of Mozambique. The importance of government-to-government relations, particularly intermediated by Lula, in winning the concession are made clear. What is perhaps more telling is Zanini’s discussion of the mistakes Vale made when resettling people displaced by development of the mine as well as worries about land expropriations that residents in the Nacala corridor fear will take place due to the Japanese-Brazil ProSAVANA agricultural development assistance project. A history of highly integrated business-government-operations in Brazil as part of a sophisticated national industrialization and development strategy resulted in perhaps too much confidence being given by Vale to the Mozambican government to adequately address its side of the social commitments in these projects. The result was a mess, which Vale has addressed but that nevertheless threatens to damage the perception of Brazil in Mozambique and other countries. For Zanini this was a potentially costly lesson highlighting the extent to which Brazilian firms and diplomats are scrambling to learn how to play the outward engagement game.

This is perhaps the key problem Zanini highlights. Lula’s government aggressively helped major national firms expand, but failed to think through the attendant strategic risks and opportunities. Mozambique and Angola are held up as cases of risk. More ambivalent is the bi-oceanic highway through Peru. By Zanini’s assessment the highway is massively over-engineered for traffic levels that remain a distant mirage. The result for some is a boondoggle designed solely to enrich Brazilian construction companies on the back of Peruvian tax-payers. Yet, the drive Zanini takes the reader on along this road underlines the massive transformation it has had on the micro-level political economy of the region. The story is problematic and complicated, but also positive. The unanswered question is how Brasília is managing and leveraging the narrative.

To be clear, this is not a scholarly book and has no pretensions of being one. Rather, it is a sensitive journalistic record of what is taking place on the ground and a critique of the Lula administration’s lack of strategic planning as it raced to build and deepen links throughout Africa and South America. The question of corruption and the de facto privatization of Brazilian foreign policy to serve the needs of firms that now appear to have been the PT government’s paymaster is acknowledged, but as Zanini points out, much of this problematic story broke as the book was moving through the printing press. This book is thus an important contextual study for those examining Brazil’s South-South relations, the rise of Brazilian multinationals, and a good starting point for those turning to questions of corruption and presidential foreign policy strategy in the PT years.


Sean W Burges

The Australian National University

domingo, 14 de maio de 2017

Crimes economicos do lulopetismo na frente externa (Book review) - Paulo Roberto de Almeida

Minha mais recente resenha e mais recente publicação:


Crimes econômicos do lulopetismo na frente externa

Paulo Roberto de Almeida
 [Resenha de livro; publicação digital]

Fábio Zanini:
Euforia e fracasso do Brasil grande: política externa e multinacionais brasileiras na era Lula (São Paulo: Contexto, 2017, 224 p.; ISBN: 978-85-7244-988-5).

