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terça-feira, 23 de janeiro de 2018

A "candidatura" Lula: uma farsa contra a democracia - Rubens Barbosa, Paulo Roberto de Almeida

O título da postagem não corresponde ao título do artigo do embaixador Rubens Barbosa, abaixo transcrito, no Estadão desta terça-feira 23/01/2018.
Embora esteja de acordo com vários dos argumentos, não concordo com a tese principal: a da candidatura e "derrota" subsequente do grande meliante nas eleições de outubro.
Por um motivo muito simples: ninguém tem o direito, sobretudo os atores políticos, de interferir no processo e no curso normal da Justiça, pois isso representaria uma aberração anti-democrática e anti-constitucional.
Por mais que a "lógica política" – não a reconheço como tal – recomende esse "derrota", para acabar com o mito (supondo-se que isso seja possível, num ambiente contaminado pelo fundamentalismo salvacionista dos neobolcheviques), isso significaria desviar o curso da Justiça, que deveria seguir o seu caminho, como deve ocorrer em qualquer país minimamente democrático, ou simplesmente se guiando by the rule of Law.
Considero essa tese, portanto, errada, como considero LAMENTÁVEL a postura do ex-presidente FHC, que continua sustentando politicamente o grande meliante, sabe-se lá porque exatamente.
Essa "tese" – altamente duvidosa – de que é importante deixar o grande transgressor da democracia e da decência registrar sua candidatura, apenas para depois tentar provar que ele pode ser derrotado nas urnas – por uma candidatura responsável, de centro, ou seja tucana – é não só infeliz, mas contrária a um regime democrático decente, onde a LEI DEVE VALER PARA TODOS.
Paulo Roberto de Almeida  
Brasília, 23 de janeiro de 2018


A CANDIDATURA LULA
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 23 de janeiro de 2018, p. A-2.   
                    
