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sábado, 13 de abril de 2019

Governo Bolsonaro: entre o mediocre e o desastroso - seminário IBRE-FGV/Estadao


Realmente preocupante que o governo, com pouco mais de 3 meses, já esteja sendo classificado entre o medíocre e o desastroso.
Paulo Roberto de Almeida


Mediocridade estável ou ruptura?
Fernando Dantas 
O Estado de S. Paulo, 12 de abril de 2019 | 21h37

No seminário “100 dias do governo Bolsonaro”, realização conjunta do FGV/Ibre e Grupo Estado, predominou uma visão bastante sombria sobre as perspectivas do Brasil no mandato do atual presidente.
O seminário “100 dias do governo Bolsonaro”, realização conjunta do Grupo Estado e FGV/Ibre, não foi exatamente animador para a plateia que acorreu nesta sexta-feira (12/4) ao auditório do Centro Cultural da FGV, no Rio, para ouvir a análise de especialistas do Ibre e outros convidados. A mediação dos debates ficou a cargo dos jornalistas do Grupo Estado Celso Ming e Adriana Fernandes.
Talvez, para mostrar de forma mais clara o pessimismo predominante, seja preferível começar pelos pontos positivos do governo até agora apontados pelos participantes – e em seguida indicar como o lado negativo sobrepuja amplamente os primeiros.
Assim, verificou-se quase consenso entre os debatedores, a partir do diagnóstico inicial de Armando Castelar, do Ibre, de que houve uma surpresa positiva em relação a Paulo Guedes e sua equipe econômica, que se revelaram mais competentes e disciplinados do que se entrevia no fragor da campanha.
Uma área também considerada satisfatória – embora bem aquém do prometido – foi a de concessões e privatizações. De fato, como notou Manoel Pires (Ibre), não havia a menor chance de privatizar R$ 1 trilhão no primeiro ano, como prometido. Mas houve avanços nas concessões e não foi nessa seara que o governo tropeçou nos seus 100 primeiros dias.
A reforma da Previdência, um copo meio cheio e meio vazio, é um bom tópico para passar dos acertos para os muitos erros e problemas acumulados por Bolsonaro neste início de governo.
Houve consenso no seminário na previsão de que o Congresso aprovará uma versão substancialmente desidratada do projeto enviado pelo governo, e que a aprovação final tomará bem mais tempo do que gostaria a equipe econômica – talvez em torno de um ano, na visão de Pires.
Alguns debatedores, como Bruno Ottoni (Ibre), opinaram que teria sido melhor tentar aprovar rapidamente, no início do governo, o projeto de Temer que já tinha passado na Comissão Especial da Câmara.
O raciocínio é que o nível de desidratação da proposta de Bolsonaro – que na forma original visa economia fiscal de R$ 1,1 trilhão em dez anos – acabará levando o ganho para perto dos mesmos R$ 600 bilhões do projeto de Temer aprovada na comissão.
Então, para que perder tempo? Esta é uma pergunta relevante dado que, como notou Silvia Matos (Ibre), a onda de otimismo com a eleição de Bolsonaro no final do ano passado se esvaziou.
Os prognósticos de crescimento do PIB em 2019 saíram de 2,5% para 2%, e têm cara de estar rumando para 1,5%. Castelar notou que o momento em que as projeções começam a cair fortemente do patamar de 2,5% coincidiu com a recente briga entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Um sinal de que a incerteza sobre a Previdência – e, consequentemente, sobre o futuro da solvência pública – está pesando na confiança de investidores e consumidores, e freando a já combalida recuperação econômica. Nesse sentido, a perspectiva de que a aprovação vai demorar, sem que saiba qual o teor de desidratação da versão final, deve prolongar incertezas e machucar ainda mais a economia.
Isto, por sua vez, tende a piorar a popularidade de Bolsonaro, que caiu muito rapidamente e já está num nível bastante baixo para um presidente que supostamente estaria gozando da sua lua de mel com o eleitorado.
O que nos leva à política, a área em que o quase consenso do debate foi de que as coisas estão indo muito, muito mal.
Tanto Carlos Pereira quanto Octavio Amorim Neto, ambos cientistas políticos da Ebape, consideram um erro gravíssimo de Bolsonaro ignorar as regras do jogo do presidencialismo de coalização e tentar governar sem uma base estável no Congresso.
Para Pereira, é grande insensatez demonizar o que considera como “moedas de troca legítimas” do presidencialismo multipartidário na relação entre Legislativo e Executivo: distribuição, proporcional ao peso dos partidos na base, de cargos no Ministério e na burocracia federal; e liberação de emendas orçamentárias de interesse local para os parlamentares da base. Bolsonaro nem base montou.
Discutiu-se, no encontro, sobre como o Congresso pode estar ocupando o vácuo deixado pela não participação do governo na “velha política”, com a emenda – aprovada em tempo relâmpago nas duas Casas – do Orçamento impositivo (e como isto acaba com uma das “moedas de troca”).
E cogitou-se que Bolsonaro talvez esteja conseguindo, de fato, jogar um pouco sobre o Congresso a responsabilidade pela aprovação da Previdência, mas numa estratégia temerária, já que ao fim e ao cabo é o Executivo que acaba recebendo a conta de perda de popularidade se a economia vai mal.
Neste ponto, Roberto Fendt, secretário-executivo do Conselho Empresarial Brasil China – e único dos debatedores com uma visão menos pessimista – sustentou que Bolsonaro estaria efetivamente, e com razão, forçando o Congresso a assumir também sua parte de responsabilidade pela gestão do País. Mas foi uma posição isolada no debate.
Pereira notou que a literatura de ciência política mostra que presidentes populistas como Bolsonaro são bem-sucedidos apenas no início de mandato em emparedar o Congresso, com apelos plebiscitários à população, para conseguir a aprovação de suas medidas. O mais grave neste início de governo para o pesquisador, no entanto, é que nem esse poder inicial Bolsonaro parece ter conseguido. O capital político derrete sem nenhuma vitória com a estratégia plebiscitária.

