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sábado, 26 de novembro de 2022

Livro de José Jobim, Hitler e seus comediantes; resenha de João Batista Natali (FSP)

Hitler e seus Comediantes na Tragicomédia: O despertar da Alemanha

  • Autor José Jobim
  • Editora Topbooks
  • R$ 69,90 158 págs.

Reportagens de brasileiro nos anos 1930 sobre o nazismo lembram valor do bom jornalismo

Em livro que ganha nova edição José Jobim relatou gênese dos horrores da Segunda Guerra

    São Paulo

    Uma boa pergunta consistiria em saber se a perfídia moral do nazismo já era conhecida quando Adolf Hitler chegou ao poder ou se, ao contrário, foi preciso esperar que historiadores e juízes do Tribunal de Nuremberg reunissem as informações que até hoje nos chocam de modo superlativo.

    E a boa resposta seria a seguinte: a monstruosidade do nazismo já era plenamente exercida quando, no início de 1933, Hitler foi nomeado para a chefia do governo alemão. Tanto que o bom jornalismo relatava em detalhes os horrores que aconteciam.

    Um dos repórteres competentes daquela época foi José Jobim, que em 1934 reuniu reportagens no livro "Hitler e seus Comediantes na Tragicomédia: O Despertar da Alemanha", há pouco reeditado pela Topbooks.

    Soldados nazistas em treinamento em foto sem data - Divulgação Holocaust Memorial Museum

    O autor, paulista de Ibitinga, prestou em seguida concurso para o Itamaraty. Durante sua carreira de diplomata foi embaixador na Colômbia, na Argélia, no Vaticano e no Equador. Foi assassinado em 1979, por estar reunindo material para um livro sobre a corrupção na construção da usina de Itaipu —a causa verdadeira de sua morte foi relatada apenas anos depois, pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos do regime militar.

    Mas voltemos à Alemanha, onde crimes semelhantes eram recorrentes. Jobim teve acesso fácil, em 1933, a informações sobre a administração nazista. E por que não foi também esse, então, o comportamento de toda a mídia a brasileira?

    O correspondente nos conta que Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda do Terceiro Reich, distribuía propina a jornais, agências de notícia e jornalistas, para que falassem bem de Hitler e escondessem as safadezas que ele cometia.

    Por exemplo, o incêndio do Reichstag, o Parlamento em Berlim, em 28 de fevereiro de 1933. O fogo foi atribuído mentirosamente a um ex-comunista holandês, Marinus van der Lubbe. Mas quem o acendeu foi um comando que entrou de madrugada no prédio, por meio de uma passagem subterrânea que saía dos aposentos de Hermann Goering —viciado em cocaína, diz Jobim—, um dos homens de confiança de Hitler.

    Vejamos o contexto. Naquele mês de fevereiro a Alemanha ainda era formalmente uma democracia e se preparava para eleições em que os comunistas poderiam ultrapassar em número de deputados a bancada dos nazistas. O incêndio foi o pretexto para prender deputados comunistas, proibir seus jornais, vetar ao partido o acesso às emissoras de rádio e criminalizar sua existência.

    Para tanto, e mais uma vez, a operacionalidade suja foi entregue às Sturmabteilung, as SA, milícia armada do Partido Nacional-Socialista que seria depois responsável pelo extermínio de judeus e opositores nos campos de concentração.

    As SA também exerciam o poder ilimitado de polícia. Jobim cita o "Livro Pardo", espécie de compêndio de violações alemãs dos direitos humanos, que aponta 60 mil casos de tortura nos meses iniciais da consolidação do nazismo.

    O jornalismo põe em evidência curiosidades que nos anos seguintes historiadores considerariam menos relevantes. Jobim, que trabalhava para vários jornais, informa, por exemplo, que brochuras com textos da oposição circulavam com capas em que apareciam uma catedral gótica alemã ou o rosto de atrizes de cinema. Entre os dados mundanos, o primeiro congresso do Partido Nazista já no poder transportou delegados em 340 trens especiais e nele foram consumidos 500 mil quilos de salsichas.

    Mas o nazismo foi um suicídio da inteligência alemã. O físico Albert Einstein precisou se exilar por ser judeu e viu seus livros queimados na Universidade de Berlim. O "Völkischer Beobachter", jornal que o próprio Hitler dirigia, informou em maio de 1933 que 600 mil toneladas de livros e revistas haviam sido confiscadas, e parte delas, queimadas —entre as vítimas, romances de Thomas Mann, Nobel de Literatura.

    Grandes professores foram demitidos e tinham seus passaportes confiscados, para não poder lecionar ou pesquisar em países estrangeiros.

    Em meio a 10 mil bibliotecas particulares, foram queimados manuscritos antigos do Instituto de Pesquisas Sexuais Magnus Hirschfeld, na época singular em toda a Europa, acusado pelo governo de "colecionar material pornográfico".

    Jobim ainda menciona o lado tosco da idealização da mulher como mãe ariana, desestimulada a voltar ao mercado de trabalho, para onde a geração anterior se encaminhou em razão do deslocamento dos homens para as trincheiras da Primeira Guerra. A mulher sob o nazismo pertence essencialmente ao lar, onde cuida moralmente dos filhos, que o Estado também escolariza por meio do ensino ideológico do totalitarismo.

    Há o exemplo esquisito de um garoto de 10 anos, filho de imigrantes uruguaios e que se chamava José. Na escola, o garoto contou ao jornalista que colegas que se comportavam mal eram cercados e ameaçados: "Você não passa de um judeu".



    domingo, 31 de julho de 2022

    Hitler e seus Comediantes, pelo jornalista José Jobim (1934): reedição pela Topboks (2022).

     Um livro praticamente desaparecido dos sebos, desde suas duas edições de 1934, e que constitui um primeiro testemunho, por um brasileiro, sobre o regime nazista em ascensão: 

    Hitler e seus Comediantes (RJ: Cruzeiro do Sul, 1934).

    Alguns anos depois, o político e jornalista Lindolfo Collor, faria também seus relatos, mas para o final da década, no limiar da nova guerra global. 

    Hitler e seus comediantes

    (Rio de Janeiro: Topbooks, 2022)

    Apresentação da Editora:

    Jornalista e diplomata, o autor trabalhou como repórter para vários órgãos de imprensa e entre 1930 e 1936 foi enviado especial de O Jornal à Ásia, África e Europa.

