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domingo, 19 de abril de 2020

O Barão do Rio Branco nos escritos de Paulo Roberto de Almeida

O Barão do Rio Branco nos escritos de Paulo Roberto de Almeida

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: coletânea de textos sobre Rio Branco; finalidade: dia do diplomata 2020]


Todo ano, no dia 20 de abril, os diplomatas comemoram o “dia do diplomata”, que foi criado ao início do regime militar, para institucionalizar a cerimônia de formatura das novas turmas do Instituto Rio Branco, cujo surgimento se deu por decreto do presidente Getúlio Vargas, nessa data em 1945, nas comemorações do centenário do nascimento do assim chamado patrono da diplomacia brasileira. Naquela ocasião foram publicados nove volumes das obras do Barão, além da biografia – altamente oficial – do próprio por Álvaro Lins. Em 1959, o político e intelectual baiano Luiz Vianna Filho publicava uma nova biografia, bem mais interessante, ainda que limitada. 
Muitas outras biografias foram escritas, de maior ou menor qualidade. Em 2002, aos cem anos da posse do Barão como chanceler, um seminário foi realizado no Rio de Janeiro, para o qual colaborei com este texto: “O Barão do Rio Branco e Oliveira Lima: Vidas paralelas, itinerários divergentes”, in: Carlos Henrique Cardim e João Almino (orgs.), Rio Branco, a América do Sul e a Modernização do Brasil (Brasília: Comissão Organizadora das Comemorações do Primeiro Centenário da Posse do Barão do Rio Branco no Ministério das Relações Exteriores, IPRI-Funag, 2002, ISBN: 85-87933-06-X, p. 233-278).
A mais recente biografia do Barão, aliás excelente, é a do historiador diplomata Luís Cláudio Villafañe G. Santos: Juca Paranhos, o barão do Rio Branco (São Paulo: Companhia das Letras, 2018, 560 p.). O mesmo autor já tinha publicado, anteriormente, O evangelho do Barão: Rio Branco e a identidade brasileira (São Paulo: Unesp, 2012), ademais de ter organizado a exposição, e o seu guia, sobre os cem anos da morte do Barão, no velho Palácio do Itamaraty no Rio de Janeiro, em 1912. Nessa oportunidade, foram republicadas as obras completas do Barão, em doze volumes, e o livro que resultou do seminário, para o qual colaborei com um texto: “A economia do Brasil nos tempos do Barão do Rio Branco”, in: Manoel Gomes Pereira (org.): Barão do Rio Branco: 100 anos de memória (Brasília: Funag, 2012, 748 p.). Esse livro, assim como as obras completas do Barão, em nova edição ampliada – também organizadas e editadas pelo diplomata Manoel Gomes Pereira –, e o livro de 2002, estão disponíveis na Biblioteca Digital da Funag, em diversos formatos.
Apresento a seguir, alguns dos meus trabalhos em torno do Barão do Rio Branco, seu trabalho na época e o impacto ainda atual do grande chanceler.

526. “O legado do Barão: Rio Branco e a moderna diplomacia brasileira”, Brasília, 26 abril 1996, 7 p.; revisão: 02/05/96, 11 p. Apresentação e comentários ao livro José Maria da Silva Paranhos, Barão do Rio Branco: Uma Biografia Fotográfica,1845-1995, Texto de Rubens Ricupero; organização, iconografia e legendas de João Hermes Pereira de Araujo (Brasília: FUNAG, 1995, 132 p.). Publicado na Revista Brasileira de Política Internacional (vol. 39, n° 2, julho-dezembro 1996, p. 125-135). Divulgado no blog Diplomatizzando (19/04/2020; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/04/dia-20-de-abril-dia-do-diplomata.html). Relação de Publicados n. 198.
936. “O Barão do Rio Branco e Oliveira Lima: Vidas paralelas, itinerários divergentes”, Washington, 14 ago. 2002, 41 p. Texto sobre o relacionamento entre os dois diplomatas, preparado para o seminário sobre os 100 Anos da posse do Barão do Rio Branco como chanceler, realizado nos dias 28 e 29 de agosto, no IRBr, Brasília. Publicado in Carlos Henrique Cardim e João Almino (orgs.), Rio Branco, a América do Sul e a Modernização do Brasil (Brasília: Comissão Organizadora das Comemorações do Primeiro Centenário da Posse do Barão do Rio Branco no Ministério das Relações Exteriores, IPRI-Funag, 2002, ISBN: 85-87933-06-X, p. 233-278). Ensaio incluído no volume: Oliveira Lima: um historiador das Américas, Paulo Roberto de Almeida, André Heráclio do Rêgo (Recife: CEPE, 2017, 175 p.; ISBN: 978-85-7858-561-7, p. 13-54); anunciado no Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/12/oliveira-lima-um-historiador-das.html). Relação de Originais n. 3177; Relação de Publicados n. 382 e 1277.
939. “Reflexões a propósito do centenário do Barão: (ou das dificuldades de ver no plano interno as razões de nossos problemas)”, Washington, 2 setembro 2002, 6 p. Ensaio sobre a relação entre nossos desafios externos e os problemas internos, em relação a texto de Rubens Ricupero sobre o centenário do Barão do Rio Branco e os desafios atuais para o Brasil no plano internacional. Publicado no Meridiano 47 (Brasília: ISSN 1518-1219, n. 28-29, novembro-dezembro 2002, p. 24-27; link: http://www.mundorama.info/Mundorama/Meridiano_47_-_1-100_files/Meridiano_28_29.pdf). Ensaio incorporado ao livro: Paralelos com o Meridiano 47: Ensaios Longitudinais e de Ampla Latitude (Hartford, 2015). Divulgado no blog Diplomatizzando (19/04/2020; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/04/cem-anos-da-posse-do-barao-do-rio.html). Relação de Publicados n. 358.
1727. “Dos arquivos da história: o Itamaraty nas fontes primárias”, Brasília, 20 fevereiro 2007, 4 p. Notas sobre os seguintes volumes: Alvaro da Costa Franco (org.): Com a palavra, o Visconde do Rio Branco: A política exterior no Parlamento imperial [1855-1875] (Rio de Janeiro: Centro de História e Documentação Diplomática; Brasília: Funag, 2005, 574 p.).
2065. “Prata da Casa – Boletim ADB 4o. trimestre 2009”, Brasília, 25 novembro 2009, 1 p. Notas sobre os livros: (...) Luiz Felipe de Seixas Corrêa: O Barão do Rio Branco: Missão em Berlim – 1901/1902 (Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009, 140 p.; ISBN: 978-85-7631-161-4). Publicado no Boletim ADB (ano 16, n. 67, outubro-novembro-dezembro 2009, seção “Prata da Casa”, p. 31). Relação de Publicados n. 943ter.
2372. “A economia do Brasil nos tempos do Barão”, Paris, 4 março 2012, 32 p. Ensaio preparado para seminário internacional em homenagem ao Barão do Rio Branco no centenário de sua morte (Rio de Janeiro, maio de 2012). Publicado como “A economia do Brasil nos tempos do Barão do Rio Branco”; In: Manoel Fomes Pereira (org.): Barão do Rio Branco: 100 anos de memória. Brasília: Funag, 2012, 748 p.; ISBN: 978-85-7631-413-4; p. 523-563. Relação de Publicados n. 1084.
2407. “O Barão do Rio Branco e as estratégias do Brasil: a grande e as pequenas”, Brasília, 10 de julho de 2012, 6 p. Colaboração ao primeiro número da revista do Curso Sapientia. Publicada na Revista Sapientia (ano 1, n. 2, setembro 2012, p. 23-25; ISSN: ; link: http://www.cursosapientia.com.br/revista/ed2/). Divulgado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2012/09/estrategias-de-politica-externa-grande.html). Relação de Publicados n. 1073.
2419. “Prata da Casa, Boletim ADB - 3ro. trimestre 2012”, Brasília, 20-25 agosto 2012, 5 p. Notas sobre os seguintes livros:  (...) 2) Luís Cláudio Villafañe G. Santos: O evangelho do Barão: Rio Branco e a identidade brasileira (São Paulo: Unesp, 2012, 176 p.; ISBN: 978-85-393-0244-4).
2434. “O Barão do Rio Branco: então e agora”, Brasília, 14 Outubro 2012, 11 p. Texto-guia para palestra na Universidade Federal de Passo Fundo, dia 18/10, Revisto integralmente para ser incorporado ao livro: Nunca Antes na Diplomacia...: A política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014, p. 289; ISBN: 978-85-8192-429-8). Relação de Originais n. 2596. Relação de Publicados n. 1133.
2466. “O Barão em todos os seus estados...”, Hartford, 20 fevereiro 2013, 3 p. Especial para o Boletim ADB, 1/2013, resumindo as Obras Completas do Barão (2012), a obra coletiva: Gomes Pereira, Manoel (org.). Barão do Rio Branco: 100 Anos de Memória (Brasília: Funag, 2012, 748 p.; ISBN: 978-85-7631-413-4), e dois livros ilustrados: caricaturas e exposição. Publicado no Boletim ADB (ano 20, n. 80, janeiro-fevereiro-março 2013, p. 4-7; ISSN: 0104-8503). Relação de Publicados n. 1092.
2483. “Prata da Casa, Boletim ADB – 2do. trimestre 2013”, Hartford, 27 Abril 2012, 3 p. Notas sobre os seguintes livros: (...) 4) Manoel Gomes Pereira: Barão do Rio Branco: 100 anos de memória (Brasília: Funag, 2012, 748 p.; ISBN: 978-85-7631-413-4).
2773. “Prata da Casa, Boletim ADB – 1ro. trimestre 2015”, Hartford, 15 fevereiro 2015, 3 p. Notas sobre os seguintes livros: (...) 6) Centro de História e Documentação Diplomática: II Conferência da Paz, Haia, 1907: a correspondência telegráfica entre o Barão do Rio Branco e Rui Barbosa (Brasília: FUNAG, 2014, 272 p.; ISBN 978-85-7631-508-7).
2852. “Prata da Casa, Boletim ADB – 3ro. trimestre 2015”, Hartford, 11 julho 2015, 3 p. Notas sobre os seguintes livros: (...) 5) Benjamin Mossé: Dom Pedro II: Imperador do Brasil (O Imperador visto pelo barão do Rio Branco) (Brasília: Funag, 2015, 268 p.; ISBN: 978-85-7631-551-3).
3213. “Diplomatas ganham o seu sindicato próprio: farão bom uso?”, Brasília, 19 dezembro 2017, 2 p. Comentários e transcrições, do Visconde do Rio Branco, e de Ribeiro Couto. Postado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/12/diplomatas-ganham-o-seu-sindicato.html).
3408. “A economia política do Barão, na obra de L. C. Villafañe”, Brasília, 7 fevereiro 2019, 13 p. Resenha do livro de Luís Cláudio Villafañe G. Santos: Juca Paranhos, o barão do Rio Branco (São Paulo: Companhia das Letras, 2018, 560 p.; ISBN: 978-85-359-3152-5). Publicado em Meridiano 47 - Journal of Global Studies 20 (agosto 2019; link: http://periodicos.unb.br/index.php/MED/issue/view/1811); disponível nos links: http://periodicos.unb.br/index.php/MED/article/view/22839/23240 e https://doi.org/10.20889/M47e20007). Divulgado no blog Diplomatizzando (24/08/2019; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/08/a-economia-politica-do-barao-na-obra-de.html); disponível na plataforma Academia.edu (link:https://www.academia.edu/40165256/A_economia_politica_do_Barao_na_obra_de_L._C._Villafane). Relação de Publicados n. 1318.
3412. “Prata da Casa, outubro de 2018 a fevereiro de 2019”, Brasília, 20 fevereiro 2019, 6 p. Resenhas dos seguintes livros para a Revista da ADB:  (...) 5) Villafañe G. Santos, Luís Cláudio: Juca Paranhos, o barão do Rio Branco (São Paulo: Companhia das Letras, 2018, 560 p.; ISBN: 978-85-359-3152-5).