O Velho e o Mar
Já Amorim Neto foi muito feliz ao usar como metáfora o conto “O Velho e o Mar”, de Hemingway, para definir o que seria uma suposta “vitória” de Bolsonaro na reforma da Previdência e na agenda liberal, com a estratégia de formar maiorias no varejo a cada votação no Congresso. Nesse caso, os parlamentares ficam livres para “encarecer” os seus votos à cada nova rodada.
“O governo vai lutar muito para pescar o Marlim, mas quando o barco voltar a porto só vai chegar o esqueleto, porque os tubarões de sempre terão, de naco em naco, devorado toda a carne”, disse o cientista político.
Os “tubarões” são uma óbvia referência aos grupos de pressão que lutam para manter seus privilégios no âmbito das mudanças na Previdência e outras medidas de teor liberal (como o combate aos subsídios).
Mas se, de fato, o pessimismo predominante no seminário se confirmar, onde vai desembocar o governo Bolsonaro?
Para Pessôa, vai dar numa mediocridade com baixo crescimento, mas sem “ruptura”, porque há quatro importantes amortecedores: grandes reservas internacionais (com posição líquida em dólares do setor público), baixos juros e inflação, a provável aprovação de uma reforma da Previdência (ainda que muito desidratada) e a emenda do teto dos gastos.
Veloso, no entanto, contrapôs que a previsão de mediocridade estável de Pessôa está olhando apenas o mercado. Na opinião de Veloso, um eventual (e bastante possível) fiasco do governo Bolsonaro, numa situação de penúria econômica e grandes tensões sociais, tem boas chances de levar a um desfecho desastroso. Pessôa concordou que sua visão de estabilidade olhava fundamentalmente para o mercado, e não para a sociedade.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 12/4/19, sexta-feira.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Politica economica: onde foram parar os keynesianos de botequim? - Fernando Dantas

Para onde foi a política “anticíclica”?
Fernando Dantas
O Estado de S. Paulo, 14/02/2014

Um dos motivos de orgulho das equipes econômicas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da atual presidente, Dilma Rousseff, é que, diferentemente do que ocorreu nas crises econômicas da era tucana, o Brasil enfrentou a turbulência de 2008 e 2009 com medidas anticíclicas, isto é, pró-crescimento.

Recentemente, em entrevista a esta coluna, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que ortodoxos e heterodoxos compartilham hoje da adesão à responsabilidade fiscal e monetária, mas com a diferença de que os primeiros não acreditam em política anticíclica. Deu como exemplo os países da periferia do euro, acossados por anos de recessão e altíssimo desemprego no período pós-crise, e que são obrigados a cumprir condicionalidades pró-cíclicas (que agravam o quadro), como a austeridade fiscal.

A este colunista sempre pareceu que política anticíclica não é para quem quer, mas sim para quem pode. Em outras palavras, quando países se veem forçados a apertar o cinto fiscal e monetário em plena crise, eles o fazem porque a alternativa contrária pode colocar em risco a solvência soberana, levando a desvalorizações agudas (inevitavelmente acompanhadas de altas de juros) cujo efeito danoso à atividade econômica sobrepuja qualquer impulso anticíclico.

Não por acaso, hoje o Brasil e outros emergentes fragilizados estão sendo obrigados a seguir o roteiro tradicional e vilipendiado das políticas pró-cíclicas em plena crise: aperto monetário e, dependendo das condições políticas de cada um, fiscal. Aliás, o presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, vem apresentando como argumento a favor da resistência do Brasil à atual turbulência justamente o fato de o País estar reagindo da forma “clássica”, no âmbito da qual ele destaca o ciclo antecipado (em relação à piora externa) de alta da Selic, de 3,25 pontos percentuais desde abril do ano passado.

Uma possível razão pela qual o Brasil reagiu de forma anticíclica à crise de 2008 e 2009 (com redução de juros e expansionismo fiscal) e agora se vê forçado a tomar medidas pró-cíclicas ante a turbulência de 2014 é que políticas econômicas ortodoxas  preparam melhor uma economia para os eventuais momentos em que é útil agir de forma keynesiana ou heterodoxa.

Assim, em 2008 e 2009, mesmo já com alguma mudança do padrão de política econômica que vigorou entre 1999 e 2006, o Brasil contava com um capital de ortodoxia do período que vai do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso à saída de Antônio Palocci do Ministério da Fazenda, como observa o economista Edward Amadeo, da gestora Gávea, no Rio.

A inflação ficou abaixo do centro da meta, de 4,5%, em 2006 e 2007, embora tivesse subido em 2008 (fechou em 5,9%), o que levou inclusive ao muito criticado retardamento do início da queda da Selic no período posterior à quebra do Lehman Brothers.

Na área externa, houve pequeno saldo positivo em conta corrente em 2007, que evoluiu para déficit em 2008, mas ainda confortavelmente abaixo de 2% do PIB. Já na área fiscal, vinha-se de uma fieira de anos de superávits primários acima de 3% do PIB, sem malabarismo contábeis, e as preocupações sobre a solvência brasileira haviam desaparecido do radar. O PIB, finalmente, crescera a uma média de 5% em 2006 e 2007.

A situação em 2014 é bem diferente, com o crescimento rateando em torno de 2%, vários anos de inflação consideravelmente acima da meta, déficit em conta corrente que chegou a 3,6% do PIB no ano passado e a volta do fantasma da desconfiança dos investidores internacionais sobre a sustentabilidade da política fiscal.

