O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

Mostrando postagens com marcador Leandro Roque. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Leandro Roque. Mostrar todas as postagens

sábado, 6 de outubro de 2018

Brasil, a tragedia fiscal - Ubiratan Jorge Iorio e Leandro Roque (Mises Brasil)

A explosiva situação fiscal do governo brasileiro - em dois gráficos 

Quando se fala em corte de gastos, os economistas desenvolvimentistas e de todas as vertentes keynesianas imediatamente gritam que tal medida é recessiva. A máxima deles é a de que "despesa corrente é vida".
Nada mais falso. Dizer que gastos do governo geram crescimento econômico é uma grande contradição. O governo, por definição, não produz nada. Ele não tem recursos próprios para gastar. O governo só pode gastar aquilo que antes ele confiscou via tributação ou tomou emprestado via emissão de títulos do Tesouro. 
Só que tanto tributação quanto endividamento geram consequências negativas sobre a economia.
Ao tributar, o governo toma aquele dinheiro que poderia ser usado para investimentos das empresas ou para o consumo das famílias, e desperdiça esse dinheiro na manutenção da sua burocracia. A tributação nada mais é do que uma destruição direta de riquezas. Parte daquilo que o setor privado produz é confiscado pelo governo e desperdiçado em burocracias improdutivas (ministérios, agências reguladoras, secretarias e estatais), maracutaias, salários de políticos, agrados a lobistas, subsídios para grandes empresários amigos do regime, propagandas e em péssimos serviços públicos. 
Esse dinheiro confiscado não é alocado em termos de mercado, o que significa que está havendo uma destruição da riqueza gerada.
Pior: ao tributar, o governo faz com que a capacidade futura de investimento das empresas seja seriamente afetada, o que significa menor produção, menor oferta de bens e serviços no futuro, e menos contratação de mão-de-obra.
Já ao tomar empréstimos — ou seja, emitir títulos —, o governo se apropria de dinheiro que poderia ser emprestado para empresas investirem ou para as famílias consumirem. 
Não há mágica ou truques capazes de alterar essa realidade: quando o governo se endivida, isso significa que ele está tomando mais crédito junto ao setor privado. E dado que o governo está tomando mais crédito, sobrará menos crédito disponível para financiar empreendimentos produtivos. Isso significa que o governo está dificultando e encarecendo o acesso das famílias e das empresas ao crédito. 
E isso é fatal, sobretudo, para as micro, pequenas e médias empresas.
E piora: a emissão de títulos gera o aumento da dívida do governo, cujos juros serão pagos ou por meio de mais impostos ou por meio de mais lançamento de títulos.
E isso leva ao reinício do ciclo vicioso.

Os números 
O governo brasileiro é uma insana e insaciável máquina de destruição de riqueza. E isso não é uma frase ideológica ou meramente demagógica. Uma simples olhada em seus números fiscais nos permite constatar isso.
Como ele gasta muito mais do que arrecada via impostos — pois tem um grande estado de bem-estar social para sustentar —, ele incorre em déficits orçamentários contínuos. Logo, ele tem de se endividar (pedir empréstimos) para poder manter seus gastos.
As consequências? O gráfico abaixo mostra a evolução da dívida bruta do governo federal desde julho de 1994. A dívida nada mais é do que um acumulado de déficits. Assim, o gráfico abaixo mostra o volume de dinheiro que foi absorvido pelo governo federal para financiar seus déficits — dinheiro este que, caso não houvesse déficits, poderia ter sido direcionado para o financiamento de investimentos produtivos:
cewolf.png
Gráfico 1: evolução da dívida total do governo federal (Fonte e gráfico: Banco Central)

O gráfico acima mostra que nada menos que R$ 5,25 trilhões já foram absorvidos pelo governo federal para sustentar sua máquina e sua burocracia. São R$ 5,25 trilhões que deixaram de financiar empreendimentos produtivos.
Impossível mensurar os custos econômicos das empresas que deixaram de ser abertas, dos empregos que deixaram de ser gerados e das tecnologias que deixaram de ser criadas simplesmente porque os investimentos não foram possíveis por causa da absorção de recursos pelo governo federal.  
Para entender o que empurrou essa dívida tão aceleradamente para cima, é necessário ver o tanto que o governo gastou a mais do que arrecadou a cada ano. O gráfico abaixo mostra a evolução do déficit nominal do governo (tudo o que o governo gasta, inclusive com juros, além do que arrecada).
Gráfico 2: evolução do déficit nominal do governo federal (Fonte e gráfico: Banco Central)
cewolf (1).png




O descalabro, que começou realmente ao final de 2011, mas que se intensificou a partir de meados de 2014, é inaudito. (O surto ocorrido pontualmente em 2009 se deveu à recessão daquele ano, que fez com que as receitas do governo caíssem).
Atualmente, em um período de 12 meses, o governo gasta R$ 500 bilhões a mais do que arrecada via impostos. Ou seja, em 12 meses, o governo federal se endivida em um montante de R$ 500 bilhões. São R$ 500 bilhões que ele absorve do setor privado a cada 12 meses. São R$ 500 bilhões que deixam de financiar investimentos produtivos apenas para fechar as contas do governo.
Mas agora vem a parte realmente assustadora: pegue esses R$ 500 bilhões que o governo federal absorve via empréstimos em 12 meses e some aos R$ 2,170 trilhõesque as três esferas de governo arrecadaram em 2017 via impostos. São R$ 2,670 trilhões que o estado retirou do setor privado e destruiu no financiamento de sua própria máquina. 
Isso equivale a 41% do PIB, uma vez que o PIB foi de R$ 6,6 trilhões em 2017.
E aí você começará a entender por que será difícil para um país ainda em desenvolvimento enriquecer e prosperar sob esse atual arranjo. Não há mágica capaz de subverter essa realidade.

