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sexta-feira, 15 de março de 2024

"Declaro o Estado de Sítio", dentro das quatro linhas de uma ditadura: a prova definitiva do golpe de Bolsonaro - Jamil Chade (UOL)

 

'Declaro o Estado de Sítio'; leia o texto que decretaria o golpe


Jamil Chade

Colunista do UOL, em Genebra

Reportagem, 15/03/2024 12h26

 

O documento que estabeleceria o Estado de sítio no Brasil consta no depoimento do general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército. O ministro do STF Alexandre de Moraes derrubou hoje o sigilo de 27 depoimentos.

Segundo disse o general Freire Gomes, trata-se do material encontrado com o tenente-coronel Mauro Cid, então auxiliar do ex-presidente Jair Bolsonaro, e que foi alvo de debates.

Questionado sobre o documento, o general Freire Gomes confirmou que o texto foi apresentado numa reunião no dia 7 de dezembro de 2022. O texto teria sido lido por Filipe Martins, Assessor Internacional da presidência.

Martins então se retirou da sala, "ficando apenas os militares, o então Ministro da Defesa e o então Presidente da República Jair Bolsonaro". "O Presidente informou ao depoente [Freire Gomes] e aos presentes que o documento estava em estudo e depois reportaria a evolução aos Comandantes".

 

Eis a íntegra do documento:


Ordem e Progresso: o lema de nossa bandeira requer nossa constante luta pela "segurança jurídica" e pela "liberdade" no Brasil, uma vez que não há ordem sem segurança jurídica, nem progresso sem liberdade.

Nossa Constituição Federal de 1988, a Constituição Cidadã, reúne normas gerais favoráveis à "segurança jurídica" e à liberdade da sociedade brasileira na medida em que direitos e garantias (como o direito à vida, a liberdade e a igualdade), princípios fundamentais (como o devido processo legal, o contraditório e a imparcialidade) e remédios constitucionais (como o Habeas Corpus ou o Habeas Data) foram criados pelo Constituinte em linha com os interesses de todos os membros da sociedade brasileira.

Sem dúvida, neste contexto, a ideia de justiça para o Direito do Estado presume que o Poder emana do povo e que a realização da justiça é um imperativo para a sociedade e os agentes públicos. É dizer numa perspectiva constitucional, a ideia de justiça para o Direito depende de leis justas e legítimas no Estado Democrático de Direito, assim como de decisões judiciais justas e legítimas. Para tanto, devemos considerar que a legalidade nem sempre é suficiente: por vezes a norma jurídica ou a decisão judicial são legais, mas ilegítimas por se revelarem injustas na prática. Isto ocorre, quase sempre, em razão da falta de constitucionalidade, notadamente pela ausência de zelo à moralidade institucional na conformação com o ato praticado.

Devemos lembrar que a Constituição Federal de 1988 inovou ao prever expressamente o "princípio da moralidade" no caput de seu artigo 37.

Este princípio constitucional (de inspiração humanista e iluminista) surgiu na jurisprudência do Conselho de Estado Francês há mais de 100 anos, como forma de controle para o desvio de finalidade na aplicação da lei. Para além de seu reconhecimento e aplicação na França, o Princípio da Moralidade também vem servindo de baliza para o exercício dos agentes públicos em outros países.

À evidência, de forma louvável e pautada por este precedente, a Constituição Federal de 1988 converteu a "moralidade" em fator de controle da "legalidade", inclusive quanto à interpretação e aplicação do texto constitucional e de suas lacunas, justamente para conferir a justa e esperada "legitimidade" aos atos praticados pelos agentes públicos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.

Insta dizer que o "Princípio da Moralidade Institucional" presume a probidade de todo e qualquer agente público, ou seja, sua honestidade e lisura. Ele proíbe o desvio de finalidade, enquanto arbitrariedade supralegal. Enfim, não permite que leis e/ou decisões injustas sejam legitimadas por atos autoritários e afastados do marco constitucional.

De modo geral, todo servidor público (seja ele um Ministro do Supremo Tribunal Federal ou um "gari" de uma cidadezinha do interior) deve atuar sempre de acordo com o "Princípio da Moralidade Institucional": deve atuar de forma íntegra e legítima, sempre de acordo com a justa legalidade!

O "servidor público" no exercício da magistratura não pode aplicar a lei de forma injusta, ou seja, contra a Constituição, em especial de modo contrário ao Princípio da Moralidade Institucional, isto porque, este mandado constitucional não pode ser afastado, nem ter o seu alcance mitigado: deve sempre ser considerado aplicado. Do contrário, teremos uma atuação ilegítima.

O juiz de direito (seja ele ministro do STF, ou não) nunca pode agir sem a devida esperada conformação de suas decisões à moralidade institucional.

Enquanto, os "guardiões da Constituição", os Ministros do Supremo Tribunal Federal, STF, também estão sujeitos ao "Princípio da Moralidade", inclusive quando promovem o ativismo judicial.

Aliás, o desmedido "ativismo judicial" e a aparente "legalidade" (desprovidas de legitimidade; contrárias ao Princípio da Moralidade Institucional; e, assim injustas) não podem servir de pretextos para a desvirtuação da ordem constitucional pelos Tribunais Superiores, senão vejamos, entre outros, algumas situações recentes:

 

1) as normas legitimas autorizando a atuação de juízes suspeitos (nestas eleições, o Ministro Alexandre de Moraes nunca poderia ter presidido o TSE, uma vez que ele e Geraldo Alckmin possuem vínculos de longa data, como todos sabem);

2) as decisões legítimas permitindo a censura prévia (restringindo as prerrogativas profissionais da imprensa e de parlamentares, por exemplo);

3) as decisões afastando muitas "causas justas" da apreciação da Justiça (o TSE não apurou a denúncia relativa à falta de inserções de propaganda eleitoral);