Não surpreende, portanto, que, desta vez, ninguém cogite de mais medidas anticíclicas, e o BC se contorça entre uma inflação potencialmente pressionada pela desvalorização cambial e perspectivas de atividade econômica cada vez mais desanimadoras.

É verdade que, em 2008 e 2009, o choque mundial na demanda criou um ambiente propício para políticas anticíclicas que foi aproveitado por boa parte das economias globalmente relevantes. O caso dos países da periferia do euro no pós-crise foi, na realidade, uma situação muito peculiar, ligada diretamente à carapaça cambial provocada pela adesão à moeda única.

Um outro aspecto digno de nota é que as medidas anticíclicas de países como o Brasil combinaram-se com um ambiente particularmente favorável a muitos emergentes no pós-crise, com a continuidade do supercrescimento chinês puxando o preço de commodities e a estagnação do mundo rico ampliando a liquidez e derrubando os juros internacionais.

Assim, houve fortes efeitos de bem-estar culminando em 2010, no caso brasileiro, que sublinharam para a equipe econômica o suposto acerto da heterodoxia de 2008 em diante, levando talvez ao momento culminante da húbris governamental.


Como nota Amadeo, países que mantiveram políticas econômicas mais ortodoxas durante os anos de vacas gordas, como Chile, Coreia e Austrália, estão navegando melhor a atual turbulência. A Coreia, por apresentar superávit em conta corrente, nem ao menos sofreu com a onda de desvalorização. Chile e Austrália, por sua vez, segundo o economista, toleraram mais a apreciação do câmbio na fase do boom e mantiveram a inflação mais controlada, de forma que a atual depreciação é quase bem-vinda.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Politica comercial e industrial do PT: uma analise correta de economistas e uma materia distorcida de jornalista

Leiam a matéria abaixo, mas aviso que é melhor buscar a fonte original do relatório do CINDES.
Os economistas, descritos como tendo um viés oposicionista pelo jornalista, são o contrário disso. Eles são a FAVOR do Brasil.
Quem está CONTRA O BRASIL É A POLÍTICA DELIRANTE DO PT.
Isto é tão evidente que nem precisaria corrigir o jornalista para ele perceber que o que escreveu é completamente equivocado: basta olhar os números, os indicadores, os critérios de comparação internacional para ver que a política esquizofrênica do PT prejudicou o Brasil, levou-nos a déficits constantes e a perdas para a indústria e o comércio exterior.
Ele continua equivocado ao escrever que "os autores chamam de “isolamento do Brasil em relação aos movimentos de integração nas cadeias produtivas globais”", pois é evidente que isso ocorreu, basta verificar os resultados do stalinismo industrial do governo. Os números desmentem o jornalista, que deveria ter vergonha do que escreveu.
Ou seja, melhor esquecer a matéria abaixo e ler o relatório no site do Cindes: http://www.cindesbrasil.org/
Paulo Roberto de Almeida

Uma visão crítica da política industrial e comercial do PT
Fernando Dantas
O Estado de S. Paulo (Blog Fernando Dantas), 2/12/2013

O Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes) acaba de publicar um relatório extremamente crítico à política industrial e comercial na era petista, à qual os autores atribuem a atual “estagflação”.

A análise é nitidamente oposicionista, e o grupo de trabalho por detrás do documento teve origem num seminário organizado pelo Instituto Teotônio Vilela (ITV), ligado ao PSDB. Na introdução, está escrito que a motivação foi a “percepção de que os resultados dessas políticas nos governos do PT são medíocres: a taxa de investimento da indústria não tem aumentado, sua capacidade de inovação não tem avançado e o Brasil continua a perder posições nos rankings internacionais de competitividade”.

O grupo é composto pelos economistas Edmar Bacha, José Tavares, Lia Valls Pereira, Pedro da Motta Veiga, Regis Bonelli e Sandra Polônia Rios.

Apesar do assumido viés, o relatório é rico de informações e apresenta uma visão crítica das ações do PT do governo que pode repercutir na campanha eleitoral do próximo ano.

Na primeira parte, é descrito o movimento de mudança na política comercial brasileira na fase de abertura iniciada no final dos anos 80, com a extinção da Cacex em 1990, os compromissos de consolidação tarifária assumidos pelo Brasil no GATT, as reduções tarifárias unilaterais no governo Collor, a criação do Mercosul e as negociações da Alca e do Mercosul com a União Europeia. O documento observa que a tarifa média nominal de importações brasileira caiu de 57,5% em 1987 para 32,1% em 1989 e 11,2% em 1994.

O documento nota que essa fase está longe de ter sido de abertura sem ambiguidades. Manteve-se a hegemonia dos interesses de setores que concorriam com as importações, criaram-se sistemas de incentivos a segmentos altamente protegidos, como o regime automotivo, e o Mercosul já apresentava problemas de perda de dinamismo no final da década de 90.

Mas o que os autores chamam de “isolamento do Brasil em relação aos movimentos de integração nas cadeias produtivas globais” ganha novo fôlego a partir do primeiro governo Lula, que o documento considera que trouxe de volta o nacional-desenvolvimentismo.

O relatório nota que Lula, na política comercial, torpedeou as negociações da Alca, reduziu a prioridade das negociações com a UE e privilegiou as iniciativas “Sul-Sul”, isto é, com outras economias emergentes. Mas, para o grupo, o resultado foi o esvaziamento da agenda comercial e a irrelevância dos acordos que o Brasil efetivamente conseguiu firmar. Assim, há “acordos de livre comércio com três parceiros pouco relevantes – Egito, Israel e Palestina – e acordos irrelevantes de alcance parcial com dois parceiros potencialmente muito relevantes – Índia e África do Sul”.