 A decisão do Tribunal de Porto Alegre sobre a manutenção ou não da condenação do ex-presidente Lula, a ser conhecida amanhã, não coloca um ponto final em uma das incertezas políticas do quadro eleitoral. Pelo contrário, começa um longo processo de judicialização que não deverá terminar antes das eleições de outubro. Segundo vozes experientes e abalizadas nas tecnicalidades processuais, apesar da confirmação da condenação, Lula - sempre amparado por decisões judiciais - poderá ser indicado como candidato na convenção do PT, ser registrado pelo TSE em agosto e estar com seu nome nas urnas eletrônicas. Comitês populares, que se atribuem a defesa da democracia e o direito de Lula ser candidato, criados pelo PT, somados às declarações radicais de lideranças petistas poderão estimular um clima de insegurança e violência no pais.
            A partir do resultado do julgamento, o Brasil viveria uma situação paradoxal. Um candidato condenado pela justiça, com registro eleitoral obtido por decisões judiciais, poderá ser votado e eventualmente eleito, não podendo, contudo, ser empossado, por força da lei das inelegibilidades (ficha limpa), a menos que haja decisão do STF em contrário.
            Sempre fui favorável a que Lula pudesse ser candidato em 2018 de modo a evitar que o líder petista tenha sua imagem de mito reforçada e continue com seu discurso de vítima de um golpe e impedido de disputar a eleição presidencial pelas forças de direita.  E possa repetir a mantra da ilegitimidade do novo governo eleito porque este teria ganho no tapetão por pressão das elites rentistas contra os pobres e oprimidos, abrindo espaço para mais quatro anos de paralisia do governo e do Congresso.
            Nesse contexto, a entrevista concedida por Lula no dia 20 de dezembro, apesar da grande repercussão na mídia escrita, passou sem uma análise mais detida.  Em duas horas de conversa com a imprensa, dizendo-se não radical, criticou fortemente ex-aliados que votaram pelo impedimento de Dilma Rousseff e, em especial, as novas políticas do governo Temer. Populista, Lula defendeu a valorização do salário mínimo, o forte papel do estado investidor e indutor do crescimento, a expansão do crédito, a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até cinco salários mínimos e a federalização do ensino médio, como se sua politica econômica não fosse novamente quebrar o país. Acusou o programa de privatização pela venda irresponsável do patrimônio público, condenou duramente a reforma trabalhista e não apoiou as da previdência e a tributária, como estão sendo discutidas agora. Criticou sem muita convicção o combate à corrupção, dizendo que o dinheiro no exterior não foi recuperado, foi apenas legalizado, e defendeu a tese bolivariana do referendo revocatório. Na política externa, propôs retomar todas as “iniciativas altivas e ativas” que isolaram o Brasil e fizeram com que a voz do país deixasse de ser ouvida nos organismos internacionais. Em linhas gerais, defendeu de forma enfática as políticas dos 15 anos dos governos petistas e apresentou-se mais uma vez como o salvador da pátria com uma prometida carta aos brasileiros com as mesmas políticas dos últimos anos.
            Minha convicção de que Lula deve ser candidato foi reforçada por essa entrevista, verdadeira plataforma e programa de governo. Alguns viram nessas declarações, muito radicais para uma eleição presidencial, o reconhecimento de que sua candidatura deverá ser impedida e que se trataria de plataforma política para eleger uma bancada petista no Congresso. Não creio que suas declarações tenham sido uma jogada tática, sinalizando ter jogado a toalha para a eleição presidencial. Minha percepção é a de que quis, mais uma vez, delimitar seu campo de ação, confiando na estratégia do “nós contra eles” e mostrando aos seguidores que, apesar das acusações de corrupção, ele e o PT mantém todas as políticas que, na visão do partido e do candidato, deram certo.
            Será importante que Lula possa concorrer para que a sociedade brasileira se manifeste sobre seu programa de forma definitiva. São inegáveis os avanços ocorridos nos governos petistas na área social, mas, sobretudo no segundo mandato de Lula e no governo Dilma, políticas econômicas equivocadas foram responsáveis pela profunda crise econômica e social em que o Brasil foi colocado. Não se pode ignorar os 14 milhões de desempregados, a grave crise fiscal e a maior recessão da história.  Derrotadas politicamente, as propostas e atitudes divisivas de Lula ficarão superadas de forma legítima e não abrirão nenhuma possibilidade de contestação. O espectro petista que ronda o pais poderá ficar afastado de vez. Se Lula ganhar, poderemos ter uma nova e excitante experiência petista de governo e o Brasil estará comprando uma passagem direta para a Grécia (onde, aliás já chegou o Rio de Janeiro).
            Ganhando um candidato de centro com uma agenda de reformas, o Brasil poderá voltar a olhar para frente, com uma agenda de modernização que passe pelo aprofundamento das reformas e da revisão do papel do Estado, e com o enfrentamento das desigualdades e dos privilégios para tornar o pais mais justo, mais democrático e mais sustentável, ou seja, justamente melhor e de forma mais permanente para os desfavorecidos. Com isso, o pais se tornará melhor preparado para enfrentar as rápidas transformações em todos os campos do cenário internacional, que desafiam as instituições, os trabalhadores e os empresários.
            As eleições de outubro de 2018 serão um divisor de águas para as futuras gerações. O voto definirá a volta às políticas do lulopetismo ou a visão do futuro. O Brasil terá de optar entre dois caminhos bastante distintos. Esse é o dilema que deve ser enfrentado para que o Brasil possa definir um rumo claro a ser seguido.
 
Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e de Comércio Exterior (IRICE).

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Lula-Kaddafy, uma amizade exemplar (não sem motivo) - Veja

A bomba de Palocci contra Lula e o PT
Revista VEJA, 8/12/2017
A imagem acima foi captada no encontro da Cúpula América do Sul-Áfri­ca, que aconteceu na Venezuela em 2009. Lula era presidente do Brasil pela segunda vez e o ditador Muamar Kadafi ainda comandaria a Líbia por mais dois anos, antes de ser deposto, capturado e executado. Não é uma cena protocolar, como se observa no aperto de mão informal. A fotografia retrata dois líderes que se diziam “irmãos”. Durante 42 anos, Kadafi governou a Líbia seguindo o protocolo dos tiranos. Coronel do Exército, ele liderou um golpe em 1969. No poder, censurou a imprensa, reprimiu adversários e impôs leis que permitiram punições coletivas, prisão perpétua, tortura e morte a quem contrariasse o regime. Dinheiro líbio também financiou grupos terroristas e movimentos políticos em vários cantos do planeta. Entre os que receberam recursos da ditadura líbia estavam, de acordo com o ex-minis­tro Antonio Palocci, o PT e seu líder máximo, o ex-presidente Lula.
A revelação de Palocci está contida na sua proposta de delação entregue ao Ministério Público. Segundo ele, em 2002 Kadafi enviou secretamente ao Brasil 1 milhão de dólares para financiar a campanha eleitoral do então candidato Lula. Fundador do PT, ex-­prefeito de Ribeirão Preto, ex-ministro da Fazenda do governo Lula e ex-­chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, Palocci esteve no centro das mais importantes decisões do partido nas últimas duas décadas. Condenado a doze anos por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, há sete meses ele negocia um acordo de delação premiada. Em troca de redução de pena, compromete-se a contar detalhes de mais de uma dezena de crimes dos quais participou. Um dos capítulos da colaboração trata das relações financeiras entre Lula e o ditador líbio — e tem potencial para fulminar o partido e o próprio ex-presi­dente.