4) as decisões limitando a transparência do processo eleitoral e impedindo o reconhecimento de sua legitimidade (impedindo o acesso do Ministério da Defesa ao "código fonte" das urnas, não apurando a denúncia do PL quanto às urnas velhas; e, ainda, impondo multa arbitrária e confiscatória para constranger o PL em razão de suposta litigância de má-fé - aliás, os dois primeiros dígitos da multa imposta coincidem com o número do partido político em questão); e

5) as decisões abrindo a possibilidade de revisão do "trânsito em julgado" de importantes matérias já pacificadas pelo STF (notadamente, para prejudicar os
interesses de certos e determinados contribuintes)

É importante dizer que todas estas supostas normas e decisões são ilegítimas, ainda que sejam aparentemente legais e/ou supostamente constitucionais, isto porque, são verdadeiramente inconstitucionais na medida em que ferem o Princípio da Moralidade Se Institucional: maculando a segurança jurídica e na prática se revelando manifestamente injustas.

 

Para além deste fundamento comum de verdadeira inconstitucionalidade, outros princípios, direitos e garantias também restam vulnerados de forma pontual. Enfim, são normas e decisões aparentemente constitucionais, mas inconstitucionais, em verdade) que colocam em evidência a necessidade de restauração da segurança jurídica e de defesa às liberdades em nosso país.

Não à toa, encontramos ao longo da história algumas ideias convergentes ao apelo de nosso discurso. Na Antiguidade, "Dar a cada um o que é seu" já era uma ideia defendida por Aristóteles, como definição de justiça e princípio de direito. No Iluminismo, a necessidade de "resistência às leis injustas" já era uma ideia defendida por Tomás de Aquino. Mais recentemente, após a Segunda Guerra Mundial, Otto Bachof defendeu na Alemanha a possibilidade de controle das normas constitucionais inconstitucionais, em especial ao reconhecer a existência de um direito supralegal, ou seja, um direito pressuposto natural acima da Constituição e de suas normas.

Afinal, diante de todo o exposto e para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o Estado de Sítio; e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem.

 

Depoimento de Mauro Cid

Em setembro do ano passado, o UOL revelou que Mauro Cid havia narrado à PF, no âmbito de seu acordo de colaboração, que Bolsonaro consultou os comandantes das Forças Armadas sobre um plano de golpe de estado, após perder as eleições de 2022.

Naquele conjunto de depoimentos, Cid afirmou que os comandantes da Aeronáutica e do Exército se opuseram à trama.


'Não deixem Bolsonaro na mão', disse Zambelli, segundo ex-chefe da FAB


Pazuello sugeriu usar Forças Armadas contra posse de Lula, diz Freire Gomes


Jamil Chade

Às vésperas de eleição, PF abriu apuração para ligar narcotráfico a Lula

 https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2024/03/15/as-vesperas-de-eleicao-pf-abriu-apuracao-para-ligar-narcotrafico-a-lula.htm

15/03/2024 13h57

 

 

 

segunda-feira, 17 de julho de 2023

Guerra na Ucrânia gera impasse em cúpula entre Europa e América Latina -Jamil Chade (UOL)

Vamos ser claros: o Brasil, como principal país, mas também os autoritários conhecidos (Cuba, Venezuela, Nicarágua), não  querem de nenhuma forma descontentar o criminoso de guerra Putin. Sabemos os motivos, por parte das três ditaduras. Mas a oposição do Brasil é mais escandalosa, pois que partindo de um país supostamente democrático, mas com um governo atualmente amigo de ditaduras, especialmente das duas do Brics.

Paulo Roberto de Almeida

Guerra na Ucrânia gera impasse em cúpula entre Europa e América Latina

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

A China prestigia a posse de Lula, pensando em seus objetivos estratégicos- Jamil Chade (UOL)

 Não sei se o mesmo podecser dito do Brasil, nem antes, nem talvez depois. PRA

China envia delegação de mais alto nível que EUA para posse de Lula
Jamil Chade  
Colunista do UOL
29/12/2022 11h04

O governo da China decidiu enviar para a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva o vice-presidente do país, Wang Qisha, e espera que o encontro com o novo governo brasileiro garanta um "impulso" na relação estratégica entre os dois países. No total, quase 60 delegações estrangeiras desembarcam em Brasília nos próximos dias.

Disputando espaços de hegemonia com os EUA, os chineses optaram por enviar uma delegação de mais alto nível que a missão organizada pela Casa Branca. Numa coletiva de imprensa, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Wang Wenbin, explicou que Qishan liderará a delegação chinesa ao Brasil.

No caso americano, apesar da esperança de que o presidente Joe Biden ou a vicepresidente Kamala Harris estivessem presentes à posse, a escolha do governo de Washington foi pela secretária do Interior dos Estados Unidos, Deb Haaland. 

Wang, com 69 anos, foi prefeito de Pequim no auge do surto da Sars, em 2003, e liderou o comitê olímpico da cidade para os Jogos de 2008. Ele ainda foi o negociador chefe nas relações com os EUA e, recentemente, foi escolhido como vice de Xi Jinping. Entre os diferentes cargos, ele ainda liderou os esforços chineses contra a corrupção.

"A China e o Brasil são ambos grandes países em desenvolvimento e importantes mercados emergentes", disse Wenbin nesta quinta-feira. "Somos os parceiros estratégicos abrangentes um do outro. Desde que os laços diplomáticos foram estabelecidos há 48 anos, as relações bilaterais têm desfrutado de um desenvolvimento sólido e estável com uma cooperação prática frutífera em vários setores. A natureza abrangente e estratégica de nossa parceria tem se tornado cada vez mais pronunciada e sua influência global está continuamente em ascensão", afirmou.

Segundo o porta-voz, a viagem do vice-presidente Wang Qishan ao Brasil como representante especial do presidente Xi Jinping "diz muito da alta importância que a China atribui ao Brasil e às nossas relações bilaterais".

