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domingo, 4 de dezembro de 2022

Possível viagem de Lula aos EUA antes da posse deve criar saia-justa na embaixada - Thiago Amâncio (FSP)

Folha de S. Paulo, 4/12/2022 

Possível viagem de Lula aos EUA antes da posse deve criar saia-justa na embaixada

Petista pode se encontrar com Biden sem apoio da representação brasileira; discussões devem contemplar Haiti e Venezuela.

Thiago Amâncio

Washington

possível viagem do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aos Estados Unidos para se encontrar com o líder americano, o democrata Joe Biden, ainda neste mês de dezembro, antes de assumir o cargo, deve criar uma saia-justa na representação diplomática brasileira no país.

A equipe do petista não acionou o Itamaraty sobre a viagem, e Lula pode visitar a capital dos Estados Unidos sem uma recepção oficial organizada pela embaixada do Brasil em Washington, comandada por Nestor Forster, muito identificado com o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL).

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva durante entrevista coletiva em Brasília
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva durante entrevista coletiva em Brasília - Adriano Machado - 2.dez.22/Reuters

Mesmo que a viagem tenha sido anunciada pelo ex-ministro Fernando Haddad na quarta (30) e que Lula tenha retomado o tema na sexta (2), a Casa Branca ainda não confirmou o convite. Jake Sullivan, assessor de Segurança Nacional dos EUA, desembarcará nesta segunda (5) em Brasília, e o presidente eleito diz que a visita também servirá para discutir os detalhes da ida a Washington ainda neste ano.

O presidente eleito já disse que a ideia é que a viagem, que serviria como mais uma prova de legitimidade internacional da vitória contestada por Bolsonaro e pelo PL, ocorra após a diplomação, no próximo dia 12.

Há dúvidas, no entanto, sobre a estrutura que receberá o petista fora do país, porque o Itamaraty não é obrigado a organizar a viagem do petista antes de ele assumir de fato o cargo, e o mais provável é que aconteça a mesma configuração da recente passagem de Lula por Portugal: ele não se hospedou na embaixada em Lisboa e não recebeu apoio diplomático. Chegou a se encontrar com o presidente, o premiê e o embaixador do país ibérico no Brasil, sem que o embaixador brasileiro estivesse presente.

Folha procurou a embaixada do Brasil nos EUA, que orientou o envio das perguntas à assessoria do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília. Por telefone, um assessor da pasta respondeu apenas que o órgão não foi acionado pela equipe de Lula em busca de apoio para uma viagem aos EUA —não houve resposta se o Itamaraty assistirá o petista antes da cerimônia de posse caso o auxílio seja solicitado.

Acontece que o grupo do futuro presidente tem resistência ao atual embaixador na capital americana, que deve deixar o cargo na primeira leva de nomeações quando o novo governo assumir.

Forster tem bom trânsito em Washington e experiência nessa representação diplomática brasileira desde os anos 1990, atuando inclusive sob governos petistas, mas sua defesa aberta de Bolsonaro durante todo o período no cargo, além da proximidade com figuras do bolsonarismo, incomoda o futuro governo.

Durante a campanha, ele escreveu duas cartas à imprensa americana, ao New York Times e à Bloomberg News, rebatendo artigos sobre a escalada autoritária no país e que faziam críticas à política ambiental. O mesmo expediente foi usado em respostas a congressistas democratas contrários ao atual presidente.

Além disso, o embaixador era amigo próximo de Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo. Homenageou-o em diferentes oportunidades e, após a morte do escritor, publicou em um perfil em rede social da embaixada que Olavo "deixa um legado duradouro por meio de seu vasto trabalho".

Com ou sem apoio da embaixada, a possibilidade de um encontro de Biden com Lula antes de o petista tomar posse chamou a atenção de quem trabalha com diplomacia em Washington. Uma das justificativas para a reunião, porém, é um ponto de consenso: Biden não tem aliados de peso na América Latina hoje.

Na Colômbia, principal parceiro estratégico na região, ainda há dúvidas sobre Gustavo Petro, que assumiu há pouco a Presidência. No México, Andrés Manuel López Obrador tinha mais afinidade com Donald Trump. E, na Argentina, também houve atritos com a gestão de Alberto Fernández, que já defendeu menor dependência dos americanos e fez acenos vistos como complicados em Washington a Rússia e China.

No Brasil, até agora um posto avançado do trumpismo na América do Sul, o presidente brasileiro duvidou da vitória de Biden e foi um dos últimos líderes globais a parabenizá-lo pelo triunfo sobre o republicano.