terça-feira, 7 de novembro de 2017

Resenha do livro "O Evangelho do Barão" de Luis Claudio Villafane G. Santos - Lucas Berlanza

Artigos

“O evangelho do Barão”: um reencontro entre Rio Branco e o Brasil


Por Lucas Berlanza, publicado pelo Instituto Liberal

Quando as referências escasseiam, toda iniciativa de resgate dos grandes é motivo de júbilo. Em especial quando se trata da diplomacia e das relações internacionais – expediente fundamental no esforço de tornar o mais harmonioso possível o contato entre as diferentes nações, reduzindo o recurso ao arbítrio e à força bruta, invariavelmente desinteressante, mesmo quando inevitável, aos indivíduos e sua busca pela prosperidade. Estamos tentando sair de uma fase de amarga prostituição de nosso Itamaraty a interesses e projetos menos felizes, mas já fomos exemplo nessa seara, e o ícone desse prestígio é José Maria da Silva Paranhos Júnior (1845-1912), o Barão do Rio Branco.
Lançamento de 2012, O evangelho do barão – Rio Branco e a identidade brasileira é um pequeno estudo de autoria do diplomata Luís Cláudio Villafañe G. Santos, pesquisador ligado ao Instituto Rio Branco. Em vez de uma biografia dessa notável personalidade brasileira, o autor procura fazer de sua obra uma análise de seu impacto na construção de uma identidade nacional e estudar as razões pelas quais ele se tornou uma inspiração para toda a nossa diplomacia – a ponto de sua vida e obra serem chamadas de “evangelho” desde o título.
“O Barão segue como uma referência, ainda que já passível de revisão, na discussão dos rumos da política externa brasileira. Trata-se de um caso paradigmático de consolidação de uma doutrina para as relações exteriores de um país, observada – e até reverenciada – por tão longo tempo”, comenta o autor. A grande chave para entender Rio Branco, porém, é sua inspiração na monarquia – não por acaso manteve, em pleno período republicano, a designação associada a um título de nobreza, tendo estado à frente do Ministério das Relações Exteriores entre 1902 e 1912, sob quatro diferentes presidentes.
 
Os ideais de Rio Branco
Rio Branco era fundamentalmente um saquarema (alinhado ao Partido Conservador monárquico), simpático aos anos de maior estabilidade do Império, sob D. Pedro II. “As descontinuidades na condução da política exterior” entre Império e República “podem ser, e o são rotineiramente, embaçadas ou mesmo ocultadas”, mas a “sensação de permanência”, comenta o autor, “tem também bastante de construção ideológica. (…) Ao recuperar muitas das doutrinas do período monárquico, ou ocultar as rupturas em outros casos, o Barão soube incorporar em sua ideia de Brasil um importante patrimônio e o grande investimento que havia sido feito durante os anos do Império na construção de uma identidade coletiva política e socialmente operacional”.
Rio Branco teria sido importante na superação da crise simbólica de legitimidade do Estado brasileiro, equacionando-a com a consolidação de uma autoimagem calcada no caráter de um Estado nacional pacífico, não intervencionista e seguro dentro de fronteiras bem definidas. “O ideal da ‘conciliação’ e da criação de consensos, que marcou o apogeu do Segundo Reinado”, sob a hegemonia saquarema e a ordem do gabinete do Marquês do Paraná, “voltou a ser um ponto central do discurso que permeou a estabilização da nova ordem oligárquica que caracterizou a República Velha. O sucesso alcançado pelo Barão do Rio Branco na criação de uma visão percebida como consensual na condução das relações internacionais seria, inclusive, mais duradouro e se projetaria por muitas décadas depois de seu desaparecimento físico”.
Após longa análise do histórico imperial e do começo da República Velha no campo da diplomacia, Luís Cláudio insere o Barão e sua trajetória de esforços para, embora mais próximo à elite saquarema que ao grupo que a contestava, conseguir uma posição de proeminência dentro do Império, o que estaria prestes a alcançar quando, para sua infelicidade, veio a República. O texto então oferece um retrato muito curioso da transição de regime, com os gestos de força do governo Floriano Peixoto e a situação degradante do período conhecido como República da Espada, com destaque para a reação dos monarquistas inconformados, compreendidas aí as queixas de figuras como Joaquim Nabuco e Eduardo Prado.

