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domingo, 16 de dezembro de 2018

Alexandre Schwartsman e a Lei de Irresponsabilidade Fiscal do Congresso

Mundo velho sem porteira

Por Alexandre Schwartsman

…revela-se o que já sabíamos: boa parte, senão a maioria dos municípios do país, é financeiramente inviável sem as transferências federais, o que deveria nos levar a questionar sua existência autônoma, não o perdão ao comportamento irresponsável.

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Já não tinha qualquer dúvida acerca do completo divórcio entre a classe política e a realidade das contas públicas no país, mas, se tivesse, bastaria a alteração da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) perpetrada recentemente pela Câmara para ter certeza absoluta a este respeito.

A LRF estabeleceu que estados e municípios não podem gastar mais do 60% de sua receita corrente líquida com pessoal, condição infringida mais vezes do que seria saudável, levando ao uso de critérios nebulosos de contabilidade para disfarçar a real extensão do problema. Já a mudança da LRF permite a municípios a violação deste limite, caso sua receita tenha caído mais do que 10% por força da redução das transferências federais (devido a isenções tributárias concedidas pela União), ou queda nos royalties.

À primeira vista parece uma mudança bastante razoável. Afinal de contas, o governante não poderia ser punido por fatores fora de seu controle como os acima descritos. Um olhar mais aprofundado, porém, revela consequências potencialmente destrutivas da decisão.

A começar porque, como sabe qualquer família, não é prudente fixar suas despesas em níveis elevados quando suas receitas podem variar. As receitas relativas a royalties flutuam, por exemplo, com os preços de commodities, como ilustrado pela crise do Rio de Janeiro. Caso as despesas, com pessoal inclusive, sejam definidas com bases em receitas originadas em um momento favorável do ciclo econômico, torna-se bastante provável seu “estouro” quando vier a reversão cíclica.

Neste sentido, a Câmara deu permissão a este tipo de comportamento, ao sinalizar que administradores não sofrerão sanções por conta de um evento que, num período razoavelmente longo, é praticamente uma certeza.

Afora isto, revela-se o que já sabíamos: boa parte, senão a maioria dos municípios do país, é financeiramente inviável sem as transferências federais, o que deveria nos levar a questionar sua existência autônoma, não o perdão ao comportamento irresponsável.

Abre-se, por fim, um precedente perigoso. Nada impede, mais à frente, que novas alterações ampliem o leque de alternativas para aumento de gastos, em particular relativos a pessoal.

Tudo isto ocorre num contexto em que, sob a LRF, municípios vêm gastando como nunca. As despesas municipais, medidas a preços constantes, atingiram R$ 606 bilhões (8,9% do PIB) nos 12 meses terminados em junho de 2018 contra R$ 490 bilhões (7,6% do PIB) em 2010. No mesmo período, as despesas com pessoal saltaram de R$ 223 bilhões (3,5% do PIB) para R$ 298 bilhões (4,4% do PIB), ou seja, de 46% para 49% da despesa corrente.

A contrapartida foi a queda da participação da provisão de serviços à população (de 35% para 30% da despesa). É bastante claro que o aumento do gasto beneficiou mais aos servidores municipais do que os munícipes, replicando um padrão infelizmente comum no setor público brasileiro.

Este episódio apenas reforça a percepção muito clara sobre a apropriação do orçamento público por grupos corporativos, alegremente sustentados por políticos cuja conexão com o interesse da população é mínima.

Num país em que estados importantes se encontram à beira da falência e mesmo o governo federal enfrenta sérias dificuldades, a última coisa que precisamos é abrir as porteiras para o gasto desenfreado. No entanto, é exatamente isto com que o Congresso nos brindou.