"Acreditamos que esta visita dará um forte impulso à nossa parceria estratégica abrangente e a levará a novas alturas, proporcionando mais benefícios tanto para os países quanto para os povos e contribuindo para a paz, estabilidade e prosperidade regional e global", completou.

Lula já indicou que Pequim será um de seus primeiros destinos internacionais, junto com os EUA e Argentina.

Se o discurso do bolsonarismo tentou transformar a China numa espécie de vilã internacional e alvo de acusações sobre a ofensiva comunista no mundo, a realidade é que o mandato de Jair Bolsonaro termina com a relação comercial e de investimentos entre os dois países batendo todos os recordes.

Os números se contrastam com os ataques constantes do ex-chanceler Ernesto Araújo contra Pequim, desmentem os discursos do presidente contra a vacina chinesa e mostram o fracasso da estratégia adotada pelo Itamaraty nos primeiros anos do governo para minar qualquer aproximação entre Brasília e Pequim.

No governo, nos primeiros meses de 2019, a ordem era a de promover uma aproximação total aos EUA de Donald Trump e até mesmo forjar alianças diplomáticas contra o país asiático. Em reuniões da ONU, o comunismo chinês era denunciado pelo Itamaraty, enquanto o então ministro da Saúde Luis Henrique Mandetta chegou a confessar que qualquer aproximação de sua pasta com a China era minada pelo Executivo.

A realidade foi bem diferente do discurso bolsonarista. Dados do próprio governo indicaram que, até o final de novembro, a China representava 27% de toda a exportação do Brasil ao mundo.

Ou seja: de cada quatro dólares que o país obtém no mercado internacional com suas vendas, um vem da China.


terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Carta do jornalista Jamil Chade para um certo JB

 Carta para Bolsonaro

Jamil Chade 11/12/2022

Jair,

Sabe quem é o presidente da Suíça?

Fique tranquilo. Essa não é uma pegadinha. Muitos aqui na Suíça, de onde eu escrevo, tampouco sabem. E sabe o motivo? Aqui, as instituições são mais relevantes que o líder. A democracia sempre vence e o estado de direito está assegurado.

Já dizia Aldous Huxley que, enquanto os homens venerarem personalidades como Cesar ou Napoleão, tais líderes vão sempre surgir para tornar a vida desses homens miserável.

Você é um deles, guardadas obviamente as distâncias entre esses dois nomes com lugar garantido na história e teu destino para a sombra fria da irrelevância.

O seu desgoverno está terminando. Mas isso não significa que suas responsabilidades estejam terminadas. Você nos deve explicações. Muitas.

Confesso que não sei exatamente para onde enviar esta carta. Não entendi se está trabalhando ou não. Ou se apenas ocupa um cargo político, como parece ter sido o caso nos últimos 30 anos de sua vida. Escrevo, ainda assim, para cobrar um esclarecimento.

Você trouxe para dentro do Palácio do Planalto de uma República e para os demais ministérios, nestes últimos anos, a escória dos teóricos da conspiração, torturadores, charlatães e alguns dos movimentos mais perigosos da extrema direita mundial.

Alguns dos quais envolvidos até mesmo com movimentos que têm simpatizantes entre golpistas detidos em outras partes do mundo, negacionistas e entidades sob o monitoramento por representarem ameaças à democracia.

Nesta semana, na Alemanha, 25 pessoas foram detidas, acusadas de planejar um golpe contra o estado. Mas, sabe, alguns desses extremistas de direita eram simpatizantes de um movimento cujos integrantes você, seu filho Eduardo e Damares Alves receberam de braços abertos, o Querdenker.

Antes, você recebeu uma parlamentar alemã que não consegue ser recebida por nenhum líder democrático do mundo. Sabe o motivo? Ela é a herdeira de um dos ministros mais poderosos do nazismo e braço direito de Adolf Hitler. Hoje, faz parte de um partido de extrema direita que está sob o monitoramento das autoridades alemãs por ameaçar a democracia.

Você e seus lacaios ainda foram alguns dos poucos no mundo democrático que hesitaram em condenar a invasão do Capitólio. Você e seus lacaios repetiram mentiras sobre uma suposta fraude na eleição americana.

Você passou meses anunciando que apenas Deus te tiraria da presidência, enquanto incentivava apoiadores a atacar qualquer um que pensasse de forma diferente.

Enquanto seu filho diz que vai supostamente entregar um pendrive no Qatar e ocupa os camarotes da elite mundial, seus apoiadores cegos ainda acreditam em Papai Noel diante dos quartéis. Quando é o que o senhor vai contar a verdade para eles?

Num país que registrou 2 mil novas armas por dia apenas entre setembro e novembro graças a suas iniciativas e numa sociedade que abriu mil clubes de tiro durante o seu mandato, temos o direito de exigir explicações sobre seu papel para a rede globalizada da extrema direita.

No Brasil do século 21, não iremos tolerar mais anistias. Você deve explicações. Mas não a mim. Para a Justiça.

Saudações democráticas,

Jamil

Itamaraty: repressão política na gestão do chanceler acidental - Jamil Chade, Joice Hasselman

 Reproduzo de tuite da deputada Joice Hasselman (13/12/2022):

“ 🚨O Itamaraty abriu sindicância p/ investigar a relação dos diplomatas c/ Jamil Chade, após o jornalista publicar sobre o alinhamento do Brasil a países islâmicos, ignorando o projeto na ONU p/ proteger mulheres!

Memória:

Foi também na gestão de Araújo, em 2020, que os olavetes Allan dos Santos e B. Küster foram contratados como palestrantes na Fundação Alexandre Gusmão— Funag.