As realizações de Rio Branco
Avalia também de que forma, ao ingressar ao governo, Rio Branco lidou com a desconfiança, de um lado, dos republicanos radicais com seu monarquismo, e de outro, com a pressão de monarquistas que viram nisso um ato de traição. “Em tese, independente de afiliação partidária, todos podem concordar com o objetivo de definir e assegurar as fronteiras, ou mesmo de conseguir ganhos territoriais. Em termos simbólicos, as fronteiras demarcam também a alteridade, o ‘outro’ em relação ao qual se constrói a identidade nacional. A questão da unidade e grandeza do território era um tema que vinha sendo explorado desde a independência como base do discurso sobre a identidade brasileira. E nesse campo, com as vitórias nas questões de Palmas e do Amapá, Paranhos Júnior já havia acumulado um capital político insuperável”, sendo alçado ao posto máximo da diplomacia. Não que o Barão não desse motivos para irritar os radicais: o autor comenta que ele apagava expressões de teor positivista dos documentos, irritando os adeptos da autoritária ideologia comteana que teve tanta relevância na República.
Villafañe relaciona também, é claro, as realizações práticas de Rio Branco, como os esforços, ao lado do liberal republicano parlamentarista gaúcho Assis Brasil, pela resolução da questão acreana em defesa dos brasileiros do Acre contra as autoridades bolivianas; a priorização das relações com os Estados Unidos, protetores da América diante do imperialismo efetivo das nações europeias, que entornaria na Primeira Guerra Mundial, apesar de as simpatias históricas e estéticas de Rio Branco e Nabuco serem francamente mais europeias, denotando seu senso absoluto de pragmatismo e interesse brasileiro; e a conclusão da definição das fronteiras com os países latino-americanos. É ainda explicada a brilhante performance de Rui Barbosa na Conferência de Haia, sob a autoridade do Barão. A ênfase, no entanto, é no aspecto simbólico e no peso de Rio Branco e suas políticas para uma ideia de Brasil.

Rio Branco e a ideia de Brasil
Um dos aspectos simbólicos que o autor ressalta é o enaltecimento da relação pacífica e da sobriedade institucional do Brasil da República Oligárquica, não mais em contraste com o Império, mas em contraste com a barbárie militarista da República da Espada. Rio Branco passa a valorizar dessa forma uma relação de continuidade com o Império. Sabemos perfeitamente que há muito pouco a aplaudir na República dos coronéis, bacharéis e fazendeiros, porém as vantagens na comparação direta com Deodoro e Floriano são notáveis e permitiram que Rio Branco fizesse seu trabalho. Chegou ao cargo, aliás, por decisão de Rodrigues Alves, também oriundo da elite imperial e um dos nossos melhores presidentes, que recusou, em nome da não-intervenção econômica, ratificar a Convenção de Taubaté.
Curiosamente, chama a atenção o momento em que o autor descreve um conjunto de vitrais inaugurados entre 1949 e 1950 na Washington National Cathedral representando os principais aliados dos EUA na política externa: a Inglaterra, o Canadá e a América Latina – e representando esta última estão dois líderes de movimentos de independência, Simón Bolívar e San Martín, e o brasileiro Barão do Rio Branco (!!). Representar o Brasil com a imagem de um diplomata e não de um príncipe ou soldado dá ideia da importância desse personagem.
Ainda sobre a questão simbólica e identitária brasileira, para Luís Cláudio, o legado da monarquia brasileira em termos de construção dessa identidade não é pequeno, porque ela “conseguiu substituir os laços diretos das províncias com a antiga metrópole pela referência ao Rio de Janeiro. Ela foi responsável pela propagação de um sentimento de patriotismo que superou a lealdade às ‘pequenas pátrias’ locais e regionais em prol da ideia de uma pátria que abrangesse a totalidade do território da antiga colônia.” A escravidão, porém, impedia que se entronizasse, no tecido social, a ideia efetiva de uma nação, calcada em “laços horizontais” entre os brasileiros. “O desenvolvimento de um sentimento nacional brasileiro, como apego à comunidade imaginada” mais do que a um simbolismo dinástico da Família Imperial e da Coroa, foi um projeto que amadureceu depois do golpe militar republicano, apesar da “vaga de patriotismo” verificada em ocasiões como a Guerra do Paraguai.
Tal “consolidação do sentimento nacional” nas bases modernas, particularmente viabilizadas pelos meios de comunicação de massa e o compartilhamento de notícias, permitindo a formação de uma maior “consciência comum”, “foi tarefa da República, e a definição da política externa republicana influiu na construção da identidade do país, o que se traduziu na fixação do Barão como um dos ‘pais fundadores’ do nacionalismo brasileiro, quase um século após a independência. A atuação de Juca Paranhos e a recuperação do mito fundador das fronteiras naturais predefinidas, preservadas pela colonização portuguesa, fecharam as portas de um discurso ideológico fundamental na consolidação do nacionalismo brasileiro”, de maneira que o Barão “passou a simbolizar uma grandeza territorial com a qual todos podiam concordar, acima de classes ou partidos”. Ligou-se, em sua retórica e realizações, a um projeto que, desde José Bonifácio, defende a concepção de uma única nação integrando a antiga América portuguesa.
O legado do Barão
Contemplar a representatividade de Rio Branco é contemplar, sim, a ideia de um Brasil calcado na pretensão de ser o “gigante”, o “colosso”, e simbolicamente ancorado na aspiração de um destino glorioso para essa monumental grandeza territorial. Porém, para aqueles a quem tal ideia soar ufanista e “geográfica” demais, pode ser também contemplar o valor da personalidade humana, fortalecendo um referencial mais pacífico de posicionamento no mundo e internamente, rechaçando as perseguições e convulsões autoritárias da República da Espada em prol de uma proposta de cosmopolitismo saudável e investimento nas negociações para resolução dos conflitos internacionais.
Seu resgate é antídoto, acima de tudo – e isto dizemos à revelia de qual seja a posição política efetiva do autor do livro, que desconhecemos completamente –, para asneiras regionalistas totalitárias que suplantem o interesse dos brasileiros, como nacionalidade e como indivíduos, em favor de interesses alheios aos seus, tal como se fez na última quadra histórica, e ainda há em nosso seio quem intente fazer.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Luis Cláudio Villafañe: A America do Sul no discurso diplomatico brasileiro (livro)

Uma tese, que eu já conhecia quando de sua apresentação no âmbito do Curso de Altos Estudos do Itamaraty, agora transformada em livro e publicada pela Funag, e que recomendo:

Luis Cláudio Villafañe Gomes Santos:
A América do Sul no Discurso Diplomático Brasileiro
(Brasíla: FUNAG, 2014; 248 p. – Coleção CAE; ISBN: 978-85-7631-525-4)




Disponível no site da Funag: http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/product&product_id=589


Em A América do Sul no Discurso Diplomático Brasileiro o diplomata e historiador Luís Cláudio Villafañe G. Santos discute, com grande rigor analítico e solidez conceitual, a vertente sul-americana da identidade internacional do Brasil, um tema central da política externa brasileira do século XXI. A partir de uma densa discussão teórica, o autor resgata a história da ideia de América do Sul e discute sua ausência ou presença, e em que termos, no discurso diplomático brasileiro, desde o século XIX. Uma ênfase especial fica por conta da apropriação desse conceito nos governos dos Presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.
Nas palavras do Embaixador Gelson Fonseca Jr., “a conclusão inevitável é a de que, hoje, conhecer a o obra de Luís Cláudio é fundamental para o estudioso da diplomacia brasileira”.

