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terça-feira, 3 de maio de 2016

As instituicoes para o lulopetismo - Jose Matias-Pereira (OESP)

José Matias-Pereira, da UnB, vem conduzindo uma abrangente e extremamente detalhada análise da era lulopetista no Brasil.
Mais um artigo da série (quem quiser ler outros, pode colocar o nome dele no meu blog).
Paulo Roberto de Almeida

As instituições para o lulopetismo  
José Matias-Pereira
Estadão Noite – Segunda-feira, 2 de maio de 2016
Link: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,os-destaques-do-estadao-noite-desta-segunda-feira--2,10000048687

O Brasil, paralisado pela crise de governabilidade, iniciou nesta semana a contagem regressiva para o afastamento da presidente Dilma Rousseff do cargo, cuja votação no Senado deverá ocorrer no dia 11 próximo. A intensidade da crise de governabilidade chegou a tal ponto que, em decisão recente, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, suspendeu a liberação de crédito extraordinário de R$ 100 milhões, autorizado pela presidente Dilma por meio de Medida Provisória, para a comunicação e publicidade da Presidência da República. Na decisão, Gilmar Mendes apontou que a abertura do crédito para propaganda é desnecessária e só poderia ter ocorrido com o aval do Legislativo. Tendo como referência a relevância dessa decisão, que mostra a essencialidade de instituições sólidas, sem as quais a democracia não sobrevive, é que destaco os ensinamentos de Douglass North sobre as mesmas. As instituições, sustenta North, garantem regras que reduzem os custos de transação. Assim, a liberdade, a igualdade e a democracia só sobrevivem com base no poder controlado. A principal função das instituições, nesse sentido, é regular os limites da igualdade aos limites da liberdade. Liberdade e igualdade são preservadas como bens comuns na razão direta da eficiência das instituições.

Com o processo de transição do poder em curso, e os trabalhos da comissão do impeachment no Senado que vai decidir sobre a aceitação da denúncia contra a atual mandatária continuaram avançando, nesta segunda-feira (2/5), observa-se que a importância das agendas da presidente e de seu vice, se inverteram. No palácio do Planalto a “ainda” presidente Dilma fez apenas uma reunião fechada, na parte da manhã de hoje, com dois auxiliares próximos, sentido o gosto amargo da solidão do poder. Por sua vez, no palácio do Jaburu, o vice-presidente Michel Temer vem cumprindo uma longa agenda de reuniões, sondagens e articulações com políticos, empresários e assessores, na busca de montar a sua equipe de governo, com foco na economia, política fiscal, inflação, estancar a recessão e o aumento do desemprego, em síntese, restabelecer a confiança na economia. Esses esforços, conforme se constata nas declarações do vice-presidente e de seus assessores, estão sendo dificultadas pela atual mandatária.     

É oportuno recordar que, a presidente Dilma esteve ontem em São Paulo, para participar do Dia Internacional do Trabalho, e de maneira específica, do 1º de Maio da CUT, evento esse que não contou com presença do ex-presidente Lula. Dilma anunciou naquela ocasião, diversas medidas, como por exemplo, o reajuste de 9% nos benefícios do programa Bolsa Família;correção de 5% da tabela do Imposto de Renda para o próximo ano; contratação de, no mínimo, 25 mil moradias do Programa Minha Casa, Minha Vida e a extensão da licença - paternidade de cinco para 20 dias aos funcionários públicos federais. Com o país vivenciando uma depressão econômica, que está afetando a todos, era previsível que os trabalhadores, notadamente os 11,1 milhões de desempregados, não teriam motivos para as comemorações do dia do trabalhador. Assim, a festa de comemoração do 1 de maio de 2016, ano em que se encerra o lulopetismo no Brasil, deverá entrar para a história como uma das mais triste dos últimos anos.

No seu discurso do 1º de Maio da CUT, além de insistir que é vítima de um "golpe" e de que não existe crime de responsabilidade contra ela para justificar o impeachment, Dilma também voltou a utilizar-se dos argumentos distorcidos veiculados na sua campanha eleitoral em 2014, ao acusar seus adversários de tentar encerrar programas sociais. Nesse sentido, sustentou que "eles vão acabar com o Bolsa Família para 36 milhões de pessoas". Esse "pacote de bondades", além de ter sido adotado com o intuito de agradar os segmentos sociais que dão apoio ao governo, também busca atingir a figura do vice Michel Temer, a quem Dilma acusa de planejar cortes nos programas sociais.

O cenário projetado no Relatório Focus, divulgado pelo Banco Central nesta segunda-feira (2/5), por sua vez, explicita o elevado nível de dificuldade que o novo governo terá que enfrentar nos próximos meses, para reorganizar a economia. Nesse sentido, o mercado prevê que o PIB brasileiro deverá ter uma contração de 3,89% para este ano. Com a previsão de um novo "tombo" do PIB neste ano, essa também será a primeira vez que o país registra dois anos seguidos de queda no nível de atividade da economia, a série histórica oficial do IBGE, iniciada em 1948. Para o comportamento do PIB em 2017, os economistas das instituições financeiras subiram a previsão de alta de 0,30% para 0,40%. Para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2016, a previsão é de que haverá um recuou de 6,98% para 6,94%. Registre-se que, apesar da queda, a previsão de inflação do mercado para este ano ainda permanece acima do teto de 6,5% do sistema de metas e bem distante do objetivo central de 4,5% fixado para este ano. Para 2017, a estimativa do mercado financeiro para a inflação também se reduza, passando de 5,80% para 5,72%. A taxa básica de juros, para o mercado financeiro, terminará este ano em 13,25% ao ano. Para o final de 2017, a estimativa para a taxa de juros baixou de 12% para 11,75% ao ano.

