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quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Marcos Troyjo: *Um Brasil mais leve para a concorrência global* - Assis Moreira (Valor)

 Um Brasil mais leve para a concorrência global

O Brasil precisa ficar mais ágil na corrida com os outros países nesse universo da neoindustrialização e incertezas geopolíticas.

Assis Moreira, de Genebra

Valor Econômico04/01/2024  


Após deixar em março a presidência do Novo Banco do Desenvolvimento (NDB), o Banco do Brics, para dar lugar à Dilma Rousseff, Marcos Troyjo passou a lecionar na Universidade de Oxford, na cátedra antes ocupada por Iván Duque, ex-presidente da Colômbia, e também no Insead (França). Nesse período, ele visitou 18 países em contatos com autoridades, investidores e acadêmicos, e os questionamentos sobre o Brasil foram inevitáveis.

Para Troyjo, a convergência de crises atualizou a noção de policrise, com a pandemia mais grave que o mundo experimentou desde a gripe espanhola, depois a situação geopolítica mais delicada na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, com a invasão da Ucrânia pela Rússia, e uma economia mundial que ainda não se recuperou na esteira de frouxidão fiscal e monetária que levou o centro macroeconômico mundial a fortes turbulências inflacionárias.

Essa situação acaba sendo muito exacerbada porque vem acompanhada de aumento do protecionismo no mundo, do que ele chama de recessão da globalização. Sua análise é de que a globalização não parou, mas há menos fluxos de mercadorias e capitais do que há 20 anos, e isso acaba por se converter em força de pressão inflacionária.

Olhando pela ótica do Brasil, Troyjo considera que esse é um cenário perigoso, mas que traz também muitas oportunidades para o país. Ele destaca a questão demográfica. Nota que nos próximos 25 anos a população mundial vai saltar de 8 bilhões para 10 bilhões de habitantes. Observa que no ano em que Jesus Cristo nasceu a população mundial era estimada em 150 milhões de habitantes. E calcula que nos próximos 25 anos teremos o mesmo acúmulo de população ocorrido em 1.929 anos. É como se enormes naves descessem na Terra trazendo uma nova Rússia, depois outro EUA, com 350 milhões de pessoas, e uma nave bem maior que deposita uma nova China com 1,5 bilhão de pessoas. É muita gente.

As características de aumento populacional ficam mais positivas para as grandes economias emergentes, com o maior potencial do que no caso do G7 industrializado (EUA, Alemanha, Japão, França, Reino Unido, Itália, Canadá). A expectativa é de a Índia crescer em média 5% ao ano, a Indonésia, 6%, e a China, por volta de 4%, a partir de renda per capita ainda baixas. E quando vão crescer num intervalo tão curto, a tendência é que essas rendas adicionais sejam direcionadas a alimentos, energia e infraestrutura.

Significa que o mundo terá de responder à pergunta de onde virão os alimentos, energia e insumos, também para fortalecer a economia verde. E o que Troyjo repete no exterior é que o Brasil tem resposta para isso: é um dos quatro maiores produtores mundiais de alimentos, é o país que tem o mais facilmente renovável estoque de acesso a recursos hídricos, por exemplo. Em comparação, se o chinês tomar um copo de água a mais por dia, a zona desértica do mundo chega à periferia de Pequim. Na Índia, de 10 litros de água, 8,5 vão para agricultura, o que mostra uma situação de esgotamento. EUA e Europa também têm recursos limitados. Quem tem esses recursos abundantes é o Brasil.

Portanto, esse crescimento populacional brutal é promissor para o Brasil nesse jogo. Haverá inevitavelmente maior participação das exportações brasileiras no PIB. O trem já saiu da estação, e não apenas do ponto de vista comercial, mas também infraestrutural.

Existe o discurso de que no Brasil as empresas do agro e energia são muito boas da porteira para dentro, mas enfrentam dificuldades da porteira para fora. Ocorre que, quando o mundo tem problemas de segurança enérgica e alimentar, as dificuldades brasileiras são problema global. Para Troyjo, daí uma parte da explicação para o nível persistente de Investimento Estrangeiro Direto (IED) para o país.

A doutrina do que ele chama de geoeconosegurança beneficia o Brasil na prática. Mas a concorrência é fortíssima. O capital humano é essencial nesse jogo. Hoje, o México forma mais engenheiros por ano que os EUA, e isso o torna um polo de atração, exemplifica o ex-presidente do Banco do Brics. Ou seja, o Brasil precisa ajustar as prioridades, para extrair o máximo de benefícios como protagonista comercial em alimentos, energia e como destino de investimentos.