Sumário

Prefácio
Introdução.

1. Geografia e Identidade: América, América Latina, Terceiro Mundo, Ocidente ou América do Sul?
1.1 Identidades internacionais, identidades americanas  
1.2 Os conceitos e sua história
1.3 América Latina como contraconceito assimétrico

2. Identidades Cambiantes: uma revisão histórica
2.1 O Império brasileiro e o “outro” hispano­americano
2.2 A República e a opção pelo americanismo
2.3 O Barão, o ABC e a América do Sul
2.4 A Primeira Guerra Mundial e o alinhamento aos Estados Unidos
2.5 O Brasil e a Liga das Nações
2.6 A Era Vargas
2.7 Americanismo e Guerra Fria
2.8 A Operação Pan­Americana
2.9 A Política Externa Independente e a identidade internacional do Brasil
2.10 Governos Militares: dos círculos concêntricos ao pragmatismo responsável
2.11 A Nova República e a integração latino­americana.109

3. As Reuniões de Presidentes da América do Sul
3.1 Um novo cenário internacional
3.2 O Presidente Itamar Franco e a proposta de Alcsa
3.3 O Presidente Fernando Henrique Cardoso e o conceito de América do Sul
3.4 As Reuniões de Presidentes da América do Sul

4. Governo Luiz Inácio Lula da Silva e a Prioridade SulAmericana
4.1 Uma nova política externa
4.2 Identidade americana, latino­americana e sul­americana
4.3 Um balanço provisório ao fim dos dois primeiros anos do governo Lula
Conclusões
Referências 