É por isso que um aceno a Lula é considerado importante no governo americano. A Casa Branca sabe que o petista não será um aliado automático e que haverá diferenças programáticas, mas o presidente eleito é considerado um político pragmático e experiente, com quem é possível sentar para negociar.

Além disso, pode ser um parceiro importante na pauta climática e em demandas específicas na região, como a Venezuela, onde a boa interlocução com Maduro pode fazer de Lula uma ponte entre Washington e Caracas. A crise energética gerada pela Guerra da Ucrânia tem provocado o que alguns descrevem como o início de um apaziguamento com os chavistas. Recentemente, Biden tirou sanções contra o regime venezuelano, descongelou ativos e autorizou que a americana Chevron volte a extrair petróleo no país.

Outra questão é um possível retorno dos militares brasileiros ao Haiti, que participaram da missão da ONU ali de 2004 a 2017. Quanto a esse ponto, porém, há, segundo um membro da equipe de transição à Folha, resistência na equipe do petista, sobretudo pelo pouco apoio recebido nas ações sociais e econômicas necessárias no país, sobretudo após o terremoto de 2010, que deixou mais de 100 mil mortos.

Lula poderia ainda ser útil em uma negociação multilateral na Guerra da Ucrânia, disse Ricardo Zúniga, secretário-adjunto de Hemisfério Ocidental no Departamento de Estado dos EUA e ex-cônsul em São Paulo. "O Brasil é um grande ator multilateral e tem longo legado de envolvimento em processos de paz, na busca de soluções multilaterais para alguns dos mais complexos problemas de segurança", afirmou nesta semana em evento na Universidade Harvard, organizado pelo Future of Diplomacy Project.

Todos esses temas podem ser levados a Brasília agora por Sullivan, mas há dúvidas se serão mesmo postos à mesa num primeiro encontro oficial entre as duas equipes. O mais provável é que pedidos concretos do governo americano sejam feitos em reuniões de alto nível na capital americana.

Segundo a programação oficial, Sullivan falará sobre crise climática, segurança alimentar, promoção da democracia e migração regional. Está previsto um encontro com o senador Jaques Wagner (PT), mas uma reunião com Lula não está descartada. O americano também se encontrará com autoridades do atual governo —será recebido pelo almirante Flávio Rocha, secretário de Assuntos Estratégicos.

Por fim, ainda que uma viagem antes da posse chame a atenção, ela não seria a primeira recepção em Washington nesse contexto. O próprio Lula foi à capital americana em 2002 logo após ser eleito para se reunir com o hoje ex-presidente George W. Bush —na ocasião, o então embaixador brasileiro promoveu um jantar para o petistas, que também se encontrou com parlamentares e investidores americanos.


quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Ucrânia promete continuar contraofensiva e pede mais armas - Igor Gielow (FSP)

 Ucrânia promete continuar contraofensiva e pede mais armas

Embalada pelo sucesso de sua contraofensiva na região de Kharkiv, a Ucrânia disse que só irá parar quando expulsar todas as tropas russas

Por IGOR GIELOW

FOLHA DE SÃO PAULO, SP 13/09/2022 

Embalada pelo sucesso de sua contraofensiva na região de Kharkiv, a Ucrânia disse nesta terça (13) que só irá parar quando expulsar todas as tropas russas de seu território. Até os ataques iniciados na semana passada, Moscou ocupava cerca de 20% do vizinho que invadiu há 202 dias.

É um golpe de propaganda, claro, mas guerras são feitas disso também. “O objetivo é liberar a região de Kharkiv e além: todos os territórios ocupados pela Federação Russa”, afirmou a ministra-adjunta da Defesa, Hanna Maliar, a repórteres que a acompanhavam na estrada para Balaklia, primeira cidadezinha estratégica retomada por Kiev na ação.

A realidade ainda pode se interpôr. No começo da tarde (início da manhã no Brasil), uma barragem de artilharia pesada foi registrada em quase todos os pontos da frente de Kharkiv, no nordeste do país. 

Enquanto reforçavam sua posição para uma longamente protelada ofensiva ucraniana no sul do país, em Kherson, os russos se descuidaram da região nordeste do país, a qual ocupavam parcialmente desde abril. Kiev atacou lá, com grande eficácia, apesar da cautela de analistas acerca de sua capacidade de reter os ganhos. 

As forças russas recuaram, e hoje mantêm uma porção bem pequena de Kharkiv. É lá que os combates mais duros estão ocorrendo, pelos relatos desencontrados. Mas a ambição ucraniana tem limites: no sul, sua ofensiva pouco ganhou e no leste, o russófono Donbass, o Kremlin está em posição aparente de força.