A lógica é inescapável
Quanto maior é o governo, maiores serão seus gastos. Quanto maiores forem seus gastos, maiores terão de ser os impostos e o endividamento do governo. 
Quanto maiores forem os impostos, menores serão os incentivos ao investimento e à produção. 
Quanto maior for o endividamento do governo, maiores serão as oportunidades perdidas em investimentos que não puderam ser feitos (porque o governo se apropriou desse dinheiro que poderia ter sido emprestado para o setor privado), maiores serão os gastos com juros, e maior terá de ser a carga tributária para arcar com esses gastos com juros.
Quando políticos falam que não há como cortar gastos, o que eles realmente estão dizendo é que não há como reduzir os custos sobre os indivíduos produtivos, que são aqueles que arcam com o ônus dos impostos. Um governo com gastos elevados está, na prática, onerando aqueles que levantam cedo e vão trabalhar.
No final, aqueles que afirmam que gastos do governo geram crescimento estão afirmando que tomar dinheiro de uns para gastar com outros pode enriquecer a todos. Como diz o ditado, está afirmando que "tirar água da parte funda da piscina e jogá-la na parte rasa fará o nível geral de água na piscina aumentar".

Conclusão
Onde o governo deve cortar? Em qualquer lugar e em todo lugar.
Ministério da Cultura, Ministério do Turismo, Ministério do Desenvolvimento Social, Ministério do Esporte, Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Integração Nacional, Ministério dos Direitos Humanos, Ministério das Comunicações, Ministério do Turismo, Ministério da Educação, Ministério dos Transportes e Secretaria de Assuntos Estratégicos poderiam ser imediatamente abolidos. 
Veja aqui (clique em "despesas") o total das despesas de cada ministério. Excluindo-se o Ministério da Fazenda (que gasta R$ 1,2 trilhão), todos os outros ministérios gastam aproximadamente R$ 640 bilhões por ano. (Na era Dilma, eles empregavam mais de 113 mil apadrinhados e seus salários consumiam R$ 214 bilhões. Ainda não se sabe os números exatos da atual administração.)
Adicionalmente, o cancelamento de todos os aumentos prometidos ao funcionalismo público bem como a extinção dos super-salários do setor público são imprescindíveis. 
abolição do BNDES e a devolução do dinheiro a ele emprestado pelo Tesouro também seriam um bom começo (embora isso resolveria apenas um problema de estoque e não de fluxo).
A venda (ou mesmo a abolição) destas 18 estatais que queimam 86% do orçamento com funcionários muito bem pagos e que dependem de transferências do Tesouro também é imperativa, assim como a venda das 151 estatais do governo, as quais recebem um aporte anual de R$ 20 bilhões do governo.
Acima de tudo, a reforma da previdência do setor público, que é de longe o maior ralo de dinheiro do país, é absolutamente crucial.
Mas quem fará isso? Por enquanto, ninguém se apresentou.


quarta-feira, 27 de abril de 2016

A destruicao dos mitos desenvolvimentistas pela economia aloprada dos petistas - Leandro Roque (Mises)

O legado humanitário de Dilma - seu governo foi um destruidor de mitos que atormentam a humanidade
por , quarta-feira, 27 de abril de 2016



Presd.-Dilma-Foto-Roberto-Stuckler.jpgO governo Dilma Rousseff está morto.  Porém, como ele ainda não foi enterrado, é de bom tom fazer um merecido panegírico ao cadáver insepulto. Sim, há elogios a serem feitos. 
Se, de um lado, o governo Dilma foi assombrosamente eficiente em destruir a economia brasileira, de outro, ele também apresentou uma surpreendente eficácia em destruir praticamente todos os mitos rotineiramente propagandeados por economistas keynesianos e desenvolvimentistas como verdades incontestáveis.
Tão logo seja sepultado o governo Dilma, keynesianos e desenvolvimentistas terão de caprichar na retórica e no poder de persuasão para conseguir ludibriar pessoas que agora já estão vacinadas contra seus engodos.
Eis os cinco grandes mitos keynesianos e desenvolvimentistas que foram aniquilados pelo governo Dilma.

Primeiro mito: um pouquinho mais de leniência com a inflação gera mais crescimento econômico
Esse passou a ser o mantra desde que Guido Mantega substituiu Antônio Palocci no Ministério da Fazenda em março de 2006.
Segundo os petistas da ala mais radical, Palocci e sua equipe econômica tinham uma "preocupação neurótica" com a inflação — o que exigia um orçamento mais equilibrado e taxas de juros mais altas —, e isso atrapalhava o crescimento econômico. 
Consequentemente, se uma inflação um pouco mais alta — leia-se: acima da meta de 4,50% ao ano — fosse tolerada, o crescimento econômico seria robusto.
Esse lema foi levado ao paroxismo durante o governo Dilma.  A inflação de preços não apenas jamais fechou qualquer ano dentro da meta de 4,50%, como também, e para piorar, se manteve frequentemente acima de 6,50%, que é o teto da meta.
ipca.png


Gráfico 1: IPCA acumulado em 12 meses durante o governo Dilma (a partir de 2011).  Na maior parte do tempo, acima de 6,50%, que é o teto da meta
Observe no gráfico que, a partir do início de 2013, 6% torna-se o piso não-oficial da carestia.
Como consequência dessa leniência para com a inflação, os investimentos produtivos (Formação Bruta de Capital Fixo) entram em contração justamente a partir do segundo trimestre 2013 — ano em que, vale lembrar, a taxa SELIC teve o menor valor da sua história — e desabam a partir de 2014:
fbcf.png