APRESENTAÇÃO
GELSON FONSECA JÚNIOR

         Apesar de ter sido escrito em 2005 e com o objetivo específico de preencher um requisito para a promoção na carreira diplomática, o livro A América do Sul no Discurso Diplomático Brasileiro, ganhou interesse e atualidade. O passar do tempo mostrou o acerto de Luís Cláudio Villafañe Gomes Santos na escolha do tema que se tornou, como ele já vislumbrava, primeira prioridade na estratégia diplomática brasileira. O livro, ao mostrar as raízes de uma opção diplomática, permite compreendê-la melhor e ter instrumentos para avaliá-la. Os muitos méritos do livro e, portanto, as razões para lê-lo não surpreendem. Aliás, só confirmam, mais uma vez, o lugar de Luís Cláudio entre os mais rigorosos e criativos estudiosos da história da diplomacia brasileira.
         Para quem examina a obra de Luís Cláudio Villafañe, um dos traços que primeiro chama atenção é sua inteligência na escolha de seus “objetos de pesquisa”. Devemos a ele, em um dos seus primeiros trabalhos, a tese de mestrado, publicada em 2002, O Império e as Repúblicas do Pacífico: as relações do Brasil com o Chile, Bolívia, Peru e Equador e Colômbia (1822-1889), uma renovação dos estudos sobre a diplomacia brasileira no século XIX, quando “redescobre” uma área esquecida. De fato, a tradição historiográfica se centrava, naturalmente, no Prata, mas, ao mostrar o outro lado da presença latino-americana do Brasil, Luís Cláudio trouxe uma contribuição única e inédita para a reflexão sobre o Brasil no continente. O estudo da diplomacia brasileira no século XIX se completa com outro texto notável, O Brasil entre a América e a Europa, que lida, entre outros, com o tema da rejeição brasileira às tentativas, promovidas pelos vizinhos, de reuniões multilaterais, no plano regional. Para entender a posterior aceitação brasileira do multilateralismo, já sob a égide do pan-americanismo, o texto de Luís Cláudio é indispensável. Esses livros e textos articulam as sólidas bases para a reflexão de Villafañe sobre a diplomacia brasileira nas Américas.
         Em dois livros mais recentes, o mesmo sentido inovador se exprime com a madura reflexão que faz Luís Cláudio Villafañe para interpretar o papel da inserção internacional na configuração de uma identidade brasileira: O Dia em que adiaram o Carnaval: política externa e a construção do Brasil e O Evangelho do Barão. Não por acaso, Matias Spektor, sobre o último, disse, com razão, que o Evangelho “é um sopro de lucidez” e que corresponde, diante das biografias “tradicionais”, a um “corretivo necessário, põe em perspectiva o que houve de incoerente, inseguro e pretensioso na trajetória do Barão, sem reduzir a genialidade do homem e de seu projeto político”. Assim, ao lembrar esses textos, a conclusão inevitável é a de que, hoje, conhecer a obra de Luís Cláudio é fundamental para o estudioso da diplomacia brasileira.
         Neste livro, que agora apresento, os estudiosos em relações internacionais e, além deles, os que se interessam sobre a construção da identidade brasileira, têm muito a ganhar. A escolha do tema amplia e renova as formas tradicionais de pensar o Brasil nas Américas. Luís Cláudio Villafañe mostra, com clareza e competência, como se constrói um espaço de atuação diplomática. A geografia é um dado, fixo; assim, a questão é narrativa que dela se extrai. Neste sentido, mostra, como passo preliminar do seu estudo, como se desenvolve, no plano conceitual, a começar ainda no século XIX; a criação de uma determinada ideia de América Latina e como o conceito ganha autonomia. É notável a precisão e a concisão com que revê as origens e a formação do conceito: lembra Torres Caicedo, Sarmiento, Marti, Rodó, sublinha as diferenças entre as perspectivas autonomistas, que buscavam um espaço próprio para as nações latino-americanas, e as ocidentalistas, que incluíam a América Latina no espaço americano, com o referencial necessário dos Estados Unidos, lembrando que “dentro do espaço criado por elas, ocorreram os grandes debates sobre a construção de uma identidade latino-americana a partir da própria América Latina” (p. 40). Mostra que só se pode falar na consolidação do conceito de América Latina após a Segunda Guerra Mundial, em especial com a fundação da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e indica que a consolidação define a América Latina como um “contraconceito assimétrico à leitura que os Estados Unidos fazem de sua própria sociedade”. Chegando ao presente, e voltando-se para o quadro das relações internacionais, mostra que a incorporação da América do Sul como eixo do discurso (e ação) da diplomacia brasileira nasce em parte como contraponto às propostas americanas de uma área de livre-comércio para o continente, a Alca. Aliás, as reuniões pan-americanas foram paradoxalmente uma plataforma para que a América Latina identificasse interesses próprios, como a própria defesa da norma da não intervenção, que, ao longo de “nossa história diplomática, a referência à nossa condição de nação americana e suas variações (latino-americana, sul-americana) sempre foi um dos elementos centrais da identidade internacional” do país, são circunstâncias históricas que explicam o resgate do conceito e a busca de meios para operacionalizá-lo.
         Como diz, em sua esclarecedora introdução teórica, “As identidades, em qualquer nível, são contingentes e históricas – produzidas por um sistema de relações sociais e não de condições naturais (biológicas, geográficas ou de qualquer outra natureza). As identidades (sejam elas pessoais, de grupos ou de nações) são construídas dentro desse espaço de relações e diferenças, sendo sua definição o resultado de um jogo entre as distintas identidades que configuram um determinado sistema social. Seus conteúdos e suas funções sociais têm um caráter essencialmente histórico, o que nos remete à tarefa de estudá-las desde uma perspectiva mais abrangente” (p. 48). Os fundamentos teóricos do trabalho de Luís Cláudio vão naturalmente além disto. Aliás, merecem uma leitura atenta as observações que faz sobre os modos de construção conceitual dos discriminados, dos que não têm poder, dos que estão, no caso da diplomacia, à margem das relações de poder. Na realidade, o livro é impecável metodologicamente. O objeto está bem delimitado, o discurso diplomático, as fontes, primárias e secundárias, são utilizadas com habilidade e sempre de forma a revelar e enriquecer o objeto.
         Assim, a vizinhança sul-americana é a circunstância necessária da atuação do Brasil. Mas, é o interesse político que cria a “identidade sul-americana” e consequentemente define o espaço para a atuação diplomática “positiva”. A diferença de perspectivas entre a atitude do Império de distância dos vizinhos, marcada por contrapontos, e a da República é notável e movida, afinal, por fatores políticos, especialmente nos momentos iniciais da República, e, depois, paulatinamente, por objetivos mais complexos, especialmente de ordem econômica. Na primeira reunião de Presidentes sul-americanos, em 2000, convocada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, a dimensão de integração física era nítida e ampliava o percurso iniciado com o Mercosul.
         Vale notar, ainda, se viermos para os tempos recentes, a partir da aceitação da América do Sul como espaço privilegiado de atuação, as formas de atuar podem ser substancialmente diferentes, como Luís Cláudio Villafañe mostra quando compara a diplomacia dos Presidentes Fernando Henrique e Lula.
         História conceitual corre ao lado da história diplomática, não a explica totalmente, mas é indispensável para entender as opções, alternativas e variantes dos atores, a começar pelos presidentes e chanceleres. Como o autor diz com razão, “A identidade internacional do Brasil, ainda que tenha fortes elementos de permanência, está continuamente sendo reconstruída e reinventada” (p. 179). Assim, ao leitor, se revela, com clareza, a maneira como surge, se desenvolve a ideia de América do Sul e as possibilidades de seu emprego político. Circunstâncias modelam a criação da ideia que, uma vez introduzida no discurso diplomático, passa a ser uma circunstância que passa a delimitar a própria atividade diplomática. Se somos sul-americanos, a que nos obriga essa condição? O que nos beneficia? Luís Cláudio Villafañe não responde a essas perguntas, que exigiriam ir além do que se propôs, mas, com a clara base em que formula a identidade sul-americana, as respostas ganham um apoio consistente.
         O trabalho de Luís Cláudio Villafañe traz interpretação, sempre criativa e segura, das fontes, virtude essencial para a consistência do estudo historiográfico. Chama atenção a maneira como recupera e revê fontes conhecidas. Os relatórios anuais da Secretaria de Negócios Estrangeiros e, depois, do Ministério das Relações Exteriores, sempre constituíram uma base necessária para quem estuda a diplomacia brasileira. Mas, Luís Cláudio Villafañe retoma os relatórios do século XIX e, depois de uma leitura minuciosa, encontra formulações claras e reveladoras sobre a atitude distante em relação aos vizinhos, o que constituía uma barreira difícil de transpor para incorporar a América Latina ou a América no espaço de formulação diplomática brasileira. Na mesma linha, retoma os discursos do Brasil nas Nações Unidas, na importante coleção organizada e comentada por Luiz Felipe de Seixas Corrêa. As fontes são conhecidas, quase familiares, mas a forma como interpreta o seu alcance e, sobretudo, as relaciona, tornam em novidade o conhecido. São valiosas também as entrevistas que faz o autor com diplomatas, como o Embaixador Luiz Filipe de Macedo Soares e com o Embaixador Eduardo Santos.
         Outra qualidade do livro é constituir-se em texto íntegro. As partes, da teoria à interpretação dos desdobramentos do conceito de América do Sul, encaixam-se com perfeita coerência interna. Cada capítulo enriquece o anterior. Ainda assim, creio que, em alguns momentos, a abordagem mostra-se especialmente útil e valiosa para interpretar momentos da história diplomática. Assim se revela a análise das posições brasileiras diante da revolução cubana. Como lidar com a atitude norte-americana, e de alguns outros vizinhos, que defendiam que a “identidade continental americana” teria, como pilar o anticomunismo? (p. 100). Se aceitamos que a opção marxista-comunista de Fidel era incompatível, nas palavras de San Tiago Dantas, então Chanceler, com os “princípios democráticos, em que se baseia o sistema interamericano” (p. 102), uma segunda dimensão da condição americana repudiava formas de intervenção e de sanção para corrigir a incompatibilidade e, por isto, votamos contra a suspensão do regime na Reunião de Consulta, convocada para Punta del Este em 1962. De uma certa forma, a atitude brasileira, proclamando o princípio da não intervenção ecoava a longa história de defesa daquele princípio no âmbito do sistema interamericano, só aceito pelos americanos em 1933, depois de várias tentativas que começam praticamente com a inauguração das reuniões dos Estados Americanos. Lembre-se que o Brasil que, a princípio esteve perto dos EUA, transforma depois a não intervenção em um dos pilares de sua atitude diplomática. Porém, como sabemos, com o movimento de 1964, a política externa reforça o eixo ocidentalista, de que o anticomunismo é peça fundamental, e as relações com Cuba são cortadas.
         Há ainda dois aspectos do livro que chamam a atenção. O primeiro é a análise que faz do movimento que leva à adoção da América do Sul no repertório da diplomacia brasileira nos governos Fernando Henrique e Lula. Depois de lembrar a noção de Lafer de que a América do Sul corresponde a uma “força profunda de longa duração que vem norteando a ação diplomática brasileira” (p. 142), revê, com pertinência, o lançamento das reuniões de Presidentes sul-americanos, acompanha o seu desenvolvimento, e procura mostrar o reforço da ênfase sul-americana nos dois primeiros anos do mandato de Lula. O segundo aspecto que merece leitura cuidadosa são as conclusões. Luís Cláudio Villafañe não faz propostas de policies, mas, dentro do marco conceitual que discute, levanta questões absolutamente necessárias e que, ainda hoje, estão abertas. Uma das primeiras é mostrar que o conceito de América do Sul ainda está em construção e, pela abrangência do que propõe, enfrenta desafios maiores do que o de América Latina que tinha a vantagem de uma longa história e, a rigor, se fundar em “uma noção de similaridade antes de tudo cultural” (p. 189). Menciona a necessidade de superar os “muitos dos mitos de origem da nacionalidade de cada um dos países sul-americanos (que) incluem a ideia de usurpações e agravos históricos, reais ou imaginários, por parte de seus vizinhos”. E, sobriamente, acrescenta, “A superação desses mitos e ressentimentos é perfeitamente possível – como demonstra a integração europeia –, mas, representa um salto em direção ao futuro, que exigirá liderança, internamente em cada um dos doze países, e uma ação diplomática e firme” (p. 190).
         Para isto, lembra Luís Cláudio Villafañe a importância das trocas culturais, do aprofundamento dos estudos da história regional, que sustentariam, no longo prazo, as formas de aproximação política e econômica. Luís Cláudio lembra também que, “ao afirmar a vertente sul-americana da identidade brasileira não se está excluindo completamente as dimensões latino-americanas e continental” (p. 190). Os avanços institucionais da “comunidade sul-americana” são evidentes, com a criação da Unasul.
         Porém, mais América do Sul significa maior capacidade de vinculação com a América Latina e com os Estados Unidos e Canadá? Ou menos? E, voltamos aqui, a ligar a história do conceito aos desafios das melhores opções diplomáticas. Que regionalismo queremos? A América do Sul está incorporada ao discurso e é parcela fundamental da ação diplomática. Mas, qual o limite do discurso? Incorpora um projeto? É agregador dos vizinhos? É plataforma para uma abertura para o mundo? Luís Cláudio Villafañe não pretende oferecer respostas, mas, se não refletirmos, como sociedade, sobre as indagações que faz, as respostas diplomáticas correm o risco de serem incompletas.
Gelson Fonseca Jr.