Assim, a fala de Maliar remete a pedidos renovados do presidente Volodimir Zelenski, feitos na véspera, para que o Ocidente envie mais armamentos para a Ucrânia. Só os EUA já entregaram e prometeram mais de US$ 15 bilhões (R$ 76,3 bilhões) em ajuda militar, quase quatro vezes o orçamento de defesa regular dos ucranianos. 

O motivo é o temor de Kiev acerca da reação europeia às ameaças de Vladimir Putin de deixar o continente sem gás russo quando o inverno do Hemisfério Norte chegar, em dezembro. O chanceler Dmitro Kuleba entregou isso em uma postagem nesta terça no Twitter: “Sinais desapontadores da Alemanha, enquanto a Ucrânia precisa de Leopards [tanques de guerra alemães]. O que teme Berlim?”.

Diferentemente dos americanos, as grandes economias europeias são bastante menos efusivas no esforço de armar os ucranianos. E a atual campanha no nordeste do país voltou a provar a importância de tanques e blindados com apoio de infantaria: em poucos números, garantiram o maior sucesso da guerra para Kiev até aqui.

Na vizinha Donetsk (Donbass), o governador da porção ainda controlada por Kiev da província disse esperar uma ofensiva imediata de seus compatriotas. A assertiva parece otimista demais, em linhas com o esforço de imagem dos ucranianos. 

Do lado russo, as opções se reduzem para Putin. A pressão entre comentaristas militares e jornalistas chapa-branca para mudanças mais agressivas no rumo da guerra tem crescido tanto que até o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, se dignou a comentá-las.

“Pontos de vista críticos, desde que eles permaneçam dentro da lei, isso é pluralismo, mas a linha é muito, muito tênue e é preciso ser muito cuidadoso nisso”, afirmou, sem ironia aparente, já que criticar as Forças Armadas pode dar até 15 anos de cadeia na Rússia. Ele se dirigia ao líder tchetcheno Ramzan Kadirov e ao apresentador Vladimir Soloviev, que haviam questionado a liderança militar do país.

O problema para Putin se chama poderio humano. A resistência em fazer uma mobilização geral e declarar guerra, para evitar impopularidade, tem atrapalhado a Rússia desde o começo do que chama de operação militar especial.

A questão é a realidade. “Durante a Segunda Guerra Mundial, alguém só precisava dizer ‘a guerra’ para todo mundo saber o que estava sendo discutido. Nós chegamos ao mesmo ponto na guerra russo-ucraniana, e isso não era o que os russos esperavam”, escreveu nesta terça o papa da geopolítica americana, George Friedman, da consultoria Geopolitical Futures.

A primeira fase do conflito fracassou por falta de gente, táticas ruins e logística pobre. Na segunda, concentrada no Donbass, houve mais sucesso. A terceira, com a iniciativa ucraniana, voltou a evidenciar a falta de recursos em solo. 

Assim, como pondera Friedman, como não pode desocupar a Ucrânia ou buscar a paz agora, sob pena de inviabilizar seu governo, resta a Putin pensar em formas mais eficazes de reunir pessoal. Há relatos de que as forças reunidas no Extremo Oriente para o exercício Vostok-2022 na virada do mês seguiram treinando, mas nada disso é certo neste momento. 

Peskov buscou minimizar a questão. “Neste momento, não, não há discussão sobre isso”, afirmou, questionado sobre mobilização.

Assim, como pondera Friedman, como não pode desocupar a Ucrânia ou buscar a paz agora, sob pena de inviabilizar seu governo, resta a Putin pensar em formas mais eficazes de reunir pessoal. Há relatos de que as forças reunidas no Extremo Oriente para o exercício Vostok-2022 na virada do mês seguiram treinando, mas nada disso é certo neste momento.

Peskov buscou minimizar a questão. “Neste momento, não, não há discussão sobre isso”, afirmou, questionado sobre mobilização. 

https://jornaldebrasilia.com.br/noticias/mundo/ucrania-promete-continuar-contraofensiva-e-pede-mais-armas/


segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Não chore pela Argentina, os argentinos precisam aprender, um dia - Helio Beltrão (FSP)

 Quando Macri tentou administrar o desastre do kirchnerismo, ele não foi até o fim, o que implicaria fazer os argentinos sofrerem um pouco, para colocar a casa em ordem, Não teve coragem ou condições de fazêlo. 