MRE informou que os gastos com as conferências foram de R$151.465, referentes a 4 eventos presenciais e 36 virtuais.“


Os funcionários receberam questionário dte gestão Ernesto Araújo!




segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

No fim do governo Bolsonaro aparecem os “resistentes anônimos” - Por um observador anônimo

 Não estou entre eles. Eu fui um resistente aberto desde 2018, apontando todas as incongruidades da futura diplomacia do governo eleito em outubro daquele ano e isso está documentado neste blog Diplomatizzando. Continuei em 2019, e logo fui sancionado com perda de cargo — diretor do IPRI, da Funag — e, mais adiante com pesadas punições financeiras, aplicadas diretamente pelo chanceler acidental e seu autoritário chefe de gabinete. Antes, durante e depois das punições, publiquei cinco livros contra o bolsolavismo diplomático: Miséria da Diplomacia (2019), O Itamaraty num Labirinto de Sombras (2020); Uma Certa Ideia do Itamaraty (2020), O Itamaraty Sequestrado (2021) e Apogeu e Demolição da Política Externa (2021), cujos sumários e links (vários deles livremente disponíveis) figuram neste blog.

Paulo Roberto de Almeida 

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OCORREU UMA ILEGALIDADE NO ITAMARATY?


[Autor anônimo]


Segundo artigo publicado por Jamil Chade, UOL, 07.12.2022, um grupo de diplomatas brasileiros vangloriou-se de haver cometido os seguintes atos durante o governo Bolsonaro:

1.Montou um esquema de contatos diretos com governos estrangeiros, sem ter de passar pela cúpula do Itamaraty e com o objetivo de desarmar crises diplomáticas. 

2.Limitou-se a ler "a instrução que chegou de Brasília", em reuniões na ONU, OMS ou OEA, sem uma atuação de empenho para convencer os demais países a seguir o Brasil em suas posições. 

3.Copiou documentos que poderiam ser usados para defender um diplomata contra acusações e registrar a ilegalidade de certos atos do Planalto. 

4.Gravou reuniões de forma clandestina nas quais a cúpula bolsonarista ordenou a suspensão de termos de documentos ou o veto a determinadas resoluções que citassem a palavra "gênero" ou outros temas delicados. 

5.Vazou informações para a sociedade civil sobre o posicionamento do Brasil na esperança de que uma pressão pública fosse feita para impedir que um determinado ato fosse concretizado. 

6.Publicou artigos sob o nome de outra pessoa ou de um acadêmico. "Arrastou o pé", diminuindo o ritmo de trabalho na implementação de instruções estabelecidas pela cúpula bolsonarista. 

7.Enganou a chefia ou informou o que era absolutamente necessário, ocultando da cúpula situações ou posições por parte de outros governos. 

8.Realizou reuniões sem registros na agenda oficial, impedindo que certos temas ou debates entrassem no radar da direção do Itamaraty.


Esses funcionários preservaram o anonimato, provavelmente por acreditar que estavam infringindo as leis do país, o que é possível.


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LEI DO SERVIÇO EXTERIOR BRASILEIRO

Art. 27. Além dos deveres previstos no Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da União, constituem deveres específicos do servidor do Serviço Exterior Brasileiro:

III - manter comportamento correto e decoroso na vida pública e privada;

IV - dar conhecimento à autoridade superior de qualquer fato relativo à sua vida pessoal, que possa afetar interesse de serviço ou da repartição em que estiver servindo; e

V - solicitar, previamente, anuência da autoridade competente, na forma regulamentar, para manifestar-se publicamente sobre matéria relacionada com a formulação e execução da política exterior do Brasil.

Art. 29. Além das proibições capituladas no Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da União, ao servidor do Serviço Exterior Brasileiro é proibido:

I - divulgar, sem anuência da autoridade competente, informação relevante para a política exterior do Brasil, a que tenha tido acesso em razão de desempenho de cargo no Serviço Exterior Brasileiro;

V - utilizar, para fim ilícito, meio de comunicação de qualquer natureza do Ministério das Relações Exteriores.


             ____________


LEI DO SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

Art. 116.  São deveres do servidor:

I - exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo;

II - ser leal às instituições a que servir;

III - observar as normas legais e regulamentares;

IV - cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais;

Dos Deveres

VI - levar as irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo ao conhecimento da autoridade superior ou, quando houver suspeita de envolvimento desta, ao conhecimento de outra autoridade competente para apuração;    

VIII - guardar sigilo sobre assunto da repartição;

IX - manter conduta compatível com a moralidade administrativa;

Das Proibições

II - retirar, sem prévia anuência da autoridade competente, qualquer documento ou objeto da repartição;

O assunto mereceria um exame mais aprofundado, tanto pelo aspecto jurídico, como porque envolve a credibilidade da instituição, pois autoridades e membros de outras carreiras do serviço público brasileiro, além de interlocutores de governos estrangeiros, poderão hesitar em compartilhar informações sigilosas com os diplomatas se acreditarem que elas poderão ser utilizadas da forma descrita no artigo. 

Do ponto de vista da moral e da ética, atos de “resistência” dessa natureza às vezes são justificáveis, embora ilegais,quando se trata de defender a democracia e os direitos humanos em ditaduras, mas na vigência de um regime democrático não há circunstância atenuante possível, vale apenas o que está no Artigo 116,IV da Lei do Serviço Público: “cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais”. 

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ARTIGO DE JAMIL CHADE, UOL, 07.12.2022

Dois diplomatas entram em um café em uma capital europeia. Um deles é brasileiro e carrega informações ultrassecretas. Sua missão é desarmar uma bomba. Parece filme de espionagem, mas a cena é real e se repetiu no governo Bolsonaro.

Uma rede de resistência clandestina foi criada no Itamaraty para conter a política externa bolsonarista.

A rede não envolveria apenas alguns poucos nomes e, de fato, teria se espalhado por alguns dos principais departamentos da chancelaria.

Temas como mudanças climáticas, direitos humanos, a questão palestina ou mesmo a Guerra da Ucrânia foram tratados nesses encontros sigilosos, confirmados pelo UOL com 13 funcionários do Itamaraty, incluindo embaixadores e servidores administrativos, e em um amplo e ainda inédito estudo de pesquisadoras da FGV e de Oxford. A rede não envolveria apenas alguns poucos nomes e, de fato, teria se espalhado por alguns dos principais departamentos da chancelaria.