    Na Alemanha, impressionou-se com a ascensão meteórica de Hitler e fez anotações importantes para uma grande reportagem, que pretendia publicar na imprensa carioca. Mas, ao voltar ao Rio com essa intenção, nenhum jornal quis se ariscar. Então transformou o excelente material num livro, que teve duas edições em 1934, virou raridade e só agora, quase nove décadas depois, retorna às livrarias. 

    Nele, José Jobim fala de tudo que viu, dos discursos inflamados de Hitler e das muitas pessoas que lhe contaram histórias dramáticas. Sua carreira diplomática teve início em 1938, e no Itamaraty, entre outros postos, serviu no Paraguai, durante o início das negociações para a criação da Hidrelétrica de Itaipu, e como embaixador na Argélia, Vaticano e Marrocos, aposentando-se em 1975. 

    Em 22 de março de 1979, aos 69 anos, saiu de casa para visitar um amigo e não mais retornou. Encontrado morto dois dias depois, a polícia tratou o caso como suicídio, mas na verdade ele fora sequestrado e assassinado pela ditadura empresarial-militar por estar escrevendo um livro onde denunciaria um esquema de corrupção no financiamento e construção da Itaipu Binacional. 

    Depois de anos de luta de sua família, em 2018 se deu o reconhecimento de que José Jobim havia sido vítima da violência do Estado brasileiro. Sua certidão de óbito foi corrigida.

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    Ele tinha publicado, no mesmo ano, seu livro imediatamente anterior, que tratou do caso de Portugal sob o Estado Novo: 

    A Verdade sobre Salazar: entrevistas concedidas em Paris pelo Sr. Affonso Costa (RJ: Calvino Filho, 1934).

    Também registrei as investigações sobre a sua morte, bem como a homenagem que lhe foi prestada pela turma que se formou no Instituto Rio Branco em 2021 em pelo menos quatro postagens de meu blog: 

    José Jobim: o embaixador que sabia demais - André Bernardo 

    A ferida aberta do Itamaraty : José Jobim, patrono da turma de 2021 - Ricardo Lessa (Piauí)

    Cold Case no Itamaraty: a estranha morte do embaixador Jobim em 1979 - Hellen Guimarães (revista Epoca)

    Nova turma do Instituto Rio Branco homenageia embaixador morto pela ditadura - Eliane Oliveira (Globo)


    quarta-feira, 15 de setembro de 2021

    A ferida aberta do Itamaraty : José Jobim, patrono da turma de 2021 - Ricardo Lessa (Piauí)

    José Jobim, antes de ingressar na diplomacia, já no Estado Novo, foi jornalista, e correspondente de vários jornais brasileiros na Europa, mas viajou ao redor do mundo, entrevistando gente famosa, inclusive Madame Chiang Kai-Shek, em  Xangai.

    Entrevistou o diplomata e político português Affonso Costa, negociador dos acordos de Paris de 1919, presidente da Liga das Nações e primeiro ministro de Portugal antes da ditadura do Estado Novo (original), de Salazar, e publicou o livro A Verdade sobre Salazar: entrevistas concedidas em Paris pelo Sr. Affonso Costa (RJ: Calvino Filho, 1934), e de Paris embarcou para a Alemanha nazista, da cuja viagem resultou o livro Hitler e seus Comediantes (RJ: Cruzeiro do Sul, 1934). 

    Mais tarde, trabalhou com Oswaldo Aranha e publicou o livro Brazil in the Making (NY: McMillan, 1942).

    Paulo Roberto de Almeida

    anais da diplomacia 

    A ferida aberta do Itamaraty 

    Homenagem feita por jovens diplomatas a José Jobim, morto pela ditadura, constrange o governo e reaviva o caso, até hoje não esclarecido 

    Ricardo Lessa 
    Revista Piauí, 15 set 2021 _ 15h31 

    ILUSTRAÇÃO: CARVALL

    Os alunos do curso de preparação para a carreira diplomática, realizado pelo Instituto Rio Branco, são mais famosos pela sutileza do que por atos de bravura. No último 1º de setembro, porém, foram mais do que corajosos: escolheram como patrono da turma 2020/2021 José Pinheiro Jobim, único diplomata morto pela ditadura militar. Em março de 1979, o corpo de Jobim foi encontrado na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, com sinais de violência. Assim como o jornalista Vladimir Herzog três anos e meio antes, Jobim estava enforcado numa árvore baixa, com os joelhos curvados. Para acentuar a ousadia, os formandos escolheram como paraninfa da turma a embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues, filha de um embaixador cassado pela ditadura, Jaime de Azevedo Rodrigues.

    O ministro das Relações Exteriores, Carlos França, representou o governo e discursou na solenidade, para a qual os vinte alunos puderam convidar apenas duas pessoas cada. Não houve cobertura da imprensa. Formado na turma Ulysses Guimarães de 1993, fato que fez questão de lembrar, França distribuiu de maneira equânime elogios ao presidente ausente e aos novos integrantes da carreira diplomática. Afeitos às mensagens das entrelinhas, alguns alunos identificaram tons de ameaça nas alusões do ministro à necessária coesão da instituição. Outros enxergaram um pequeno broche do exército na lapela do chefe de gabinete do chanceler, Achilles Zaluar, um dos três que sentaram à mesa da cerimônia.

    Faz três anos que os formandos do Itamaraty tentam emplacar o nome de José Jobim como patrono. Em 2019, o nome dele foi derrotado em votação apertada – 16 a 14 – pelo de Aracy Guimarães Rosa, funcionária do Itamaraty que ajudou a salvar judeus na Alemanha nazista, trazendo-os para o Brasil, embora houvesse, durante o governo Vargas, restrições à entrada de judeus no país. Em 2020, o homenageado foi o poeta e diplomata João Cabral de Mello Neto, que deixou Jobim em segundo lugar na votação. Este ano, finalmente, o diplomata paulista venceu por 12 a 7 (e uma abstenção) a embaixadora Vera Pedrosa.

    A turma de formandos do Instituto Rio Branco, com o ministro Carlos França no centro (de máscara cinza). Foto: Ministério das Relações Exteriores

    A ausência de Bolsonaro foi apenas a demonstração mais evidente do incômodo que a homenagem a Jobim causou na linha dura das Forças Armadas e no Itamaraty. Mesmo após a saída de Ernesto Araújo, continua existindo uma ala bolsonarista radical dentro do Ministério das Relações Exteriores. A lembrança do diplomata morto pelos militares cutuca uma ferida não cicatrizada na instituição, que separa, de um lado, os herdeiros dos torturadores dos porões da ditadura, que ajudaram a montar a lista de cassações no Itamaraty, e, de outro, suas vítimas e respectivos descendentes.