Se por acaso os liberais ganharem desta vez, tampouco conseguirão, a menos de uma cura realmente radical. Não sei se conseguirão...

Paulo Roberto de Almeida

O POPULISMO E A DERROCADA ARGENTINA!
 

Helio Beltrão, presidente do instituto Mises Brasil

Folha de S.Paulo, 19/08/2022

É assustador como a paixão pelo populismo —identificado em particular com o caudilho e general Perón e mais recentemente com o kirchnerismo— tenha arrasado o glorioso passado econômico da Argentina.

Cunhada por uma brilhante Constituição —promulgada em 1853 e inspirada por liberais—, poucas décadas depois despontou no século 20 como um dos países mais ricos do mundo. Hoje, um século mais tarde, o país tem 50% da população na pobreza e uma inflação que pode fechar o ano acima de 80%. O que ocorre e como afeta o Brasil?

O povo argentino nutre uma espécie de insanidade continuada, de idolatria a salvadores da pátria que empurrem soluções de cima para baixo. No laboratório de testes de políticas públicas, a Argentina figura como o maior fracasso mundial, com mais de cem anos de declínio.

Desde pelo menos os anos 1940, os políticos argentinos adotam políticas tóxicas ao empreendedor, à poupança, à propriedade privada, à moeda, e à ética do trabalho, o exato oposto ao que fizeram os países que mais prosperaram. O kirchnerismo dobrou a aposta.

O Brasil, rodeado por países governados pela esquerda carnívora, tem DNA parecido. Por longos períodos adotamos o intervencionismo e políticas de cunho socialista. Corremos o risco de tomar o mesmo caminho novamente, portanto é preciso entender o que ocorre nos pampas. Toda atenção é pouca ao "efeito Orloff": "Eu sou você amanhã".

O "hoje" da Argentina é tenebroso. O decadente governo de Alberto Fernández assinou um acordo de US$ 44 bilhões com o FMI. Apesar do selo do Fundo, o título soberano ("bond") em dólares, que vence em 2030, o AL30, está rendendo 50% ao ano ao investidor que encarar o risco. A taxa surrealista indica altíssima probabilidade de mais um calote (default), o nono de sua história.

A inflação está descontrolada: o banco central segue financiando o governo com dinheiro criado do nada. Ato contínuo, tenta enxugar a liquidez emitindo títulos seus (os Leliq) e lançando operações similares às compromissadas que conhecemos aqui. Mas a operação-enxuga é uma bomba-relógio, com pouca toalha e muita liquidez. O frágil represamento dessa enorme liquidez, de quase duas vezes o tamanho da base monetária, vaza continuamente com o pagamento de juros altíssimos, que aumenta a massa monetária e a inflação. O iPhone 13 Pro topo de linha já é encontrado por mais de 1.000.000 (1 milhão) de pesos, por exemplo, e um óleo de cozinha sai mais caro que a cédula mais alta, de 1.000 pesos.

Na política, a oposição já lidera nas pesquisas para presidente. O kirchnerismo ("Frente de Todos") despencou, pontuando abaixo da aliança JxC ("Juntos por el Cambio") de Macri, Larreta e do liberal López Murphy, e empatando com a novidade da terceira via, o "Avanza Libertad", dos libertários Javier Milei e José Luis Espert (que buscam agregar os conservadores em seu apoio).

Os argentinos estão fartos da mesmice da alternância entre o peronismo kirchnerista e o socialismo vegetariano da UCR e aliados (que fracassaram no governo Macri em mudar a agenda econômica e combater os privilégios).

Javier Milei, que lidera em algumas pesquisas, tem mérito ao demonstrar didaticamente, há tempos, que as políticas inflacionárias, de Estado grande, e antinegócios são prejudiciais aos pobres e à prosperidade.

As duas forças de oposição têm uma oportunidade única de se aliar nas próximas eleições e escantear o kirchnerismo de uma vez por todas. Será excelente para a Argentina, e para o Brasil.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

A história dos Vikings - Reinaldo José Lopes (FSP)

VIKINGS MUDARAM O MUNDO COM SUAS VIAGENS, DIZ ARQUEÓLOGO!

Reinaldo José Lopes

Folha de S.Paulo, 23/11/2021

Basta uma rápida olhada nos mapas que documentam as incursões vikings durante a Idade Média para concluir que os guerreiros escandinavos eram capazes de meter o bedelho em praticamente qualquer lugar da Europa e da bacia do Mediterrâneo.

O alcance global dos vikings começou como uma mistura despretensiosa de pirataria e comércio, mas seu efeito ao longo de três séculos transformou a geopolítica da região de maneiras que ainda influenciam o mundo moderno.