Livro disponível no site da Funag:  
http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/product&product_id=589

http://funag.gov.br/loja/download/1099-a-america-do-sul-no-discurso-dimplomatico-brasileiro.pdf

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Complemento:
Um artigo de atualidade:

DOMINGUES, R.. Uma Potência Regional em Construção? O Brasil na América do Sul durante os anos Lula (2003 - 2010). Revista Política Hoje, América do Norte, 22, nov. 2014. Disponível em: http://www.revista.ufpe.br/politicahoje/index.php/politica/article/view/274/154. Acesso em: 24 Nov. 2014.

sábado, 24 de agosto de 2013

Luis Claudio Villafane G. Santos: O Dia Que Adiaram o Carnaval - Peter Beattie (book review, HAHR)

Recebo, do meu amigo e colega Luís Cláudio Villafañe Gomes Santos, a resenha que Peter Beattie, um historiador brasilianista, fez sobre o seu livro "O Dia em que Adiaram o Carnaval" para a Hispanic American Historical Review. Está no número atual, de agosto: http://hahr.dukejournals.org/content/current 
O Dia em que adiaram o carnaval: Política externa e a construção do Brasil. By Luís Cláudio Villafañe G. Santos. São Paulo: Editora UNESP, 2010. Notes. Bibliography. 278 pp. Paper, R$ 40.00.
              This book’s title refers to the Brazilian government’s effort to suspend the celebration of Rio de Janeiro’s Carnaval in 1912 from February until April to mourn the death of the nation’s premier diplomat, the Barão do Rio Branco (José Maria da Silva Paranhos Jr.), who died the Saturday before Ash Wednesday. The common citizens of Rio de Janeiro, however, honored Rio Branco in their own fashion by celebrating Carnaval twice that year. Villafañe uses this extraordinary event to introduce his examination of Brazilian national identity through the little-considered lens of its international diplomacy and Itamarati’s most celebrated historical figure: Rio Branco. For the author, “Num mundo de Estados-nações, a política externa é fator primordial na definição do caráter da nação” (p. 43). This hypothesis is the point of departure for a broad survey of Brazilian foreign relations in tandem with evolving conceptions of Brazilian national identity from late colonial to contemporary times.
              Villafañe argues that because Brazilian identity came into existence after Brazilians won independence from the Portuguese, Rio Branco’s diplomatic work to define the limits of Brazil’s national territory made him a founding father after the fact. To support this assertion, he examines a stained glass representation in Washington DC’s National Cathedral celebrating the first Pan-American Congress in 1826 that uses three principal images of Latin American patriots: Simón Bolívar, José Francisco de San Martín, and Rio Branco. In this representation, an artist clearly depicts Rio Branco as a symbol of Brazil and associates him anachronistically with the founding fathers of Spanish American nations. Villafañe, however, does not reveal the stained glass artist’s identity. The Baltimore native Rowan LeCompte designed most of the windows in Washington’s National Cathedral, but I was unable to confirm that he had designed that particular window. In any case, it is doubtful that this stained glass representation reveals how Brazilians understood the place of Rio Branco in their pantheon of national heroes rather than how an American artist interpreted this pantheon. This representation of Rio Branco graces the cover of the book, but its centrality to the author’s argument seems a bit of a stretch. This, however, is a minor criticism, because the author provides many other examples and interpretations of Rio Branco’s prestige within Brazil.
              The strength of this manuscript is the author’s agile analysis of the evolution of the Brazilian government’s foreign policy, which Rio Branco’s diplomacy shaped for most of the twentieth century. He argues that Rio Branco came to prominence in the early twentieth century because he fit the historical patriotic moment better than other figures. The transition from a constitutional monarchy to a republic in 1889 promoted the image of Tiradentes, leader of a failed republican conspiracy in the eighteenth century, as a symbol of national unity. Meanwhile, the military tried to promote the heroes of the Paraguayan War, principally the Duke of Caxias, in the early republic as symbols of national unity, but the duke’s association with loyalty to the monarchy made him a less than ideal symbol for the new republic. The barão’s image as a republican man of peace who settled most of Brazil’s border disputes through international law fit the way most influential Brazilian intellectuals and politicians sought to project the image of their nation in the early twentieth century. Brazilians lived peacefully with neighbors and other nations across the world. For Villafañe, Brazilian leaders in the early twentieth century debated how Brazil should present itself and interact with the international community, and for all practical purposes, Rio Branco best captured their conclusions (p. 186). Rio Branco was not associated with the fractious politics of Brazil’s past, and his success in international negotiations reinforced the image of a peaceful Brazil. The author points out the contradiction that this image was often at odds with the disorder and violence of Brazil’s early republic, which was convulsed by events such as the 1893–1894 Armada Revolt, the 1896–1897 Canudos Rebellion, the 1910 Chibata Revolt, and the 1912–1916 Contestado Revolt, among others.
              Villafañe successfully shows how foreign policy involves and invokes narratives and images that helped to define and reshape conceptions of Brazilian national identity and character, but he recognizes that this mostly top-down, state-led project had its limits. To demonstrate this, he returns to the state’s ham-handed efforts to reschedule Carnaval in 1912. He transcribes the lyrics of a samba march sung during the second celebration of Carnaval that lampooned the government: “Com o morte do Barão / Tivemos dois carnavá / Ai que bom, ai que gostoso / Se morresse o marechá” (p. 265). The government’s failed attempt to enshrine Rio Branco in the public memory by delaying the mirth of Carnaval had the unintended consequence of encouraging a Carnaval wag to imagine how good it would be if Brazil’s president, Marshal Hermes da Fonseca, would also die so that they could celebrate Carnaval yet again. A confluence of popular and elitist projects and representations shaped national identity and memory, a process that often escaped the control of political authorities.
Peter M. Beattie, Michigan State University

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Renovando um post colocado anteriormente:


DIPLOMACIA
Usos e abusos do barão
O ufanismo vai cedendo nos cem anos de Rio BrancoRESUMO
Figura maior da diplomacia brasileira, José Maria Paranhos Jr., o barão do Rio Branco (1845-1912), morreu ungido por tal unanimidade que só começou a ser visto sem ufanismo nas últimas décadas. Ensaio esquadrinha criticamente a trajetória do chanceler e os mitos que há um século se forjam em torno dele.
MATIAS SPEKTOR
Folha de S.Paulo, Ilustríssima, 22/07/2012