Os objetivos da rede clandestina eram: Permitir que o outro país tivesse tempo para reagir a mudanças na política externa do Brasil, sem que uma crise fosse estabelecida. Preservar a credibilidade do Brasil no exterior e salvar décadas de uma construção da diplomacia nacional.

Para diplomatas, a palavra correta seria resistência, que existiu "em nome da democracia e da soberania", e sempre ocorreu dentro de parâmetros da legalidade. No fundo, tais atos não eram nada mais que uma tentativa de "equalizar posições" diante daqueles que estavam destruindo as estruturas do Estado. A verdadeira sabotagem, neste sentido, era o que estava ocorrendo com o sequestro de décadas da diplomacia brasileira para atender aos objetivos da extrema direita. 

1.Montou um esquema de contatos diretos com governos estrangeiros, sem ter de passar pela cúpula do Itamaraty e com o objetivo de desarmar crises diplomáticas. 

2.Limitou-se a ler "a instrução que chegou de Brasília", em reuniões na ONU, OMS ou OEA, sem uma atuação de empenho para convencer os demais países a seguir o Brasil em suas posições. 

3.Copiou documentos que poderiam ser usados para defender um diplomata contra acusações e registrar a ilegalidade de certos atos do Planalto. 

4.Gravou reuniões de forma clandestina nas quais a cúpula bolsonarista ordenou a suspensão de termos de documentos ou o veto a determinadas resoluções que citassem a palavra "gênero" ou outros temas delicados. 

5.Vazou informações para a sociedade civil sobre o posicionamento do Brasil na esperança de que uma pressão pública fosse feita para impedir que um determinado ato fosse concretizado. 

6.Publicou artigos sob o nome de outra pessoa ou de um acadêmico. "Arrastou o pé", diminuindo o ritmo de trabalho na implementação de instruções estabelecidas pela cúpula bolsonarista. 

7.Enganou a chefia ou informou o que era absolutamente necessário, ocultando da cúpula situações ou posições por parte de outros governos. 

8.Realizou reuniões sem registros na agenda oficial, impedindo que certos temas ou debates entrassem no radar da direção. Itamaraty.

Um clima de medo, represálias e perseguição se instalou no Itamaraty nos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro.

Saíram de cena a tradição e as nomeações técnicas, que sempre guiaram de forma explícita desde a promoção de diplomatas até as posições do Brasil no exterior, e entraram as indicações políticas e o alinhamento ideológico compulsório ao núcleo bolsonarista.

As mesmas condições foram identificadas na pesquisa coordenada pela professora da FGV Gabriela Lotta, em parceria com Izabela Corrêa, de Oxford, e Mariana Costa, também da FGV. 

As pesquisadoras entrevistaram diplomatas em diferentes posições na carreira e que estão alocados em distintos países e setores do Itamaraty. Todo o levantamento é feito de forma sigilosa e anônima, para preservar a identidade dos entrevistados. Segundo os funcionários ouvidos a gestão Bolsonaro promoveu:

- Monitoramento de diplomatas sobre o que curtiam nas redes sociais, se eram membros de partidos políticos ou até com quem eram casados. Uma funcionária relatou que não foi promovida depois que "foi descoberto" que seu marido trabalhou em um governo anterior. 

-  Substituição de funcionários que se dedicavam a estudos de temas contrários à agenda de Bolsonaro como clima, meio ambiente, gênero e direitos humanos, por pessoas leais ao governo. Promoções e transferências para o exterior foram transformadas em moeda de troca e instrumento de ameaça.

- Palavras como "gênero", "Cuba" e "mudanças climáticas" foram vetadas, evitadas ou até apagadas de documentos oficiais do passado. Uma servidora admitiu que teve como função modificar portarias, discursos, informações no site oficial e telegramas. Mulheres e homossexuais foram especialmente alvo dessa nova fase. "Há uma masculinização e a volta de certas práticas, como piadas no corredor", contou Gabriela Lotta, a pesquisadora da FGV

O tamanho do estrago

Os relatos coincidem com quatro anos que transformaram o Brasil em um pária internacional. Para a professora da FGV Gabriela Lotta, o impacto não se limitou aos muros do Palácio do Itamaraty. "A diplomacia brasileira tem sua moral e influência construídas na tradição e expertise. O governo negou isso, prejudicou a política externa e enfraqueceu a diplomacia e a imagem do Brasil." Na opinião da pesquisadora e dos embaixadores e diplomatas ouvidos pelo UOL, resistir foi a saída encontrada para sobreviver a um dos momentos mais tenebrosos da democracia brasileira. Muitos, porém, pagaram um preço elevado, tanto profissionalmente como em relação à saúde mental.

Dados confirmados pelo UOL com 13 funcionários do Itamaraty, incluindo embaixadores e servidores administrativos, e em um amplo e ainda inédito estudo de pesquisadoras da FGV e de Oxford.“

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Para aderir à OCDE, Bolsonaro mente sobre combate ao trabalho forçado - Jamil Chade (UOL)

 Para aderir à OCDE, Bolsonaro mente sobre combate ao trabalho forçado


Jamil Chade
Colunista do UOL
20/10/2022 04h00

Na esperança de convencer a OCDE que está alinhado com os critérios da entidade, o governo de Jair Bolsonaro omitiu os cortes de orçamento para programa de inspeção do trabalho ao apresentar seus compromissos sobre a área trabalhista. Em seu lugar, o governo listou programas criados para supostamente lidar com o fenômeno, sem dar dados de seu impacto e nem os resultados.