Gráfico 2: evolução da formação bruta de capital fixo. Os investimentos estão em contração desde o segundo trimestre de 2013
É fácil entender por que a inflação — ao contrário do que pregam os desenvolvimentistas — inibe os investimentos produtivos.
Quando um empreendedor faz um investimento voltado para o longo prazo, o mínimo que ele tem de saber é como será o poder de compra da moeda no futuro. Sem isso, se ele não tem ideia de quanto valerá a moeda lá no futuro, ele não consegue estimar quais serão são custos e suas receitas.  Consequentemente, não conseguirá nem sequer estimar se terá lucro ou prejuízo. 
Planejar para o longo prazo tendo em mente uma inflação futura de 3% ao ano é totalmente diferente de planejar tendo em mente uma inflação futura de 10% ao ano.  Os tipos de investimentos que são lucrativos em cada um desses cenários são totalmente distintos.
Se você prevê uma inflação continuamente alta no futuro, então você irá se concentrar em projetos de curto prazo; projetos que visam ao futuro mais imediato.  Você não irá fabricar máquinas e equipamentos; não irá ampliar suas instalações industriais.  Você irá se dedicar a fabricar pirulitos e chicletes, que dão retorno mais imediato.  Com inflação em alta, fazer investimento de longo prazo torna-se extremamente arriscado. 
No mais, nesse cenário, a maior preocupação de investidores e empreendedores passa a ser a de se proteger da perda do poder de compra da moda.  Torna-se mais sensato dedicar mais tempo especulando no mercado financeiro e comprando títulos do governo indexados pela inflação.  Consequentemente, os investimentos caem.
E aí o crescimento econômico vai junto.
brazil-gdp-growth-annual.png

Gráfico 3: evolução do PIB (trimestre sobre o mesmo trimestre do ano anterior).  Estamos em contração crescente desde o segundo trimestre de 2014.
O governo Dilma, portanto, de maneira cirúrgica, exterminou empiricamente o mito de que mais inflação gera mais crescimento econômico.

Segundo mito: mais gastos governamentais geram mais crescimento econômico
Este mito é um complemento ao primeiro.  Enquanto Guido Mantega acreditava na inflação como impulsionadora do crescimento, Dilma era ela própria a apóstola dos gastos estatais como condutores da economia.
Segundo ela, "despesa corrente é vida" e qualquer tentativa de limitar o crescimento dos gastos do governo é uma ideia "rudimentar".
E assim ela o fez.
Quando Dilma assumiu o governo, os gastos mensais do governo federal eram de aproximadamente R$ 60 bilhões.  Em novembro do ano passado, já estavam em R$ 100 bilhões, um aumento de módicos 66%.
gastos.png

Gráfico 4: evolução das despesas mensais do governo, excluindo juros (aquela disparada em dezembro de 2015 foi a quitação da dívida das pedaladas fiscais; e a de setembro de 2010 foram as despesas com o Censo).
Para quem acredita na tese de que uma elevação nos gastos do governo aciona o multiplicador keynesiano, que então aditiva o crescimento econômico, um aumento de 66% deveria ter feito a economia bombar.  Mas ela, ao contrário, brochou.
E a explicação também é simples. 
Em primeiro lugar, se o governo está gastando cada vez mais, isso significa que sua burocracia, suas regulamentações e seu quadro de funcionários estão inchando.  O peso da burocracia estatal está aumentando.  E isso, por definição, leva a uma redução da participação do setor privado na economia. 
Mais burocratas, mais burocracia e mais regulamentações não são exatamente estimulantes ao crescimento econômico. Com mais burocracia e com mais regulamentações onerosas, há menos facilidade para o empreendedorismo e, consequentemente, menos geração de riqueza.
Isso, por si só, é totalmente contrário à ideia de estimular o crescimento econômico.
Em segundo lugar, governo que gasta cada vez mais, acaba gastando mais do que recolhe em tributos.  Isso implica déficits orçamentários crescentes e endividamento acelerado. 
brazil-government-budget.png

Gráfico 5: evolução do déficit orçamentário nominal do governo federal em porcentagem do PIB. Dilma elevou o déficit de 2,4% do PIB para 10,4%.

brazil-government-debt.png

Gráfico 6: evolução da dívida brutal do governo federal.  Quando Dilma assumiu a dívida bruta era de R$ 2 trilhões.  Hoje está em R$ 4 trilhões. (Aumento de 100%)

brazil-government-debt-to-gdp.png

Gráfico 7: evolução da dívida bruta do governo em relação ao PIB. Dilma a elevou de 51,77% para 66,23% do PIB
Esse total descontrole da dívida levou a uma fuga dos investidores estrangeiros (receosos de o governo dar o calote), à perda dos três graus de investimentos concedidos pelas agências de classificação de risco, e a uma forte desvalorização cambial, o que ajudou a acelerar a aceleração da inflação de preços.
Compare os gráficos 4, 5, 6 e 7 com o gráfico 3. 
E aí, o aumento dos gastos do governo ajudou no crescimento econômico?
Outro mito que Dilma destroçou.

Terceiro mito: déficits orçamentários ajudam a sair de recessões
Esse é um corolário do segundo mito.  Há keynesianos e desenvolvimentistas que até aceitam orçamento equilibrado e gastos mais restritos durante períodos de crescimento econômico; porém, quando há recessão, aí não tem conversa: gastos e déficits devem ser elevados para aditivar a demanda agregada e com isso tirar a economia da recessão.
Tudo o que foi dito acima sobre os gastos do governo se aplica ipsis litteris também a este mito.  Mas alguns adendos sobre os déficits são necessários.
Em primeiro lugar, vale enfatizar que os déficits orçamentários do governo são financiados pela emissão de títulos do Tesouro, os quais são majoritariamente comprados pelos bancos por meio da criação de dinheiro. Déficits são, portanto, uma medida inerentemente inflacionária.  E inflação de preços, como já comprovado, não estimula economia.
Adicionalmente, quando o governo pega dinheiro emprestado para financiar seus déficits, sobra menos crédito disponível para financiar empreendimentos produtivos.  As pessoas e empresas preferem comprar títulos no Tesouro Direto a comprar debêntures de empresas.  Com menos crédito disponível, há menos investimentos produtivos.  E menos investimentos produtivos não ajudam na recuperação da economia.
Por fim, um aumento dos déficits e do endividamento significa que o governo muito provavelmente aumentará impostos no futuro. Contas desarranjadas não duram por muito tempo.  Se o orçamento do governo está uma bagunça, o empreendedor sabe que o ajuste futuro muito provavelmente será via aumento de impostos. Sempre chega o momento do rearranjo.  E quando essa necessidade de ajuste fiscal se impõe, as medidas adotadas — alta de impostos e abolição de isenções — geram custos adicionais às empresas e mudam totalmente o cenário no qual elas basearam seus planos de investimentos.
Empresas planejam a longo prazo. Investimentos produtivos são investimentos de longo prazo.  Aumentos de impostos geram custos adicionais no longo prazo e alteram totalmente o cenário no qual as empresas inicialmente basearam seus planos de investimentos.  Como investir quando não se sabe nem como serão os impostos no futuro? 
Elementos como previsibilidade, facilidade de empreender e custo tributário são cruciais.  Mudanças abruptas que afetam a previsibilidade, que elevam a complexidade, que geram mais incertezas, e que aumentam o custo da tributação alteram todo o planejamento das empresas e inibem seus investimentos.
Déficits, portanto, geram inflação, reduzem o crédito disponível para investimentos produtivos, e geram incertezas e imprevisibilidades quanto ao ambiente empreendedorial futuro. Carestia, crédito sugado pelo governo, e possibilidade de aumentos de impostos são custos que alteram todo o planejamento das empresas.
Nesse cenário, é quase impossível empreender, investir e gerar empregos de qualidade. 
Como isso pode ser bom para uma recuperação econômica?
O gráfico abaixo mostra a evolução (ou regressão) da confiança dos empresários do setor industrial, que é justamente o que planeja a mais longo prazo.
brazil-business-confidence.png