Na área de política industrial, o relatório menciona diversas iniciativas do governo Lula, como a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Pitce), de 2004; o Programa de Desenvolvimento da Produção (PDP), de 2008; e o reforço do BNDES (por meio dos empréstimos do Tesouro), que tentou a política de consolidação de “campeões” nacionais e o aumento da taxa de investimento da economia.

O grupo conclui que quase nenhum objetivo do governo foi cumprido, já que a taxa de investimentos não cresceu, não houve aumento de investimento em pesquisa nem do número de empresas exportadoras, o BNDES renunciou à política dos campeões e os empréstimos do Tesouro ainda legaram ao País um aumento expressivo da dívida bruta. As exportações brasileiras cresceram como proporção das mundiais, mas o relatório atribui isto mais “aos aumentos exógenos dos preços de exportação” do que ao “resultado das ações de política econômica”.

O grupo de economistas observa que houve uma multiplicação de setores na mira da política industrial, o que, de certa forma, diluiu o que poderia ser uma mais aceitável “reestruturação industrial muito seletiva”.

Em relação ao governo Dilma, o título da seção do relatório já diz tudo: “Do nacional-desenvolvimentismo à estagflação”. Com o aumento das importações e a perda de participação dos manufaturados nas exportações, cresceu a demanda por proteção. Uma nova política industrial, o Plano Brasil Maior (PBM), foi lançada, com ênfase na discriminação em favor da produção doméstica. Ganharam força as políticas de conteúdo nacional. Foi a fase também das desonerações e de “uma miríade de programas desenhados para setores específicos”. O viés protecionista cresceu, com a autorização aos parceiros do Mercosul de aumentarem tarifas de 100 produtos. Por outro lado, a atuação agressiva do BNDES prosseguiu.

Avanços na inovação
Para o grupo de economistas, apesar de todos esses esforços, houve continuidade das tendências que mais preocupam os desenvolvimentistas: primarização da pauta de exportações, aumento do coeficiente de importações, estagnação da indústria e piora da balança comercial.

Eles citam também rankings globais de produtividade e competitividade em que o Brasil figura mal, como o “Doing Business” e o “Global Competitiviness Report”.

Os economistas reconhecem avanços “inequívocos” no cardápio de políticas públicas de inovação, como incentivos fiscais, linhas de crédito, capital semente, etc. Mas notam, por outro lado, que o ambiente anticompetitivo faz com que as empresas não se interessem em utilizar esses instrumentos.

Na conclusão, a reduzida participação do comércio exterior na economia nacional é colocada como um fator negligenciado da “doença brasileira”, e que não recebe a mesma atenção que o baixo investimento, a alta carga tributária e a educação precária. “Vivemos num dos países mais fechados ao comércio exterior do mundo”, escrevem os autores, acrescentando que “a evidência do pós-guerra sugere não haver caminho para o pleno desenvolvimento fora da integração com o resto da comunidade internacional”.

Entre as recomendações finais do relatório, está uma agenda de liberalização unilateral, algo que ainda aparece como muito distante e mesmo oposto à estratégia do atual governo.


quarta-feira, 24 de julho de 2013

O Brasil quer a globalizacao? Parece que nao - Fernando Dantas (BlogEstadao)

O Brasil quer a globalização?