Estadão:

domingo, 22 de outubro de 2017

Consequencias economicas da vitoria, parte 7 (2002) - Paulo Roberto de Almeida

Este foi, realmente o último da série das "consequências econômicas da vitória", mas não a última análise que fiz das tribulações do governo Lula, no momento de sua ascensão ao poder. Não tem muita importância atualmente, a não ser pelo prenúncio de boas políticas sociais que eles fariam. Fizeram, mas de forma torta, provocando distorções e equívocos (muitos deles deliberados, feitos para roubar), o que levou o Brasil à Grande Destruição, a maior recessão de toda a nossa história.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 22/10/2017


Avaliando a transição:
Balanço da vitória, no momento da subida ao poder
(da série: Consequências econômicas da vitória, parte 7)

Paulo Roberto de Almeida
(Washington, 988: 28/12/2002)

            Em texto elaborado no dia 20 de outubro de 2002, intitulado “Como vencer a transição” e inscrito na série “consequências econômicas da vitória”, eu apresentava uma espécie de “decálogo” para o período que se estenderia desde a vitória, no dia 27 seguinte (do que já estava seguro, muito tempo antes), até a posse, em 1º de janeiro de 2003. Em dez pontos sintéticos, eu apresentava então alguns desafios de caráter imediato e outros de ordem mais estratégica, pois que vinculados à maneira de governar e de se relacionar com os aliados.
            Pretendo, na presente “reavaliação” da transição, efetuar, com base nos critérios selecionados naquele texto, uma espécie de balanço desta fase que passou (entre 27 de outubro e 27 de dezembro de 2002), enfatizando sucessos e frustrações e até distribuindo pontos por “merecimento”, o que constitui, obviamente, um exercício de impressionismo político totalmente pessoal. Para isso vou retomar cada um daqueles pontos, evidenciando realizações e carências do período em questão, sem que minha avaliação apresente, está claro, qualquer implicação para o desempenho futuro do governo da nova maioria social.
            Vejamos quais eram a tarefas então selecionadas como relevantes na fase de transição e que tipo de “boletim” (classificação por pontos) poderíamos atribuir ao grupo que trabalhou para o sucesso do novo governo que se inaugura em 1º de janeiro de 2003:

1) Unificar o discurso
2) Falar ao País, não ao partido
3) Dirigir-se ao mundo, seletivamente
4) Tranquilizar os agentes econômicos
5) Designar os principais assessores, depois negociar
6) Recompor um programa de governo
7) Atender a circunstâncias excepcionais
8) Indicar as linhas do discurso de posse
9) Estruturar as bases do apoio congressual
10) Preparar-se para o pior, manter a mensagem otimista

            Numa versão mais elaborada, os comentários pessoais que poderiam ser feitos ao desempenho da nova maioria na fase de transição seriam os seguintes:

1) Unificar o discurso
            Essa regra, classificada então como absoluta, válida em qualquer momento e em qualquer circunstância do jogo político, foi cumprida de modo satisfatório, com pequenos deslizes setoriais na montagem da equipe ministerial ou na orientação a ser dada à política econômica do novo governo. Em discurso pronunciado no dia 28 de outubro que pode ser considerado como praticamente impecável – não fosse a referência a alguns caudilhos políticos do passado que melhor seria ter deixado no limbo, a despeito do fato incômodo que eles também pertencem ao presente – o vencedor ofereceu uma visão bastante clara do que pretenderia fazer no comando do País.
Tivemos então a impressão de que a liderança estava sendo exercida em todas as suas dimensões. Mas é óbvio que o Príncipe não pode ocupar-se pessoalmente de todos os detalhes da nova administração, daí a delegação de poderes ao chefe operacional do partido, que desempenhou-se relativamente bem nesse período. O poder é contudo algo tão fascinante e atraente que, inevitavelmente, outros personagens sentir-se-ão atraídos por suas luzes e possibilidades de mando, o que de fato ocorreu, em condições bastante limitadas, felizmente. Assim, não ocorreu o fenômeno da “dupla linguagem”, mas houve pequenos incidentes verbais sobre como melhor encaminhar os temas econômicos na fase de transição e além. Minha pontuação: começo com 9 pontos no boletim.