A Inglaterra e a Rússia, por exemplo, provavelmente não teriam surgido sem um empurrãozinho viking, e o mesmo talvez valha para a França. Descendentes dos piratas nórdicos também tiveram papéis de relevo na política da Itália medieval e nas Cruzadas. Nada mal para habitantes de um cantinho remoto e economicamente marginal do continente europeu.

Os detalhes das mudanças operadas pelos viajantes escandinavos estão descritos em ‘Vikings: A História Definitiva dos Povos do Norte’, livro do arqueólogo britânico Neil Price, que chegou recentemente ao Brasil.

Price, que é professor da Universidade de Uppsala, na Suécia, afirma que o ingrediente secreto por trás da influência histórica dos aventureiros nórdicos é a sua tremenda adaptabilidade e capacidade de tirar vantagem das diferentes situações em que se encontravam – um ‘jeitinho viking’, digamos.

‘O efeito colateral não pretendido disso é que eles deixavam legados de longo prazo aonde quer que fossem’, explicou Price à Folha. ‘O ponto-chave é que esses legados, na prática, tomavam formas diferentes de lugar para lugar’.

Considera-se que a chamada Era Viking vai de 793 d.C. a 1066 d.C. Ambas as datas têm a ver com acontecimentos na Inglaterra: no início, o primeiro ataque de piratas escandinavos a um monastério cristão, na ilha de Lindisfarne; no fim do período, a derrota do rei norueguês Harald Hardrada na batalha de Stamford Bridge – Harald tinha tentado tomar para si o trono inglês e foi morto em combate.

O alcance geográfico das viagens e ataques vikings, no entanto, foi muito mais amplo. Cidades e reinos foram fundados em território inglês e também na Irlanda, na Escócia, na França e em diversas áreas da atual Europa Oriental. Cidades costeiras da Espanha e da Itália foram atacadas, e contatos diplomáticos e comerciais foram estabelecidos com representantes do mundo islâmico.

Aliás, um dos mais interessantes relatos sobre um funeral viking, incluindo detalhes sanguinolentos acerca de sacrifícios humanos, foi escrito pelo viajante e erudito Ahmad ibn Fadlan, enviado pelo califa de Bagdá à bacia do Rio Volga, na atual Rússia, no ano 921.

Os fatores que desencadearam a Era Viking são múltiplos, e ainda há considerável debate acerca deles. O historiador britânico Peter Heather, da Universidade de Oxford, aponta que o fim do século VIII da Era Cristã foi uma época de recuperação econômica para diversas regiões portuárias do norte da Europa.

Ao mesmo tempo, algumas décadas antes, os moradores da Escandinávia já tinham dominado a tecnologia dos barcos vikings, bastante confiáveis em mar aberto, mas também capazes de subir rios rumo ao interior.

Com isso, juntava-se a fome com a vontade de comer. ‘Várias regiões da Escandinávia, principalmente na Jutlândia – península da Dinamarca –, tinham mercados consolidados, com rotas e pontos de contato por todo o mar do Norte’, explica o historiador Johnni Langer, diretor do Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos (Neve) da Universidade Federal da Paraíba.

Os escandinavos podiam aproveitar a prosperidade crescente dessas regiões para fortalecer sua atuação mercante – ou para se transformarem em piratas.

Aliás, esse é mais ou menos o significado original de ‘viking’, que não é uma designação étnica, mas sim uma espécie de termo ocupacional, que também podia ser usado como verbo (o sujeito ‘ia vikingar’, ou seja, ia fazer incursões ou pilhagens por mar).

Além dos ricos mercados do mar do Norte, os piratas nórdicos descobriram que havia uma concentração considerável de metais preciosos dando sopa, sem defensores militares, nos monastérios e igrejas da região. E, por ainda não terem se convertido ao cristianismo, não tinha prurido algum de se apoderarem dessa riqueza.

Outro ingrediente importante que impulsionou cada vez mais os ataques, segundo Langer: a pulverização política nas regiões sob assédio.

‘Os séculos VIII e IX foram caracterizados pela situação de enfraquecimento de poderes centralizadores, originando o início do feudalismo na Europa, como na França e Inglaterra. Esses poderes políticos regionais eram frágeis e por muito tempo acabaram recebendo influências escandinavas’, explica o historiador.

É preciso levar em conta, por exemplo, o fato de que o território inglês não correspondia a um reino unificado, estando dividido em pequenas monarquias como as de Mércia (região central), Wessex (oeste do país) e Nortúmbria (região norte).