Gráfico 8: evolução do índice de confiança do empresário do setor industrial
Se não está fácil para o grande industrial, imagine então para o pequeno empresário.  Eis a evolução do seu índice de confiança.
brazil-small-business-sentiment.png
  Gráfico 9: evolução do índice de confiança do pequeno empresário
Com todas essas façanhas, como podem dizer que déficits ajudam a sair de recessão?
Mais um mito que Dilma chacinou.

Quarto mito: mais inflação ajuda a combater o desemprego
Este talvez seja o mito favorito. 
Durante as eleições, Dilma afirmou que "não combateria a inflação à custa do emprego", pois levar a inflação para a meta de 4,50% aumentaria o desemprego.  Na mente dela, mais inflação diminui o desemprego, e menos inflação aumenta o desemprego.
Dilma não queria nem mais inflação e nem mais desemprego.  Produziu ambos.
Os gráficos falam por si.
ipca2.png

Gráfico 10: IPCA acumulado em 12 meses a partir de 2012

desemprego.png

Gráfico 11: evolução da taxa de desemprego mensurada pela PNAD. (Os dados disponíveis começam apenas em 2012)
Após todas as explicações anteriores, creio não haver qualquer motivo remanescente para crer que a inflação, que inibe investimentos produtivos e afeta o crescimento, possa gerar empregos.
Acreditar que inflação estimula o emprego é o equivalente a dizer: "Puxa, ano que vem meu custo de vida estará 10% maior.  Exatamente por isso vou contratar uma faxineira, uma cozinheira, um motorista e um professor particular para meus filhos".
Tem lógica?
Dilma, nossa heroína, colocou esse mito para hibernar.

Quinto mito: desvalorização cambial estimula as indústrias e impulsiona exportações
De todos, este é o mais espetacularmente refutado pela prática.  As evidências empíricas são tão explicitamente contrárias a ele, que é realmente espantoso ainda ver economistas que acreditam nesta falácia.
Segundo os desenvolvimentistas, uma desvalorização cambial gera dois efeitos benéficos para a economia: ela encarece os preços dos bens estrangeiros, o que reduz suas importações e diminui a concorrência sobre a indústria nacional; e faz com que os bens nacionais fiquem mais baratos para os estrangeiros, o que aumentaria as exportações.
Como efeito colateral, as importações mais caras fariam com que a população nacional passasse a consumir mais produtos produzidos nacionalmente, o que aumentaria duplamente as vendas das indústrias nacionais.
A teoria acaba aí.  Agora vem a prática para desmoralizá-la.
Em primeiro lugar, os efeitos de uma desvalorização não podem ser completamente isolados do resto da economia.  Uma moeda desvalorizada significa, por definição, uma moeda que perdeu poder de compra.  E uma moeda com menos poder de compra significa preços mais altos e renda menor para a população.  E renda menor significa que a demanda por bens de consumo diminui.  E isso, também por definição, irá afetar todo o setor industrial e atacadista.  Afeta toda a cadeia produtiva, que entra em contração e gera o efeito contrário ao imaginado pelos desenvolvimentistas.
Portanto, uma moeda desvalorizada não pode, ao contrário do que afirmam os desenvolvimentistas, estimular o consumo interno e impulsionar as indústrias nacionais.
Mas há outra encrenca.
No mundo globalizado em que vivemos, vários exportadores são também grandes importadores.  Para fabricar, com qualidade, seus bens exportáveis, eles têm de importar máquinas e matérias-primas de várias partes do mundo.  E elas também têm de comprar, continuamente, peças de reposição.
Se a desvalorização da moeda fizer com que os custos de produção aumentem — e irão aumentar —, então o exportador não mais terá nenhuma vantagem competitiva no mercado internacional.
Portanto, uma desvalorização afeta a demanda interna pelos bens industriais e afeta também os custos de produção da indústria.  Difícil imaginar uma combinação pior.
Como exemplo, a própria indústria automobilística veio a público admitir que a desvalorização cambial — ao contrário do que pregam os economistas desenvolvimentistas — não apenas está encarecendo a produção, como também está gerando incertezas para o setor.
A seguir, a evolução do câmbio, das exportações e da produção industrial durante os últimos 13 anos:
brazil-currency (1).png

Gráfico 12: evolução do preço do dólar em reais desde janeiro de 2003
exportações.png

Gráfico 13: evolução das exportações
indicadores de producao.png

Gráfico 14: evolução da produção da Indústria de Transformação (linha vermelha), da Indústria de Bens de Capital (linha azul), e da Indústria de Bens de Consumo Duráveis (linha verde)
Como mostra a empiria — que apenas comprova a teoria —, a desindustrialização no Brasil chegou ao auge justamente no período em que a moeda mais se desvalorizou.  A desindustrialização está ocorrendo é justamente agora, quando temos uma moeda fraca, inflação alta e, para completar, as maiores tarifas protecionistas da história do real.
Exatamente ao contrário do que defendem os economistas desenvolvimentistas, é justamente quando o câmbio está se apreciando (como ocorreu de 2003 a 2008, e de 2010 a 2011) que as exportações aumentam e a indústria se expande.  E é justamente quando o câmbio se desvaloriza (2009, e 2012 em diante), que as exportações caem e a indústria encolhe.
Neste mito em específico, a dupla Dilma e Lula nos forneceu uma aula completa.