2) Falar ao País, não ao partido
            Ocorreu aqui uma das mais gratas surpresas de qualquer período de transição ocorrido historicamente no Brasil – descontando-se aquela entre FHC I e FHC II – no sentido em que o País uniu-se, em lugar de dividir-se, tanto quanto tinha sido o caso durante a campanha eleitoral. A nova maioria, por obra e graça das suas lideranças, mas também em razão das circunstâncias excepcionais de consolidação democrática do País, da maturidade eleitoral demonstrada pela população (com a infeliz exceção de Brasília) e em virtude de novos mecanismos institucionais concebidos para a fase de transição – o que devemos creditar inteiramente à presidência esclarecida de FHC – logrou beneficiar-se de um arco impressionante de apoios políticos e de simpatias generalizadas no âmbito do sistema político e da população em seu conjunto, a ponto de ter passado a desfrutar de uma aprovação superior a 70% da opinião pública, proporção bem maior do que aquela conquistada no pleito eleitoral (61.27%).
            Em grande medida, esse “crescimento” pós-eleitoral se deve precisamente ao fato de que o eleito falou mais ao País do que ao partido, ainda que ele tenha tido de ocupar-se pessoalmente de certos equilíbrios internos à sua agremiação política (sobretudo na fase final de montagem do governo). O primeiro discurso ao País continuou sendo tranquilizador e “consensuador” e a menção do resgate da dignidade do povo – tão importante na fase eleitoral – bem como o compromisso com os excluídos e marginalizados compareceram nessa declaração mediante a decisão de se implantar imediatamente um programa de combate à fome, algo impossível de despertar oposição de quem quer que seja (ainda que os economistas “alimentem” dúvidas sobre sua eficácia relativa). Novos pontos ganhos: 9,5, com louvor.

3) Dirigir-se ao mundo, seletivamente
            Difícil escapar da sensação de contentamento com tantos telefonemas e tantas mensagens de congratulações, além dos inúmeros convites para visitas pré-posse, inclusive – parbleu! – do próprio líder do Império. Essa coisa de “tour du monde” antes da posse parece coisa de subdesenvolvido, de colonizado cultural, mas parece que foi incorporado como uma espécie de hábito de todo presidente eleito. Que seja: algo de útil pode resultar desses contatos informais – ainda que com um certo sentido diplomático – anteriores à assunção de responsabilidades governativas, se mais não fosse para uma espécie de “treino” nos meandros do poder e da administração de uma agenda por certo algo mais complexa do que as simplificações realizadas durante a campanha eleitoral.
            Como não se pode ver ou visitar todo mundo, a escolha dos “mais iguais” carrega uma simbologia altamente complexa, mas que de certo modo se casa com o perfil das relações diplomáticas do País: Cone Sul em primeiro lugar, demais vizinhos regionais e o Império estão compreensivelmente situados nas primeiras linhas das prioridades, com um certo ciúme carregado pelos europeus e demais países provedores de imigrantes para o Brasil. Alguns convites de visita podem ser gentilmente recusados, mas outros são praticamente incontornáveis, como pode ser o da própria capital do Império.
Nesses primeiros contatos, devia-se realizar uma balança apropriada entre inovação e continuidade, o que parece ter sido assegurado de modo satisfatório nas viagens empreendidas em dezembro de 2002. Talvez tenha faltado um pouco de surpresa ou espontaneidade aqui e ali – já que o diplomatês parece ter predominado rapidamente – mas o balanço provisório pode ser considerado como satisfatório, em especial o encontro na capital imperial. Via de regra, pode-se dizer que as viagens antecipam um tratamento profissional de alguns dos problemas mais importantes da fase seguinte: Mercosul, Alca e negociações comerciais de modo geral. Pontos ganhos nesta etapa “turística”: 8, com viés de alta.