Uma das prioridades do governo Bolsonaro na política externa é a adesão à OCDE. Mas o ingresso de um país não depende apenas de uma decisão política. Para que seja aceito, o governo terá de provar que leis nacionais e as práticas de política pública atendem aos critérios da instituição com sede em Paris.

Nesse aspecto, os padrões trabalhistas são considerados como um dos critérios principais que a OCDE estabeleceu para aceitar a adesão de um país e, no processo de exame da candidatura brasileira, o tema será alvo de escrutínio.

No final de setembro, o governo submeteu à entidade mais de 1,1 mil páginas para demonstrar que suas leis nacionais e os programas do governo estavam em linha com os compromissos, acordos, protocolos e padrões estabelecidos pela OCDE em dezenas de temas.

Mas o governo, sem dar explicações, optou por manter o documento em sigilo, causando amplo protesto por parte da sociedade civil.

Nos últimos dias, o UOL mostrou com exclusividade como o governo escondeu, no documento, a existência de um orçamento secreto e mentiu sobre a situação ambiental no país. Agora, a reportagem revela que as distorções também são amplas no que se refere às pautas sociais.

Procurado pela reportagem todos os dias desde segunda-feira, o Itamaraty não prestou esclarecimentos e não explicou o motivo pelo qual o documento está sendo mantido em sigilo.

O que disse o governo?
No informe, o governo de Bolsonaro informa para a OCDE que, em 2022, "lançou um programa para orientar trabalhadores e empregadores no cumprimento da legislação, regulamentos e normas trabalhistas, incluindo a segurança e saúde ocupacional". "O Programa de Trabalho Sustentável busca, entre outros objetivos, erradicar o trabalho infantil e o trabalho forçado, além de combater a discriminação e promover a igualdade de oportunidades no trabalho", disse.

O governo também diz que "está em funcionamento, sob a responsabilidade da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho da Secretaria do Trabalho (SIT), um Grupo de Trabalho para a Promoção do Trabalho Decente nas Cadeias de Abastecimento, formado por auditores-fiscais do trabalho, cujo objetivo é realizar estudos e a coleta de experiências sobre o tema, que por sua vez servem como subsídios para a formulação de políticas públicas relacionadas ao assunto".

O governo ainda declarou para a OCDE que, numa de suas medidas, "não haverá tolerância para aquelas (cadeias de abastecimento)" em relação a « quaisquer formas de trabalho forçado ou compulsório".

"Um dos objetivos do Ministério do Trabalho é a erradicação do trabalho forçado e das condições degradantes de trabalho. A inspeção do trabalho visa a formalização dos trabalhadores liberados do trabalho forçado, bem como soluções adequadas e eficazes, tais como a compensação", diz o informe.

Segundo o governo, a pasta possui "um sistema específico de denúncia de trabalho forçado, chamado "Sistema Ipê" e um Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil - "Radar SIT", com uma área exclusiva para trabalho forçado e tráfico de pessoas".

Com relação ao trabalho infantil, o Ministério do Trabalho promove ações de inspeção do trabalho para combatê-lo, conscientiza o público sobre os danos causados pelo trabalho prematuro, assim como articula ações com outras entidades da rede de proteção a inclusão de adolescentes que deixam o trabalho infantil em programas de proteção social e em programas de aprendizagem", completa.

O texto ainda cita um decreto de 2019 que promulgou convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho, principalmente sobre a abolição do trabalho forçado, sobre a Proibição e Ação Imediata para a Eliminação das Piores Formas de Trabalho Infantil, entre outras.

Dados e sociedade civil desmentem o governo
A lista de ações apresentada pelo governo para a OCDE, porém, é questionada por especialistas e pela sociedade civil.

De acordo com a Conectas Direitos Humanos, o documento "exorta o papel do Ministério do Trabalho e, principalmente, da Secretaria de Inspeção do Trabalho na promoção e fiscalização de todos os pontos importantes que adentra, como igualdade de salários, redução do trabalho infantil e escravo".

"No entanto, não informa que o orçamento da inspeção do trabalho vem sendo cada vez mais reduzido", diz.

Segundo eles, a verba autorizada para "Fiscalização de Obrigações Trabalhistas e Inspeção em Segurança e Saúde no Trabalho" sofreu uma redução de mais 50% entre 2019 e 2022, passando de R$ 68,2 milhões para R$ 30,4 milhões.

"A falta de recursos tem impacto direto no número de operações fiscais realizadas, mas também atingem outras áreas do órgão, como ações de prevenção, conscientização e processamento interno de denúncias", declarou.

Segundo a Conectas, as equipes do Ministério do Trabalho e Previdência de Minas Gerais - um dos estados que mais realiza inspeções trabalhistas - estão hoje com suas atividades paralisadas por falta de verba.

Numa outra avaliação, a entidade destaca que, nos últimos dez anos, o número de auditores fiscais passou de 2.935 fiscais em 2010 para apenas 2.050 em 2020.

"Chama a atenção no relatório brasileiro à OCDE a omissão ou distorção de pontoschaves de degradação da governança socioambiental brasileira, sobretudo no que se refere a direitos indígenas, proteção a defensores de direitos humanos e ambientais ou mesmo proteção aos trabalhadores", disse Júlia Neiva, coordenadora do Programa de Defesa dos Direitos Socioambientais, Conectas Direitos Humanos.

Segundo ela, a reforma trabalhista suprimiu mais de 200 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho, enfraqueceu sindicatos e permitiu aos empregadores terceirizar 100% de sua força de trabalho. "Além disso, houve uma redução de um terço nos últimos dez anos do número de fiscais do trabalho e cortes consideráveis em programas de combate à escravidão contemporânea", alertou.

Para a especialista, é "imprescindível que a sociedade civil seja escutada pela OCDE no que diz respeito às políticas de direitos humanos no Brasil para que um eventual ingresso do país ao órgão leve em consideração a implementação de políticas que respeitem o alto nível de governança exigido e se reverta em um ambiente de paz e prosperidade para sua população".