Diante desse contexto, no qual a linha que separa a estabilidade democrática continua tênue, é preocupante esse exacerbado inconformismo da presidente Dilma, que vem atuando de forma deliberada contra os interesses do Brasil, denegrindo a imagem do país no exterior e criando obstáculos por meio de decisões políticas e administrativas pouco republicanas, para dificultar as ações do novo governo. Merece aplausos, nesse sentido, a decisão liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, suspendendo a abertura do crédito extraordinário para propaganda da Presidência, como um remédio jurídico para evitar danos ao erário, sinalizando que a instituição Judiciário está funcionando.  Deve-se ressaltar que, o entendimento de que é essencial para a democracia e o Estado democrático de direito a preservação e o fortalecimento das instituições, nunca foi aceito pelos governantes Lula e Dilma, por incompetência e motivações políticas e ideológicas, que sempre adotaram decisões que levaram ao enfraquecimento das instituições.

Fica evidente, considerando esse quadro descrito, que a presidente Dilma, mesmo diante do iminente final do seu fracassado governo, provavelmente por arrogância, autoritarismo e motivações políticas e ideológicas ultrapassadas, ainda não compreendeu o que está ocorrendo no mundo real. Recusa-se a aceitar que o lulopetismo foi o responsável por transformar o Brasil em terra arrasada, por meio de medidas econômicas equivocadas, aparelhamento do Estado, adoção do modelo patrimonialista, concessões de benesses populistas e leniência com a corrupção, para permanecer no poder a qualquer preço. Isso explica porque a mandatária no seu ocaso, sob a forte influência de seu criador, continua insistindo, por meio da adoção de decisões temerárias, em colocar as instituições do Brasil em risco.
 
José Matias-Pereira, economista e advogado, é doutor em ciência política, pós-doutor em administração pela Universidade de São Paulo, além de professor de administração pública e pesquisador associado do programa de pós-graduação em contabilidade da Universidade de Brasília.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Fim do ciclo lulopetista? Jose Matias-Pereira

Este professor acredita que se trata do fim de um ciclo. Não acredito tanto nisso, pois os petistas ainda dispõem de muito apoio seja entre os pobres, ignorantes políticos mas beneficiários por alguma "bolsa social", seja, mais enfaticamente, entre os gramscianos da academia, que formam grande parte da chamada opinião pública.
Neste link.
Paulo Roberto de Almeida

O fim do trágico ciclo lulopetista      
José Matias-Pereira
Estadão Geral – Segunda-feira, 18 de abril de 2016

O cenário político brasileiro entrou numa nova fase, a partir desta segunda-feira (18), após a decisão da Câmara dos Deputados aceitar ontem a admissibilidade do processo de impeachment – por 367 votos a favor, e 137 contrários - para afastar Dilma Rousseff da presidência da República. O resultado desfavorável da votação na Câmara, que deixou evidente a fragilidade da base de apoio parlamentar do governo no Congresso Nacional, é um forte indicador das dificuldades que Dilma vai enfrentar no Senado, onde vai necessitar na primeira decisão de 41 votos a seu favor para barrar o processo. As projeções do Estadão mostram que desse total ela conta com apenas 20 votos favoráveis, e que a oposição tem 46 votos favoráveis a aceitação da denúncia contra ela. Diante desse quadro político dramático, a presidente Dilma vem demonstrando um exacerbado inconformismo, sustentando nas suas declarações pós-aceitação da admissibilidade do processo de impeachment pela Câmara que está disposta a lutar pelo seu mandato, pois se sente injustiçada com a aprovação do impeachment pela Câmara.

A reação do Planalto, diante dessa derrota política, que colocou a presidente Dilma Rousseff numa trilha sem volta, ocorreu ainda na madrugada desta segunda-feira (18), por meio da declaração dada pelo ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, que assinalou que, o governo recebeu com "indignação e tristeza" o resultado da votação do processo de impeachment na Câmara. Ressaltou que, apesar de a Câmara ter autorizado o prosseguimento do processo de impeachment da presidente Dilma, a petista não pretende renunciar ao mandato nem "fraquejar".  O motivo da indignação do Palácio do Planalto, sustentou Cardozo, é o fato de que ao longo da votação, a maioria dos deputados não usou como justificativa para se posicionar favoravelmente ao afastamento da presidente os motivos que sustentaram o relatório final da comissão especial que analisou o pedido de impeachment na Câmara. Sob a ótica do governo, a razão da tristeza e da indignação é que a decisão da Câmara foi puramente política, e não é isso o que a Constituição prescreve para o impeachment. Nesse sentido, deixou implícita na sua fala, que o governo voltará a recorrer ao STF para frear o processo contra Dilma Rousseff.

Instado a se manifestar sobre essa insistência do Planalto de tentar judicializar o processo de impeachment de Dilma, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes afirmou nesta segunda-feira (18), que o governo federal poderá devolver à Corte questionamentos sobre o processo de impeachment da presidente Dilma, mas muitos dos eventuais pontos a serem debatidos já foram analisados pelos onze ministros, ou seja, trata-se de um processo quase todo regulado pelo Supremo. O tribunal, disse Mendes, não discute o mérito se a Câmara ou o Senado estão julgando bem ou não, se estão fazendo um adequado enquadramento. Observa-se que mesmo diante das reiteradas manifestações do STF, no qual aquela Corte vem sinalizando que não pretende se intrometer em atribuições do Congresso Nacional, o advogado de defesa de Dilma continua insistindo nessa estratégia fadada ao fracasso.

A decisão da Câmara, foi entregue pelo presidente Eduardo Cunha ao presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, nesta segunda-feira (18). A sua leitura deverá ser feita em plenário nesta terça-feira (19), para que seja instalada, em seguida, uma comissão de senadores para analisar o assunto, a quem caberá elaborar um parecer a favor ou contra a instauração do processo no Senado. A decisão pelo prosseguimento do processo impõe que a presidente seja afastada por até 180 dias e, neste período, enquanto o Senado irá julgá-la, Temer assumirá a Presidência da República. Prevê-se que o presidente do Senado deverá se reunir com líderes partidários antes da leitura do processo em plenário, para decidir como será feita a composição da comissão, se por indicações de partidos ou dos blocos partidários. A chapa deve respeitar a proporcionalidade das bancadas no Senado, ou seja, quanto maior o número de senadores mais integrantes um partido ou bloco poderá indicar. Os demais desdobramentos do processo, como prazos, serão delimitados pelo presidente do Senado com líderes.