A história do Brasil, nos três primeiros lustros do século XXI, precisa ser totalmente reescrita, reelaborada e reinterpretada, à luz dos rumorosos e escabrosos casos de corrupção que vieram à tona a partir de 2014, muito embora um preview já tivesse sido oferecido ao distinto público desde 2005. Com efeito, o escândalo do Mensalão – cujo julgamento estendeu-se por sete longos anos – já tinha sido, de certa forma, uma antecipação, em menor escala, do Petrolão. Este representou, todavia, se não uma apoteose do lulopetismo mafioso, pelo menos um desfile em grande pompa dos grandes campeões da corrupção nacional, com maior sofisticação e desenvoltura na evolução da tropa de malfeitores, com um largo grau de desfaçatez e hipocrisia no enredo e, obviamente, com volumes inacreditavelmente maiores de recursos públicos e privados engajados (ops: extorquidos e desviados) nas operações até aqui registradas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. Portanto, podemos conceder-lhe nota 9,5 em vários quesitos da evolução, ficando porém atrás de certa cleptocracia eslava em função da improvisação de muitos dos figurantes e do exibicionismo caipira de alguns donos do dinheiro. Mas voltemos à nova versão da história brasileira recente.
Essa reinterpretação se imporá aos futuros historiadores. Daqui para a frente será virtualmente impossível compreender a política brasileira (estrito senso), a política econômica (lato senso), as políticas sociais, a política externa e todas as demais políticas setoriais sem que se incorpore, sem que se admita, sem que se internalize uma simples constatação de base não opinativa, mas puramente factual: entre 2003 e 2016, uma organização criminosa comandou aos destinos do país e orquestrou o mais gigantesco assalto a uma nação soberana de que se tem registro nos anais hemisféricos; exemplos africanos abundam, mas estamos falando aqui das Américas como um todo, o que não é pouco, já que quanto maior o PIB, maiores as possibilidades nessa área, mas cabe ficar claro que, quanto maior o Estado, maiores as chances para os larápios de todos os tipos.
É sintomático, a esse título, que o nome da maior companhia corruptora do hemisfério, e certamente candidata a ser a maior do mundo, figure já na ficha catalográfica deste livro do jornalista Fábio Zanini, que tem o seguinte ordenamento: 1. Brasil – Relações exteriores; 2. Empresas multinacionais – Brasil; 3. Construtora Norberto Odebrecht; 4. Brasil – Política e governo. A inclusão da construtora promíscua  numa página editorial com tal destaque é inteiramente justificada: afinal de contas, a empresa colocou o Brasil na liderança da corrupção nas Américas, no Guinness Book of Records das práticas delitivas mais exemplarmente políticas desde os tempos de Maquiavel e dos Borgia. Não é todo dia que o Brasil atrai a atenção do mundo inteiro, ainda que seja pelos piores motivos possíveis. Finalmente, a gigante americana da energia, Enron, “só” desviou algumas dezenas de bilhões de dólares de seus acionistas, mas o escândalo dos companheiros avança na casa das centenas de bilhões de dólares. Muito possivelmente, as descobertas até aqui constituem a ponta de um gigantesco iceberg, uma vez que envolveram tão somente a Petrobras, embora outros candidatos estejam “ávidos” para aparecer (como um grande banco estatal, por exemplo).
O livro em questão, aliás, tem tudo para ser um sucesso quando a caixa preta do BNDES for finalmente aberta por seus novos dirigentes, ou escancarada pela Polícia Federal, uma vez que, entre 2003 e 2015, o banco financiou quase seiscentos projetos em onze países da África e da América Latina, por um volume total equivalente a mais de US$ 14 bilhões, ou seja, quase R$ 50 bilhões (a maior parte abocanhada pela pouco discreta Odebrecht). Não por acaso, os países visitados por Zanini na preparação desta obra-reportagem integram um arco que poderia ser chamado de cordão de ouro dos grandes negócios heterodoxos (existiria algum outro nome não ofensivo?): Namíbia, Angola, Peru, Moçambique, Guiné Equatorial, ademais de diversos outros igualmente envolvidos nas operações externas do banco. Nem todos os contratos de compra de equipamentos e de serviços brasileiros por esses países implicam necessariamente a corrupção em grande estilo a que se assistiu no Mensalão e agora no Petrolão; mas todos eles implicam em perdas quase certas para o país, dado o generoso financiamento feito pelo banco, com subsídios do Tesouro às linhas de crédito assim abertas, cujos custos precisam ser cobertos pela carga fiscal sempre crescente do Brasil.