4) Tranquilizar os agentes econômicos
            A despeito de um bom começo, as fontes de tensão persistiram, em função das indefinições prolongadas seja quanto ao pessoal do núcleo econômico, seja quanto ao próprio conteúdo das políticas a serem implementadas. As mensagens dilatórias emitidas pela nova equipe não lograram reduzir as incertezas da conjuntura econômica, razão pela qual câmbio e taxa de risco continuaram a apresentar um cenário preocupante. Um novo repique inflacionário agregou à sensação de o Brasil poderia estar voltando a uma época que se acreditava superada: o ciclo da alta de preços, as demandas por reajuste ou por correção e a queda na aceleração inflacionária.
            Os novos responsáveis indicados procuraram transmitir um quadro de seriedade no compromisso com políticas de estabilização, mas a falta de engajamento pessoal da principal liderança e a demora na escolha dos “guardiães da moeda” trouxeram de volta um cenário de tensão na frente econômica. Pode-se resumir o quadro com duas palavras: há uma grande esperança depositada nas novas lideranças, mas a confiança dos agentes econômicos ainda é limitada ao refrão habitual: esperar para ver. Pior: a confiança ainda não existe, de verdade, o que termina por diminuir o grau de esperança na capacidade da nova equipe em reverter o quadro em relativa deterioração. A reversão do cenário parece depender da uma demonstrada capacidade de comando, por quem teoricamente está na instância suprema da tomada de decisão. Até meados de dezembro de 2002, essa capacidade de liderança não tinha ainda sido demonstrada. Depois da montagem do novo governo, as reações foram variadas, alguns depositando no (pequeno) grupo controlador das finanças públicas, outros reagindo com preocupação à designação de um (grande) grupo de ministérios e novas secretarias “gastadores”. Pontos recebidos: 5, no máximo.

5) Designar os principais assessores, depois negociar
            O que ocorreu, inversamente, foi um longo processo de negociação em câmara secreta, sem a designação do “núcleo duro” do futuro governo. Mas, de certa forma, os principais assessores já estavam designados desde o início, o que trouxe um pouco mais de tranquilidade do que teríamos tido sem qualquer tipo de “anúncio ministerial”. Como ocorreu um delongado processo de designação de quem passaria a comandar, de fato, a área econômica e a política monetária, os custos dessa demora foram sendo impostos ao país, sob a forma de queda no valor externo da moeda e do aumento do custo de vida.
De toda forma, como a montagem da equipe ministerial foi de certa forma feita ao sabor das possibilidades políticas (inclusive para se atender às conveniências do mais importante partido centrista), pode-se prever um certo potencial de atritos, de desgastes e de fricções no relacionamento com o Congresso e no funcionamento do governo, sem que o tipo de arranjo político finalmente logrado garanta as condições de governabilidade, sobretudo no Congresso. A pressão do tempo e as indefinições políticas determinaram um certo desequilíbrio na equipe administrativa, com metade do ministério atribuído à própria formação central e a outra metade dividida em sem partidos e seis outros de cada um dos demais partidos da coalizão. Pontos atribuídos: 4,5 para baixo.

6) Recompor um programa de governo
            Até o final de dezembro, com exceção do programa de emergência vinculado às carências alimentares da população mais desfavorecida, ainda não se tinha ouvido falar de um “programa governativo”, mas simplesmente de um “relatório de transição”, no máximo fazendo um “diagnóstico”, mas não formulando linhas diretrizes de governo. Não era, aliás, encargo da equipe de transição apresentar algo coerente para compor um novo programa de governo, pois ela trabalhou mais setorialmente do que de forma integrada. Ela ofereceu um balanço da herança recebida, apontando os números mas também as lacunas, carências e deficiências dos oito anos de tucanato.
Cabe, então, ao chamado “núcleo central” da nova governança realizar essa tarefa de compor um novo programa, mas ele aparentemente não conseguirá fazer tudo isso em pouco tempo. Como parece evidente a qualquer um, não se deveria exigir qualidades de “super-homens” dos novos responsáveis econômicos e políticos. No máximo eles conseguirão administrar a máquina sem causar rupturas desnecessárias.
Esse é o custo das transições políticas excessivamente paradigmáticas, com alguns “novatos” assumindo postos de responsabilidade. Em todo caso, seria importante que o novo governo consiga apresentar um documento contendo diretrizes executivas como base da sua ação nos primeiros seis meses. Pontuação média: 5.