Esse é o cenário da Europa Ocidental, mas é preciso considerar também o que acontecia no extremo leste do continente. Enquanto vikings dinamarqueses e noruegueses avançavam pelos atuais Reino Unido e França, piratas e mercadores suecos começaram a controlar as rotas de comércio que passavam pelo interior da Rússia, da Ucrânia e da Belarus.

Eles passaram a ser conhecidos como ‘Rus’’, nome que provavelmente deriva do termo nórdico para ‘remadores’ e que acabaria originando o próprio nome da Rússia. Por fim, alguns se incorporaram ao exército do Império Bizantino, formando a famosa Guarda Varangiana, ferozmente leal ao imperador.

‘Eles também passaram a atuar como parceiros econômicos cruciais, como estimuladores da economia, mercenários e, às vezes ironicamente, como defensores do Estado’, resume Price.

No leste, os reinos fundados por vikings se cristianizaram, uniram-se à população eslava local e acabariam dando origem à Rússia imperial. Na Inglaterra, foi a reação às invasões escandinavas que levou ao surgimento de um reino unificado (o qual, no começo do século XI, chegou a ser dominado por Canuto, o Grande, rei dinamarquês que governou também a Noruega).

E, em solo francês, um acordo da monarquia local com os invasores levou à criação do ducado da Normandia, dominado pelos vikings e batizado com o nome deles (‘normando’ significa ‘homem do Norte’).

A história aventuresca dos normandos nos séculos seguintes mostrou que eles tinham ‘puxado’ seus ancestrais escandinavos. Guilherme, o Conquistador, duque da Normandia, tomou para si a Inglaterra em 1066, enquanto outros militares da região forjaram reinos na Sicília e até na Síria durante as Cruzadas.


sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Presidente diz que tem certeza de apoio total das Forças Armadas - FSP

 O brochável se acredita invencível, e por isso vem recrudescendo a cada vez, mas será devidamente enquadrado pelo Judiciário e pelas próprias FFAA:


Presidente diz que tem certeza de apoio total das Forças Armadas

Folha de S.Paulo | Poder

13 de Agosto de 2021

Ricardo Delia Coletta, Marianna Holanda e Mateus Vargas

Brasília - O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a se referir às Forças Armadas como "poder moderador" e disse ter certeza do apoio dos militares às "decisões do presidente para o bem da nação".

As falas desta quinta-feira (12) ocorrem num momento de crise como Judiciário e em meio a críticas contra o presidente por tentativa de politizar as Forças Armadas.

"Nas mãos das Forças Armadas, o poder moderador. Nas mãos das Forças Armadas a certeza da garantia da nossa liberdade, da nossa democracia, e o apoio total às decisões do presidente para o bem da nação", disse, em cerimônia de cumprimento a oficiais promovidos.

O ato ocorreu no Palácio do Planalto. Também estiveram presentes o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, e os comandantes do Exército, Paulo Sérgio, da Marinha, Almir Garnier, e da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista.

O evento inaugurou, oficialmente, o uso optativo da máscara no Planalto. A diretriz foi dada pelo locutor, que fez uma pausa antes de dizer que o item era "opcional". Na palco, Bolsonaro e os ministros Augusto Heleno (GS 1 ), Ciro Nogueira (Casa Civil) e Braga Netto ficaram sem máscara.

Apesar de o acessório ainda ser recomendado para locais fechados e aglomerações, nas cerimônias com o presidente não é indispensável. O próprio Bolsonaro não o usa em muitas ocasiões.

Mais cedo, Bolsonaro criticou o presidente do STF (Su premo Tribunal Federal), ministro Luiz Fux, por ter defendido seu colega Luís Roberto Barroso, presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Em entrevista à Rádio Jovem Pande Maringá (PR), sugeriu "corporativismo" da corte. "O próprio ministro do Supremo Tribunal Federal, presidente Fux, na sua nota, disse que 'mexeu comum, mexeu com todos'. Não é assim."

"Se um militar aqui faz alguma coisa de errado, eu sou militar, o que nós fazemos? A gente investiga. Se tiver responsabilidade, vai pagar o preço. Altíssimo. Agora, não pode ter corporativismo nessas questões", acrescentou.

Na semana passada, a ameaça de Bolsonaro de usar armas "fora das quatro linhas da Constituição" irritou mi nistros do STF e levou Fux a fazer um discurso contundente. Ele disse que Bolsonaro não cumpre a própria pa lavra e cancelou reunião entre os chefes dos Três Poderes que havia convocado.