Blogs Estadao, 19 de julho de 2013 | 19h17
Fernando Dantas
O mundo está cada vez mais envolto numa teia de acordos comerciais bilaterais e regionais, ao mesmo tempo em que as negociações multilaterais na Organização Mundial do Comércio (OMC) empacam no atoleiro da rodada Doha.
Em recente artigo, na revista eletrônica “Mural Internacional”, a economista Lia Valls Pereira, do Ibre/FGV no Rio, fez uma reflexão sobre “a nova onda de regionalismo” e a agenda brasileira. O link é este.
No trabalho, ela chamou a atenção para a proliferação crescente de acordos ao longo das últimas décadas: eram apenas 25, entre 1958 e 1990; subiram pra 88, entre 1991 e 2000; e atingiram 158, entre 2001 e 2012.
Recentemente, uma série de novas iniciativas ambiciosas trouxe preocupação ao governo brasileiro, aferrado à sua estratégia voltada para o Mercosul.
(se o leitor se interessar, eu coloquei diversos posts novos no blog abaixo deste: entrevistas com economistas internacionais e uma análise da ata do Copom)
Há, por exemplo, o Acordo de Associação Transpacífico (TPP), com negociações lançadas em novembro de 2011, e que inclui Austrália, Brunei, Chile, Malásia, Nova Zelândia, Peru, Cingapura, Vietnam, Estados Unidos e Japão. Outra iniciativa importante, lançada em março de 2013, é o Acordo Transatlântico sobre Comércio e Investimento, entre os Estados Unidos e a União Europeia (UE).
Existe ainda o Acordo Regional de Cooperação Econômica (RCEP, na sigla em inglês para Regional Comprehensive Economic Partnership), lançado em novembro de 2012, com o objetivo de conciliar duas áreas de cooperação e acordos na Ásia e Oceania: a primeira configura-se pelos acordos bilaterais dos países da ASEAN com China, Japão e Coreia do Sul; a segunda é o Acordo de Cooperação Econômica entre Austrália, Nova Zelândia e Índia.
E, finalmente, há, no nosso contexto mais regional, a Aliança do Pacífico, cujas negociações foram lançadas em junho de 2012, e que inclui Chile, Peru, México e Colômbia.
O trabalho de Lia faz uma discussão mais profunda da evolução desse panorama de negociações comerciais regionais nas últimas décadas, mas, para se entender as implicações para o Brasil, é preciso ter em mente uma distinção básica de dois tipos de acordo, por ela comentada.
Em primeiro lugar, há os acordos especificamente comerciais, que, como mostra o texto da pesquisadora, são uma tendência meio antiquada. Hoje, a maioria das negociações, incluindo todas as mencionadas acima, inclui temas como direitos de propriedade intelectual, investimentos e serviços.
Uma visão sobre essa segunda tendência é a de que está ligada à “harmonização de políticas domésticas” em função da globalização das cadeias produtivas. É como se os países de adaptassem para um passo além da integração comercial, que é a integração produtiva.
Por outro lado, todo este novo movimento do regionalismo se dá sob o pano de fundo das imensas dificuldades de avançar nas negociações multilaterais no âmbito da OMC e da rodada Doha, tanto nos temas comerciais quanto nos demais.
Assim, um temor possível seria o de que o Brasil está perdendo o trem da globalização das cadeias produtivas, pelo fato de não participar desta nova rodada de negociações regionais e se aferrar ao Mercosul que, diferentemente dos demais, continua centrado na parte comercial – e, mesmo aí, não avança.
A perspectiva de Lia é um pouco diferente. Ela analisa, por exemplo, os possíveis efeitos para o Brasil de não pertencer ao novo clube que está sendo formado na Aliança do Pacífico. Em termos de comércio, são pequenos. Na questão de investimentos, é mais difícil de se prever, mas nada indica um impacto cataclísmico para o Brasil.
Para a pesquisadora, o grande problema brasileiro, associado à questão dos acordos regionais, é que o País precisa decidir se quer ou não participar da globalização das cadeias produtivas.
Como ela nota, “a estratégia da política industrial no Brasil é do adensamento das cadeias produtivas locais, a partir da exigência de conteúdo local nos investimentos”. Lia observa que isto conflita com as regras de investimentos da OMC, o que não impede que vários países o façam. A economista acrescenta que o Brasil tem elevadas tarifas de importação sobre bens intermediários, o que onera o produto final e piora a sua competitividade.
A cauda e o corpo
O grande ponto de Lia – se a pesquisadora me permite esta simplificação – é que, com objetivos de política industrial deste tipo, o Brasil não tem mesmo muito o que fazer com estes acordos regionais de nova geração, que vão muito além do comércio e estão ligados à globalização produtiva.
Como ela própria escreve: “As duas questões antes citadas (conteúdo local e elevadas tarifas) não requerem a realização de acordos comerciais da nova geração e nem obrigam uma reflexão sobre em que cadeias globais as indústrias brasileiras podem se inserir”.
Alguém poderia contra-argumentar, dizendo que seria bom para o país se engajar em negociações dos novos acordos, justamente para mudar a estratégia de política industrial.
Lia não leva muita fé nesse caminho: “Nossa história de acordos não é muito boa para isso, porque temos uma resistência em mudar políticas domésticas em função de acordos internacionais”.
Além disso, acrescenta a pesquisadora, o que se vê é que muitas vezes esses acordos vêm na esteira da globalização da cadeia produtiva, sendo mais uma consequência do que uma causa, como se vê na Ásia, “que faz acordos agora, mas já está toda liberada”.
Assim, o primeiro passo para o Brasil, na visão de Lia, é avaliar se o País quer de fato participar desta nova etapa da globalização produtiva. Isto significa reduzir tarifas de bens intermediários, melhorar o ambiente de negócios, investir em infraestrutura e cumprir todos os passos da agenda que faria o país simultaneamente se especializar mais em determinados etapas da cadeia e, nelas, aumentar sua competitividade.
Se o Brasil optar por este caminho, a busca de acordos da nova geração virá por decorrência, e como complementação. O que Lia parece pensar é que se trata de uma ilusão pensar que a cauda dos acordos regionais possa sacudir o corpo da estratégia de política industrial.
Esta coluna foi publicada originalmente na AE-News/Broadcast

domingo, 14 de julho de 2013

Brasil, ainda o pais da meia-entrada - Marcos Lisboa, Zeina Latif (Fernando Dantas)