Rússia se declara satisfeitíssima com o apoio do Brasil, seja com Bolsonaro, seja com Lula - Jamil Chade (UOL)

 A Rússia do criminoso Putin está satisfeitíssima com a postura diplomática do Brasil e declara isso abertamente. Ou seja, a diplomacia brasileira ABANDONOU a defesa da Carta da ONU e de princípios elementares do Direito Internacional para ficar do lado de um criminoso de guerra e violador da paz internacional, causando problemas inclusive para o Brasil.


Moscou: relação com o Brasil é "excelente" e eleição não afetará contatos
Jamil Chade
Colunista do UOL
20/10/2022 07h00

A relação do Brasil com o governo de Vladimir Putin é "excelente" e, independente do resultado da eleição presidencial no país dia 30 de outubro, o Kremlin aposta na manutenção desse diálogo. O governo russo é acusado por investigações independentes da ONU de cometer crimes de guerra em sua invasão na Ucrânia, violar a Carta das Nações Unidas e reprimir a oposição interna na Rússia.

Em uma rara entrevista concedida nesta quinta-feira em Genebra, um dos diplomatas de mais alto escalão do Kremlin elogiou o posicionamento do governo de Jair Bolsonaro em sua relação com Moscou.

"Nossa relação com o Brasil é excelente. Não restam dúvidas", disse o embaixador da Rússia na ONU, Gennady Gatilov. "Claro, o Brasil tem posições específicas sobre temas específicos. Mas vamos continuar com nossa relação com os brasileiros", afirmou o negociador.

Segundo ele, a esperança do Kremlin é de que nada mudará após as eleições no país, dia 30 de outubro. "Independente do resultado, espero que a relação continue a avançar. Até mais, talvez", afirmou.

Entre as potências ocidentais, a visita do presidente Jair Bolsonaro ao Kremlin, dias antes da eclosão da guerra em fevereiro foi vista com desconfiança. Brasília, porém, insistia que precisava manter o canal de diálogo com os russos, principalmente por conta da importação de fertilizantes, chave para o agronegócio brasileiro.

Nos seis primeiros meses da guerra, a relação comercial do Brasil com a Rússia se expandiu de forma importante, com Brasília deixando claro que não iria aderir ao pacote de sanções impostas pelas potências Ocidentais.

Nas votações de resoluções na ONU condenando a Rússia, o Itamaraty tem optado pela abstenção. Um dos temores da chancelaria brasileira é de que o isolamento imposto sobre Moscou possa impedir qualquer retomada de um diálogo para um acordo de paz.

Em Genebra, o Brasil não deu seu voto para a proposta de criação de um relator especial para monitorar as violações de direitos humanos na Rússia. Mas, na Assembleia Geral, o Itamaraty votou pela condenação das anexações de quatro regiões ucranianas por parte do Kremlin. A resolução foi aprovada com 143 votos a favor.

Para Gatilov, nem mesmo o voto do Brasil ao lado das potências ocidentais no caso da anexação afeta a relação. "Todos têm o direito de ter suas posições. Mas isso não quer dizer que ela vai contaminar nossa relação com o Brasil", afirmou o diplomata, que destaca ainda a aproximação entre o Kremlin e os demais países dos Brics.

60 anos da crise dos mísseis em Cuba
Em uma hora de conversa com a imprensa estrangeira, o embaixador não falou uma só vez a palavra "guerra". "Fomos pacientes por oito longos anos. Mas não podemos mais aceitar os assassinos de russos na Ucrânia", disse.

Segundo ele, a "fonte" da crise foi a recusa dos EUA de reconhecer a necessidade de proteger interesses de segurança da Rússia.

Gatilov ainda fez uma comparação entre a atual guerra e a crise dos mísseis de Cuba, que nesta semana completa 60 anos.

Naquele momento, o posicionamento de armas soviéticas na ilha do Caribe gerou o momento mais tenso da Guerra Fria e, segundo analistas, o mundo esteve próximo de uma guerra nuclear.

"Naquele momento conseguimos evitar um desastre nuclear por meio de concessões mútuas e consideração de segurança de cada país", disse Gatilov. "Parece que os americanos não aprenderam essa lição do passado", alertou. "Oito meses depois do início da operação especial, o governo dos EUA não quer entender que a Rússia tem interesses legítimos de segurança".

Ucrânia nunca vai vencer
Numa declaração desafiadora, o embaixador ainda avisou: "a Ucrânia nunca vai vencer a guerra". "Vencer no campo de batalha é algo que nunca vai ser atingido", disse.

Para ele, hoje o governo de Kiev tem sido "comandado" pela Casa Branca. "Há uma guerra por procuração realizada contra Moscou. Kiev faz o que Biden ordena. Se isso não parar, não haverá negociação", disse.

Segundo o embaixador, antes mesmo do conflito começar, teria sido o governo Biden queteria ordenado Volodymyr Zelensky a abandonar as negociações que ocorriam com o Kremlin. "As potências Ocidentais queriam a guerra", completou.

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2022/10/20/moscou-relacao-com-o-brasil-e-excelente-e-eleicao-nao-afetara-contatos.htm

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Bolsonaro boicota nome de Paulo Casella para Haia - Jamil Chade (UOL)

 Bolsonaro boicota nome de brasileiro para Haia; candidato citou genocídio

Jamil Chade
Colunista do UOL
18/10/2022 15h38

O governo de Jair Bolsonaro decidiu não fazer campanha para a eleição do professor brasileiro Paulo Borba Casella como juiz da Corte Internacional de Justiça, em Haia. O governo optou por fazer promoção apenas do nome de Leonardo Nemer Caldeira Brant, numa eleição marcada para o início de novembro, em Nova York.