Caberá ao Senado Federal, depois de aceitas as denúncias, realizar três votações em plenário até a conclusão do processo. O primeiro procedimento previsto é a eleição de uma comissão especial para analisar o caso, cujo colegiado será formado por 21 senadores titulares e 21 suplentes. O colegiado tem até 48 horas para se reunir e eleger o presidente. Por sua vez, o relator terá prazo de até dez dias para apresentar um parecer pela admissibilidade ou não do processo. Depois de votado na comissão o parecer deve ir para a decisão do plenário, que precisa aprovar por maioria simples (metade dos presentes na sessão mais um). Caso o relatório seja aprovado no plenário, será considerado instaurado o processo, e a presidente será notificada. Ela será afastada por até 180 dias para que ocorra o julgamento, e o vice-presidente assumirá a Presidência da República. Neste período a presidente poderá se defender, e um novo parecer da comissão especial deverá analisar a procedência da acusação, com base na análise de provas. De novo, esse parecer terá que ser aprovado por maioria simples. Se aprovado o parecer, inicia a fase de julgamento, que é comandada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal. Para que a presidente perca o cargo, o impeachment tem que ser aprovado por dois terços dos senadores - 54 dos 81. Os prazos previstos para cada etapa do processo poderão ser alterados de acordo com decisão do presidente do Senado.

Fica explícito, diante desse cenário descrito, que a presidente Dilma se encontra emparedada politicamente pela decisão desfavorável da Câmara dos Deputados. Não é por outro motivo que ela se encontra recolhida no Palácio do Planalto, “tentando curar as feridas” do trágico desfecho da votação. Considerando o seu perfil político e ideológico, e pelas declarações que vem dando, também está tentando encontrar responsáveis pela derrota elástica que sofreu ontem no plenário da Câmara. Ao lado dos seus talentosos conselheiros políticos e dos líderes dos partidos políticos aliados, procura definir estratégias que permitam reverter a sua periclitante situação no Senado Federal. Trata-se de uma missão praticamente impossível.

O exame atento da distribuição, em nível nacional, dos deputados que votaram favoravelmente a admissibilidade do processo de impeachment contra Dilma, confirma que a sua instável base parlamentar não existe mais, virou fumaça. Os integrantes dos partidos políticos, que outrora participaram da base de apoio parlamentar, sistematicamente desconsiderados pela presidente, e humilhados pelo partido dos Trabalhadores, decidiram se afastar definitivamente do governo. Assim, a (ainda) presidente Dilma, desprovida de apoio político e rejeitada pela população, encontra-se agonizando politicamente. A paralisia reinante no país, que vivencia uma inusitada depressão econômica, aumento acelerado do desemprego, inflação e juros elevados, não deixa nenhuma dúvida sobre o fracasso dos governos petistas Lula e Dilma. Os indicadores econômicos e sociais mostram que o lulopetismo fracassou por incompetência, populismo e corrupção. O seu ciclo, que infelicitou o Brasil, está sendo encerrado no Brasil, aguardando apenas a decisão do Senado para ser sepultado. 

José Matias-Pereira. Economista e advogado. Doutor em ciência política (área de governo e administração pública) pela Universidade Complutense de Madri, Espanha, e Pós-doutor em administração pela Universidade de São Paulo. Professor de administração pública e pesquisador associado do programa de pós-graduação em contabilidade da Universidade de Brasília. Autor, entre outras obras, do Curso de economia política (2015), publicado pela Atlas.

sábado, 19 de março de 2016

A face oculta de falsos lideres da monarquia petista - Jose Matias-Pereira

Meu colega acadêmico, José Matias-Pereira, professor na UnB, se pergunta, outro dia, se o Brasil era uma "monarquia petista".
Gostei da expressão, e já a utilizei em duas ou três postagens minhas, sempre atribuindo o crédito devido. 
Ele volta novamente a utilizar a mesma caracterização em seu artigo "A face oculta de falsos líderes", publicado no Estadão Noite, de 18 de março de 2016.
Trata-se de um relato factual, e uma avaliação ponderada, do atual cenário político no Brasil, e vale tanto como registro histórico, quanto com um juízo de valor sobre estes tempos não convencionais sob os quais vivemos. 
Paulo Roberto Almeida

Link para o artigo: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,os-destaques-do-estadao-noite-desta-sexta-feira--18,10000022098

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A face oculta de falsos líderes

José Matias-Pereira
Estadão Noite – Sexta-feira, 18 de março de 2016
 
Vislumbra-se que a crise política, econômica e ética no Brasil, começa a dar sinais de que está caminhando para um desfecho, na medida em que novos e graves fatos políticos vão aflorando, numa velocidade enorme.O mais emblemático desses fatos ocorreu nesta semana, a partir da decisão da presidente Dilma Rousseff de “convidar”, nomear e empossar na chefia da casa civil, o ex-presidente Lula. Soou estranha para a população, para o meio político, empresarial, acadêmico e o mercado, essa inusitada decisão da presidente de empossar Lula no cargo de “primeiro ministro” de seu governo. É  sabido que essa decisão implica numa aceitação implícita, considerando a ascendência que o seu criador tem sobre ela, de voltar a ocupar a uma posição de coadjuvante no governo. Na pratica, a decisão sem precedentes na história do Brasil, implica numa espécie de “abdicação”, de forma sutil, em favor de Lula, para realizar o seu terceiro mandato, como se o Brasil fosse uma monarquia petista. As articulações que levaram a essa decisão, no entanto, revelaram contornos políticos obscuros e atípicos, pouco republicanos. É sobre os fatos que envolvem essa "abdicação" que irei abordar a seguir.