    Jobim mexeu ainda em outra perigosa casa de marimbondos, cuidadosamente mantida encoberta até hoje: a papelada sobre a maior e mais vistosa obra do período militar, ainda hoje não totalmente paga, a Usina de Itaipu, antes conhecida como Sete Quedas. Por ter servido em 1958 como ministro-conselheiro na Embaixada Brasileira em Assunção, no Paraguai, Jobim tornou-se um expert no assunto. Às vésperas do golpe militar, em fevereiro de 1964, foi indicado pelo presidente João Goulart como representante do Brasil na Comissão Especial de negociação com o Paraguai, para aproveitamento do Rio Paraná.

    Construída na fronteira entre os dois países, a Usina de Itaipu, além de ter provocado intensas paixões no Paraguai e nos países vizinhos, reacendendo memórias de guerras do século XIX, despertou interesses econômicos das principais potências mundiais. Mesmo servindo em outra embaixada – a de Bogotá, na Colômbia –, Jobim foi designado para acompanhar o então ministro da Justiça e Negócios Interiores, Juracy Magalhães, ao Paraguai, em junho de 1966, no encontro de Foz do Iguaçu. Ali, junto ao chanceler paraguaio, foi assinada a Ata das Cataratas, abrindo caminho para a construção da usina.

     Ligado pelo sobrenome do meio ao senador gaúcho Pinheiro Machado (assassinado em 1915), que exerceu grande influência no Itamaraty durante o início da República, Jobim se sentia suficientemente seguro, até uma semana antes de ser morto, para viajar até Brasília e assistir à transmissão de cargo entre dois amigos embaixadores: Azeredo da Silveira, o chanceler de Geisel, e Ramiro Saraiva Guerreiro, seu sucessor, escolhido por Figueiredo.

    Jobim era ligado a famílias tradicionais na política brasileira. Irmão de Danton, ex-senador e ex-presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), era também tio do ex-presidente Fernando Collor, já que sua esposa Lígia era irmã de Dona Leda, mãe de Collor. Além disso, Jobim tinha parentesco com o ex-ministro da Justiça Nelson Jobim (1995-97), sem falar do primo mais famoso, Antônio Brasileiro – o Tom –, e do não menos célebre João (Jobim) Saldanha, jornalista e ex-técnico da Seleção Brasileira de futebol.

    As relações familiares não pouparam a vida do diplomata. Mas, aparentemente, serviram para atrapalhar a recente campanha do ex-presidente Fernando Collor, que se ofereceu para ser ministro das Relações Exteriores quando Ernesto Araújo dava sinais de exaustão no cargo, no começo deste ano. A linha dura não esquece. Primo-irmão da filha de Jobim, o ex-presidente costumava ser cordial nos encontros de família, mas ultimamente vem se tornando mais distante. “Passou a me ignorar, mas não me faz falta”, comenta a jornalista e advogada Lygia Jobim, filha do diplomata, que leva o nome da mãe, mas com outra grafia.

    A viagem a Brasília de seu pai, em março de 1979, não aparentava a Lygia nada de anormal. Ela soube depois, porém, que durante a cerimônia de transmissão de cargo, no dia 15 daquele mês, Jobim teria comentado numa roda de conversa que estava escrevendo suas memórias e revelaria uma parte encoberta das negociações entre paraguaios, brasileiros e fornecedores estrangeiros que disputavam a obra de Itaipu. O preço final da usina, algo em torno de 30 bilhões de dólares, segundo denúncias da época, teria sido inflado por desvios de verba tanto para o lado paraguaio quanto para o brasileiro.

    O fato de Jobim e seu irmão Danton terem sido jornalistas e militado no Partido Comunista Brasileiro durante a juventude não contribuiu muito para que eles conquistassem a simpatia dos militares que tomaram o poder em 1964. Naquela época, estava ainda recente na memória de todos os conflitos em torno de Suez (1956), que terminaram com a nacionalização do canal pelo coronel egípcio Gamal Abdel Nasser. Já havia começado também a construção da represa de Assuã, no Egito (1958), com apoio técnico e financiamento da União Soviética. Soviéticos e alemães disputavam grandes obras de eletricidade mundo afora. Os dois lados queriam fornecer as gigantescas turbinas para o que seria então a maior usina hidrelétrica do mundo (Itaipu foi, de fato, a maior do mundo até o ano de 2006, quando foi superada pela usina de Três Gargantas, na China).

    Uma demonstração da importância da obra de Itaipu foi a visita ao Brasil de Ernst von Siemens, dono da empresa alemã que leva seu nome, quase simultaneamente à passagem de missão da Energo-Mach Export, soviética, em 1972. A cooperação com o país comunista foi cogitada pelos brasileiros mesmo após o golpe de 1964. O então ministro do Planejamento, Roberto Campos, manteve conversas com os soviéticos e chegou a visitar Moscou em 1965, a convite da fabricante de turbinas. Mesmo anos depois, em 1972, uma delegação econômica soviética foi recebida pelo então ministro da Fazenda Delfim Netto.

    Entre os militares, no entanto, começou a correr o boato de que Jobim teria beneficiado interesses dos soviéticos nas negociações de Itaipu. A Siemens, por sua vez, fazia seu lobby junto ao então embaixador brasileiro em Buenos Aires, Pio Corrêa. Fato é que a Siemens ganhou a concorrência da usina, e Pio Corrêa deixou a carreira diplomática em 1969 para assumir o posto de presidente da empresa alemã no Brasil, onde permaneceu até 1983, quando foi instalada em Itaipu a primeira turbina fabricada pela Siemens.

     Quando soube da morte do pai, Lygia Jobim estava grávida de três meses e tentou desde o primeiro momento saber quem tinha o tinha matado e por quê. Escreveu ao então presidente Figueiredo e procurou ajuda entre os diplomatas conhecidos. Na ocasião, Lygia era casada com o dono da editora Civilização Brasileira, Ênio da Silveira (1925-1996), outro alvo dos grupos terroristas que soltaram bombas em redações, bancas de jornais, editoras, OAB e, finalmente, fracassaram no atentado ao Riocentro da noite de 30 de abril de 1981.