Para Troyjo, o Brasil precisa ficar mais leve na corrida com os outros países nesse universo da neoindustrialização e incertezas geopolíticas. Antes, se falava que o mundo era plano, no qual a maioria dos concorrentes, com exceção da mão de obra, teria oportunidades iguais. Agora o mundo, ainda mais com inteligência artificial, está ficando muito mais rápido. Ele pergunta: nesse cenário, quem vai atrair mais IED, país com carga tributária de 20% ou de 35% do Produto Interno Bruto (PIB)? Quem tem Banco Central independente ou vinculado a objetivos políticos? Quem trata as empresas públicas pela lógica da eficiência ou quem vai transformá-las em departamento de fisiologia política? Quem fica mais leve é quem está sempre trabalhando para melhorar o país no ambiente de negócios ou quem acha que isso não é importante?

Assis Moreira é correspondente em Genebra e escreve quinzenalmente

E-mail: assis.moreira@valor.com.br

https://valor.globo.com/google/amp/brasil/coluna/um-brasil-mais-leve-para-a-concorrencia-global.ghtml

domingo, 12 de novembro de 2023

Marcos Troyjo: “O Brasil pode ser o Vale da Água do planeta”

 *Marcos Troyjo: “O Brasil pode ser o Vale da Água do planeta”*

AgroRevenda

Revista Edição 101 

Entrevista

8 de novembro de 2023


Não é fácil encontrar um servidor público no planeta inteiro com a competência, objetividade, o conhecimento e a humildade de Marcos Prado Troyjo. Nascido no bairro paulistano de Perdizes. Pai com ascendência espanhola. Graduado pela Universidade de São Paulo (USP) em Economia e Ciências Políticas, realizou o doutorado na mesma instituição, na área de Sociologia das Relações Internacionais. Em 2005, apresentou tese de doutorado com o título: ‘Poder e a prosperidade: cenário mundial e nova economia’. Também foi aluno do Instituto Rio Branco e serviu durante dez anos como diplomata licenciado, em cargos como Secretário de Imprensa da Missão do Brasil junto às Nações Unidas e como parte da delegação do país no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), no biênio 1998 – 1999. Chefiou o gabinete do Departamento de Cooperação Científica e Tecnológica do Ministério das Relações Exteriores. Deu aulas em três universidades e palestras em vários países. Escreveu para jornais impressos e internet. E foi comentarista de sites nacionais e internacionais. Tem mais. Foi diretor do BRICLab, um centro de estudos sobre o Brics na Universidade de Columbia (Estados Unidos), onde também foi professor adjunto na School of International and Public Affairs (SIPA); Secretário Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia do Brasil.


Troyjo ainda foi um dos principais interlocutores das negociações da finalização do Acordo Mercosul e União Europeia, considerado por especialistas em política externa como um dos maiores tratados entre blocos econômicos da história do comércio mundial. Foi eleito por unanimidade para liderar o banco multilateral de desenvolvimento pelo Conselho de Governadores do NBD. Em fevereiro deste ano, por obrigação legal, deu lugar à ex-presidente cassada Dilma Rousseff. Um homem que é um show de elegância, conhecimento, competência e clareza. A Revista AgroRevenda encontrou o corintiano Marcos Troyjo durante o Syngenta One Agro 2023, em Campinas (SP). Não há como desperdiçar uma oportunidade assim. Confira.


AgroRevenda – Quem é Marcos Troyjo?

Marcos Prado Troyjo – Sou brasileiro. Paulista e paulistano das Perdizes, da Rua Franco da Rocha. Sempre gostei de fazer esportes, fui estudar Economia e Ciência Política, entrei no Instituto Rio Branco, em um concurso para seguir carreira diplomática, fiz mestrado na área de relações internacionais e sociologia, fiz doutorado lá também e pós-doutorado na Universidade de Colúmbia. Uma trajetória que combina estudo com atividade diplomática e internacional. E, depois, acabei indo para o setor privado. Mas sem deixar de lado os estudos, dar aulas.


AgroRevenda – Sua família teve influência em sua formação?

Marcos Prado Troyjo – Sempre. Eles insistiram para que eu frequentasse boas escolas, estudasse línguas, morasse no exterior e me especializasse. Assim, acabei dando aulas lá fora.


AgroRevenda – E depois?

Marcos Prado Troyjo – Mais tarde, quando o Paulo Guedes estava montando sua equipe econômica, fez um convite para eu integrar sua área externa e a gente criou a Secretaria Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais, que cuidaria das importações e exportações, mas também das relações com os bancos multilaterais, como o Banco Mundial e o Banco dos Brics.