O discurso que a presidente fez por ocasião da solenidade de posse de Lula, denota a sua profunda reverência ao seu mentor político, chamando-o de o “maior líder político do país”. Destacou que a vinda de Lula para o governo tinha como objetivo fortalecer o governo e ajudar na recomposição da base de apoio do Palácio do Planalto no Congresso. É relevante destacar que, na sua essência, o discurso de Dilma revelou uma presidente acuada, perplexa e inconformada com a possibilidade de ser defenestrada prematuramente do poder. A afirmação de que, desde que tomou posse enfrenta a oposição de pessoas que tentam “paralisar” o país e tirar dela o mandato, comprova essa afirmação. Foi além, ressaltando que, "ao lado do presidente Lula, dos ministros do governo, e toda a base social que apoia o governo, terão mais força de superar as armadilhas que jogam em nosso caminho aqueles que desde a minha eleição não fizeram outra coisa que tentar paralisar o meu governo, me impedir de governar ou me tirar o mandato de “forma golpista”." E nesse diapasão, arrematou que, “a gritaria dos golpistas não vai me tirar do rumo e não vai colocar o nosso povo de joelhos". Por outro lado, as manifestações que ocorreram logo depois da posse de Lula, quando ele desceu a rampa interna do palácio ao lado de Dilma e foi recebido com gritos de “Lula, guerreiro do povo brasileiro” e “não vai ter golpe”, evocando os eventos promovidos pelo acuado “líder bolivariano”, Maduro, sucessor de Hugo Chávez, governantes populistas e autoritários, que transformaram a Venezuela em terra arrasada.

A nomeação em “regime de urgência” de Lula para o cargo de ministro chefe da Casa Civil, diante da pressa e das circunstâncias que o fato ocorreu, se revelou como uma decisão política equivocada. As justificativas de Dilma para a nomeação e posse, bem como a retórica dos discursos, de que não tinha nenhuma intenção de sua parte de dar a Lula foro privilegiado, mas por se tratar de uma pessoa essencial para dar novo ânimo ao governo, não foram bem aceitas por uma parcela significativa da população. Isso ficou comprovado pelas reações contrárias das pessoas nas redes sociais, bem como pelos protestos de ruas que vem se realizando em várias localidades do país. Esses argumentos, na medida em que foram sendo revelados os áudios das gravações telefônicas de diversos investigados no âmbito da Operação Lava Jato, notadamente as decorrentes de “gravações fortuitas”, não se sustentaram, deixando a presidente numa situação política bastante desconfortável. O custo dessa estratégia política desesperada, definida pelos articuladores políticos do governo como a “cartada final’ para conter o processo de impeachment na Câmara dos Deputados, está se revelando um desastre político sem precedentes. A instalação da Comissão do Impeachment, e o início de suas atividades, agravado pelo enfraquecimento da base política do governo no Congresso, estão mostrando que o cenário político para a presidente estão ficando cada vez mais desfavoráveis.    

Verifica-se que a “operação” em regime de urgência autorizada por Dilma para garantir foro privilegiado para Lula começou a ruir com a divulgação do áudio da gravação telefônica da ligação entre Dilma e Lula, ocorrida no dia 10 de março, na qual a presidente diz que estava enviando-lhe o termo de posse, que deveria ser utilizado em “caso de necessidade”. Em outro áudio, revelado nesta sexta-feira (18/03), essa preocupação do governo em blindar Lula fica ainda mais clara. A gravação telefônica feita no dia 16 de março, pelo presidente do PT, Rui Falcão, para o Palácio do Planalto, pedindo a Jaques Wagner, chefe da Casa Civil, uma reação do governo federal em decorrência do pedido de prisão de Lula pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP). Ao ser questionado por Falcão sobre o que aconteceria com o pedido de prisão, se Lula aceitasse ocupar um ministério imediatamente, Wagner respondeu não saber qual seria o impacto da nomeação. Registre-se que, as reiteradas declarações da presidente, focada apenas no debate técnico sobre a ilegalidade da gravação de sua conversa com Lula, sem entrar no mérito da gravidade do assunto objeto de sua conversa, mostra uma governante fragilizada e na defensiva. 

Devastadora, também, foi a revelação de outra conversa entre Lula com Dilma, na qual ele reclama de forma veemente da forma como vem sendo comandada as investigações da Lava-Jato no Paraná e diz que todos os demais Poderes estão a reboque da equipe de Moro e dos procuradores federais que trabalham no estado. Além de denominar a força tarefa de “República de Curitiba”, afirma que o “Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal estão acovardados, assim como o Congresso”. Em relação à situação dos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), afirma que os dois estão “fodidos”. A reação ao conteúdo dessa conversa de Lula provocou reações indignadas de diversas autoridades da República, em particular, do Poder Judiciário, Ministério Público e do Congresso Nacional.

A reação mais dura veio do STF, onde o decano da Corte (ministro mais antigo), Celso de Mello, repudiou a afirmação de Lula de que o STF está acovardado: “Os meios de comunicação revelaram, ontem, que conhecida figura política de nosso país, em diálogo telefônico com terceira pessoa, ofendeu gravemente a dignidade institucional do poder judiciário imputando a este tribunal a grosseira e injusta qualificação de ser ‘uma suprema corte totalmente acovardada’. Esse insulto ao poder judiciário, além de absolutamente inaceitável e passível da mais veemente repulsa por parte dessa corte suprema, traduz no presente contexto da profunda crise moral que envolve altos escalões da republica, uma reação torpe e indigna, típica de mentes autocráticas e arrogantes, que não conseguem esconder até mesmo em razão do primarismo de seu gesto leviano e irresponsável o temor pela prevalência do império da lei e receio pela atuação firme, justa, impessoal e isenta de juízes livres e independentes”.

É necessário, destacar, também, que a elevação das perspectivas do afastamento de Dilma da presidência, não é culpa do cenário externo, nem de catástrofes ou de guerras. O cenário de caos instalado no Brasil é resultado de inúmeros equívocos e de medidas temerárias adotadas pela presidente, bem como pelo seu antecessor, apoiadas no populismo, demagogia, patrimonialismo, corporativismo e corrupção, que levou a economia à bancarrota, gerando por decorrência, uma enorme falta de credibilidade e de confiança da sociedade na sua capacidade de conduzir o país nessa travessia difícil que tem pela frente. A comprovação do fracasso do modelo lulopetismo de governar se revela na profunda desorganização da economia. Esses erros provocaram um tombo de 3,8% no produto interno bruto (PIB) do país em 2015 (e que vai se repetir em 2016), estão empurrando a economia para uma forte depressão econômica, aumento do desemprego, queda na renda dos trabalhadores, juros altos e inflação fora de controle.