Fernando Dantas
Blog Estadão, 13 de julho de 2013

As manifestações de junho continuam a estimular o debate sobre o modelo político-econômico brasileiro, e seus problemas. Recentemente, como tratado na minha coluna de segunda-feira, desenrolou-se a discussão sobre as causas mais profundas do mau funcionamento do Estado brasileiro.
Em longo artigo, o economista André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, apontou para um setor público voltado para si mesmo, enquanto que Samuel Pessôa, do Ibre/FGV e Mansueto Almeida, do Ipea, responderam com comentários e artigos em que enfatizam que foram as demandas de transferências pela sociedade que debilitaram a capacidade do Estado de investir e de alocar recursos de forma mais eficiente.
Uma excelente contribuição a esse debate é um trabalho recente dos economistas Marcos Lisboa, diretor vice-presidente do Insper, e Zeina Latif, intitulado (na versão em inglês a que teve acesso este colunista) “Democracy and Growth in Brazil” (Democracia e Crescimento no Brasil). O artigo na íntegra está aqui.
O estudo é longo, e centra-se na ideia de que o Brasil é um país onde é particularmente forte o “rent-seeking”, expressão em inglês da literatura econômica que significa, nas palavras dos autores, “o processo pelo qual grupos especiais conseguem obter privilégios e benefícios de agências do governo”.
O trabalho de Lisboa e Zeina (que é colunista da Agência Estado) historia as causas do “rent-seeking” no Brasil e descreve as suas atuais manifestações, além de mostrar como a literatura econômica explica o fenômeno, e como essas tentativas de interpretação se aplicam ao caso brasileiro. Há também uma detalhada análise das relações entre crescimento, democracia e rent-seeking, de forma geral e no Brasil.
É um longo estudo, do qual eu destacaria dois aspectos: as quatro diferentes formas pelas quais o rent-seeking se manifesta no Brasil de hoje, e as sugestões dos autores para atacar o problema, o que seria positivo tanto para o crescimento econômico como para o fortalecimento da democracia.
A primeira forma de rent-seeking nacional, segundo Lisboa e Zeina, vem por meio de impostos e transferências. Eles notam que o aumento da carga tributária e dos gastos sociais não é um fenômeno isolado do Brasil, mas sim uma tendência global que se fez presente sobretudo no século XX. O problema nacional, acrescentam, é que o Estado brasileiro arrecada de uma forma demasiadamente complicada, o que atrapalha a atividade econômica, e distribui mal.
Assim, apesar da introdução de programas bem elaborados e bem sucedidos, como o Bolsa Família, a ação do governo brasileiro, em termos de taxar e redistribuir, não melhora a distribuição de renda de forma agregada, segundo alguns estudos citados por Lisboa e Zeina. Uma das razões é que os benefícios distribuídos pelo governo são muito concentrados. Assim, o sistema previdenciário é responsável por 85% das transferências do governo para as famílias, o que equivale a 11% do PIB. Mas a distribuição dos benefícios previdenciários é concentrada, não contribuindo para reduzir a desigualdade de renda disponível.
Um exemplo de “rent-seeking” tributário citado pelos autores é a Zona Franca de Manaus, cujos subsídios foram criados para ser temporários, mas vêm se estendendo indefinidamente. Incentivos fiscais de pelos menos R$ 24 bilhões teriam sido concedidos em 2011, o que equivale a 0,6% do PIB, para um sistema de produção que exporta muito pouco (menos de 3% do faturamento das empresas) e “sobrevive com base na demanda doméstica cativa e barreiras ao comércio que protegem a produção local”.
O segundo mecanismo de “rent-seeking” listado pelos autores sãos “as transferência compulsórias de dinheiro fora do orçamento do governo”. Lisboa e Zeina exemplificam com o Sistema S, que se alimenta de deduções em folha salarial, e que arrecadou 0,3% do PIB em 2010. Outro caso semelhante é o FGTS, que captou perto de 1,7% do PIB em 2010. Segundo Lisboa e Zeina, “não há nenhum mecanismo transparente para avaliar o custo-benefício desses instrumentos e o seu custo de oportunidade em relação a utilizações alternativas ou aumentos do salário real”.
O terceiro item da lista são os subsídios cruzados, que vão da regulação do seguro-saúde aos serviços de infraestrutura, incluindo até a “meia-entrada” para eventos artísticos e culturais.
Uma faceta particularmente importante dos subsídios cruzados envolve o setor de crédito, onde, como os autores observam, a parcela de 20% dos empréstimos subsidiados (excluindo o BNDES) pagou um spread médio de 3,5% em 2012, comparado com 20% para o crédito livre.
No caso do BNDES, eles notam que os empréstimos aumentaram “dramaticamente” de 6% para 11% do PIB depois da crise global, com subsídios implícitos calculados em R$ 22,8 bilhões em 2011.
O quarto mecanismo, finalmente, é o protecionismo comercial. O Brasil está no grupo das economias mais fechadas do mundo, quando se mede o nível e a complexidade das tarifas e das barreiras não tarifárias, e a eficiência dos procedimentos de importação.
Propostas
Lisboa e Zeina têm duas propostas básicas para ajudar a iniciar o desmonte da “República da Meia Entrada”, como já vem sendo ironicamente descrito o Brasil que sai dessa chave interpretativa onde o “rent-seeking” é o elemento central.
A primeira seria a criação de uma agência governamental responsável por contabilizar os objetivos e os resultados de todas as políticas públicas. Para os dois autores, “transparência e responsabilização são essenciais para prover ferramentas democráticas que permitam à sociedade decidir sobre intervenções governamentais”.
A segunda sugestão é que toda intervenção governamental tenha de ser inteiramente contabilizada no Orçamento, acabando assim com o ocultamento do custo dos milhares de “meias-entradas” distribuídas pelo Estado brasileiro. Eles admitem que, dada a dimensão do “rent-seeking” no Brasil, esta segunda proposta “está longe de ser modesta”.
Lisboa esteve à frente, em 2002, da elaboração da chamada “Agenda Perdida”, um documento de propostas econômicas, com foco na microeconomia e na regulação, que foi adotado pelo ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, no início do primeiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva.
Lisboa foi para o governo junto com a “Agenda Perdida”, como secretário de Política Econômica da Fazenda. Lá, comandou a bem sucedida implementação de boa parte das propostas, com destaque para a área de crédito, com o deslanche do consignado e dos empréstimos imobiliários.
Com a campanha eleitoral de 2014 já virtualmente iniciada, não seria má ideia que os pré-candidatos olhassem o que ele e Zeina têm para dizer.
 Esse artigo foi publicado originalmente na AE-News/Broadcast

sábado, 27 de agosto de 2011

Antonio Barros de Castro: uma homenagem a quem soube pensar...

Quando entrei no curso de Ciências Sociais da USP, em 1969, a matéria de Economia era dada, se não me engano, por Henrique Rattner, também da FGV, que me pareceu qualificado. O livro base, se também não me engano, era "Economia: uma introdução estruturalista" (corrijam-me os conhecedores), de Antonio Barros de Castro e João Paulo de Almeida Magalhães (preciso conferir, mas desculpem-me se incorro em erro). Acho que nunca adquiri o livro, por falta de dinheiro, mas emprestei de colega ou retirei de biblioteca. Lembro-me de ter gostado.
Mas na época eu me dedicava muito mais a política do que aos estudos: estava empenhado em derrubar o governo do regime militar e logo fui embora do país, para escapar das garras da ditadura, quando tudo isso revelou-se mais difícil do que o esperado.
Enfim, isso para dizer que há muito tempo sigo a carreira e o pensamento de Antonio Barros de Castro, o economista que morreu tragicamente em sua própria casa, no domingo passado, 21/08/2011.
Sem poder escrever sobre tudo e sobre todos, permito-me transcrever esta homenagem que o jornalista Fernando Dantas fez a ele, analisando seu pensamento, no seu blog do Estadão:
Paulo Roberto de Almeida

Castro, muito além do conflito ideológico
Fernando Dantas
Blog no Estadão, 25 de agosto de 2011 | 12h33

Minha coluna de ontem na AE-News da Broadcast.