7) Atender a circunstâncias excepcionais
            Nessa área, o que tivemos foi empirismo involuntário, uma certa boa vontade dos mercados e muita sorte, em doses variadas de cada um desses elementos segundo a conjuntura. O repique inflacionário parece ser o mais importante desafio da nova equipe política, já que o “repique das reivindicações classistas” parece estar sendo controlado de forma bastante satisfatória pelos novos dirigentes (executivos e partidários).
            Deve-se reconhecer que a nova equipe não contribuiu, ela mesma, para agravar a deterioração da situação econômica, embora se tenha observado um e outro deslize, aqui e ali. Mas, o entrosamento com a equipe que sai poderia ter sido maior, caso houvesse uma real abertura de espírito para reconhecer que a tal de “ruptura” era mais uma palavra de ordem eleitoral do que uma disposição efetiva para mudar “tudo isso que está aí”. A disposição para ações conjuntas em prol de estabilidade macroeconômica permaneceu, todavia, reduzida durante todo o período de transição. Houve aqui uma certa deficiência de liderança política. Pontos tolerados: 4.

8) Indicar as linhas do discurso de posse
            Isso não ocorreu, mas de certa forma, já não havia mais surpresas a esperar, uma vez que o processo de transição foi mais tranquilo, do ponto de vista político, do que se supunha antes da realização do segundo turno das eleições presidenciais. Espera-se que um pouco mais de “esperança” seja dispensado nesse discurso de posse, embora a credibilidade desse tipo de mensagem tenha uma “esperança de vida” cada vez mais reduzida. Pontos que se pode atribuir a essa não situação: 6 pontos.

9) Estruturar as bases do apoio congressual
            A situação não parece extremamente complicada e de fato a nova maioria logrou realizar um amplo leque de consultas que poderiam assegurar apoios desde a extrema direita até a extrema esquerda do espectro político, com alguma confusão e frustrações no centro (como seria de se esperar). A nova equipe comporta, todavia, apenas um representante de cada um dos seis outros partidos participando da coalizão, contra treze ministros do núcleo dirigente. Em todo caso, a costura de apoios para aprovação de projetos específicos permanecerá uma tarefa de alta habilidade política, sem grandes inovações, portanto, em relação à situação atual. Perspectivas razoáveis nessa frente: 7 pontos.

10) Preparar-se para o pior, manter a mensagem otimista
            Continua válida essa regra e, sobretudo, a recomendação de que não se deve sair buscando “bodes expiatórios” dentro ou fora do País. As mudanças sempre têm um custo e este tem de ser absorvido pela nova administração. Caberia talvez acrescentar uma nova regra: a de que os principais custos da governabilidade nas novas condições podem ter origem não em dados objetivos da realidade externa (dentro e fora do País), mas no próprio seio da nova equipe dirigente. A razão é muito simples: toda medida econômica apresenta um custo político e por isso torna-se aparentemente muito provável que o setor político do novo governo venha a se chocar com a ala executiva da direção econômica. O potencial de desastre é muito grande, na falta de um árbitro capaz de decidir quais custos absorver e quais outros afastar.
Não há receita pronta para esse tipo de dilema, mas deve-se ter confiança (e talvez esperança) no grau de discernimento do supremo mandatário. Avaliação: 8 pontos.

Se ouso tirar uma “média aritmética” da pontuação acima atribuída – por certo altamente subjetiva, pois que baseada em uma distribuição linear de valores uniformes para fatores totalmente dissimilares e de importância desigual entre si – ela estaria representada pela nota 6,6. Não se trata de uma aprovação completa, como se vê (que, pelos critérios tradicionais, poderia requerer um 7 redondo), mas tampouco de uma reprovação por insuficiência. A situação está mais para “acompanhar com atenção”, ou ainda, “ajudar na preparação para os exames”, o que certamente exigirá um reforço nos deveres de casa e mais aplicação nos estudos. O aluno parece sério e competente e por isso deve se sair bem nos próximos testes, ainda que não se possa excluir a intervenção de fatores externos que degradem o cenário de funcionamento do estabelecimento escolar (como a diminuição do orçamento e ausência de financiamentos externos, por exemplo).
Em todo caso, caberia expressar um moderado otimismo quanto às chances de avanço intelectual do “estudante” em questão, rumo a uma pós-graduação com louvor. Pelo menos esta é a esperança.
           