    Não foi surpresa que não tenha conseguido avançar na investigação. O corpo de seu pai foi convenientemente deixado na região da delegacia comandada por Ruy Dourado, na Barra da Tijuca, no Rio. Famoso pela fidelidade ao grupo que atuava nos porões do regime, Dourado, conforme descobriu anos depois a Comissão da Verdade, trabalhou na Embaixada Brasileira em Montevideo quando ela foi ocupada por Pio Corrêa, entre 1964 e 1966. O nome do embaixador foi citado como colaborador da CIA em um livro escrito por Philip Agee, ex-agente da companhia de inteligência americana.

    Apesar dos esforços da filha de Jobim, pouco se sabe até hoje sobre quem matou e quem mandou matar o diplomata. A certidão de óbito da época pedia exames complementares para determinar a exata causa da morte. A promotora Telma Musse Diuana, que atuou no inquérito aberto para apurar o caso, pediu, em 1985, o arquivamento do processo devido à impossibilidade de se avançar nas investigações. Ela disse, no processo, estar plenamente convencida de que o embaixador José Jobim foi vítima de um crime de homicídio.

    A Comissão Nacional da Verdade, que funcionou de 2011 a 2014, tirou a morte de Jobim do esquecimento e incluiu seu nome na relação das pessoas assassinadas pela ditadura militar. Alguns anos mais tarde, em 2018, a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) retificou o atestado de óbito de Jobim, no qual passou a constar como culpado pela sua morte, aos 69 anos, “o Estado brasileiro”, por razões políticas.

    A homenagem da turma do Itamaraty a Jobim é considerada por Lygia, sua filha, mais do que merecida. Mas ela relembra também que sua luta de mais de quarenta anos para descobrir os mandantes do homicídio permanece inconclusa. Os papéis originais guardados por seu pai em uma mala para a elaboração de suas memórias sobre Itaipu nunca foram encontrados. As novas regras de transparência nos negócios levaram a Siemens a pagar uma multa de 1,6 bilhão de dólares aos Estados Unidos e à Alemanha por pagamentos ilegais a autoridades de quarenta países. O capítulo Itaipu, entretanto, ainda não foi aberto.


    sábado, 11 de setembro de 2021

    José Jobim: o embaixador que sabia demais - André Bernardo

     José Jobim escrevendo

    Quem é o embaixador José Jobim, assassinado na ditadura militar e homenageado por alunos do Instituto Rio Branco?

    Era para ser uma formatura como outra qualquer. Dessas que o Instituto Rio Branco, criado em comemoração ao centenário de nascimento do Barão do Rio Branco (1845-1912), o patrono da diplomacia brasileira, organiza desde 1945. Mas, a escolha do embaixador José Pinheiro Jobim (1909-1979)– sequestrado, torturado e morto pela ditadura – como patrono da mais nova turma de alunos do Curso de Formação de Diplomatas reverteu as expectativas. O presidente da República, Jair Bolsonaro, não compareceu à cerimônia. Em vez disso, mandou um discurso gravado aos 20 novos diplomatas. Mais: a imprensa sequer foi credenciada para cobrir a formatura. “Fiquei feliz de ver que, no Itamaraty, há uma juventude que resiste”, afirma a jornalista e advogada Lygia Maria Jobim, de 71 anos. “Essa homenagem é a negação do negacionismo e da barbárie. Gestos como esse são fundamentais para que consigamos continuar a respirar enquanto atravessamos este mar de lama”. 

    Em seu discurso, o chanceler Carlos França declarou que Jobim é “referência de diplomata e de dedicação ao Brasil”. Jobim também foi citado no discurso da embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues, a paraninfa da turma. “Espero que, como o patrono que escolheram, o embaixador José Jobim, se mantenham sempre fiéis aos seus princípios e valores”, declarou ela. “Não podemos nos deixar sufocar pela estupidez que este governo representa”, prossegue Lygia. “Temos que, sem violência, mas, com firmeza, colocá-los de volta no esgoto de onde saíram. São gestos como o desta turma que nos dão a certeza de que conseguiremos. Ainda há vida neste país”. 

    Segundo a assessoria de imprensa do Ministério das Relações Exteriores (MRE), o Presidente da República não compareceu à cerimônia porque, no dia do evento, cumpria agenda fora de Brasília, mas enviou, por vídeo, a tradicional mensagem dirigida aos formandos. Ainda segundo o órgão, a escolha do embaixador José Jobim como homenageado da turma decorreu de deliberação dos formandos. “O Itamaraty não participa da decisão e, em respeito à vontade expressa pelos alunos, acolhe integralmente a eleição, sem emitir avaliação sobre o homenageado”, informou o ministério.  

    Cerimônia de nomeação do Itamaraty com 23 participantes

    Queima de arquivo

    No dia 22 de março de 1979, pouco depois do almoço, José Jobim saiu de casa no Cosme Velho, Zona Sul do Rio, para visitar um amigo, o jornalista cearense Marcial Dias Pequeno (1908-1991), chefe de gabinete do governador Chagas Freitas (1914-1991), e não voltou mais. Segundo jornais da época, dois homens armados interceptaram seu carro a poucos metros de sua residência, na Rua Tobias do Amaral, sequestrado o embaixador e abandonado o veículo, um Corcel placa RM6072, numa ribanceira de Santa Teresa. “Meu marido não tem inimigos e está afastado da política. Não somos milionários, nem ostentamos riqueza. Por que, então, essa desgraça?”, indagou sua esposa, a embaixatriz Lygia Collor Jobim, ao jornal O Globo, de 24 de março de 1979. 

    Na manhã do dia 23, segundo testemunhas, o embaixador foi até uma agência bancária na Barra da Tijuca, pediu uma folha de papel ao gerente, bateu um bilhete à máquina e saiu. Em seguida, dirigiu-se a uma farmácia, a poucos metros do banco, e entregou o bilhete à proprietária. Pediu a ela que, por gentileza, telefonasse para os números 205-1288 ou 226-9394 e falasse com Lygia (sua mulher), Lygia Maria (sua filha) ou Ênio (seu genro). Mais informações não poderia dar porque estava sendo vigiado. “Estou muito cansado, mas, até agora, nada me aconteceu de irreparável”, dizia o bilhete. Os supostos sequestradores não fizeram exigências ou pediram resgate. 

    No dia 24 de março de 1979, por volta das sete da manhã, o corpo do embaixador foi encontrado morto por um gari na Barra da Tijuca. Estava pendurado numa árvore pelo pescoço, amarrado a um galho de árvore por uma corda de nylon. O local ficava a cerca de dois quilômetros da farmácia onde estivera no dia anterior. “Eu estava no terceiro mês de gravidez”, recorda Lygia Maria, então com 28 anos. “A primeira coisa que veio à mente é que tinha que cuidar da vida que carregava em mim e que era o/a neto/a dele. Fiquei em estado de choque, mas a informação de que ele havia aparecido numa árvore, com os joelhos dobrados e os pés no chão, me tirou da paralisia e me fez perceber, de imediato, que aquilo era uma farsa”. 