As novas declarações do presidente se somam a afirmações golpistas em que ele disse, até, que as eleições de 2022 podem não ocorrer caso não fosse instituído o voto impresso no país - na última terça-feira (10), PEC (proposta de emenda à Constituição) para obrigar a impressão do voto foi rejeitada pela Câmara.

Também na terça, antes da votação, Bolsonaro acompanhou, da rampa do Planalto, um desfile de blindados visto como uma tentativa de intimidação contra o Parlamento.

Em breve discurso, declarou que os militares têm compromisso de agir contra "ameaças externas e internas" sem detalhar sobre o que se referia.

"Obrigada por existirem [Forças Armadas], pela tradição e pelo compromisso de dar vida pela pátria, se precisofor. Quer sejam ameaças externas ou internas. Nós sabemos o que é bom e o que é justo para o nosso povo. A nossa liberdade não tem preço."

Não foi a primeira vez que Bolsonaro falou sobre um suposto papel decisório das Forças. Em janeiro, em meio ao debate sobre início da vacinação contra a Covid e as medidas de isolamento social, chegou a afirmar, em tom de ameaça que "quem decide se um povo vai viver na democracia ou na ditadura são as su as Forças Armadas".

Nesta quinta,à rádio, disse que iria reduzir a pressão pela adoção do voto impresso, mas voltou a insinuar, sem provas, que as eleições no Brasil não são seguras e ter "ouvido falar" sobre as suspeitas.

"Vou diminuíra pressão da minha parte, vou diminuir a pressão, sim, porque tem mui ta coisa para fazer pelo Brasil, mas não podemos esquecer, porque se esse pessoal conseguir, no ano que vem, não me cobrem nome do país, por favor, botar alguém sentado na minha cadeira presidencial mais simpático a outras ideologias."

O mandatário levantou ainda a possibilidade de eleições para governadores e senadores serem fraudadas no ano que vem. "Poderiam, não estou afirmando."

"Vamos conviver com essa sombra de dúvida. Não é sombra não, isso aí é tempo fechado."

Em determinado momento da entrevista, Bolsonaro também chegou a ironizar a decisão da CPI da Covid de sugerir indiciá-lo por charlatanismo e curandeirismo, por incentivar o uso de medicamentos sem eficácia comprovada. A informação foi antecipada na quarta-feira (11) pela coluna Mônica Bergamo, da Folha.

"Como não tem como me acusar, vão me denunciar por charlatanismo e curandeirismo", disse e soltou uma gargalhada, em seguida.


segunda-feira, 15 de junho de 2020

Militares democratas reprovam postura agressiva de seus chefes - Igor Gielow (FSP)


Militares da ativa e ministros do Supremo reprovam nota de Bolsonaro

Presidente, vice Mourão e ministro da Defesa assinaram texto em nome das Forças Armadas



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SÃO PAULO
A nota em que o presidente Jair Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão e o ministro Fernando Azevedo (Defesa) dizem que as Forças Armadas não cumprirão "ordens absurdas" foi reprovada por setores da cúpula militar e pelo seu alvo, os ministros do Supremo Tribunal Federal.
O texto foi elaborado na noite de sexta (12), após o ministro Luiz Fux conceder uma decisão provisória delimitando a interpretação do artigo 142 da Constituição, que regula o emprego dos militares.​