Conclusão
Aumento de gastos, aumento da inflação, aumento dos déficits e desvalorização do câmbio.  Tudo isso feito simultaneamente.  E gerando contração dos investimentos, disparada do desemprego, desindustrialização, queda das exportações, recessão e encolhimento de todos os setores da economia.  Exatamente o contrário do que os desenvolvimentistas falaram que iria ocorrer.
Mas não deixe seu fígado afetar seu discernimento.  Embora seja, disparada, a pior presidente da história do real, não podemos negar a Dilma o estupendo mérito de ter destruído cinco mitos que tantos infortúnios trouxeram à humanidade.  Se cuidarmos bem de seu legado, novas desgraças econômicas poderão ser evitadas.
Por esse serviço homérico, e por esse inestimável legado à humanidade, Dilma merece louvores.
Obrigado, querida.
Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Capitalismo regulado (nos outros paises), no Brasil: ultra-regulado, restrito, cerceado...

Os reais beneficiados por um capitalismo regulado
Instituto Ludwing Von Mises Brasil, quinta-feira, 5 de junho de 2014

 

ReuniaoDilmaEmpresarios_tvdestaques.jpg
Proteja seu bolso: governo em conluio com grandes empresários
A palavra "capitalismo" é utilizada de duas maneiras contraditórias.  Em algumas ocasiões, ela é utilizada com o intuito de denotar um mercado livre e desimpedido, ou laissez-faire.  Em outras ocasiões, ela é utilizada para denotar exatamente o arranjo atual em que vive o mundo, uma economia mista em que o governo intervém para privilegiar grandes empresas, criando monopólios e oligopólios. 
Logicamente, "capitalismo" não pode ser ambas as coisas.  Ou os mercados são totalmente livres, ou o governo os controla.  Não é possível ter os dois arranjos ao mesmo tempo.
Mas a verdade é que não há um mercado genuinamente livre em nenhum país do mundo.  As regulamentações governamentais, as tarifas, os subsídios, os decretos e as intromissões são generalizados, variando apenas o grau de intensidade com que ocorrem em cada país.  Sendo assim, o termo "capitalismo" denotando mercados livres não pode ser aplicado nos dias de hoje.
O que existe é um capitalismo mercantilista, um capitalismo de compadrio, um capitalismo regulado em prol dos regulados e dos reguladores, e contra os consumidores.
O que seria esse capitalismo mercantilista?  Trata-se de um sistema econômico no qual o mercado é artificialmente moldado por uma relação de conluio entre o governo, as grandes empresas e os grandes sindicatos.  Neste arranjo, o governo concede a seus empresários favoritos uma ampla variedade de privilégios que seriam simplesmente inalcançáveis em um genuíno livre mercado, como restrições de importação, subsídios diretos, tarifas protecionistas, empréstimos subsidiados feitos por bancos estatais, e agências reguladoras criadas com o intuito de cartelizar o mercado e impedir a entrada de concorrentes estrangeiros.  Em troca, as empresas beneficiadas lotam os cofres de políticos e reguladores com amplas doações de campanha e propinas.
O capitalismo mercantilista é tão antigo, que Adam Smith já o criticava — e combatia — no século XVIII.  Atualmente, não é necessário procurar muito para se encontrar exemplos deste tipo de capitalismo.  Basta olhar para o seu próprio país.  Todos os cartéis, oligopólios e monopólios que você conhece estão em setores altamente regulados pelo governo, como o setor bancário, o setor aéreo, o setor de transportes terrestres, o setor de transportes aquaviários, o setor de telecomunicações, o setor elétrico, o setor energético (petróleo, postos de gasolina), o setor minerador, o setor farmacêutico etc.
Quem cria cartéis, oligopólios e monopólios é e sempre foi o estado, seja por meio de regulamentações que impõem barreiras à entrada da concorrência no mercado (agências reguladoras), seja por meio de altos tributos que impedem que novas empresas surjam e cresçam, seja por meio da burocracia que desestimula todo o processo de formalização de empresas, seja por meio da imposição de altas tarifas de importação que encarecem artificialmente a aquisição de produtos importados (pense nas fabricantes de automóveis).
Um capitalismo de livre mercado é um sistema em que os lucros e os prejuízos são privados.  Já um capitalismo mercantilista é um arranjo em que os lucros são privados, mas os prejuízos são socializados.  Quando são bem-sucedidas, as empresas mantêm seus lucros; quando sofrem prejuízos, recorrem ao governo em busca ou de pacotes de ajuda ou de novas medidas que restrinjam a concorrência.  No extremo, pedem ao governo para jogar a fatura do prejuízo sobre os pagadores de impostos.
O papel das regulamentações em um capitalismo mercantilista não é corretamente entendido pelos intervencionistas.  Eles genuinamente acreditam que as regulamentações são uma forma de o governo subjugar e domar as grandes corporações.  Só que, historicamente, as regulamentações sempre foram uma maneira tida como lícita de determinadas empresas (geralmente as grandes e bem-conectadas politicamente) ganharem vantagens à custa de outras, geralmente menos influentes. 
Por exemplo, em teoria, agências reguladoras existem para proteger o consumidor.  Na prática, elas protegem as empresas dos consumidores.  Por um lado, as agências reguladoras estipulam preços e especificam os serviços que as empresas reguladas devem ofertar.  Por outro, elas protegem as empresas reguladas ao restringir a entrada de novas empresas neste mercado.  No final, agências reguladoras nada mais são do que um aparato burocrático que tem a missão de cartelizar os setores regulados — formados pelas empresas favoritas do governo —, determinando quem pode e quem não pode entrar no mercado, e especificando quais serviços as empresas escolhidas podem ou não ofertar, impedindo desta maneira que haja qualquer "perigo" de livre concorrência.