Tive o privilégio e o prazer, ao longo dos últimos dez anos, de fazer uma série de longas entrevistas para o Estado de São Paulo com Antônio Barros de Castro, professor emérito da UFRJ e ex-presidente do BNDES (1992/1993), falecido de forma inesperada no último domingo. Na grande maioria dessas ocasiões, eu estava acompanhado de Suely Caldas, colunista do Estado, ex-diretora da sucursal do Rio do Grupo Estado e grande admiradora do trabalho de Castro.

Ontem (terça-feira), ainda sob o choque da notícia, puxei nos arquivos do jornal e reli todas aquelas entrevistas. E esse panorama retrospectivo só reforçou a minha visão positiva sobre o legado intelectual do professor, e me fez notar também o seu grande poder de antevisão.

O pensamento mais recente de Castro poderia ser resumido como o de alguém que considera a estabilidade macroeconômica e o choque de abertura da economia brasileira nos anos 90 condições necessárias, mas não suficientes para o desenvolvimento do País. Nas suas palavras, em entrevista de 2005: “Políticas macroeconômicas severas, particularmente na parte fiscal, são comuns tanto na Coreia e China quanto em países que vegetam décadas na estagnação, como Portugal de Salazar. Sempre fui a favor do rigor fiscal, e contra o ‘pau na máquina’. Mas isto só não basta.”

O economista achava que um dos complementos fundamentais era uma política industrial, mas a concebia de forma muito distinta da defendida pela grande maioria dos desenvolvimentistas.

Defensor do período Geisel, de intervenção pesada e montagem de um parque industrial de insumos básicos e bens de capital, Castro considerava que esta era uma etapa encerrada da estratégia industrial brasileira. A nova política, ele costumava dizer, não era para preencher lacunas, e não deveria reeditar o antigo enfoque setorial.

Já em dezembro de 2001, Castro dizia que o Brasil era um país “onde a cultura industrial encontra-se assimilada, disseminada, dominada”. Dessa forma, a nova política industrial não era mais “para criar empresas e levantar fábricas (embora ele ainda admitisse uma exceção para a eletrônica)”. Para ele, o novo foco era o de “estimular a criatividade, apoiar inovações, socializar riscos, promover parcerias – uma política mais fina e leve”. E, quando falava de inovação, o economista tinha uma conceituação ampla, que ia desde alta tecnologia até processos produtivos, design, marketing, desenvolvimento de marca, etc.

A sua nova visão de política industrial foi, aos poucos, mesclando-se a sua interpretação da emergência da China na economia global. Tanto num caso como no outro foram diagnósticos precoces, da primeira metade da década passada ou talvez até antes.

Em 2003, ele afirmava que “a visão setorial não capta o dinamismo econômico que o Estado deve incentivar; o que importa nesta nova realidade é ter projetos, processos e produtos inovadores, voltados ao mercado externo, que pela diferenciação alcancem o ‘preço-prêmio’, e escapem da brutal competição de custos de chineses, centro-americanos e vietnamitas”.

Efeito China
Em 2007, ele falava do “efeito China” em termos mais amplos, e com percepção clara da questão, hoje intensamente discutida, do crescimento puxado pelas commodities encarecidas pela demanda chinesa: “Há a pressão competitiva sobre as economias maduras, que transferem suas unidades industriais menos sofisticadas para a China, e a aceleração do crescimento de países bem dotados de recursos naturais. Isto explica por que tantos países, incluindo África e América Latina, estão tendo desempenho tão bom. É o crescimento no vácuo da China, com sua demanda explosiva por commodities básicas”.

Nessa mesma entrevista, Castro demonstrava preocupação com a doença holandesa, definida por ele como a situação na qual “o câmbio valorizado, provocado pelo boom de exportações ligadas aos recursos naturais, reduz ou anula os retornos dos segmentos não beneficiados pelo mesmo efeito”. A sua resposta ao problema, porém, não era a da defesa e da proteção, mas sim “partir do impulso da China e ir muito além dele”.

Assim, uma das saídas era a de “dar mais complexidade às atividades voltadas aos recursos naturais, criando um sistema de desenvolvimento de tecnologias em torno da exploração daqueles produtos primários”. O problema, evidentemente, era como fazê-lo.

Em 2006, com Lei da Inovação recém-regulamentada, Castro dizia que “o Brasil está constituindo um sistema nacional de inovação, que ainda está pouco articulado, mas aponta na direção correta”. Em maio de 2009, na sua última longa entrevista ao Estado, o professor explicava de forma mais detalhada o que tinha em mente: “O Estado brasileiro está bem equipado, mas é preciso entender que a sua função não é atender a demandas de empresas, mas induzir cooperações. O Estado não deve ser um balcão. Ele está sendo muito demandado pelas empresas, mas são demandas essencialmente de defesa, de proteção, mesmo que razoáveis”.

Não que o economista tivesse renunciado totalmente à ideia de proteção. Em 2006, ele alertava que “se partirmos para importar maciçamente o mais barato, vamos desfazer as cadeias locais, e o País tem um sistema industrial que não deveria ser desmontado”.

Feita essa ressalva, porém, fica claro na entrevista de 2009 que a essência da sua estratégia não era a defesa, mas sim olhar para frente: “Cabe aos poderes públicos ajudar a encaminhar soluções não para a sustentação do passado, mas sim para o futuro, levando em conta que, na flexibilidade tecnológica atual, é absolutamente impossível explorar todas as possibilidades – a seletividade é o xis da questão.” Assim, continuava, “no médio e longo prazos, a verdadeira proteção vem do avanço”.