Bolsonaro e Mourão durante hasteamento de bandeira no Palácio da Alvorada
Bolsonaro e Mourão durante hasteamento de bandeira no Palácio da Alvorada - Evaristo Sá - 12.mai.2020/AFP
Na liminar, Fux respondia a um questionamento do PDT acerca da interpretação corrente no bolsonarismo de que o artigo permitiria às Forças Armadas intervir caso um Poder tentasse tolher o outro.
A visão vem sendo ventilada pelo presidente, pelo vice e outros membros do governo. A nota de sexta dizia também que as Forças não tolerariam "julgamentos políticos", uma referência nem tão velada à ação de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão que corre no Tribunal Superior Eleitoral.
Folha conversou com oficiais-generais da ativa dos três ramos armados. Enquanto muitos consideram que o Judiciário tem exagerado em suas decisões, e todos ressaltem que os signatários da nota são seus superiores hierárquicos, o tom foi reprovado.
Não que haja aprovação às colocações de Fux, consideradas igualmente hiperbólicas nas conversas entre fardados.
Mas, para um almirante, a nota coloca as Forças Armadas como um poder moderador acima da lei. Ele disse que é óbvio que os militares têm de responder a decisões e que, se não concordarem, sempre caberá recurso dentro da Constituição.
Em grupos de WhatsApp de oficiais, a crítica mais comum era a de que as Forças foram colocadas como uma extensão do bolsonarismo militante, que tem no confronto com Poderes uma de suas características.
Já havia grande irritação pela entrevista que ogeneral Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) havia concedido à revista Veja, no qual ele falou em tom ameaçador contra a oposição ao mesmo tempo em que se apresentava como representante das Forças.
Ramos, já no centro de insatisfações quando foi cogitado por Bolsonaro para substituir o comandante Edson Pujol, ao mesmo tempo cedeu a pressões e decidiu passar à reserva —irá deixar o interino da Saúde, Eduardo Pazuello, como último general da ativa com cargo de primeiro escalão.
A nota coroou uma semana de ruídos entre a ativa e o governo Bolsonaro, como a Folhamostrou. A tentativa de maquiagem de dados da Covid-19 na Saúde, a frustrada portaria para dar direito ao uso de aviões ao Exército e a revelação de negócio entre a Força e uma empresa americana de armas favorecida pelo filho presidencial Eduardo Bolsonaro não foram bem digeridos.
Ante todo esse clima, com efeito, Mourão concedeu entrevista à Folha na manhã deste sábado e tentou modular a nota, dizendo que não há indisciplina possível entre os fardados da ativa.
Há relatos divergentes acerca de uma consulta do Planalto aos comandantes de Forças sobre o tom da nota. A Folha questionou o general Azevedo sobre isso. Segundo sua assessoria, os chefes militares não participam de manifestações políticas.
Já entre ministros do Supremo, o tom variou de desânimo a irritação.
O desapontamento veio do fato de que o Planalto havia dado sinais de uma tentativa de normalização na relação com a corte, que está em processo de votação que deverá manter vivo o inquérito das fake news —que atinge o coração do bolsonarismo.
A principal sinalização foi dada acerca doministro Abraham Weintraub (Educação), que na reunião ministerial de 22 de abril disse que queria ver os integrantes do Supremo, a quem chamou de vagabundos, na cadeia.
Nas últimas semanas, emissários fizeram chegar a ministros da corte que o Planalto estaria disposto a rifar Weintraub como punição pela fala. Em vez disso, o ministro envolveu-se em nova polêmica, com a rejeitada medida provisória que previa nomeação de reitores de universidades federais nesta semana.
A esse empoderamento somou-se a nota de sexta. A liminar de Fux havia sido alvo de contentações internas por parte de alguns ministros, que viram nela um certo truísmo ao reafirmar o que já está na Constituição e pela vacuidade do objeto: é uma decisão retórica, na prática.
Mas há simbolismos inescapáveis, e aí entra a contrariedade geral. Fux será o próximo presidente da corte, a tomar posse em setembro, e em momentos de crise entre Poderes os 11 integrantes do Supremo costumam agir em bloco.
Assim, o ataque direto a Fux se tornou, por extensão, mais uma afronta à corte por parte de Bolsonaro, que já participa contumazmente de atos pedindo o fechamento do órgão máximo do Judiciário e do Congresso.
A assinatura conjunta com Mourão foi vista como um recibo de ambos pelo fato de serem objeto da ação no TSE. Já a presença de Azevedo reforçou um sentimento que vem se consolidando na classe política: Bolsonaro tem usado as Forças Armadas como escudo por extrema fragilidade.
Assim, a banalização das ameaças, que assustam muitos devido ao passado intervencionista das Forças, tem sido vista pelo decrescente valor de face. Preocupa mais o Supremo a eventual perda de controle nas ruas, estimulada por Bolsonaro.
Chocou especialmente a sugestão do presidente para que hospitais sejam invadidos para provar a hipótese de que governadores estão inflando politicamente números da Covid-19.
Situações de violência implicam o uso das polícias militares, consideradas muito próximas do espírito bolsonarista. O motim da PM do Ceará no começo do ano, apoiado veladamente pelo governo, é um exemplo sempre lembrado.
Seja como for, no Distrito Federal a polícia acabou com o acampamento do 300 do Brasilneste sábado sem incidentes. O grupo pró-Bolsonaro prega violência e fechamento de Poderes, e não houve a temida adesão de policiais a ele.
As consultas que começaram na noite de sexta prosseguem neste sábado no mundo político, dado que Bolsonaro conseguiu elevar ainda mais o patamar de suas provocações institucionais, mas por ora o clima é mais de observação de cenário do que de reações exacerbadas.