Em seu cerne, a regulação é anti-livre iniciativa, anti-livre mercado e anti-concorrência.  A regulação não se baseia nas preferências dos consumidores e nem nos valores subjetivos dos consumidores em relação aos bens e serviços ofertados.  Ao contrário, ela faz com que as empresas ajam como se fossem ofertantes monopolistas, de modo que os preços passam a ser determinados pelos custos de produção das empresas e não pela preferência dos consumidores. 
Mas isso é apenas o primeiro passo: uma empresa regulada pode encontrar várias maneiras de fazer as regulações funcionarem em proveito próprio e contra os interesses dos consumidores. 
Por exemplo, não é incomum que grandes empresas façam lobby para criar regulamentações complicadas e onerosas sobre seu próprio setor.  Por que elas fazem isso?  Para dificultar uma potencial concorrência de empresas novas, pequenas e com pouco capital.  Empresas grandes e já estabelecidas têm mais capacidade e mais recursos para atender regulações minuciosas e onerosas.  Empresas pequenas, que querem entrar naquele mercado mas que ainda não possuem muitos recursos financeiros, não têm essa capacidade.  Empresas grandes podem contratar lobistas (ou podem simplesmente subornar políticos) para elaborar padrões de regulação que elas já atendem ou que podem facilmente atender, mas que são impossíveis de serem atendidos por empresas pequenas e recém-criadas. 
O livro "The Big Ripoff: How Big Business and Big Government Steal Your Money", de Timothy Carney, explica em detalhes como a própria Phillip Morris estimulou a "guerra contra o tabaco" para se beneficiar, como a própria General Motors agitou pela aprovação de rígidas legislações ambientalistas nos EUA (cujas restrições mais rígidas afetariam a concorrência), e como a poderosa megacorporação Archer Daniels Midland se beneficia dos subsídios para o etanol (algo adorado pelos ambientalistas).
O apoio das grandes empresas às regulamentações criadas pelos governos não apenas não é algo raro, como, na realidade, sempre foi a norma.
Caso ainda não esteja convencido, apenas faça a si mesmo a seguinte pergunta: Qual destas tem uma maior probabilidade de ser afetada por vigorosas regulamentações: grandes corporações com boas conexões políticas e com enormes departamentos jurídicos e contábeis, ou micro e pequenas empresas ainda incipientes e em processo de formalização? 
Regulamentações aniquilam a concorrência — e as empresas já estabelecidas adoram que seja assim.
Este arranjo de economia mista é também, como já explicado, ótimo para os governos.  Políticos e burocratas adquirem poderes sobre as empresas e, com tais poderes, garantem que seus cofres estejam sempre cheios.  Políticos ganham generosas doações de campanha e reguladores ganham fartas propinas.  Ambas essas contribuições são feitas pelas grandes empresas e pelos grandes sindicatos em troca da promessa de novas regulamentações que irão lhes favorecer e afetar a concorrência.
Trata-se de uma mistura de socialismo em um arranjo basicamente capitalista, uma mistura suficiente para manter fluidas as receitas do governo e garantir a continuidade dos assistencialismos sociais e corporativos.  A porção capitalista dessa economia mista possibilita um confortável estilo de vida para políticos e para milhões de funcionários públicos.
Defensores das regulações não percebem que elas são essencialmente uma forma de controle estatal.  É por isso que todos os partidos políticos atuais endossam agências reguladoras e todo o seu aparato burocrático.  Afinal, qual político não gostaria de comandar amplos setores da economia? 
Em vez de proteger os inocentes e incautos, regulações estimulam os escroques e incentivam as grandes empresas a manipular o sistema com o intuito de aumentar sua própria fatia de mercado e seus lucros.  Como sempre ocorre com todas as interferências governamentais nas questões econômicas e sociais, a regulação gera o efeito exatamente oposto do seu proclamado objetivo.  E o pior: em um esforço para se tentar corrigir as inevitáveis consequências desastrosas das regulações, mais e mais regulações vão sendo criadas, levando a um controle estatal da economia cada vez mais paralisante.
Já passou da hora de a população entender a diferença entre livre mercado, que se baseia na liberdade e na concorrência, e capitalismo mercantilista, que se baseia em privilégios concedidos pelo estado.
A conclusão é que os socialistas se reinventaram, trocaram seu rótulo para social-democratas, deixaram de lado sua ânsia de estatizar diretamente os meios de produção e optaram por um mais suave modelo fascista, no qual estado e grandes empresas atuam em conluio para se beneficiar mutuamente e prejudicar o cidadão, que tem de aceitar serviços ruins e caros, pois não há mais livre mercado.  Exatamente o intuito original dos socialistas.
______________________________________________
Participaram deste artigo:
Hans F. Sennholz  (1922-2007) foi o primeiro aluno Ph.D de Mises nos Estados Unidos.  Ele lecionou economia no Grove City College, de 1956 a 1992, tendo sido contratado assim que chegou.  Após ter se aposentado, tornou-se presidente da Foundation for Economic Education, 1992-1997.  Foi um scholar adjunto do Mises Institute e, em outubro de 2004, ganhou prêmio Gary G. Schlarbaum por sua defesa vitalícia da liberdade.
Mark Borkowski é o presidente da corretora Mercantile Mergers & Acquisitions Corp., sediada em Toronto.
Leandro Roque é o editor e tradutor do site do  Instituto Ludwig von Mises Brasil.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