    Segundo o médico legista Roberto Blanco dos Santos, do Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto, que realizou a necrópsia, o diplomata já estava morto, há pelo menos uma hora, quando foi pendurado na árvore. Descartada a hipótese de suicídio por enforcamento, a polícia investigava os crimes de latrocínio e envenenamento. “Horas depois, soube por meu marido, o editor Ênio Silveira (1925-1996), e Frei Betto, que o acompanhou para fazer o reconhecimento do corpo, que minha mãe e eu não o poderíamos ver, pois as marcas de tortura eram muitas”, relembra Lygia. O corpo do embaixador José Jobim foi sepultado no domingo, dia 25 de março, às 10h30, no Cemitério São João Batista, em Botafogo, na Zona Sul do Rio. 

    Já no dia seguinte, porém, o caso sofreu uma reviravolta. Responsável pela investigação, o delegado Ruy Dourado, da 16ª DP (Barra da Tijuca), convocou uma coletiva de imprensa para declarar que não houve sequestro. O embaixador, afirmou Dourado, cometera suicídio. Para corroborar sua tese, o IML chegou a desmentir o que o legista dissera no dia anterior: que Jobim já estava morto, há pelo menos uma hora, quando foi pendurado na árvore. Três dias depois, outra coletiva. Dessa vez, seus filhos, Leopoldo e Lygia Jobim, contestaram a versão de suicídio. “Seu crime foi ter querido, através das memórias que estava escrevendo, denunciar a corrupção na construção de Itaipu”, esclarece Lygia. 

    Uma semana antes de sua morte no Rio, o embaixador José Jobim estivera em Brasília. A convite do diplomata baiano Ramiro Saraiva Guerreiro (1918-2011), compareceu, no dia 15 de março de 1979, à posse do presidente da República, o general João Baptista de Oliveira Figueiredo (1918-1999), o quinto e último do regime militar. Guerreiro foi ministro das Relações Exteriores do Brasil entre 1979 e 1985. Durante a cerimônia, Jobim comentou com amigos que estava escrevendo sua autobiografia. Entre outros assuntos, revelaria detalhes do esquema de superfaturamento na construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Disse mais: a documentação que comprovava o que dizia estava em uma mala xadrez azul e branca, guardada em sua casa. Lá pelas tantas, o senador Gilberto Marinho (1909-1985) chamou Jobim num canto e pediu a ele que parasse de falar porque as pessoas que pretendia denunciar estavam todas ali, na recepção. 

    Crime de Estado

    Paulista de Ibitinga, a 360 quilômetros da capital, José Pinheiro Jobim ingressou no Itamaraty em 1938, por indicação do poeta e diplomata Raul Bopp (1898-1984), e se aposentou em 1975, quando estava à frente da representação brasileira no Marrocos. Antes de chegar a ministro de primeira classe, atuou em países como Japão, EUA, Argentina, Uruguai e Finlândia. Como embaixador, serviu no Equador (1959-1962), Colômbia e Jamaica(1965-1966), Argélia (1966-1968) e Vaticano (1968-1973). Em 18 de fevereiro de 1964, foi designado pelo presidente João Goulart (1919-1976) para conversar com autoridades paraguaias sobre o aproveitamento hidrelétrico do rio Paraná, na altura das Sete Quedas. Como resultado da missão, Jobim elaborou um relatório que recomendava a construção da usina. 

    O golpe militar de 1964, porém, alterou o projeto original. As turbinas, em vez de serem importadas da extinta União Soviética, foram compradas de uma multinacional alemã. Resultado: a obra, orçada em US$ 1,3 bilhão no governo Jango, teria custado dez vezes mais, US$ 13 bilhões, no regime militar.“Existem evidências de que houve corrupção durante a ditadura. O cerceamento dos mecanismos de controle, a elevação do fundo público e o aparelhamento do Estado por agentes empresariais privados levou a uma elevação significativa dos desvios de recursos públicos, pagamentos de propina e outras formas de irregularidade”, afirma o historiador Pedro Henrique Pedreira Campos, Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor do Departamento de História da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e autor do livro Estranhas Catedrais – As Empreiteiras Brasileiras e a Ditadura Civil-Militar (1964-1988) (2014). “No caso da Usina Hidrelétrica de Itaipu, existem acusações de que teria havido desvio na realização da obra, em particular no fornecimento das turbinas e dos equipamentos elétricos usados na obra. Não existe um número preciso sobre o custo da corrupção e a elevação de preço. Na época, não foi feita a apuração do caso, mas, tudo aponta que a obra custou mais caro devido à apropriação indevida de recursos”. Para piorar a situação, a tal mala xadrez, que guardava os documentos que comprovariam o esquema de corrupção, foi encontrada vazia por sua mulher e filha na casa do Cosme Velho. 

    Indignada com a tese de suicídio, Lygia Jobim não se deu por vencida. Travou incontáveis batalhas para provar que seu pai não tirara a própria vida. Uma dessas batalhas foi vencida em dezembro de 2014 quando, por ocasião da publicação de seu relatório final, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) declarou que Jobim foi sequestrado, mantido em cativeiro por dois dias e meio, em local incerto, e interrogado sob tortura. “Suas características levam-nos a crer que se tenha tratado de um crime de Estado, consumado por motivação exclusivamente política”, concluiu o relatório. “Não nos surpreenderia que o sequestro, a tortura e o assassinato do embaixador José Pinheiro Jobim tivessem conexão com seu projeto de livro acerca da construção de Itaipu, cujo lançamento poderia suscitar amplo debate sobre o tema”. 

    “A ditadura militar trouxe consigo um regime de terror. Agentes do Estado perpetraram graves violações de direitos humanos, protegidos pela impunidade. As vítimas nem sempre tinham relação direta com ações voltadas à derrubada da ditadura, mas eram atingidas pelo simples fato de suas condutas significarem alguma contestação aos governos militares”, contextualiza o advogado Pedro Dallari, ex-relator da Comissão Nacional da Verdade (CNV). “O assassinato da estilista Zuzu Angel (1921-1976) é demonstrativo desse regime de terror: sem ter militância política, ela foi morta em função de sua persistência na procura do filho Stuart Angel Jones (1946-1971), preso e executado pela ditadura e cujos restos mortais nunca foram localizados”. 