Preparando a futura avaliação: desmontando os números de forma objetiva

Um dos mais propalados instrumentos de “condenação” literal dos oito anos de administração “neoliberal” do tucanato foi um “balanço” politicamente motivado por parte de estudiosos ligados à ala progressista da Igreja Católica, cujo resultado foi a publicação de uma obra sobre um pretenso “desmonte” da Nação (cf. Ivo Lebauspin e Adhemar Mineiro: O Desmonte da Nação em Dados. Petrópolis: Vozes, 2002).
Como no caso do “plebiscito” sobre a Alca, as conclusões estavam provavelmente definidas previamente, o que permite duvidar dos fundamentos metodológicos e da honestidade interpretativa do ensaio de “avaliação” ali conduzido. Por isso mesmo, para diminuir o grau de subjetividade deste tipo de exercício caberia tentar introduzir alguns critérios objetivos de avaliação da nova governabilidade, sob a forma de indicadores econômicos e sociais relativamente isentos que permitam conferir resultados de meio de caminho (um ou dois anos) e finais (em 2006).
Com o objetivo de permitir uma avaliação objetiva (e comparada) do governo da nova maioria, caberia anotar escrupulosamente os dados registrados ao longo das duas últimas administrações, bem como aqueles que refletem a situação recebida em 1º de janeiro de 2003. Proponho que essa avaliação seja feita com base em dados oficiais, homogêneos no tempo, pois que produzidos, elaborados ou compilados por instituições públicas, o que nos habilita portanto a dispor de séries históricas uniformes. Tal é o caso dos indicadores puramente econômicos e quantitativos, para os quais se oferece uma primeira amostra no Quadro 1. Adicionalmente, pode-se selecionar alguns outros índices de caráter qualitativo, que poderiam incidir sobre os elementos inscritos no Quadro 2. Cabe observar que alguns dados somente poderão estar disponíveis bem mais tarde, como é o caso do coeficiente de Gini, para o que se deve portanto marcar rendez-vous em 2006.

Quadro 1: Economia brasileira, dados básicos e projeções: 1999-2003

 

1999

2000

2001

2002

2003

Nível de Atividade
PIB em US$ bilhões
530,8
593,9
503,7
486,7
477,8
População (milhões de hab)
167,9
170,1
172,4
174,6
176,9
PIB per capita (em US$)
3.161
3.491
2.922
2.787
2.702
Crescim. anual do PIB (%)
0,8
4,4
1,4
1,5
1,4
Agropecuária
8,3
2,2
5,7
5,8
4,0
Indústria
-2,2
4,8
-0,3
1,0
0,8
Serviços
2,0
3,8
1,9
1,6
1,5
Investimento (% do PIB)
19,1
19,4
19,4
19,6
19,5
Massa real de rendimentos
-5,2
3,7
-3,1
-2,0
-2,0
Desemprego aberto 7 dias
7,6
7,1
6,2
7,5
8,6
Desemprego aberto 30 dias
8,3
7,9
6,8
8,1
9,2

Inflação (%)

IPCA (IBGE)
8,9
6,0
7,7
12,6
10,5
IGP-M (FGV)
20,1
10,0
10,4
25,4
8,7
Setor Externo (US $ bilhões)
Exportações
48,0
55,1
58,2
60,7
67,5
Importações
49,3
55,8
55,6
47,6
50,4
Balança comercial
-1,3
-0,7
2,6
13,1
17,1
Conta Corrente
-25,4
-24,6
-23,2
-8,4
-5,8
Conta de Capital
17,4
19,9
27,9
9,5
5,8
Reservas  líquidas intern.
36,3
33,0
35,9
35,0
35,0
Déficit Público (% do PIB)
Nominal
10,0
4,5
5,2
9,5
5,2
Primário
-3,2
-3,5
-3,7
-3,9
-3,8
Juros Nominais
13,2
8,0
8,9
13,4
9,0
Câmbio e juros (% ao ano)
Taxa de câmbio (nominal)
1,7890
1,9554
2,3204
3,50
3,71
Juro nom./TBC (Selic)
25,5
17,4
17,3
19,1
22,5
Juros reais (deflat. IPCA)
15,7
11,5
9,0
5,8
8,9
Juros reais em dólar
15,2
7,4
-1,1
-21,0
15,7
2000: estimativas; 2001: projeções (atualizadas em 27/12/2002)
Fonte: IBGE, Consultoria Tendências (Conjuntura Semanal, 30/12/02 a 3/01/03)