Da mesma forma, nem todo o relacionamento diplomático do Brasil com tais países, e vários outros em diversas outras regiões do mundo, está tisnado por fortes doses de corrupção como quase certamente ocorre no caso de algumas ditaduras africanas e nos ditos países “bolivarianos”. Mas o que se assistiu nos últimos anos em matéria de patifarias e de frustrações derivadas da falta de gerenciamento executivo – substituído por aventureiros vinculados aos companheiros – impressiona pelo que o Brasil e o seu povo perderam em recursos “contabilizados” no vermelho (como as imensas perdas da Petrobras, por exemplo), e mais ainda em função do famoso custo-oportunidade, ou seja, o que o Brasil deixou de ganhar pelos maus investimentos, quando não pelos “investimentos” criminosos (do tipo Pasadena e outros). O livro de Zanini não trata de todos os casos, mas a coleção de “causos” relatados vai realmente, como diz o título, da euforia ao fracasso.
Na Namíbia, por exemplo, a Petrobras resolveu “acabar com a brincadeira” em 2013, “uma brincadeira cara que já havia custado ao menos US$ 100 milhões aos contribuintes brasileiros” (p. 71). Os negócios de petróleo na Namíbia foram incluídos “junto de licenças no Benim, Gabão, Nigéria e Tanzânia numa negociação com o banco BTG Pactual, que desembolsou US$ 1,5 bilhão por elas – valor considerado baixo por alguns analistas de mercado, mas defendido pela Petrobras como a melhor opção naquele momento” (p, 71). Como ocorreu provavelmente no caso da famosa refinaria Pasadena – mas numa operação com valores para cima, e não para baixo, como na África – o menos importante, para a Petrobras de seu então presidente e para a então “presidenta” do Conselho de Administração, não eram exatamente a refinaria ou os campos de petróleo quanto as operações financeiras em si, permitindo liberar milhões de dólares, num sentido ou noutro (ou seja, compra ou venda), sem qualquer controle dos órgãos nacionais pois que transacionados em circuitos financeiros do exterior. Isso não figura no livro de Fábio Zanini, mas posso apostar – sem sequer conhecer os meandros dessas negociações envolvendo centenas de milhões de dólares – que os objetivos visados eram bem mais financeiros do que propriamente operacionais.
Essa característica básica dos negócios multinacionais companheiros aparece em segundo plano em praticamente todas as histórias coletadas pelo jornalista, e aqui se trata bem menos de política externa – ainda que ele cite muitos telegramas confidenciais do Itamaraty – e bem mais de operações financeiras externas, nas quais o Ministério das Relações Exteriores tem um papel equivalente ao de Pilatos no Credo: é mencionado mas não tem absolutamente nada a ver com as patifarias a elas subjacentes. O cenário geral do livro é, obviamente, a tal de “projeção externa” do Brasil, que efetivamente cresceu de maneira até desmesurada na era Lula – dezenas de novas embaixadas em países inexpressivos – mas o fulcro real não é tanto a política externa ou as grandes multinacionais brasileiras do subtítulo, quanto os negócios em si, a ponto de podermos afirmar que essa “projeção” é um subproduto, uma espécie de “side effect” da meta real: a realização de negócios bilionários, para a maior gloria (financeira) dos capitalistas e da nova burguesia do capital alheia, os companheiros mafiosos capitaneados pelo chefão inescrupuloso. Este, com suas palestras virtuais, foi o menino-propaganda da gigantesca Odebrecht, ambos dedicados a fazer milhões às custas do Tesouro, e em última instância do povo brasileiro, mas com perdas adicionais também para os povos “atingidos” e despojados pelos miríficos projetos ativamente promovidos pelo maior ladrão da política brasileira, nunca antes visto em nossa história.
O caso da Namíbia, meticulosamente examinado por Fábio Zanini, talvez se aplique como lição geral a partir desse “fracasso do Brasil Grande” propagandeado por Lula, como já tinha ocorrido aliás na era militar, quando os generais alimentavam o sonho do Brasil “grande potência”, e nos levaram à derrocada financeira nos anos 1980:
O espalhafato e a megalomania de empreendedores excêntricos, a promessa de lucro fácil, a falta de planejamento e o tráfico de influência sobrepõem-se, antes da derrocada final, em que os grandes prejudicados são os países receptores, que mais uma vez se veem usados. (p. 72)