Casella, professor de direito internacional da USP, tem denunciado crimes de genocídio e passou a ser uma das vozes mais atuantes na defesa de povos indígenas, meio ambiente e direitos humanos na academia. O professor foi ainda um dos organizadores do Fórum Permanente sobre Genocídio e Crimes contra a Humanidade. Numa recente entrevista, ele defendeu a responsabilização de Bolsonaro na condução da pandemia. "É uma conduta que não é só omissa. Ela é deliberadamente destrutiva. Aí é que entra a caracterização de genocida. Do ponto de vista de causar dano, está claramente colocado", disse.

"Fui alvo de um boicote por defender o meio ambiente, indígenas, minorias e direitos humanos", declarou Casella ao UOL. Fontes do Itamaraty explicaram que é prerrogativa do governo escolher um dos indicados e, como fazem outros países, essa foi a prática adotada pelo governo brasileiro. A versão do governo é contestada, já que tal medida não consta dos estatutos da corte.

Segundo o governo, também foi decidido que seria Brant quem reuniria as qualificações para seguir o legado de Antonio Augusto Cançado Trindade, que ocupava a vaga. Foi seu falecimento em maio que abriu uma das vagas entre os juízes e é tradição que o restante do período de um mandato seja dado para um candidato da mesma nacionalidade. Isso correu em 1923, quando Rui Barbosa ocupava um dos assentos de juiz em Haia e faleceu. Em seu lugar, foi eleito Epitácio Pessoa, que havia concluído seu mandato como presidente em 1922.

Conforme prevê as regras da Corte, a indicação dos candidatos é feita pelos juristas, juízes, acadêmicos e personalidades daquela nacionalidade e que já fazem parte de outros tribunais internacionais, chamado de Grupo Nacional. E não pelo governo.

Segundo o artigo 4 do estatuto do tribunal, "os membros da Corte serão eleitos pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança de uma lista de pessoas apresentadas pelos grupos nacionais da Corte Permanente de Arbitragem".

Ou seja, não se trata de uma indicação de um governo nacional, justamente para impedir que os nomes indicados tenham sua liberdade e autonomia afetadas. No caso do Brasil, o Grupo Nacional é formado por Celso Lafer e outros nomes que colocaram Casella e Nemer como candidatos do país.

E, de fato, em 1 de agosto de 2022, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, recebeu do Grupo Nacional do Brasil a carta com a indicação dos dois nomes dos candidatos brasileiros.

Mas, em documentos obtidos pelo UOL, a instrução interna no Itamaraty foi para que as missões e embaixadas do Brasil no exterior apenas peçam votos dos países por Nemer. O governo insiste que não teria sentido fazer campanha por dois nomes. Em 3 de agosto de 2022, numa carta enviada pela missão do Brasil na ONU para o governo de Saint Vincent e Grenadines, que coordena o Grupo Latino Americano e do Caribe nas Nações Unidas, o Itamaraty confirmou a existência de apenas um candidato: Nemer. O nome de Casella sequer é mencionado.

Questionado pela reportagem, o Itamaraty explicou que "o Governo brasileiro decidiu apoiar um dos dois candidatos indicados pelo grupo nacional do Brasil em vista da existência de apenas uma vaga e do quadro de disputa nas eleições em apreço em decorrência da candidatura argentina".

"O governo brasileiro considera que o professor Caldeira Brant reúne excelentes qualificações para dar continuidade ao legado do juiz Cançado Trindade. Caso o governo brasileiro fizesse campanha em favor de dois candidatos ao mesmo tempo, dificilmente um deles contaria com votos suficientes para ser eleito, o que inviabilizaria a presença de um juiz brasileiro na CIJ", disse a chancelaria.

Mas uma semana antes e sem ainda que a indicação oficial dos dois candidatos tivessem sido apresentadas para a ONU, o chanceler Carlos França recebeu Nemer para um almoço no Itamaraty, um sinal claro da preferência do governo. Casella foi apenas recebido no final da tarde de uma sexta-feira, e ainda assim pelo então ministro interino.

O UOL ainda apurou que Nemer também viajou ao lado do chanceler Carlos França e tem percorrido embaixadas pelo mundo para defender sua candidatura. Em Brasília, ele esteve em duas ocasiões com o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente.

O nome preferido pelo governo, porém, já foi derrotado em eleições passadas. Numa campanha para uma das vagas de juiz no Tribunal Penal Internacional, ele ficou de fora em 2014. Naquele momento, foi o governo de Dilma Rousseff quem bancou sua campanha. O temor dos próprios diplomatas é de que tal derrota e a interferência de Bolsonaro acabe atrapalhando a busca por votos e que, como resultado, o Brasil acabe ficando sem um representante na Corte de Haia.

Casella foi informado que, de fato, não contaria com o apoio do governo para sua candidatura, apesar de ter sido o escolhido pelo Grupo Nacional. No dia 5 de agosto, ele foi até Brasília onde se reuniu com um dos principais embaixadores hoje na chancelaria.

Diante da constatação de que seu nome não seria promovido, sua opção foi por enviar para todos os governos em suas missões na ONU uma carta própria explicando que seu nome continuava na lista dos candidatos. Ele argumenta que foi colocado em primeiro lugar na indicação pelo Grupo Brasileiro no documento entregue ao secretário-geral das Nações Unidas. A versão é contestada pelo governo, que diz não haver uma ordem.

"Assim, há dois candidatos brasileiros à eleição, mas apenas o segundo é abertamente apoiado pelo atual Governo do Brasil, por razões de alinhamento ideológico e opiniões políticas compartilhadas com o governo Jair. Bolsonaro", escreveu Casella.

"Obviamente, um juiz da Corte Internacional de Justiça, enquanto nacional e cidadão de seu país de origem, deve ser independente em todos os momentos, a fim de estar em condições de cumprir adequadamente os deveres de um membro do órgão judicial supremo das Nações Unidas", explicou.

"Esta é a razão do procedimento adotado pela Corte, com candidatos indicados pelos grupos nacionais, e não a critério dos governos nacionais e de seus caprichos políticos", completou.