E por falar em Correios: um golpe de guilhotina no monopolio, por Leandro Roque (Mises Brasil)

A urgente necessidade de se desestatizar os Correios
por , Instituto Ludwig Von Mises Brasil, sábado, 16 de junho de 2012

 

O artigo a seguir foi publicado no dia 26 de outubro de 2010. De lá pra cá, pelo visto, as coisas só pioraram.

correios.gifTudo indica que a bagunça e o loteamento de cargos nos Correios vierem pra ficar.  A estatal foi totalmente loteada pelo PT, e a roubalheira instalada dentro da empresa, com centenas de milhões de reais sendo desviados para os mandantes do partido no governo federal, está prejudicando irreversivelmente seus consumidores cativos — ou seja, todos os brasileiros, que simplesmente estão proibidos de utilizar ou ofertar alguma concorrência.
Recentemente, perdi um casamento por causa dos Correios.  A cerimônia estava marcada para o dia 16 de outubro.  O convite me foi enviado (SP-BH) no dia 27 de setembro, mas chegou apenas no dia 19 de outubro, três dias após o evento para o qual fui convidado.  Se o convite tivesse sido enviado no casco de um cágado, a entrega teria sido mais rápida.
Mas há outros exemplos ainda piores.  Um parente meu, dono de um apartamento alugado em um prédio que está em reformas, terá de pagar multa por causa dos Correios.  Como houve um acréscimo na taxa de condomínio por causa das reformas, e o boleto do condomínio não lhe foi entregue dentro do prazo de vencimento (a carta chegou com atraso de 10 dias), essa pessoa agora terá de pagar multa simplesmente pelo fato de os Correios terem entregado o boleto já vencido.
Vários outros casos de encomendas atrasadas, extraviadas e até mesmo violadas já foram relatados.  Não obstante seus comerciais[1] demonstrando a cordialidade, a afabilidade e a presteza de seus funcionários, o fato é que os Correios, como toda estatal monopolista, existem não para atender a seus consumidores, mas sim para servir aos interesses de seu sindicato, do governo e de seus membros, principalmente daqueles que ali estão por indicação política. 
O fetiche estatizante
Nacionalistas e estatistas em geral (ambos são praticamente sinônimos) dizem que, quando o governo é dono de uma empresa — ou de alguma jazida mineral ou petrolífera —, isso automaticamente faz com que "o povo" seja o proprietário dos recursos em questão.  Isso significa que cada brasileiro é igualmente dono de uma fatia daquela empresa, e isso supostamente irá beneficiá-lo.  Sendo assim, como existem 190 milhões de brasileiros, então cada brasileiro é "dono" de aproximadamente 1/190 milionésimo dos Correios. 
E daí?  Ser "dono" de uma ínfima fatia de um estatal não traz benefício algum ao cidadão médio.  Ademais, a prerrogativa básica para que alguém se considere dono de algo é poder vender ou se desfazer desse bem quando quiser.  Os brasileiros têm essa liberdade?
Uma empresa ser gerida pelo governo significa apenas que ela opera sem precisar se sujeitar ao mecanismo de lucros e prejuízos.  Todos os déficits operacionais serão cobertos pelo Tesouro, que vai utilizar o dinheiro confiscado via impostos dos desafortunados cidadãos.  Sendo monopolista, a estatal não precisa de incentivos e não sofre a concorrência de nenhum tipo de livre iniciativa individual — estas são proibidas por lei, em um flagrante ato de agressão e violência da parte do governo contra a liberdade de empreender.
Os resultados desse arranjo serão sempre uma ineficiência grosseira, custos operacionais mais altos que os que ocorreriam em um ambiente competitivo, e serviços de baixa qualidade.  O brasileiro médio está muito mais bem servido por empresas de telefonia celular e companhias aéreas privadas[2] do que pelos Correios ou por qualquer outra estatal blindada da concorrência do mercado.  Mesmo que ele não tenha uma só ação dessas empresas privadas, ele está em muito melhor situação ao lidar com elas do que ao lidar com estatais, que supostamente são suas.  E a explicação é simples: ao lidar com empresas privadas, o cidadão não apenas se beneficia do capital acumulado por essas empresas, como também se beneficia do fato de que elas empregam esse capital de modo a buscar o lucro e a evitar os prejuízos, sempre tentando ganhar eficiência sobre os produtos e serviços da concorrência.
Uma empresa que não é gerida privadamente, que não está sujeita a uma concorrência direta, nunca terá de enfrentar riscos genuínos e nunca terá de lidar com a possibilidade de prejuízos reais.  No Brasil, para limitar os prejuízos, o governo proíbe que os Correios sofram a concorrência de importantes categorias: cartas — cujo conceito engloba cartas pessoais, contas de água, luz e telefone, boletos de cartões de crédito e qualquer outro documento que seja de interesse pessoal do destinatário —, cartões-postais e malotes só podem ser transportados pela estatal.
Outros tipos de correspondências, como jornais, revistas e encomendas podem ser entregues por empresas privadas, cujos preços são, em média, 30% inferiores aos dos Correios.  Porém, é considerado crime uma empresa privada fazer entregas de cartas.  Por isso, devemos glórias à invenção do e-mail, que possibilitou que as comunicações se mantivessem em níveis modernos.  Sem ele — e com a proibição da concorrência aos Correios — ainda seríamos reféns de um serviço típico do mundo antigo, com sua arcaica prática de carregar sacos de um lado para o outro.
Monopólio X Desestatização
Um dos argumentos favoritos dos defensores do monopólio dos Correios para a entrega de cartas e malotes é o de que, se tirarem o monopólio da estatal, aquele morador lá do sertão do Piauí poderá ficar sem receber cartas, porque tal serviço não interessaria às empresas privadas.  Ou seja, é com o monopólio que os Correios se mantêm, pois o que fatura nos grandes centros urbanos permite que o deficitário serviço de entrega de cartas no interior do país, que não tem lucratividade, seja mantido.[3] 