Governo Lula: entusiasmo e críticas
A estratégia brasileira no mundo “chinocêntrico”, como costumava dizer, variava desde a exploração de produtos econômicos, mas de qualidade, para as classes populares ascendentes até “a pletora de oportunidades com que se defrontam as nossas empresas – o etanol ou, melhor dizendo, o canavial como coletor de energia solar; a tecnologia da informação; o software brasileiro; o núcleo eletromecânico; e muitas outras”.

Aliás, no quesito classes populares, vale um parêntese. Em entrevista de 2001, com formidável poder premonitório, Castro já afirmava que “o Brasil está a meio caminho da revolução de consumo das massas; em cada arranco da economia, aflora este mercadão ávido, moderno”.

O economista ficou muito entusiasmado com a eleição de Lula, pelo que percebeu como uma mistura de responsabilidade e prudência macroeconômica com uma “face agregadora insuspeitada”. Para ele, “Lula parece se encaixar muito bem neste novo padrão, no qual o Estado é um apoiador, difusor de informações, provocador, animador e, eventualmente, socializador de riscos”.

Ao longo do governo Lula, porém, o seu espírito crítico aguçado viria a prevalecer em diversas ocasiões. Em 2005, criticou o que via como a suposição “alojada no âmago da política econômica brasileira” de que o potencial de crescimento era de apenas 3% a 3,5%. Para ele, essa perspectiva de expansão era alcançada com “retoques, racionalizações, aprendizado e pequenos investimentos por parte das empresas”, mas não as levava a investir em novas fábricas. A crítica, evidentemente, era à política monetária, que Castro via como excessivamente conservadora naquele momento.

O tempo provou que ele estava correto no que diz respeito ao potencial de crescimento, que hoje é estimado em pelo menos 4% pela maioria dos economistas.

Aliás, desde a primeira das nossas entrevistas com Castro, em 2001, ele apostava na capacidade de crescimento mais veloz da economia brasileira. Embora tenha errado no varejo ao prever em dezembro de 2001 que o País superara a fase de “stop and go”, já que ainda haveria a derradeira e pior crise provocada pelo pânico eleitoral de 2002, Castro acertou no atacado ao prever que os “voos de galinha” estavam no fim.

Desafio do pré-sal
Mas a maior divergência do economista em relação aos governos petistas se deu justamente na sua principal área de interesse, a política industrial. Castro, que via méritos na política atual de inovação e tecnologia, conduziu essa discordância da forma discreta e elegante que lhe era característica. Manteve laços diplomáticos e de respeito mútuo com Luciano Coutinho, presidente do BNDES, que se tornou o principal mentor da política industrial a partir de 2007. Castro, inclusive, foi diretor de planejamento do BNDES entre 2005 e 2007, e assessor sênior posteriormente.

Para os que o conheciam, porém, estava claro que a política industrial de financiamento maciço a grandes grupos de setores tradicionais não era o que Castro tinha em mente. Com o advento do pré-sal, um tema que, junto com a China, dominou sua reflexão nos últimos anos, essa diferenciação tornou-se mais clara.

Na entrevista de 2009, o economista não poderia ter sido mais explícito ao criticar alguns dos objetivos complementares perseguidos pelo governo no âmbito da exploração do pré-sal: “Se formos meramente fazer estaleiros, produzindo com projetos e máquinas em grande parte importados, ou refinarias, que são um negócio quase fechado, e que já sabemos fazer (…) teremos, sim, problemas de sobrevalorização cambial, (…) tributários e fiscais”. Castro, na verdade, associava estas alternativas a um ritmo mais rápido de exploração do pré-sal, ditado pela demanda externa.

A sua preferência era a de “buscar os avanços que geram mais futuro, mais conectividade, no sentido de que vão espraiar efeitos positivos”. Neste caso, “o ritmo (de exploração do pré-sal) tem de ser encontrado em função de todas as oportunidades, acertando-se o passo com o conjunto de outras transformações simultâneas da economia”.

Ele citou, como exemplo de oportunidades do pré-sal, novos materiais (aços especiais), automação, software, motores, helicópteros e projetos de engenharia. Mas, para o economista, “tudo isso tem aprendizado, toma tempo. Então uma coisa é produzir 70 bilhões de barris suavemente distribuídos ao longo de 30 anos, outra coisa é ter um pico, uma explosão aí por 2020, e depois um abrupto declínio a partir de 2025″.

O legado da originalidade
As considerações sobre o pré-sal revelam o pensamento de Castro no que ele tem de mais vigoroso e original, que é sair dos debates e dicotomias do curto prazo – que, contudo, nunca desprezou – e olhar para horizontes estratégicos muito longos. A esse largo horizonte histórico o economista, no entanto, mesclava o seu intenso interesse pelo dia a dia do chão de fábrica, alimentado por visitas constantes a indústrias e empresas em geral.

Castro era um economista que não conseguia pensar sem referências permanentes à economia real, como fica claro nas dezenas de citações, ao longo das entrevistas, a empresas como Embraer, Natura, Azaleia, Weg, Gerdau, Coteminas, Marcopolo e Aracruz, para ficar apenas em alguns nomes mais conhecidos.

Com um pensamento em permanente evolução, muitas vezes ele tinha a iniciativa de oferecer uma entrevista, quando entendia que tinha algo novo a dizer. E, por outro lado, rendia pouco quando o procurávamos para que, desprevenido, opinasse sobre um tema qualquer. Nessas ocasiões, chegava a pedir tempo para pesquisar e pensar. Como exemplo de originalidade, profundidade e capacidade de constante reavaliação das próprias ideias, Antônio Barros de Castro fará muita falta no debate econômico brasileiro.