A discrepância entre a gravidade dos fatos ocorridos, e a fragilidade dos argumentos que vem sendo utilizados pela presidente Dilma e seus ministros para justifica-los, revela um governo desesperado, que está dando sinais evidentes de que se encontra no seu ocaso. A "trama" revelada nessa inusitada operação para blindar o ex-presidente Lula, expõe de forma bastante nítida, a face oculta de falsos líderes políticos, que se julgam acima da Constituição e das leis, e que usam sem nenhum pudor o patrimônio do Estado brasileiro para satisfazer os seus interesses políticos e pessoais. Esses fatos mostram que todos os envolvidos na operação "abdicação”, ultrapassaram todos os limites toleráveis num Estado democrático de direito.

 José Matias-Pereira. Economista e advogado. Doutor em ciência política (área de governo e administração pública) pela Universidade Complutense de Madri, Espanha, e Pós-doutor em administração pela Universidade de São Paulo. Professor de administração pública e pesquisador associado do programa de pós-graduação em contabilidade da Universidade de Brasília. Autor, entre outras obras, do Curso de economia política (2015), publicado pela Atlas. 


Addendum:
Recebo, do autor, um agradecimento ex-post: 
Caro Paulo Roberto de Almeida: obrigado pela divulgação do meu mais recente artigo sobre o cenário político brasileiro no seu excelente blog. A história nos mostra que maus governantes, por mais que insistam em ficar agarrados ao poder, não se sustentam. Como professor, pesquisador e articulista na área de economia e política, tento me manter equidistante de contaminações ideológicas e políticas. O Brasil é o meu partido. Abraços, José Matias-Pereira    

sábado, 28 de novembro de 2015

Corrupcao-Punicao: Quebra de Paradigmas no Brasil - Jose Matias-Pereira (Estadao Noite)


Quebra dos paradigmas políticos e culturais no País
José Matias-Pereira
Estadão Noite – Sexta-feira, 27 de novembro de 2015

A compreensão da dimensão da crise institucional que está ocorrendo no Brasil passa necessariamente pelo entendimento da forma como as variáveis econômica, política, social e policial estão se desenrolando. Essas variáveis, alimentadas por fatos novos que ocorrem diariamente, estão produzindo resultados sociais bastante desfavoráveis para a população brasileira. Deve-se reiterar que, a atual crise institucional, que paralisou o país, tem as suas origens na forma temerária de governar dos governos petistas Lula e Dilma, que adotaram decisões econômicas e políticas equivocadas, agravadas pela má gestão pública e o aparelhamento político do Estado. Assim, a soma desses erros que tiveram como fundamentos motivações ideológicas e eleitoreiras, patrimonialismo, populismo, demagogia, irresponsabilidade fiscal e a corrupção, transformaram a política e a economia do país num cenário de terra arrasada, contaminando de forma preocupante o ambiente social. A recessão na economia, o aumento do desemprego, a redução da renda dos trabalhadores, a queda na arrecadação, o aumento acelerado da dívida pública bruta, o descontrole da inflação, as taxas de juros elevados e o grave desajuste nas contas públicas, são os resultados mais visíveis desses desatinos.  

A eclosão de novas turbulências nesta semana, e de forma específica, a decretação pelo Supremo Tribunal Federal da prisão do Senador Delcidio do Amaral (PT-MS), que até então era o líder do governo Dilma no Senado Federal, impactou fortemente no Congresso Nacional e na sociedade. A denúncia feita pelo Ministério Público Federal assinala que o senador Delcídio, em conluio com o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, ofertaram vantagens pecuniárias significativas para que o ex-diretor internacional da Petrobras Nestor Cerveró, não firmasse acordo de delação premiada na Lava-Jato, e caso viesse a firmar o acordo, não mencionasse os seus nomes nos depoimentos. Assim, para avaliar a profundidade dessa decisão do STF no sistema político do país, se faz necessário analisar os seus efeitos políticos, jurídicos e culturais.   

Coube ao ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), a decisão de decretar a prisão dos envolvidos, que foi referendada posteriormente, por unanimidade, pelos demais ministros da Segunda Turma daquela Corte. O colegiado considerou gravíssima a acusação do Ministério Público Federal de que o parlamentar tentava obstruir as investigações sobre o esquema de desvios de dinheiro da Petrobras. No seu voto, a ministra Cármen Lúcia ressaltou que, parece que o escárnio venceu o cinismo, mas “o crime não vencerá a Justiça". Aviso aos navegantes dessas águas turvas de corrupção e das iniquidades: criminosos não passarão a navalha da desfaçatez e da confusão entre imunidade, impunidade e corrupção. Não passarão sobre os juízes e as juízas do Brasil”. O ministro Celso de Mello, por sua vez, declarou que ninguém está acima de lei. E que as leis também serão aplicadas no caso de qualquer autoridade que tenha cometido crimes. “Quem transgride tais mandamentos, não importando sua posição estamental, se patrícios ou plebeus, governantes ou governados, expõem-se à severidade das leis penais e, por tais atos, devem ser punidos exemplarmente na forma da lei”

É oportuno ressaltar que, a manutenção da prisão de Delcídio teve que ser votada pelo Senado Federal em função da imposição do artigo 53 da Constituição Federal, que prevê que os membros do Congresso Nacional só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável. Após a decisão, o processo no qual a prisão foi determinada deve ser remetido em 24 horas à Casa respectiva, de modo que a maioria dos parlamentares dê a decisão final. No Senado Federal, depois de um intenso debate, os senadores decidiram na noite da última quarta-feira (25/11), em voto aberto, manter a prisão de Delcídio do Amaral (PT-MS), resultado de um placar de 59 votos a favor e 13 contras.