Na verdade, os brasileiros – nós, os contribuintes – fomos tão usados quanto os países visados nas caravanas da corrupção lideradas por Lula e pelos dirigentes da Odebrecht e das demais construtoras, companhias que são geneticamente corruptas em quaisquer países e em quaisquer circunstâncias, mas que no Brasil dos companheiros encontraram terreno fértil e a mais perfeita associação delitiva para ampliar os negócios numa extensão nunca antes vista neste ou em qualquer outro país. Nada escapava à sanha delinquencial das companhias e dos companheiros: tudo era motivo para um superfaturamento aqui, um aditivo orçamentário ali, uma comissão paga antes, durante e depois dos contratos, com caixa dois ou sem ele, nos momentos eleitorais ou em qualquer tempo e lugar, nenhuma oportunidade de desvio, de falcatrua, de roubalheira, de extorsão e de pagamentos em cash ou via doleiros e banqueiros cúmplices, tudo isso se praticou em larga escala durante os anos lulopetistas de governos criminosos.
O capítulo sobre Angola está todo resumido em seu início:
No país africano, a Odebrecht, impulsionada pelo dinheiro público brasileiro, ajuda a sustentar uma ditadura que está no poder há quase quatro décadas. (p. 75)

O “quartel general” da multinacional brasileira – que dizem ser a verdadeira embaixada do Brasil em Angola – fica num Business Park cercado, ao lado de um luxuoso shopping, também construído pela companhia. Uma especialista britânica resume também o sentido das “concorrências públicas” feitas pelas autoridades de Angola para alguns grandes projetos de infraestrutura no país: “Em Angola até existem licitações, mas nem sempre para a Odebrecht” (p. 78). Um desses projetos, a usina hidrelétrica de Laúca, sobre o rio Kwanza, saiu caro: US$ 4 bilhões. “E para que essa conta fosse paga, veio uma ajudinha do Brasil” (idem). Lula, já ex-presidente, visitou o país em maio de 2014, e cobrou o seu cachê habitual da Odebrecht: US$ 200 mil. Todos os personagens dessa história, inclusive o marqueteiro João Santana, à exclusão dos angolanos, já foram enquadrados por tráfico de influência.
Cabe, assim, ter consciência de que a Lava Jato é apenas uma pequena parte da gigantesca máquina de corrupção criada pessoalmente por Lula e pelos companheiros do partido neobolchevique (pelos métodos, não pelos objetivos, uma vez que eles não pretendem enterrar o capitalismo, apenas viver à sua sombra e proteção). Ao longo dos diversos casos e capítulos narrados de forma fluente por Zanini é possível fazer essa junção de interesses que tem menos a ver com a política externa brasileira ou com a sua diplomacia profissional – muitas vezes mantida à margem desses negócios obscuros – e mais com a ambição desmedida de capitalistas e burgueses do capital alheio, todos eles promíscuos, incrivelmente corruptos, numa extensão que está sendo recém desvendada pelas delações premiadas de muitos executivos e de alguns apparatchiks menos fieis.
Mas o livro representa também apenas um aspecto menor, o da interface externa, da Grande Destruição perpetrada pelos companheiros nos campos econômico, político e sobretudo moral, no próprio Brasil. A maior recessão da história econômica do país,  causada pela inépcia administrativa e pela imensa teia de corrupção que agora perpassa todas as instâncias do poder público e largos estratos do setor privado, dificilmente será superada antes de o Brasil comemorar melancolicamente seus primeiros dois séculos de vida independente, com uma renda per capita equivalente ao de uma década atrás. No campo da política externa, o lulopetismo diplomático representou uma tremenda perda de credibilidade para o próprio país, uma vez que os companheiros se aliaram a algumas das ditaduras mais execráveis do planeta – questão apenas parcialmente tratada no livro, pelo lado de algumas ditaduras africanas – e aproveitaram dessa “peculiaridade” para fazer lucrativos negócios, em todas as esferas possíveis, sem qualquer restrição mental quanto a direitos humanos e democracia, valores e princípios que figuram em nossa carta constitucional e que aparentemente deveriam guiar nossa diplomacia.
As relações do Brasil com os países ditos bolivarianos e com a ditadura dos irmãos Castro em Cuba não são tratadas, a despeito de elas também envolverem os generosos financiamentos dos bancos estatais brasileiros e operações com algumas grandes empresas estatais e privadas, entre estas inevitavelmente a Odebrecht. Mas o livro menciona, ao final, o triste caso da Guiné Equatorial, cujo ditador, o campeão da longevidade política no continente, se relacionou de maneira exemplar com o chefe da organização criminosa que infelicitou e empobreceu o Brasil, e que também retirou algo do brilho profissional de sua diplomacia. Ao considerar o “interesse estratégico” do Brasil no pequeno país africano, Zanini aponta a contradição nesse relacionamento estimulado pelos companheiros com determinados valores de nossa diplomacia:
O desempenho da Guiné Equatorial na área de direitos e o fato de ser uma ditadura virtualmente de partido único, com um dos presidentes há mais tempo no cargo em todo o planeta, em nenhum momento fizeram parte dessas considerações estratégicas [do governo Lula]. (p. 217)

O livro não tem conclusões ou argumentos finais, o que nos obriga a retornar à sua introdução para registrar a avaliação geral do autor sobre o sentido profundo do regime lulopetista para o Brasil, inclusive em suas conexões externas:
O financiamento público a obras de infraestrutura no exterior tinha elementos de tráfico de influência ou, pior, foram azeitados pelo pagamento de propina, como revelaram operações de combate à corrupção, sobretudo a Lava Jato. O caixa do PT foi engordado por doações de empresas beneficiadas por esse expansionismo desmedido.
A promiscuidade entre o novo governo brasileiro [de Lula] e novos parceiros estratégicos em países como Angola, Peru e Moçambique, tornou-se clara. Talvez nada simbolize melhor essa nociva simbiose do que o publicitário petista João Santana em países como Venezuela, Angola e República Dominicana, recebendo ilegalmente por campanhas presidenciais via depósitos clandestinos da Odebrecht, a empreiteira símbolo da era Lula. (p. 10-11)