AgroRevenda – Você, então, é um homem de sorte?

Marcos Prado Troyjo – Digamos que o apoio da família foi importante. Porém, o ditado diz que sorte é o encontro da competência com a oportunidade. Só que para ter competência é preciso trabalhar muito.


AgroRevenda – O que achou de participar de um encontro promovido por um gigante privado internacional do segmento?

Marcos Prado Troyjo – Agradavelmente admirado e satisfeito. Fiquei impressionado com o alcance, o número e a qualidade dos participantes. Muitos dados de pesquisa e desenvolvimento, produção, distribuição, logística. Gente de altíssimo nível, de diferentes setores do agronegócio. Comercialização externa, gerência, governança do agro. Foi uma honra participar.


AgroRevenda – Quais os desafios futuros do Agro Brasil?

Marcos Prado Troyjo – A trajetória do Brasil no Agro nos últimos cinquenta anos foi magnífica. Tanto que éramos um importador líquido de alimentos e hoje somos exportadores mundiais. Agora, o que tem de diferente para fazer do país um local de renda mais alta, empurrar o Brasil para frente, temos que ficar atentos. Se pegarmos as sete maiores, tradicionais e convencionais economias do mundo, o G7, (França, Canadá, Itália, Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e Japão), estaremos falando de um Produto Interno Bruto, medido pela paridade de compra, no valor de US% 50 trilhões. É o PIB combinado. Porém, se fizermos a mesma conta ao pegarmos os países emergentes mais crescem (China, Brasil, Índia, Indonésia, Rússia, México e Arábia Saudita), o que gosto de chamar de E7, teremos um PIB combinado de US$ 60 trilhões, 20% a mais do que os tradicionais G7. E isso é relevante para a produção de alimentos no Brasil porque quando você tem países com crescimento tão vertiginoso, uma população tão grande e rendas per capita razoavelmente baixas, em geral, a renda a mais vai para o consumo de alimentos, multiplica o consumo de calorias, nutrientes. Isso significa que essa demanda mundial numa área em que temos uma vantagem comparativa mudou muito.


AgroRevenda – E como aproveitar esse momento?

Marcos Prado Troyjo – Fazer frente à demanda externa, diversificar nossa produção de alimentos, agregar valor, melhorar nossa armazenagem, distribuição e operação portuária de comida, conquistar o consumidor internacional, que agora quer ofertas mais sofisticadas e, obviamente, nos fazer valer do fato da dicotomia da competência dentro da porteira e ineficácia da porteira para fora.


AgroRevenda – Como se dá isso?

Marcos Prado Troyjo – Num momento em que a demanda mundial por alimentos é tão forte, a falta de infraestrutura no Brasil não é mais só um entrave brasileiro e sim mundial. Temos que ficar atentos às oportunidades de atração de investimentos de infraestrutura de longo prazo, pois aumentarão ainda mais nossa produtividade. Logo, ter dificuldades com custos de investimentos e demora cronológica para erguer grandes obras precisam nos levar diretamente ao mercado internacional. Produzir um bem em Mato Grosso e chegar com ele ao litoral era um problema só nosso. Agora não. No ano passado estive em reuniões no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na reunião do clima no Egito, no congresso anual do Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial, e o tema da segurança alimentar estava em todo lugar, o tempo inteiro. De modo que, se a segurança alimentar é um tema no topo das preocupações, precisamos ver nossa postura como grande produtor de alimentos como mais uma chance de resolver nossa defasagem estrutural. Até pelo divórcio entre oportunidade de investimentos que remunerem o capital de forma adequada e a necessidade de infraestrutura básica. Mais uma vez, temos uma grande chance de resolver nossos problemas mais contundentes nas duas próximas décadas.


AgroRevenda – Como devemos agir para atrair investimentos com base em sua atuação no exterior?

Marcos Prado Troyjo – Nós temos uma equação política que deve funcionar a serviço da atração de investimentos e a promoção do Brasil no exterior. Essa é a lição que temos que aprender com países que tiveram grande êxito nesse sentido. Mostrar uma imagem, prosseguir nas reformas estruturais e se integrar com os grandes mercados internacionais. Minha experiência no Banco de Desenvolvimento foi muito interessante. Primeiro, fui Presidente do Conselho e depois Presidente Executivo. O banco surgiu em 2015, é como uma criança. De 2015 a 2019, aprovou US$ 600 milhões de dólares em financiamentos ao Brasil. De 2019 para cá, foram mais US$ 5,4 bilhões. Logo, neste período, foi multiplicado por nove o número de projetos para o nosso país. Agora, se levar em consideração o que o banco pode fazer e o tamanho das necessidades estruturais que o Brasil tem, a contribuição é modesta. Por outro lado, esses bancos multilaterais funcionam como indutores de financiadores institucionais, fundos soberanos, isto é, aumenta o número de atores numa atividade de financiamento a nosso favor.