A postura da direção do PT, por meio de nota, se recusando a prestar solidariedade ao seu eminente membro preso causou um enorme desconforto no meio político, visto que ela destoa da histórica proteção do partido a seus próceres envolvidos em esquemas de corrupção. Os condenados no processo do Mensalão são ungidos pelos dirigentes do PT como "guerreiros do povo brasileiro", e os seus líderes alcançados pelas investigações da Operação Lava Jato vistos como "vítimas do sistema". 

A decisão do STF que resultou na prisão do senador Delcídio do Amaral (PT-MS), abriu a possibilidade de um "efeito dominó", em relação a novas prisões de políticos investigados. É oportuno lembrar que existem mais de seis dezenas de políticos estão envolvidos no escândalo da Petrobras, derivado da Operação Lava-Jato, entre parlamentares, ex-parlamentares, dirigentes de partido, ministros e governadores. Cerca de cinco dezenas desses políticos já estão sendo investigados. Entre os denunciados pelo Procurador-Geral, se destacam o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o ex-presidente da República, Fernando Collor de Mello (PTB). Os políticos envolvidos na Lava-Jato são ou já foram filiados a sete partidos, dentre eles, o PT, PMDB e o PP. 

A análise dos fatos aqui debatidos me permite argumentar que os grandes perdedores neste caso, além do senador petista preso, foram: o Partidos dos Trabalhadores, que se enfraqueceu ainda mais perante a opinião pública, ao votar favoravelmente ao relaxamento da prisão de seu filiado; o presidente do Senado Renan Calheiros, que motivado por interesses pessoais, defendeu de forma enfática a votação da prisão por meio do voto secreto; o ex-presidente Lula e a presidente Dilma, que perderam um aliado importante no Congresso Nacional, que além dos esforços para blindá-los das investigações da Operação Lava Jato, estava colaborando ativamente nas negociações dos projetos de interesses do governo, em especial, com o ajuste fiscal.

Por fim, se pode concluir que os efeitos da decisão de mandar prender um senador da República no exercício de seu mandato, respaldada pelo Senado Federal, se apresenta como uma importante quebra dos paradigmas políticos e culturais no Brasil. Essa mudança irá contribuir para acelerar o fim do atual sistema político, que se esgotou há bastante tempo. Assim, além de demonstrar que as instituições de controle e da Justiça estão funcionando bem no Brasil, a decisão do STF sinaliza para os detentores de mandatos eletivos que, doravante, não mais poderão usar essa prerrogativa esdruxula para se escudar de responsabilidades criminais.  

José Matias-Pereira. Economista e advogado. Doutor em ciência política (área de governo e administração pública) pela Universidade Complutense de Madri, Espanha, e Pós-doutor em administração pela Universidade de São Paulo. Professor de administração pública e pesquisador associado do programa de pós-graduação em contabilidade da Universidade de Brasília. Autor, entre outras obras, do Curso de economia política (2015), publicado pela Atlas.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Esclarecendo a "reducao" das desigualdades do IBGE - Jose Matias-Pereira

Aprofundando as desigualdades
José Matias-Pereira 
Estadão Noite – Segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Os indicadores divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), mostram um Brasil menos desigual em 2014. Esses dados, no entanto, foram recebidos com ceticismo pelos economistas e especialistas do mercado. Essa postura contraditória me leva a formular a seguinte pergunta: O Brasil revelado pela pesquisa ainda existe?  

Para responder essa questão se faz necessário, preliminarmente, analisar os indicadores mais significativos da pesquisa, com vista a melhor explicar o que eles representam em termos de avanços socioeconômicos do país. A população brasileira foi estimada pela Pnad em 203,2 milhões, sendo que desse total, 85,3 milhões estavam no Sudeste. As pessoas com mais de 60 anos eram 13,7%, outros 25% tinham de 40 a 59 anos e 23,3%, de 25 a 39 anos. Isso confirma a tendência de aumento proporcional da população de faixas etárias mais elevadas e redução entre jovens. O desemprego, por sua vez, cresceu em 2014, mas o país manteve tendência de redução da desigualdade. A taxa média de desemprego subiu de 8,5%, no ano anterior, para 8,8%. O índice de Gini do rendimento do trabalho, que mede a concentração de renda (quanto mais próximo de zero, menor a desigualdade), caiu de 0,495, em 2013, para 0,490, em 2014. O índice varia, de 0,442 (região Sul) a 0,501 (Nordeste). O Sudeste registrou aumento, de 0,475 para 0,478, naquele ano.

O número de desempregados foi estimado em 7,2 milhões, crescimento de 9,3% em relação ao ano anterior. A maior alta, de 15,8%, foi na região Sudeste, onde o total foi calculado em 3,3 milhões. O desemprego cresceu pelo maior número de pessoas no mercado, já que o número de vagas também aumentou, embora em ritmo insuficiente para absorver a mão de obra. Dos 98,6 milhões de ocupados (crescimento de 2,9% no ano), 45,3% estavam no setor de serviços e 39,5% eram empregados com carteira assinada. O total de contribuintes para a Previdência aumentou para 61,7% do total. Dez anos antes, eram 47,4%. A Pnad também detectou crescimento do trabalho infantil (o que ocorre pela primeira desde 2005), que mostrou que a população ocupada de 5 a 17 anos de idade aumentou 4,5%, para 3,3 milhões, no período de 2013 e 2014.

O rendimento da parcela dos 10% mais pobres da população foi de R$ 256 na média mensal em 2014, aumento de 4,1% na comparação com o ano anterior. Este foi o maior avanço entre todas as faixas de renda. No outro extremo da pirâmide, a renda dos 10% mais ricos foi de R$ 7.154, 0,4% menor do que no ano anterior. No extrato 1% mais rico, a queda foi maior, de 3,4%, para R$ 20.364. Todas faixas intermediárias também tiveram aumento da renda no ano passado, especialmente as que estão próximas do valor do salário mínimo (de R$ 724 em 2014), o que significa que estava havendo redução da desigualdade no país.