Ainda na vertente econômica, poder-se-ía agregar dados sobre a dívida externa (tanto a bruta quanto a líquida, bem como dados relativos às amortizações do principal e seu serviço, assim como sua relação com o PIB e as exportações), mas uma avaliação objetiva desses dados do ponto de vista da política econômica nem sempre é possível, uma vez que grande parte dessa dívida, atualmente, é detida pelo setor privado (e também por grandes companhias ainda sob controle do Estado), que persegue sua própria estratégia de endividamento (em função do diferencial de juros internos e externos), não necessariamente compatível com políticas preferidas pelas autoridades econômicas. O mesmo poderia ser dito do índice de poupança, sua taxa de crescimento e relação ao PIB, com variáveis não controláveis pelo governo. A dívida pública, por outro lado, tem uma parte indexada ao dólar, o que se reflete em sua variação nominal em função do câmbio, o que pode introduzir flutuações não diretamente derivadas da política econômica.
Quanto aos indicadores puramente sociais, ou qualitativos, eles poderiam ser avaliados com base nos seguintes critérios, com algumas especificações, abaixo explicitadas:

Quadro 2: Indicadores sociais brasileiros, 1990-2000


1990
2000
Índice Desenvolvimento Humano (Pnud)
0,713
0,757
Esperança de vida ao nascimento (anos)
65
68,6
Mortalidade infantil (por 1000 nascims.)
47,8
29,6
Analfabetos (% da população 10 anos ou +)
16,4 (1)
11,4 (2)
População abaixo linha pobreza (milhões)
60,7
53,7
Taxa de escolarização (% crian. 7-14 anos)
86,6 (1)
96,5 (2)
Distrib. livros didáticos (milhões alunos)
5,5 (3)
33,5
Trabalho infantil (5-15 anos trabalho/milh.)
5,1 (3)
3,8 (4)
Lares com eletricidade (milhões)
27,3
39,5
Venda anual de refrigeradores (milhões)
0,4
3,3
Venda anual de televisores (milhões)
2,3
5,2
Usuários ligados à Internet (milhões)
0,2 (5)
12,0 (6)
Títulos de livros editados/reeditados *
22,5
45,1
Número livros editados/reeditados (milh.) *
239
330
Coeficiente de Gini
0.62
0.61
Notas: (1) 1992; (2) 2001; (3) 1995; (4) 1999; (5) 1996; (6) 2002
Fontes: IBGE; * Câmara Brasileira do Livro, Abigraf


Alguns outros dados são de difícil inclusão, pois eles teriam de dispor de bases uniformes de comparação, o que nem sempre é o caso, como por exemplo o número de telefones por habitante, em vista da enormidade das mudanças estruturais ocorridas (e ainda por ocorrer) no setor, o de certa forma se aplica igualmente ao número de computadores (e a ligação à servidor vinculado à Internet) e à venda de livros e jornais por habitantes. Outros dados aparentemente objetivos, como o valor da cesta básica e sua relação com salário mínimo, poderiam servir como indicador indireto de bem estar das populações mais carentes, mas aqui também problemas metodológicos indicam que se deveria trabalhar com o máximo de cuidado nesse terreno, para não efetuar comparações desfavoráveis para nenhum dos lados, em vista de diferenças na composição das cestas e da evolução dos hábitos de consumo pessoal e o peso de cada elemento na despesa familiar (em função, aliás, da própria evolução de políticas setoriais e da oferta agregada em determinados ramos econômicos). O coeficiente de Gini (medida de concentração da renda), por sua vez, não se presta para comparações diretas, ano a ano, razão pela qual ele deve ser manipulado com os mesmos cuidados metodológicos das pesquisas envolvendo cestas básicas e outros índices elaborados por amostragem.
Voilà: fixados os critérios de uma comparação honesta e objetiva, basta dar rendez-vous daqui a um ano neste mesmo espaço para conferir os resultados parciais. Uma comparação mais abrangente e cobrindo sistematicamente um conjunto mais amplo de fatores que sofreriam numa perspectiva conjuntural muito estreita (inflação ou câmbio, por exemplo) deveria ficar para 2004 ou diretamente para 2006, ao término de um período governativo completo. Nesse caso, pode-se comparar o ritmo de crescimento anual observado no período 1995-2002, com aquele que emergirá no período 2002-2006. Atenção maior deve ser dada ao capítulo social, que se apresenta manifestamente como o leit-motiv da nova maioria. Em qualquer hipótese: boa sorte à nova equipe dirigente!

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 988: 8.12.02; rev.: 28.12.02