Em primeiro lugar, vale lembrar que os Correios se recusam a fazer entregas em lugares perigosos, o que é um absurdo quando se considera sua posição monopolística.  Porém, a questão mais premente é outra: por que um serviço de entrega de correspondências deve ter o mesmo preço, não importando o local da entrega?  Em outras palavras, por que uma entrega no sertão do Piauí deveria custar o mesmo que uma entrega no centro de São Paulo?  Os críticos da desestatização dos Correios dizem que a quebra do monopólio irá fazer com que as empresas privadas passem a cobrar mais por entregas em locais fora de mão vis-à-vis locais mais próximos do remetente.
Ora, mas é claro que tem de ser assim.  Não há qualquer justificativa econômica para que serviços com custos tão díspares tenham o mesmo preço.  É até bem possível que a concorrência entre as empresas privadas levasse, no final, a um preço único para todo tipo de entrega, assim como empresas telefônicas têm suas promoções para ligações de longa distância, cobrando uma tarifa única por minuto.  Mas não necessariamente tem de ser assim.  É natural que determinados percursos de entrega — para os quais as péssimas estradas estatais contribuem em muito para o aumento dos custos — exijam preços mais altos que os de outros percursos, mais simples e acessíveis.
Em todo caso, a decisão final seria do consumidor.  Com a desestatização do Correios, e a subsequente concorrência gerada pela livre entrada de várias empresas, ninguém será obrigado a pagar nada para ninguém.  Por que, afinal, seria mais justo termos um monopólio com um preço único (que varia de acordo com o peso e não com a localidade de entrega) e não uma livre concorrência com preços variáveis, inclusive mais baratos que o SEDEX?  Essa regra do preço único por peso é tão ignara, que ilustra perfeitamente o problema do gerenciamento estatal: a empresa é administrada por burocratas acomodados e não por capitalistas em busca de lucro, eficiência e bons serviços prestados.
Como desestatizar
800px-Mailboxes_Queen_Street_Auckland.jpgUm exemplo de desestatização dos serviços postais aconteceu na Nova Zelândia.  Com a desregulamentação do setor, o que permitiu a livre entrada de empresas privadas no ramo, diferentes empresas agora podem instalar seus recipientes de coleta nas ruas das cidades, como mostra a foto ao lado.
Em um cenário como esse, de intensa concorrência, seria inconcebível que uma empresa atrasasse suas entregas em quase um mês, prejudicando seu cliente e até mesmo fazendo com que ele pagasse multas por estar inadimplente com alguma mensalidade não quitada dentro do prazo especificado.
O principal objetivo da desestatização dos Correios é criar concorrência.  Mas uma genuína concorrência só pode ocorrer em um ambiente onde exista propriedade privada.  É a instituição da propriedade privada que torna a concorrência e o mercado possíveis.  E é a existência de mercado e de concorrência que possibilita a existência de preços.  E é a existência de preços que possibilita qualquer tipo de cálculo econômico racional.  Ao impedirem a existência de concorrência — isto é, ao impedirem que outras pessoas possam usar sua propriedade para concorrer com os Correios ou para escolher outras empresas concorrentes —, os Correios, assim como qualquer empresa estatal que opere sem concorrência, ficam sem essa ferramenta essencial para atuar como uma genuína empresa capitalista.  Consequentemente, a estatal opera sem informações corretas de preços, o que impossibilita um cálculo racional de lucros e prejuízos, algo que afeta sua eficiência.  Daí a necessidade de sua desestatização.
E a melhor maneira de transformar os Correios em uma empresa eficiente seria levando-a ao livre mercado.  Seu capital seria aberto e empreendedores utilizariam seu próprio dinheiro para concorrer em um mercado competitivo, fornecendo serviços eficientes aos consumidores, sempre procurando métodos financeiramente viáveis para entregar correspondências e encomendas.  Esses investidores se tornariam os donos de todas as agências dos correios, de seus caminhões e instalações, podendo inclusive utilizar aviões próprios, como faz a FedEx nos EUA.  Ao mesmo tempo, todas as restrições à entrada no mercado seriam abolidas, permitindo que empresas estrangeiras, como  DHL, UPS e TNT, além da própria FedEx, viessem competir livremente aqui dentro.  Greves nos correios, algo que emperra toda a economia, virariam folclore e os preços entrariam em queda livre.
Conclusão
Quem disse que a iniciativa privada não pode entregar cartas?  Quando vemos os incríveis avanços ocorridos na economia de mercado e comparamos ao que eram os bureaus soviéticos, é preciso ter uma enorme fé no planejamento central para crer que uma estatal monopolista como os Correios prestaria um serviço pior caso fosse desestatizada e submetida à livre concorrência.
Os consumidores já protestaram e a atual situação dos Correios, um mero cabide de empregos para burocratas e apadrinhados políticos, apenas confirma a realidade: a estatal é obsoleta e antiquada.  Que ela tenha seu capital aberto e suas ações sejam vendidas integralmente para empreendedores.  Ou que ela seja entregue para seus funcionários, que deverão batalhar para competir no livre mercado sem a muleta do estado.  De um jeito ou de outro, se houver algo na estrutura que mereça ser mantido, deixemos para que empreendedores decidam.
O melhor método de privatização pode ser debatido, mas o fato é que ninguém pode alegar que a desestatização dos Correios — e a subsequente quebra do seu monopólio — não faria sentido econômico.
________________________________________________
Notas
[1] Por que uma estatal monopolista precisa gastar dinheiro com propaganda?  Ela está concorrendo com quem?
[2] As quais desfrutam de um oligopólio garantido pelo estado, o que significa que elas, consequentemente, também oferecem serviços de baixa qualidade — embora melhores por se tratar de um mercado um pouco mais concorrencial.
[3] O mesmo argumento, curiosamente, é usado no oligopólio da telefonia celular, que obriga, por exemplo, que empresas que adquirem o privilégio de operar em São Paulo tenham de fornecer o serviço em outras regiões menos lucrativas.

Artigos relacionados: 

Leandro Roque é o editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.