    Outra vitória importante foi conquistada em setembro de 2018 quando, quase 40 anos depois da morte de Jobim, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), órgão ligado ao Ministério dos Direitos Humanos (MDH), determinou que sua certidão de óbito fosse retificada. A causa de sua morte, então, passou a constar como “morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”. “O reconhecimento da responsabilidade do Estado foi, sem dúvida, importantíssimo. Mas, ainda tenho esperança de saber os nomes de seus torturadores e onde o mantiveram preso”, declara Lygia. “Além disso, não luto só por mim. Minha luta nunca chegará ao fim enquanto este país não tiver dignidade e não respeitar seus cidadãos. Enquanto outros sentirem a dor que, até hoje, eu sinto”. 

    Quer conhecer mais sobre a história do Itamaraty? Confira o post sobre os 60 anos da nomeação do primeiro embaixador negro do Brasil.



    André Bernardo
    André Bernardo 

    André Bernardo é jornalista. Aficcionado por cinema, literatura e música produziu conteúdo para mais de 80 jornais, como Zero Hora, Correio Braziliense e Diário de Pernambuco. Colabora para sites, como BBC Brasil, VICE e UOL, e revistas, como Superinteressante, MONET e Galileu. É autor do livro "A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo (Panda Books)", sobre teledramaturgia brasileira.

    quinta-feira, 2 de setembro de 2021

    Nova turma do Instituto Rio Branco homenageia embaixador morto pela ditadura - Eliane Oliveira (Globo)

     Tem declaração minha sobre essa posse escondida da imprensa no Itamaraty:

    Muitos dos meus colegas, ainda hoje, não estavam sabendo de nada… Nem na ditadura militar o Itamaraty realizou formaturas às escondidas, como esta de 2021, inédita nos anais da Casa. Normalmente, os novos diplomatas são apresentados ao chefe de Estado, que costuma fazer discurso sintetizando as grandes linhas da política externa. Qual exatamente? — afirmou Paulo Roberto Almeida, único embaixador na ativa que critica abertamente a política externa do governo Bolsonaro. “

    Novos diplomatas homenageiam embaixador morto pela ditadura em cerimônia restrita no Itamaraty

    O presidente Jair Bolsonaro não foi à formatura e enviou uma mensagem gravada aos alunos do Instituto Rio Branco; chanceler disse em discurso que José Jobim é 'referência' de dedicação ao país

    Eliane Oliveira
    O Globo, 01/09/2021 - 16:32 /

    BRASÍLIA — Ao contrário do que acontece tradicionalmente, quando os novos diplomatas são apresentados ao presidente da República e ouvem do mandatário quais são as linhas mestras da política externa brasileira, a formatura dos alunos do Instituto Rio Branco deste ano foi marcada pela discrição. A cerimônia, na qual os 20 formandos decidiram homenagear um diplomata morto pela ditadura em 1979, José Jobim, foi realizada nesta quarta-feira sem a presença de Jair Bolsonaro, que preferiu mandar uma mensagem gravada.

    Segundo fontes do governo, a escolha de Jobim pela turma do Rio Branco teria causado desconforto no Itamaraty e desagradado Bolsonaro. Diferentemente do que ocorre todos os anos  —  com exceção de 2020, por causa da pandemia —  a imprensa não foi credenciada para cobrir a formatura. Mas, oficialmente, o Ministério das Relações Exteriores sempre afirmou que a decisão dos estudantes era soberana e negou que tenha havido pressões para a troca do patrono.

    A cerimônia estava na agenda oficial do chanceler Carlos França, que estava presente e fez um discurso em que elogiou José Jobim. Alguns diplomatas consultados pelo GLOBO disseram que não sabiam do evento.

    — Muitos dos meus colegas, ainda hoje, não estavam sabendo de nada… Nem na ditadura militar o Itamaraty realizou formaturas às escondidas, como esta de 2021, inédita nos anais da Casa. Normalmente, os novos diplomatas são apresentados ao chefe de Estado, que costuma fazer discurso sintetizando as grandes linhas da política externa. Qual exatamente? — afirmou Paulo Roberto Almeida, único embaixador na ativa que critica abertamente a política externa do governo Bolsonaro. 

    Procurado, o Itamaraty informou que os formandos puderam levar à cerimônia até dois convidados. O número reduzido de participantes se deveu à necessidade de se preservar o distanciamento social por causa da pandemia de Covid-19, afirmou o ministério.

    Discurso do chanceler
    Em seu discurso, o chanceler Carlos França lembrou que, pela primeira vez, os formando concluíram as etapas do curso virtualmente.

    — A turma que hoje acolhemos cumpriu todas as etapas de seu curso no Rio Branco em modo virtual. Pela circunstância da pandemia, nossos colegas formandos não chegaram a conviver no espaço físico das salas de aula — enfatizou.

    Os alunos escolheram como paraninfa da turma a embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues, aposentada, mas atuante como presidente da Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB). França elogiou a paraninfa e também citou José Jobim.

    — Quero dizer que, até antes de ocupar essa alta função, eu já era testemunha do excelente trabalho realizado pela embaixadora Maria Celina à frente da ADB. Como o embaixador José Jobim, que dá nome à turma, é referência de diplomata e de dedicação ao Brasil — afirmou.

    Ele repetiu os três pilares que aponta na política externa brasileira, chamados de "três urgências": a sanitária, a do crescimento e geração de empregos e a climática. Também mencionou a aproximação do Brasil com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o "clube dos ricos", as negociações comerciais e parceiros importantes, como Estados Unidos, Argentina, China, União Europeia e África.

    Já Bolsonaro enviou uma mensagem de cerca de três minutos aos novos diplomatas. Elogiou "a excelência dos quadros" produzidos pelo Instituto Rio Branco, disse que os padrões de exigência estão entre os mais elevados e destacou que os formandos terão um grande desafio pela frente.

    — As tarefas que atribuí a Carlos França são complexas, mas juntos temos avançado muito e seguiremos avançando — afirmou o presidente.

    Reconhecimento em 2018
    O Estado brasileiro reconheceu em 2018, por meio da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, que José Jobim foi sequestrado, torturado e morto pela ditadura militar aos 69 anos. Sua certidão de óbito foi então corrigida, depois de anos de esforços de sua filha, Lygia, em provar que o governo forjou a hipótese de suicídio. Jobim desapareceu uma semana depois de revelar que denunciaria o superfaturamento na construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu em um livro de memórias.