Toda nação vive, em parte, de seus mitos. Poucos têm tanta força entre nós quanto o do Barão do Rio Branco, morto há cem anos.
Ele merece seu lugar no panteão porque expandiu o território nacional sem recurso às armas e sem grandes alianças. O país que representava estava enfraquecido, desarmado e isolado, e sua performance fez toda a diferença.
Mais, Rio Branco fez de si o elo entre o Império derrotado e a República vitoriosa. Com pai ministro, senador, diplomata e chanceler de d. Pedro 2o, ele assistiu à queda da monarquia, mas evitou o exílio típico de muitos de sua classe e serviu a quatro presidentes como ministro das Relações Exteriores sem compunção (1902-12).
Sua adesão à República foi total: pôs a política externa a serviço dos novos-ricos da burguesia agroexportadora e não hesitou em entrar para a vitrine da nova ordem, a Academia Brasileira. Mas, com estilo todo próprio, manteve o título de barão e fomentou a mitologia segundo a qual a diplomacia republicana bebia da fonte de um suposto passado imperial de glórias.
Habilidoso jogador para uns, inescrupuloso camaleão para outros, enfrentou desafetos e inimigos. Para os monarquistas, era um traidor. Para os republicanos, potencial líder da restauração monarquista. Sua política externa foi fustigada na Câmara, no Senado e na imprensa. Mais de uma vez a boataria previu sua queda. Só virou unanimidade depois de morto.
Sobreviveu a quatro trocas de governo em grande parte por seu talento de jornalista e sua rara capacidade de manipular a imprensa. Escreveu prolificamente sob pseudônimos. Leitor compulsivo de jornais, não hesitou em pautar editores, nem a eles queixar-se de coberturas desfavoráveis.
Alimentou calculadamente a imagem de excêntrico. Eram proverbiais a desordem de seu gabinete, a humilde cama instalada em seu despacho no Itamaraty, a caça aos mosquitos com uma vela, a mania de jogar água fria nos gatos que perambulavam pelo ministério e a fobia de elevadores.
O barão também teve sorte. Nos dez anos anteriores a sua posse, o Brasil afundou em hiperinflação e crise política. Revoltas pipocaram no sul, em Mato Grosso e no Nordeste. Na Revolta da Armada, o porto do Rio foi bloqueado e bombardeado. Em 1897, houve um atentado contra o presidente. Em três anos, Floriano Peixoto teve oito ministros do Exterior. Assumindo o Itamaraty em 1902, Rio Branco encontrou debeladas a inflação e as crises, num respiro para a política externa.
Ao morrer de complicações de saúde, ainda ministro, aos 67, em 1912, detinha mais capital político que os presidentes aos quais servira. Estima-se que tenham ido ao enterro 300 mil pessoas, um quarto da população carioca.
BIOGRAFIAS
Em muitos países, uma figura desse naipe seria objeto de ricas e divergentes biografias. Não aqui. A literatura sobre o barão é escassa, ignora a farta documentação disponível sobre ele em arquivos estrangeiros e mantém-se irritantemente laudatória.
Álvaro Lins, Jarbas Maranhão, Afonso de Carvalho e Renato Sêneca Fleury lançaram hagiografias no centenário de nascimento (1945). Quinze anos depois, Luis Viana Filho publicou trabalho um pouco mais rigoroso. O conjunto faz do barão um herói irretocável. Nos anos 2000 começou a aparecer algum questionamento, ainda que tímido. Rubens Ricupero, em seu "Rio Branco, o Brasil no Mundo" (2000), abre avenidas de investigação em brevíssimas 70 págs. Cristina Patriota faz o mesmo no também breve "Rio Branco, a Monarquia e a República" (2003).
Ler a respeito de Rio Branco ainda é frustrante. Do conjunto das obras existentes, aprende-se que ele era "coerente", "seguro", "inovador", "singelo", "lúcido", "despretensioso" e, curiosamente, conseguia ser "tímido" e "extrovertido" ao mesmo tempo. Como se tivesse poderes do além, "não falhou em nada que empreendeu".
Por isso é um sopro de lucidez o novo livro do diplomata e historiador Luís Cláudio Villafañe G. Santos, "O Evangelho do Barão" [Editora Unesp, 174 págs., R$ 36]. Corretivo necessário, põe em perspectiva o que houve de incoerente, inseguro e pretensioso na trajetória do barão, sem reduzir a genialidade do homem e de seu projeto político. Com "O Dia em que Adiaram o Carnaval" (2010), do mesmo autor, trata-se da melhor leitura, ainda que analítica, não propriamente biográfica.
Fica para o futuro a tarefa de desmontar dois mitos persistentes a respeito do barão: a suposta busca da liderança regional no entorno sul-americano e a suposta "aliança não escrita" com os EUA.
EQUILÍBRIO
Rio Branco era devoto da teoria do equilíbrio de poder. Entendia que todo protagonismo brasileiro levaria os vizinhos do Prata e do Amazonas a formar uma coalizão antibrasileira. Chegou a confidenciar a um interlocutor que "nenhum país de língua espanhola é bom e nenhuma pessoa de sangue espanhol é confiável".
Não era à toa. A Argentina, antiga rival, encontrava-se em franca ascensão. O Brasil de Rio Branco era relativamente fraco. Em 1906, por exemplo, nossa dívida pública era o dobro da argentina, o comércio exterior, metade, assim como a rede de linhas telegráficas. A Argentina tinha 21.600 km de trilhos; o Brasil, para um território muito maior, apenas 16.800 km. A força naval argentina era bem superior.
Em 1908, o barão estava seriamente preocupado com um ataque militar argentino. O governo de lá era, disse ele, "tresloucado". Ainda jovem, escrevera: "Não temos esquadra, não temos torpedos, não temos Exército, e os argentinos têm tudo isso". Pediu recursos para armar o Brasil, sem sucesso.
Assim, em posição de fraqueza relativa, Rio Branco fez três movimentos. Primeiro, acelerou a negociação das fronteiras, para evitar que possíveis conflitos militares ganhassem vulto -o Brasil não tinha condições de vencer.
Segundo, construiu um edifício conceitual calcado nos princípios de não intervenção, satisfação territorial e negociação de diferenças sem recurso à força. Fez isso porque o país não tinha alternativa.
Terceiro, Rio Branco propôs um acordo de "cordial inteligência" entre Argentina, Brasil e Chile, o ABC. Tratava-se de um modelo para mitigar a competição e criar canais de comunicação entre seu rival (Argentina) e o rival de seu rival (Chile). Esse "condomínio" para manter a região estável -o Brasil não podia se dar ao luxo da guerra- permitiria limitar efeitos negativos da ascensão argentina.
Buenos Aires descartou o ABC. Os dois países logo entrariam em uma corrida por poder, prestígio e influência que só se resolveria, em favor do Brasil, 60 anos mais tarde.
EUA
Todo manual de história diplomática -e todo livro sobre Rio Branco- repete a mesma tese: o chanceler teria feito dos Estados Unidos o principal aliado do Brasil republicano. Foi o historiador americano E. Bradford Burns que desenvolveu o conceito em seu "A Aliança Não Escrita: Rio Branco e as Relações do Brasil com os EUA", de 1966 (EMC, 2003).
A tese está equivocada: nem Rio Branco aliou-se aos EUA, nem os americanos fizeram do Brasil um aliado. A aproximação foi intensa, mas não menos parcial, conflituosa e frustrante para os dois países.
O barão não tinha ilusões. "Prefiro que o Brasil estreite as suas relações com a Europa a vê-lo lançar-se nos braços dos EUA", escreveu antes de assumir. Quem pedia uma "aliança tácita, subentendida", era Joaquim Nabuco, seu embaixador em Washington.
Rio Branco não evitou rotas de colisão. Em 1906, frustrado com a falta de cooperação dos EUA na 3a Conferência Pan-Americana, no Rio, provocou seu chanceler Elihu Root: "[A Europa] nos criou, ela nos ensinou". Tensão maior ocorreria em 1907, em Haia.
Uma consulta aos arquivos diplomáticos de Washington revela desconfiança em relação ao Brasil, preocupação em não hostilizar ou isolar a Argentina e sobretudo boa dose de indiferença. Do ponto de vista americano, não havia aliança, nem nada parecido.
Rio Branco usou o vínculo instrumentalmente e com vistas a tirar vantagens para o Brasil e para si mesmo. Mostrar-se como um aliado de Washington rendia frutos políticos internos, pois a República brasileira se identificava com o federalismo americano ("Somos da América e queremos ser americanos", diz o manifesto de 1870). De quebra, na Revolta da Armada os EUA apoiaram Floriano Peixoto contra os monarquistas.
O chanceler também usou os EUA como escudo. Ele temia que a expansão neocolonial europeia se espraiasse em áreas de fronteira malcuidadas como Amapá, Roraima e o rio Amazonas.
Quem poderia nos ajudar? "As definições da política externa norte-americana são feitas", explicava ele em 1905, "sem ambiguidades, com arrogante franqueza, sobretudo quando visam os mais poderosos governos da Europa, e o que acontece é que estes não protestam nem reagem, antes acolhem bem as intervenções americanas."
USOS E ABUSOS
Há cem anos, o nome do Barão é usado e abusado. Nas palavras de Villafañe, trata-se de uma verdadeira "santificação de Rio Branco na religião laica do nacionalismo".
Seus sucessores, por exemplo, justificaram políticas controversas apelando para o patrono. Nos anos 1940, Oswaldo Aranha o usou para convencer o público a aceitar lutar junto aos EUA na Segunda Guerra Mundial. Na década de 1960, Mario Gibson Barboza invocou-o para explicar a expansão do mar territorial brasileiro em 200 milhas.
Nos anos 1990, Celso Lafer ancorou nele a decisão de fazer concessões à Argentina. Nos 2000, Celso Amorim viu nele as sementes da Unasul. Agora, Antonio Patriota afirma que a aproximação do Barão aos EUA -naquele momento uma potência periférica- inspira a proximidade atual aos Brics (China, Índia, Rússia e África do Sul).
Nada disso surpreende. O barão, quando chanceler, também forjou mitos para justificar-se. Seus sucessores, ainda que sem o seu estilo, não fizeram mais do que segui-lo


sábado, 5 de março de 2011

Carnaval: bloco Barao do Rio Branco (desfilando duas vezes)