O livro, em acordo com a profissão do autor, é uma grande matéria jornalística, mas alimentada por telegramas de chancelaria e documentos pouco usados nesse tipo de produção mais conjuntural do que analítica. Tal característica não diminui em nada o poder de suas revelações e evidências sobre a promiscuidade instalada no Brasil nos anos do lulopetismo entre, de um lado, os donos do dinheiro e, de outro, os senhores dos votos, e seus estarrecedores efeitos no plano da institucionalidade política e no que se refere à extremamente baixa qualidade de suas políticas econômicas, atingindo inclusive a política externa, normalmente deixada à margem desse tipo de contaminação nos governos e regimes anteriores. O lulopetismo pode ter sido uma simples “doença de pele”, ao ter atingido o tecido da política brasileira – nesse caso diferente do peronismo, que atingiu fundo os organismos internos do sistema político argentino – e pode, talvez, ser superado com alguma regeneração política auxiliada pelo bisturi de condenações judiciais e pela sanção dos votos em próximas eleições. Mas, como o peronismo, mesmo não possuindo nenhuma doutrina mais elaborada ao estilo do “justicialismo”, ele se baseia nos instintos corporativos latentes em ambas as sociedades, em sua extração ibérica patrimonialista, e já pode ter cristalizado bastiões muito poderosos de uma “república sindical” de caráter mais permanente, inclusive alimentada por subsídios oficiais e por uma legislação propensa a esse tipo de organização semifascista. Nesse caso, sua superação, ou extirpação do sistema político brasileiro será mais difícil e mais longeva. Esperemos, contudo, que o lulopetismo seja apenas um peronismo de botequim, suscetível de ser eliminado uma vez passada a embriaguez temporária e a cegueira momentânea.

O livro, em acordo com a profissão do autor, é uma grande matéria jornalística, mas alimentada por telegramas de chancelaria e documentos pouco usados nesse tipo de produção mais conjuntural do que analítica. Tal característica não diminui em nada o poder de suas revelações e evidências sobre a promiscuidade instalada no Brasil nos anos do lulopetismo entre, de um lado, os donos do dinheiro e, de outro, os senhores dos votos, e seus estarrecedores efeitos no plano da institucionalidade política e no que se refere à extremamente baixa qualidade de suas políticas econômicas, atingindo inclusive a política externa, normalmente deixada à margem desse tipo de contaminação nos governos e regimes anteriores. O lulopetismo pode ter sido uma simples “doença de pele”, ao ter atingido o tecido da política brasileira – nesse caso diferente do peronismo, que atingiu fundo os organismos internos do sistema político argentino – e pode, talvez, ser superado com alguma regeneração política auxiliada pelo bisturi de condenações judiciais e pela sanção dos votos em próximas eleições. Mas, como o peronismo, mesmo não possuindo nenhuma doutrina mais elaborada ao estilo do “justicialismo”, ele se baseia nos instintos corporativos latentes em ambas as sociedades, em sua extração ibérica patrimonialista, e já pode ter cristalizado bastiões muito poderosos de uma “república sindical” de caráter mais permanente, inclusive alimentada por subsídios oficiais e por uma legislação propensa a esse tipo de organização semifascista. Nesse caso, sua superação, ou extirpação do sistema político brasileiro será mais difícil e mais longeva. Esperemos, contudo, que o lulopetismo seja apenas um peronismo de botequim, suscetível de ser eliminado uma vez passada a embriaguez temporária e a cegueira momentânea.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 13 de maio de 2017


quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

O fracasso da politica externa lulopetista - Fabio Zanini (Contexto)

O livro ainda não está disponível, mas já estou encomendando...


EUFORIA E FRACASSO DO BRASIL GRANDE

política externa e multinacionais brasileiras da Era Lula

Autor: Fábio Zanini
São Paulo: Editora Contexto, 2017; R$ 39,00
  • ISBN 978-85-7244-988-5
  • Formato 16 x 23
  • Peso 0.500 kg
  • Acabamento Brochura
  • Páginas 224
  •  
  • Leia um trecho: 
  • http://editoracontexto.com.br/downloads/dl/file/id/1828/euforia_e_fracasso_do_brasil_grande_leia_um_trecho.pdf 
  •  
  • Na era Lula, quase 50 novas embaixadas foram abertas.
    O projeto de poder do presidente no exterior incluiu também empreendedores e aproveitadores na construção civil, no agronegócio e no setor petrolífero. Para tanto, o dinheiro público rolou solto: entre 2003 e 2015, o BNDES liberou US$ 14 bilhões para 575 projetos no exterior, em 11 países da África e América Latina.
    Uma década depois da eleição de Lula, as rachaduras causadas por essa euforia desmedida se tornaram evidentes.
    O financiamento público a obras de infraestrutura no exterior passou a ser investigado por integrar um esquema de tráfico de influência e pagamento de propina. E o Brasil ainda ganhou fama de imperialista. É essa história de euforia e fracasso que o experiente jornalista Fábio Zanini nos conta. 
  •  
  • Video com entrevista do autor: 
  • https://editoracontexto.com.br/euforia-e-fracasso-do-brasil-grande.html?euforia%20e%20fracasso  
  •