Os dados da pesquisa se referem a setembro de 2014, comparados com o mesmo mês de 2013, ou seja, um pouco antes do primeiro turno das eleições presidenciais, quando ainda se mantinha, de forma artificial, por motivações eleitoreiras, o equivocado ciclo econômico de incentivo ao consumo das famílias e de gastos do governo. Nesse contexto, funcionava um mercado que absorvia pessoas com menos qualificação, e a inflação ainda se encontrava estacionada em 6,5%. A queda de 3% no PIB deste ano, e que deverá se repetir em 2016, indica que a desigualdade deve se manter estagnada em 2015 e vai se aprofundar em 2016, efeito do menor aumento do salário mínimo, avanço da inflação, da informalidade e do desemprego. Os resultados positivos mostrados pela Pnad de 2014, se dissiparam como fumaça, em decorrência da incompetência, populismo, demagogia e corrupção dos governos petistas Lula e Dilma, engolidos pela recessão, aumento do desemprego, queda na renda, taxas de juros altas, aumento da inflação. O cenário existente no Brasil atual mostra que o país retratado na Pnad não mais existe. Pode-se concluir, assim, que a próxima Pnad, que vai comparar os dados de 2014 e 2015, vai revelar um Brasil vivenciando uma profunda crise social. 

José Matias-Pereira. Economista e advogado. Doutor em ciência política (área de governo e administração pública) pela Universidade Complutense de Madri, Espanha, e Pós-doutor em administração pela Universidade de São Paulo. Professor de administração pública e pesquisador associado do programa de pós-graduação em contabilidade da Universidade de Brasília. Autor, entre outras obras, do Curso de economia política (2015), publicado pela Atlas.

Não existem falhas de mercado, 2: uma crenca nao provada, mas disseminada - Paulo Roberto de Almeida


Não existem falhas de mercado; se falhas existem, elas são de governo, 2: uma crença não provada, mas disseminada

Paulo Roberto de Almeida
Com meus agradecimentos ao José Matias-Pereira

No primeiro artigo desta série, “Adam Smith vai ao cerrado”, eu me dediquei a comprovar a existência e o funcionamento perfeito da chamada “mão invisível” de Adam Smith – que não é uma “teoria”, como muitos acreditam e afirmam, mas se trata de uma simples constatação de bom senso – por meio de um trecho do romance-macondiano de Arnaldo Barbosa Brandão, Encaixotando Brasília, (Brasília: Verbena, 2012), que descreve, em linguagem colorida e totalmente apropriada ao assunto, como os mercados são capazes de contornar qualquer restrição imposta por governos incautos, criando, a partir do tino empresarial de microempresários improvisados, as mais surpreendentes respostas a essas “falhas de governo”, por meio do oferecimento dos mais insólitos produtos, mas que respondem a uma demanda perfeitamente configurada. Quem não teve a oportunidade de ler esse primeiro artigo, pode fazê-lo aqui: Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2015/11/nao-existem-falhas-de-mercado-se-falhas.html).
Estou lendo agora o excelente manual didático de José Matias-Pereira, Finanças Públicas: A Política Orçamentária no Brasil (3a. ed.; São Paulo: Atlas, 2006), livro que me instruiu perfeitamente bem sobre os arcanos, meandros, labirintos e procedimentos góticos, alguns até kafkianos, da nossa estrutura burocrática que preside à confecção, administração e operacionalização da política orçamentária no Brasil, que recomendo à atenção de todos os interessados nesse árido capítulo de nossas políticas públicas da área econômica, ao lado de um outro manual que também me parece excelente: Fabio Giambigi e Ana Cláudia Alem, Finanças Públicas: Teoria e Prática no Brasil (4a ed.; Rio de Janeiro: Elsevier, 2011).
E o que leio, logo no prefácio à 3a. edição de Matias Pereira? Esta frase que me parece sintomática de toda uma escola de economia – aliás de várias, mas com ênfase nas keynesianas – que me parece mais a invocação de um credo do que uma verdade objetiva e cientificamente provada:
[A] preocupação da teoria das finanças públicas (...) se articula em torno da existência das falhas de mercado que tornam necessária a presença do governo, do estudo das funções do governo, da teoria da tributação e do gasto público. (p. 16)

O autor reconhece imediatamente, na sua Introdução, seu embasamento teórico, mais uma vez um questão de adesão, mais do que de fundamentação lógica:
Destacamos neste livro a importância da teoria keynesiana para o entendimento do estudo de Finanças Públicas... (p. 29)

Pergunto: por que keynesiana? Por que não miseniana, que a precede, ou a da escola austríaca, à qual Ludwig von Mises está ligado? Acredito que se trata, com todo o respeito pelo autor, de um “defeito de fabricação”: nas faculdades brasileiras de economia se estuda exclusivamente a teoria keynesiana, que não precisa disputar com nenhuma outra qualquer espaço intelectual, ou fazer qualquer esforço de fundamentação lógica ou provar sua validade por meio de algum tipo de embasamento empírico.
Esse entendimento é corroborado imediatamente após, ao enfatizar o autor as fontes de sua abordagem das finanças públicas:
O referencial teórico deste livro está apoiado, em grande parte, na teoria das finanças públicas (Musgrave, 1959; Musgrave & Musgrave, 1989), que se articula em torno da existência das falhas de mercado que torna necessária a presença do governo, do estudo das funções do governo, da teoria da tributação e do gasto público, tendo como referência o objetivo-fim do Estado, que é o bem comum. (p. 29; ênfase acrescida PRA; os livros citados são os seguintes: Richard A. Musgrave: The Theory of Public Finance. New York: McGraw-Hill, 1959; R. A. M. e Peggy B. Musgrave: Public Finance in Theory and Practice. 5th. ed.; Singapore: McGraw-Hill, 1989)