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* ALEXANDRE SCHWARTSMAN – DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS

quinta-feira, 5 de maio de 2016

16 Anos da Lei de Responsabilidade Fiscal - Marcus Abraham (Jota)

Coluna Fiscal: avanços e retrocessos nos 16 Anos da Lei de Responsabilidade Fiscal



Vista aérea da Esplanada dos Ministérios/ Crédito: Ana Volpe/Senado
Crédito Ana Volpe/Senado
Marcus Abraham
Por Marcus Abraham *
 
Hoje, dia 05 de maio de 2016, a Lei Complementar 101/2000, denominada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), completa exatos 16 anos de vigência. Embora haja muito que se comemorar nesse período, devemos reconhecer que a sua observância e respeito por nossos governantes têm deixado muito a desejar.
Após um virtuoso ciclo positivo e ascendente de ajustes nas finanças do país na sua primeira década de vigência, que se materializou pela reorganização das contas públicas e busca pelo equilíbrio fiscal, desenha-se, infelizmente, um retrocesso fiscal nos últimos anos, que se espera seja logo superado.
A atual realidade é a de que a gestão fiscal responsável, imperativo que fundamenta a LRF, vem sendo olvidada pelas três esferas federativas. Apesar de a lei ter sido instituída para estabelecer um código de conduta aos gestores públicos, pautada em padrões internacionais de boa governança e voltada para a preservação da coisa pública, tendo a probidade e a conduta ética do administrador público como deveres jurídicos positivados, o que temos visto ultimamente não reflete minimamente o espírito da res publica.
A esperança de mudança de postura do administrador público tem se demonstrado inalcançada diante da realidade de inúmeras unidades da federação que não vêm conseguindo pagar os salários e aposentadorias de seus servidores, honrar os contratos de seus fornecedores, e nem garantir minimamente os serviços públicos essenciais como saúde, educação e segurança pública.
Já tivemos oportunidade de destacar que se vê hoje dezenas de bilhões de reais sendo renunciados por políticas de desoneração fiscal sem a devida compensação financeira, como exige a LRF (artigo 14). As despesas com pessoal dos entes vêm ultrapassando em muito os limites previstos em lei (artigo 19, LRF). O desequilíbrio financeiro e o descumprimento de metas fiscais tornam-se rotina em vilipêndio da regra fiscal (artigos 1º e 4º da LRF). O assustador gigantismo da dívida pública afronta os princípios legais que a regem (artigos 30 e 31 da LRF). E a falta de planejamento e de respeito às leis orçamentárias as tornam peças de ficção shakespeariana.
Este cenário não era o esperado para estes 16 anos de LRF. Políticas populistas e eleitoreiras, despesas desprovidas de qualidade e de legitimidade, desequilíbrio entre receitas e despesas públicas, geração de déficits impagáveis, ciclo orçamentário irreal, desconexo e desprovido de efetividade são práticas que não podem mais perdurar numa nação que pretenda o bem-estar dos seus integrantes e a criação de uma sociedade mais digna e justa.
Não apenas para dar efetividade à política de estabilização fiscal que se implementava em fins da década de 1990 e início de 2000, e para regulamentar dispositivos da Constituição Federal de 1988 que demandavam uma lei complementar sobre matérias financeiras, a promulgação da LRF foi instituída para apresentar um novo marco regulatório fiscal no Brasil, baseado no planejamento, na transparência, no controle e equilíbrio das contas públicas e na imposição de limites para determinados gastos e para o endividamento.
A partir da lei, pretendeu-se conferir maior efetividade ao ciclo orçamentário, ao regular e incorporar novos institutos na lei orçamentária anual e na lei de diretrizes orçamentárias, voltadas para o cumprimento das metas estabelecidas no plano plurianual. Desejou-se impor a cobrança dos tributos constitucionalmente atribuídos aos entes federativos para garantir sua autonomia financeira, estabelecendo-se condições na concessão de benefícios, renúncias e desonerações fiscais. Buscou-se obrigar a indicação do impacto fiscal e a respectiva fonte de recursos para financiar aumentos de gastos de caráter continuado, especialmente em se tratando de despesas de pessoal. Fixaram-se limites para a ampliação do crédito público com vistas ao controle e redução dos níveis de endividamento. E criaram-se sanções de diversas naturezas em caso de descumprimento das normas financeiras.