    A usina custou dez vezes mais que o previsto, totalizando cerca de US$ 30 bilhões. O embaixador, que havia servido no Paraguai, foi em 15 de março de 1979 a Brasília, já aposentado, para a cerimônia de posse do general João Figueiredo na Presidência. Ele mencionou então que estava escrevendo o livro, no qual detalharia irregularidades da obra.

    No dia 22, saiu para visitar um amigo e não retornou. Na manhã seguinte, a dona de uma farmácia na Barra da Tijuca ligou para a família de Jobim e informou que ele havia lhe entregado um bilhete meia hora antes. O diplomata contava que fora sequestrado em seu próprio carro e que seria levado para “logo depois da Ponte da Joatinga”.

    De acordo com o relatório da Comissão Nacional da Verdade, o corpo foi encontrado por um gari dois dias depois do sequestro, a menos de 1 quilômetro da ponte. Ele estava pendurado pelo pescoço em uma corda de náilon em um galho de uma árvore pequena. Assim como as do jornalista Vladimir Herzog, seus pés, com as pernas curvadas, tocavam o chão, levantando suspeitas sobre a hipótese de suicídio.

    Dança das cadeiras
    No mesmo dia da formatura restrita, o colunista do GLOBO Lauro Jardim revelou que o ex-chanceler Ernesto Araújo, que deixou o cargo em abril deste ano, vai se desligar da carreira diplomática por um ano. A autorização da licença, não remunerada, passou a vigorar nesta quarta-feira.

    Ernesto alegou que precisa tratar de interesses particulares. Sua mulher, a também diplomata Maria Eduarda Seixas Corrêa, foi transferida para Hartford, nos EUA, no mês passado.  Fontes acreditam que o ex-chanceler pode ter se afastado do Itamaraty para concorrer a um cargo eletivo, como deputado federal.

    Enquanto isso, Carlos França promove uma dança das cadeiras em postos importantes da diplomacia no exterior. O atual embaixador brasileiro na Espanha, Pompeu Andreucci Neto, assumirá a embaixada em Quito, no Equador. Para sua vaga, o nome mais cotado é o do secretário de Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Orlando Leite Ribeiro.

    Como a escolha de um embaixador é um processo delicado, que depende da concordância do governo do país de destino antes do nome se tornar público, as informações que correm atualmente são de bastidores. Por exemplo, fala-se na ida de Cláudia Buzzi, assessora parlamentar do Itamaraty, para Berna, capital da Suíça.

    Claudia Buzzi deve ser substituída por Bruno Bath, atual delegado permanente do Brasil na Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), com sede em Montevidéu. A vaga de Bath ficaria aberta para o embaixador brasileiro no Uruguai, Antônio José Simões.

    Também há especulações em torno de embaixadas em outros países. Um exemplo é o posto em Pequim, hoje sob o comando de Paulo Estivallet, que poderia ir para Genebra representar o Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC). Estivallet é um negociador experiente e a OMC deve passar por uma ampla reforma. O atual embaixador, Alexandre Parola, iria para a Alemanha.

    Neste ano, a primeira leva de mudanças foi promovida ainda na gestão de Ernesto. O então embaixador do Brasil em Moscou, Tovar Nunes, foi representar o país em Genebra, com ênfase para a área de direitos humanos. Assumiu no lugar de Maria Nazareth Farani, que foi para o consulado de Nova York. Substituiu Tovar em Moscou Rodrigo Baena, que estavam em Lima.

    https://oglobo.globo.com/mundo/novos-diplomatas-homenageiam-embaixador-morto-pela-ditadura-em-cerimonia-restrita-no-itamaraty-25180716

    segunda-feira, 2 de agosto de 2021

    O patrono assassinado - Alexandre Vidal Porto (FSP)

     Os alunos do Instituto Rio Branco já estão sob intensa pressão, mas não precisam fazer mais nada; basta dizer que escolheram um nome e que é só esse. Ponto.

    O patrono assassinado
    Com homenagem, jovens diplomatas indicam caminho ético que querem seguir
    FSP, 1º.ago.2021 às 23h15
    Alexandre Vidal Porto
    Escritor e diplomata, é mestre em direito pela Universidade Harvard e autor de “Sergio Y. vai à América”, “Matias na Cidade” e “Cloro”
    Todos os anos, milhares de candidatos disputam uma vaga para a carreira de diplomata do Ministério das Relações Exteriores. Os aprovados no concurso, após um período de formação profissional de cerca de dois anos no Instituto Rio Branco, passam a integrar o Serviço Exterior Brasileiro e a trabalhar no Itamaraty, em Brasília, ou na rede de consulados e embaixadas do Brasil espalhados pelo mundo.
    Cada nova turma, ao formar-se, escolhe um patrono, cujo exemplo e trajetória devem inspirar a atuação dos jovens diplomatas como servidores de Estado. Segundo a coluna Painel de 28 de julho, a última turma de formandos do Instituto Rio Branco teria escolhido como patrono o embaixador José Pinheiro Jobim, torturado e assassinado pela ditadura militar num caso de queima de arquivo.
    A confirmar-se, tal escolha não poderia ter sido mais justa e acertada.
    O embaixador Jobim (1909-1979) teve carreira corretíssima no Itamaraty. Era economista de formação e, por força de contingências do trabalho, acompanhou, desde o início, por anos, as negociações para a construção da usina hidrelétrica de Itaipu. Era considerado um especialista no tema. Chefiou, também, embaixadas em Paraguai, Equador, Colômbia e Argélia. Seu último posto foi como embaixador junto ao Vaticano. Não tinha história de ativismo político.
    No ano de 1979, já aposentado, compareceu à cerimônia de posse do presidente João Figueiredo. Na ocasião, comentou com colegas de Brasília que escrevia um livro de memórias. Nele, apresentaria denúncias de superfaturamento milionário nas obras de construção do complexo de Itaipu. Sete dias depois desse episódio, já no Rio de Janeiro, José Ribeiro Jobim desapareceu. Seu corpo foi encontrado na Barra da Tijuca, pendurado numa árvore pelo pescoço, num arremedo de suicídio —causa mortis sugerida no inquérito policial.
    Alertadas por uma testemunha que recebera, numa farmácia, um bilhete de Jobim, no qual ele alertava sobre seu sequestro, a viúva e a filha do embaixador batalharam judicialmente até esclarecerem as reais circunstâncias de sua morte. Em 2018, o Estado brasileiro finalmente assumiu sua responsabilidade e reconheceu tratar-se de “um crime de Estado, consumado por motivação exclusivamente política.”
    O atestado de óbito de Jobim passou a refletir “morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”.
    Ao pretenderem honrar a memória de José Pinheiro Jobim, os jovens diplomatas valorizam seu exemplo de retidão e cumprimento às leis como agente público. Sublinham, igualmente, a obrigação dos servidores de não compactuar com ações que violem a Constituição Federal.
    Essa possível escolha dos formandos também aponta para a necessidade de os diplomatas terem sempre presentes os prejuízos que a falta de democracia pode infligir à instituição e a seus integrantes —e essa memória é importante para uma organização de Estado, como o Itamaraty.
    Com essa homenagem, os jovens diplomatas indicam, finalmente, o caminho ético que querem seguir como servidores públicos, rejeitando regimes de exceção, deplorando seus atos e honrando suas vítimas.
    Deve-se ver com alegria e otimismo essa direção em que aponta a mais nova geração de diplomatas, servidores públicos que terão a seu encargo projetar a imagem e defender os interesses do Brasil no mundo.