Pode-se admitir perfeitamente que as finanças públicas estejam inextricavelmente vinculadas a ações e funções de governo, e a toda uma parafernália a isso inerente, qual seja, a tributação (mais uma prática do que uma teoria, diga-se de passagem), mas não se percebe como e por que as finanças públicas teriam de estar centradas em torno de supostas “falhas de mercado”, que não são exatamente caracterizadas. Pode-se inclusive admitir como razoável que a finalidade maior do Estado é o bem comum, embora existam fundadas dúvidas de que isso seja universal, ou essencialmente inerente ao Estado, ou a todo Estado que se conhece. Mas, admitamos que possa ser verdade, o que não torna necessariamente verdade o fato de as finanças públicas estarem articuladas em torno de supostas falhas de mercado: pode tranquilamente admitir uma suposta ação benfeitora do Estado mesmo na ausência completa de falhas de mercado – teoricamente possível, pelo menos, tanto quanto sua existência, também teoricamente admissível – ou na sua existência independente de qualquer necessidade de “teoria da tributação”.
Não se pode negar, a priori, a inexistência de “falhas de mercado” – embora minha tese, provavelmente principista e preconceituosa seja de que, precisamente, elas não existem – mas por que não admitir, ao mesmo tempo a existência de “falhas de governo”, que me parecem as mais factíveis, possíveis e passíveis de acontecerem? Não existe, contudo, ao longo do livro, uma digressão ou explicação paralela para a possível existência de “falhas de governo”, como existe uma suposição que também me parece principista e preconceituosa de que existem, sim, “falhas de mercado” que necessitam ser corrigidas pelo Estado.
Este ponto não é investigado a fundo, mas simplesmente exposto como uma situação de fato existente, sem que se investiguem as origens, as formas, os tipos e as modalidades de tais “falhas”. Uma primeira suposição transparece através da citação de uma autora brasileira em um livro sobre “planejamento no Brasil”:
... posiciona-se Lafer (1987: 15-16) no sentido de que ‘o planejamento governamental se faz necessário, não para substituir o sistema de preços (...) mas para corrigir-lhe as distorções...’ (p. 69; o livro citado é o Betty Mindlin Lafer, Planejamento no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1987)

Não se sabe, porém, quais seriam essas distorções do sistema de preços, pelo menos aquelas distorções que derivam inteiramente desse “sistema” – o que já me parece uma incongruência em si, pois não existe um sistema, e sim uma relação entre oferta e demanda, que determina um determinado preço de mercado – e não de uma intervenção de governos sobre esses preços de mercado. Parece-me existir aqui uma curiosa tendência a provar a existência de certos desequilíbrios, disfunções, ou “falhas” apenas pela afirmação de sua existência, justamente, não pela comprovação empírica, factual, dessa existência. Para a autora, como para Matias-Pereira, o equilíbrio estático de renda em um nível inferior do de pleno emprego já seria um indicativo dessas “falhas de mercado”.
A fundamentação desse entendimento do jogo econômico se baseia inteiramente na introdução de Keynes à sua Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda (1936), quando este afirma que
‘...os postulados da teoria da teoria clássica se aplicam apenas a um caso especial e não ao caso geral, pois a situação que ela supõe acha-se no limite das possíveis situações de equilíbrio. Ademais, as características desse caso especial não são as da sociedade econômica em que realmente vivemos, de modo que os ensinamentos daquela teoria seria ilusórios e desastrosos se tentássemos aplicar as suas conclusões aos fatos da experiência.’ (Keynes, A teoria geral do emprego, dos juros e da moeda. São Paulo: Atlas, 1982, p. 23; cf. p. 71 de Matias-Pereira)

Registre-se que a maior parte, senão a totalidade dos keynesianos ou dos economistas que lhe eram ou são simpáticos, partem dessa simples afirmação para decretar que a teoria clássica se aplicava apenas a um caso especial e que a teoria proposta por Keynes se conforma numa teoria geral, digno de substituir a primeira. Mas com base em quais evidências práticas Keynes poderia decretar isso? Apenas com base nos desequilíbrios observados no funcionamento das economias capitalistas de mercado a partir do entre guerras, e mais particularmente a partir de 1929-1931? Como poderia o economista britânico concluir que a sua “teoria” era a que se ocuparia de casos “gerais”, ao passo que toda a teoria clássica e neoclássica anterior havia simplesmente se ocupado de um caso “especial”? Mistério dos mistérios...
Procurei no restante do livro uma explicação para a existência das tais “falhas de mercado”, mas confessado não ter encontrado nada que saciasse a minha curiosidade. Não que não existissem afirmações auto-confirmadas desses desequilíbrios que teriam sido “descobertos” por Keynes, como por exemplo esta frase emblemática do pensamento do autor do livro:
É indiscutível (eu sublinho, PRA) a importância da contribuição de Keynes em relação ao papel dos gastos públicos como suplemento ao dispêndio privado. (...) Introduzindo o conceito ex-ante, Keynes enfatizou a diferença entre poupanças e investimento. (...) Dessa forma, quando ocorresse insuficiência de demanda, o governo deveria assumir um papel ativo de complementar os gastos privados... mesmo em obras aparentemente sem lógica imediata, como abrir e fechar buracos... (p. 72)

Registre-se, mais uma vez, que a tal “insuficiência de demanda” já seria, no conceito keynesiano (e no entendimento de Matias-Pereira), uma “falha de mercado”, que o governo, sempre no conceito de que o Estado só pode produzir o bem comum, procuraria corrigir oferecendo sua própria “poupança”. Eu não sei como os keynesianos imaginam de onde o governo vai retirar essa poupança, a menos que eles estejam entendendo gastos inflacionários, derivados de emissões de puro papel, como o equivalente de “perfeições de governo”, o que me parece inteiramente plausível.

O livro de Matias-Pereira é uma preciosidade em termos de análise das finanças públicas e do seu funcionamento no Brasil, não apenas teoricamente, mas de um ponto de vista essencialmente prático. Mas o autor ficou nos devendo uma explicação cabal de por que a teoria das finanças públicas deveria se articular em torno da existência de “falhas de mercado”, se em nenhum momento ele fornece uma descrição adequada da efetividade dessas “falhas” e, mais importante, de suas formas de atuação. Permanece aliás um mistério para mim o fato de que essas falhas, parcamente referidas e nunca explicitadas à exaustão, devam necessariamente estar no centro de uma teoria e uma prática das finanças públicas.
Minha posição, tal como exposta no título desta série, é a de que não existem as tais falhas de mercado, mas isso requer uma explicação mais fundamentada que será feita no terceiro artigo desta série.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 17 de novembro de 2015.