No cenário internacional, especialistas e organismos multilaterais já enalteceram o Brasil ao editar a LRF, considerando-a uma das mais abrangentes e austeras do mundo. Mas a adoção de uma lei de responsabilidade fiscal não foi uma exclusividade brasileira. Diversos países do mundo – como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Áustria, Bélgica, Nova Zelândia – passaram por situações que, igualmente, demandaram ações nesse sentido e acabaram por desenvolver e inserir nos seus ordenamentos jurídicos normas dessa natureza. Na América Latina, Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador e México adotaram leis de responsabilidade fiscal, especialmente por pressão do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Internacional de Desenvolvimento (BIRD), como contrapartida aos acordos financeiros firmados.
Merecem destaque os três pilares que fundam a LRF: o planejamento, a transparência e o equilíbrio fiscal.
O planejamento orçamentário foi devidamente organizado na LRF ao se impor a implementação de um ciclo fiscal caracterizado pela responsabilidade gerencial de longo prazo e pela qualidade do gasto público, com a devida legitimidade conferida pela assim chamada trindade orçamentária: plano plurianual (PPA), a lei de diretrizes orçamentárias (LDO) e a lei orçamentária anual (LOA). Dentro deste escopo, o acompanhamento de resultados do orçamento foi outro grande marco da LRF, já que de nada adiantava um orçamento financeiro bem elaborado e dimensionado, se este não produzisse resultados concretos e visíveis. Associar os números orçamentários às metas propostas e mensurar se estas foram alcançadas é uma das virtudes do novo ciclo orçamentário.
A transparência fiscal na prestação de contas foi desenhada de forma exemplar na LRF, com a obrigação de divulgação em veículos de fácil acesso, inclusive pela Internet, das finanças e dos serviços públicos, possibilitando a qualquer cidadão acompanhar diariamente informações atualizadas sobre a execução do orçamento e obter informações sobre recursos públicos transferidos e sua aplicação direta (origens, valores, favorecidos). Mas além da disponibilização de informações, a LRF criou novos controles contábeis e financeiros aplicáveis isonomicamente aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, aos Tribunais de Contas e Ministério Público, os quais são obrigados a publicar suas demonstrações fiscais. Portanto, transparência e controle na gestão passam a ser um binômio constante a partir da LRF.
Também foi indiscutível a contribuição da LRF para a busca do equilíbrio das finanças públicas no Brasil nos três níveis da federação. Não apenas no que se refere ao saneamento e reorganização da dívida pública, como também quanto aos mecanismos de limitação de gastos e a criação de metas de superávit fiscal.
Por outro lado, há, ainda, mecanismos legais previstos na LRF não regulamentados – tais como o Conselho de Gestão Fiscal (artigo 67) e a imposição de limites para a dívida pública federal – e outros que merecem ser revisitados, especialmente aqueles relativos à eficácia das regras das limitações com despesa de pessoal que, não obstante as previsões legais constantes da LRF, continuam gradativamente a se expandir.
Não se esqueça também da necessária padronização e harmonização conceitual para se permitir a devida aplicação e efetividade da norma, mormente em razão de que os Tribunais de Contas, sobretudo dos Estados, ainda não têm uma interpretação uniforme de vários dispositivos da LRF. Os ditos “atalhos interpretativos” vêm permitindo a alguns gestores públicos encontrarem caminhos alternativos para superar as limitações e condicionantes da lei e, sobretudo, para não verem aplicadas contra si as sanções pelo seu descumprimento.
Enfim, pode-se dizer nesses 16 anos de vigência que a Lei de Responsabilidade Fiscal é uma obra jurídica dinâmica e inacabada, que exige constante evolução e aperfeiçoamento e, sobretudo, respeito na sua aplicação.
Garantir sua efetividade, permitindo a discussão da qualidade e dimensionamento das receitas e das despesas, com o necessário controle das finanças públicas, faz parte de um projeto de desenvolvimento nacional sustentável.