    sábado, 22 de setembro de 2018

    Cold Case no Itamaraty: a estranha morte do embaixador Jobim em 1979 - Hellen Guimarães (revista Epoca)

    Diplomata foi morto pela ditadura antes de denunciar corrupção no regime, confirma nova certidão

    Embaixador, José Jobim desapareceu uma semana antes de revelar superfaturamento na construção da Usina de Itaipu

    José Jobim, que foi embaixador do Brasil no Paraguai, no enterro de seu irmão Danton Jobim, em 1978 - Luis Alberto / Agência O Globo
    O diplomata José Jobim foi sequestrado, torturado e morto pela ditadura militar. O Estado brasileiro reconheceu oficialmente o fato na manhã desta sexta-feira (21), ao corrigir a causa da morte em sua certidão de óbito. A conquista é fruto de quase 40 anos de esforço de sua filha, Lygia, em provar que o governo forjou a hipótese de suicídio. Jobim desapareceu uma semana depois de revelar que denunciaria o superfaturamento na construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu em um livro de memórias.
    "Isso é só uma etapa, não é o final. Desde a morte da minha mãe, eu venho dizendo a ela, esteja onde estiver, “mãe, eu estou indo em frente. Aos poucos, vemos como chegar lá. Eu não esqueci, não vou esquecer, fica tranquila”, contou Lygia, sem conter as lágrimas. "Com base nesse atestado, tenho material suficiente para levar o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos."

    A usina custou dez vezes mais que o previsto, totalizando cerca de US$ 30 bilhões. Em 15 de março de 1979, o embaixador, já aposentado, foi a Brasília para a cerimônia de posse do general João Figueiredo como presidente da República. Durante a estadia, mencionou que estava escrevendo um livro sobre suas vivências, no qual detalharia irregularidades da obra. No dia 22, saiu para visitar um amigo e não retornou. Na manhã seguinte, a dona de uma farmácia na Barra da Tijuca ligou para a família de Jobim e informou que ele havia lhe entregado um bilhete meia hora antes.
    O diplomata contava que fora sequestrado em seu próprio carro e que seria levado para “logo depois da Ponte da Joatinga”. De acordo com o relatório da Comissão Nacional da Verdade, a viúva de Jobim relatou que o delegado titular da 9ª DP, Hélio Guaíba, esteve na casa da família e soube do telefonema, mas não tomou providências. O corpo foi encontrado por um gari dois dias depois do sequestro, a menos de 1 quilômetro da ponte. Ele estava pendurado pelo pescoço em uma corda de náilon em um galho de uma árvore pequena. Assim como as do jornalista Vladimir Herzog, seus pés, com as pernas curvadas, tocavam o chão, levantando suspeitas sobre a hipótese de suicídio.
    Jobim trabalhou no Paraguai logo no início das negociações sobre a criação de Itaipu, de 1957 a 1959, à época conhecida como Sete Quedas. Às vésperas do golpe militar, em fevereiro de 1964, foi enviado pelo presidente João Goulart a uma missão especial e participou de uma cerimônia com a maioria dos ministros paraguaios. Tornou a participar de encontro sobre Itaipu em junho de 1966, quando foi assinada a “Ata das Cataratas”. Segundo Lygia, a vasta documentação em que ele basearia suas denúncias desapareceu misteriosamente da casa de sua mãe.
    Os familiares relatam ter ouvido de médicos e policiais que Jobim não havia sido enforcado, e sim agredido, torturado e assassinado. Entre eles estava o delegado Rui Dourado, que, segundo Lygia, concluiu que houve suicídio sem sequer abrir inquérito para investigar o caso. Em 1979, a certidão de óbito foi registrada com causa de morte indefinida. Seis anos depois, a promotora Telma Musse reconheceu que houve homicídio, mas considerou o caso insolúvel e pediu o arquivamento.
    "Quando soube que a certidão estava pronta, minha sensação foi de grande aproximação com meu pai. Uma certidão de óbito é um documento pessoal e intransferível e eu senti que estava entregando a ele uma coisa que lhe pertencia por direito", emocionou-se, lembrando de outra vitória durante o processo: a publicação do relatório da Comissão da Verdade, em 2014. "Ali eu senti que estava entregando aos meus filhos a biografia do avô deles".
    Somente em 2014 a revisão da causa de óbito começou a se materializar, a partir do relatório da Comissão da Verdade. O documento afirma que as circunstâncias do caso demonstram que houve um crime de Estado, consumado por motivação política. Com base nisso, a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) expediu novo atestado, indicando que Jobim sofreu “morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”.
    Lygia protocolou o pedido de correção também no Quinto Registro Civil de Pessoas Naturais do Rio de Janeiro, o que foi concedido nesta sexta. Em nota, a CEMDP declarou que “a retificação do assento de óbito de José Jobim é uma importante e necessária medida de reparação promovida pelo Estado brasileiro, que contribui para a promoção da memória e da verdade sobre os fatos e circunstâncias referentes às graves violações de direitos humanos praticadas por agentes do Estado brasileiro durante a ditadura”.
    "O país tem que conhecer o que aconteceu no passado para que isso não continue acontecendo no presente. Ainda vamos desaparecidos, assassinados, torturados, pelo mesmo Estado. Isso tem que parar. O que me deu forças para não desistir, muito mais do que um dever para com a minha família, foi o que meus pais me ensinaram: que, antes de mais nada, temos um dever para com o país", disse Lygia.