Não, não é o próprio, infelizmente, e não sei se ele sabia sambar, mas o fato é que o Barão (o único, verdadeiro, impoluto) morreu pouco antes do Carnaval de 1912, o que levou o governo Hermes da Fonseca a decretar a postergação da festa para abril.
Crime de lesa povo! Para quê!?
Não adiantou nada. O povo festejou em fevereiro e em abril novamente.
Esse é o mote do livro de meu colega Luis Claudio Villafane Gomes Santos, O Dia em Que Adiaram o Carnaval, objeto desta simpática matéria no Globo de hoje.
Paulo Roberto de Almeida

O ano em que houve dois carnavais
Roberta Jansen
O Globo, 5 de março de 2011, página 28

Morte do Barão do Rio Branco fez governo adiar a festa, mas povo brincou duas vezes

É o sonho dos foliões mais animados; uma verdadeiro pesadelo para quem é avesso aos festejos: comemorar o carnaval duas vezes por ano. Por incrível que pareça, isso já aconteceu uma vez no Brasil, em 1912, por conta da morte do Barão do Rio Branco – tido como responsável pela consolidação do território nacional e, por isso, aclamado herói. A fascinante e bem pouco conhecida passagem foi resgatada pelo historiador e diplomata Luís Cláudio Villafañe G. Santos. No recém-lançado O Dia em que adiaram o carnaval – política externa e a construção do Brasil (Ed. Unesp), ele a utiliza como ponto de partida para discorrer sobre a construção da nacionalidade brasileira.

Não que o povo tenha ficado feliz com a morte do Barão. Longe disso. Ele realmente era muito admirado pela população. Sua morte, em 10 de fevereiro de 1912, a uma semana do início das comemorações do carnaval daquele ano, foi bastante lamentada. Como mostra Santos, em seu livro, o jornal “A República” não economizou na emotividade: “Nenhum brasileiro atingiu mais alto o culto da veneração popular. O Barão do Rio Branco era verdadeiramente um patrimônio nacional. A nação que o amou em vida, há de idolatrar-lhe reverentemente a sua memória”. A “Gazeta de Notícias” também não fez por menos, registrando, ao noticiar a morte, que “o país inteiro soluça”.

– Pela documentação que juntei, houve, de fato, uma reação muito forte da população – conta o historiador.

Como registra Santos, de forma espontânea, independentemente do luto oficial, o comércio fechou as portas, bem como os bancos e escritórios privados, além das repartições públicas. Os cinemas e os teatros não funcionaram naquele dia. E bailes e festas foram cancelados. Logo, o governo determinou que, em virtude do luto, as comemorações não começassem no dia 17 de fevereiro, conforme previsto no calendário, mas fossem transferidas para 6 de abril, em sinal de respeito.

Acre é anexado: nova vitória de Rio Branco
José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, era adorado pelo povo. Em 1902, quando retornou ao Brasil para assumir o Ministério das Relações Exteriores, ele foi aclamado nas ruas pela mesma população que, dez anos depois, chorava copiosamente sua morte.

– Ele já era um personagem bem popular quando voltou do exterior – atesta Santos.

– Uma multidão o esperava no porto, onde desembarcou, e acompanhou sua carruagem pelas ruas. Quando, num determinado ponto, os cavalos não puderam prosseguir, estudantes se ofereceram para puxá-la. Enfim, uma volta triunfante, extraordinária.

E não é para menos. O Barão, que na época ocupava o posto de Embaixador na Alemanha, tinha servido de advogado brasileiro em duas arbitragens internacionais cruciais à delimitação de nossas fronteiras: a de Palmas, em 1895, em que conseguiu assegurar para o Brasil boa parte do território dos estados de Santa Catarina e Paraná em litígio com a Argentina; e a do Amapá, em 1900, em que obteve uma vitória sobre a França na disputa da fronteira com a Guiana Francesa.

Foi justamente o prestígio obtido nesses dois casos que fez com que o então Presidente Rodrigues Alves escolhesse o Barão do Rio Branco – a quem sequer conhecia pessoalmente – para ocupar o posto máximo da diplomacia do país naquele ano de 1902, em que o governo se via às voltas com uma nova discussão sobre fronteiras, desta vez com a Bolívia, pelo então território do Acre. A despeito da oposição de nomes de grande peso da época, como os de Rui Barbosa e Pinheiro Machado, o Barão conseguiu aprovar o Tratado de Petrópolis, pelo qual o país anexava o Acre mediante pequenos territórios na fronteira com o Mato Grosso, uma indenização em dinheiro, e a ferrovia Madeira-Mamoré.

– Houve uma grande discussão no Congresso e na imprensa, e forte oposição ao tratado. Mesmo assim, ele acabou sendo aprovado, no que, até hoje, é considerada uma grande vitória do Rio Branco – afirma Santos. – Ou seja, o Barão, que já tinha retornado ao país com a popularidade em alta, obteve sucesso com a questão do Acre logo no seu primeiro ano, promovendo uma escalada de sua popularidade.

Por tudo isso, sustenta Santos, a tristeza gerada pela morte do Barão é bastante plausível.

– Os jornais todos da época registram uma grande comoção popular, com pessoas chorando nas ruas, cinemas fechados, um impacto grande – diz o historiar. – Dado o contexto, a reação me parece coerente.

Foi diante dessa situação que o governo do Marechal Hermes da Fonseca decidiu, então, adiar o Carnaval. Não funcionou. Os brasileiros acabaram festejando duas vezes. Uma, em fevereiro mesmo, a despeito do luto. Outra, de 6 a 10 de abril, seguindo as determinações governamentais. A irreverência prevaleceu, como atesta a letra da marchinha feita para o segundo Carnaval: “Com a morte do Barão/Tivemos dois carnavá/Ai que bom, ai que gostoso/Se morresse o marechá”, numa referência nada sutil à possível morte do presidente.

Carnaval remonta ao período colonial
E se a consolidação do território brasileiro, com a definição de suas fronteiras, foi crucial na construção de uma identidade nacional, como mostra Santos, o carnaval também o foi.

– O carnaval tem uma história que vem da Colônia, com o chamado entrudo, em que as pessoas jogavam água, farinha, xixi umas nas outras – conta Santos. – Com o fim do Império, ele começa a incorporar os batuques africanos; o Rei Congo, em que os negros representam suas realezas. Na virada do século XX, quando o Rio vive um período importante de modernização, começa também a importar aspectos do Carnaval europeu, do Rei Momo, do Pierrô e da Colombina. Então, esse momento da virada do século, é justamente o momento em que o carnaval começa a ganhar uma aceitação social mais ampla.

E é também na virada do século, mais precisamente em 1896, que o futebol entra no país. Junto com a noção de territorialidade, dois importantes símbolos nacionais.

– Ou seja, dois dos mais fortes simbolo nacionais são bem recentes – afirma Santos. – Símbolos da identidade que parecem eternos e muito antigos, na verdade, não o são. É o mesmo caso da extroversão e alegria do brasileiro que é bem recente.

Mas, como frisa o pesquisador, não se tratam, necessariamente, de noções construídas pelo Estado.

– O Estado tem um papel importante, mas ninguém controla a construção da identidade – diz o diplomata. – Há uma circularidade das ideias. As massas, as classes subalternas trabalham as ideias. O produtos final, ninguém controla. Não há exatamente uma pessoa conduzindo o processo.