* Desembargador Federal no Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Doutor em Direito Público (UERJ), Professor de Direito Financeiro e Tributário da UERJ, autor de diversos livros, dentre eles o CURSO DE DIREITO FINANCEIRO BRASILEIRO, 3ª edição, Editora Forense, 2015, e LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL COMENTADA, 1ª edição, Editora Forense, 2016.

domingo, 4 de julho de 2010

O seu, o meu, o nosso dinheiro (mas ele vem sendo generosamente distribuido)

Com resultados duvidosos, diga-se de passagem, em operações maquiadas que aumentam enormemente a dívida interna.
Se houvesse, no Brasil, processos por irresponsabilidade com o dinheiro público ao abrigo da LRF, esse governo todo já estaria na cadeia. Apenas que o governo federal, que cobra responsabilidade dos estados e municípios, continua a ser criminosamente irresponsável com os recursos de todos os brasileiros, comprometendo dívidas durante várias décadas. Uma irresponsabilidade total...

Opinião
O custo dos aportes ao BNDES
Editorial O Estado de S.Paulo, 4 de julho de 2010

Os R$ 180 bilhões emprestados pelo governo federal ao BNDES no ano passado e neste ano, a juros inferiores aos de mercado, representarão um subsídio de R$ 66,6 bilhões concedido pelo Tesouro Nacional até a liquidação das operações, que ocorrerá entre 2039 e 2050. A estimativa é de técnicos do banco, que defenderam os empréstimos como forma de atenuar a recessão de 2009 ? sem considerar os riscos de misturar as contas do governo e as do BNDES.

Em 2009, o Tesouro emprestou R$ 100 bilhões ao BNDES com prazo de 30 anos e 5 anos de carência, a um custo que variou entre a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) seca, hoje de 6% ao ano, e a TJLP mais juros de 2,5% ao ano. Segundo o estudo O papel do BNDES na alocação de recursos: avaliação do custo fiscal do empréstimo de R$ 100 bilhões concedido pela União em 2009, dos economistas Thiago Rabelo Pereira e Adriano Nascimento Simões, chefe e gerente, respectivamente, do Departamento de Renda Fixa do banco, o custo fiscal dessa operação será de R$ 36,6 bilhões. O valor corresponde à diferença entre o que o BNDES pagará ao Tesouro e os juros da Selic, hoje de 10,25% ao ano, que o Tesouro paga aos aplicadores nos títulos públicos entregues ao banco e vendidos no mercado.

Neste ano, o Tesouro emprestou mais R$ 80 bilhões ao BNDES, com prazo de 40 anos, carência parcial de juros por 15 anos e custo igual à TJLP seca. Numa estimativa "simplificada do custo", a perda fiscal da operação ficaria em torno de R$ 30 bilhões. "Numa extrapolação linear muito simples, pode-se calcular que o custo do empréstimo de R$ 80 bilhões é de R$ 800 milhões por ano", disse Pereira.

Mas, nos dois empréstimos, os custos fiscais são obtidos por aproximação, pois dependem da taxa Selic. Outros custos também são difíceis de estimar, pois dependem do resultado da aplicação do dinheiro pelo BNDES e do impacto sobre o financiamento dos investimentos e a receita tributária.

Do ponto de vista econômico, discute-se o mérito dessas operações, defendidas pelos técnicos do BNDES como instrumento de apoio à compra de máquinas e à contratação de obras, com efeitos estimulantes na economia e aceleração da Formação Bruta de Capital Fixo.

Trata-se de um subsídio substancial e "alguém está pagando por essa diferença", afirmou o ex-diretor do Banco Central (BC) Carlos Thadeu de Freitas. Além do mais, segundo Freitas, o subsídio "precisa constar do orçamento fiscal". E, por ora, não se sabe em que item da contabilidade pública ele poderá ser lançado.

Especialistas reconhecem, além disso, que as operações provocaram um aumento do endividamento bruto do Tesouro Nacional, que já superou os 60% do PIB ? um aumento de cerca de 10 pontos porcentuais em relação ao ano passado. Quanto mais elevada é a relação entre a dívida pública e o PIB, maior a demanda dos aplicadores por juros altos nos papéis emitidos pelo Tesouro.

No plano político, com os empréstimos federais o BNDES pode ampliar sua participação na oferta de crédito. "Os R$ 100 bilhões aportados pelo Tesouro ao BNDES para sustentar o investimento em 2009 correspondem a cerca de 25% de todo o estoque de crédito livre disponibilizado pelo sistema bancário às empresas, segundo dados do BC ao fim de 2009", afirmam os economistas do banco. Eles calculam que os desembolsos do BNDES em 2009 "corresponderam a montante equivalente a cerca de 52% do esforço agregado de investimento efetuado na economia, em máquinas e equipamentos", excluída a construção civil.

Além da mistura entre as contas do Tesouro e do BNDES, o governo patrocinou, por intermédio das operações, um aumento do controle do Estado sobre as alocações de investimento. Mesmo que o banco só conceda empréstimos de boa qualidade, o fato é que o Estado passou a ter, por intermédio do BNDES, maior ingerência para definir os grupos empresariais e os setores que quer privilegiar.