AgroRevenda – E o futuro?

Marcos Prado Troyjo – Meu copo está meio cheio. Vejo a situação como se fosse um jogo de cartas e o mundo estivesse passando por um terremoto. A gente volta à mesa, as cartas são distribuídas novamente e o Brasil entra no jogo. Somos uma potência do agronegócio, da energia e do meio ambiente. A confluência dessas três características destaca o Brasil. Vai ocorrer o crescimento virtuoso. E ele será mais rápido se o Governo ajudar e resolver seus dilemas políticos internos. Digo mais uma vez: as características superam as divergências políticas ocasionais e eleitorais. Seremos um dos principais destinos de investimentos diretos na próxima década.


AgroRevenda – Se você fosse o Presidente da República do Brasil, o que faria daqui para frente?

Marcos Prado Troyjo – Para qualquer presidente, penso que nos próximos anos temos que continuar o processo de reformas estruturais. Em viagem recente à Singapura, ouvi diversas vezes que o nosso país está no sétimo ano consecutivo de reformas. Afinal de contas, essa é a maneira de absorvermos parte importante dessa recolocação de cadeias globais de suprimentos, que está saindo um pouco da China, buscando alternativas. O Brasil já foi o maior parque industrial do hemisfério sul. Para isso precisa das reformas. Entre elas, a tributária, que representa demais ao empreendedor. Nossa média de tributos é 10% superior a dos países emergentes. Se nos aproximarmos deles, vai sobrar muito mais dinheiro para ações em educação, tecnologia e ciência, que são os grandes multiplicadores de produtividade, que é nosso grande problema. Isso só ocorre com a economia de mercado, com o setor privado.


AgroRevenda – Podemos sofrer com a concorrência internacional?

Marcos Prado Troyjo – Isso já ocorre em diversos setores. China e Índia estão entre os quatro maiores produtores de alimentos do planeta, por exemplo. Porém, os chineses têm uma população enorme e precisam importar. E a Índia necessita fazer reformas de natureza social. Entre as maiores economias do mundo, aquela que tem acesso aos recursos hídricos, solo, meteorologia, trabalho duro e capacidade de produção é o Brasil.


AgroRevenda – Por que você citou a água?

Marcos Prado Troyjo – É o insumo mais básico para produção agrícola. Veja o caso mais grave, que é o da Índia. De cada 10 litros de água naquele país, 8,5 litros vão para as lavouras. Logo, eles precisam racionar para o uso pessoal, higiene, energia, etc. Aqui não. Outra comparação que gosto de fazer é com o Vale do Silício, berço da tecnologia no Estado americano da Califórnia. O silício é um elemento fundamental para a construção de inúmeros equipamentos eletrônicos. O Brasil pode ser o ‘Vale da Água’ do planeta. Lembro-me de um congresso de que participei na Índia. Um professor me falou sobre o comércio do futuro como o comércio de água do mundo. E também recordei uma explicação de um grande economista que conheci. Ele dizia que a China importa tanta soja porque o grão exige muito mais água do que o milho, que eles produzem bem até hoje. A água tecnológica brasileira será o grande fator de nova agregação de valor para nossa economia e nossa sociedade.


AgroRevenda – Por que o alimento é um tema que assusta tanto?

Marcos Prado Troyjo – Em 2050, a população mundial chegará a 10 bilhões de pessoas. Hoje, são oito bilhões. No período entre o nascimento de Jesus Cristo e 1927, a população mundial chegou a dois bilhões de pessoas. Nos próximos 27 anos, vamos ter um incremento populacional igual a uma nova China e uma nova Europa somadas. Outros dois bilhões. Um aumento que vai ocorrer essencialmente pelo crescimento líquido de apenas poucos países. Uganda, República Democrática do Congo, Índia, Paquistão, Indonésia, Etiópia, Tanzânia e um pouco dos Estados Unidos. É uma mudança muito dramática. É grave. Porque na confluência da participação do E7 no PIB mundial com essa explosão demográfica, o motor do crescimento mundial virá, sobretudo, dos emergentes, com grandes contingentes populacionais. Veja o caso da China. Em 2023, eles devem crescer em torno de 5%. Porém, vinte anos atrás cresciam 10% ou 11% ao ano. Só que eles têm hoje um PIB nominal de U$ 19 trilhões. Em 2001, era um PIB de US$ 2 trilhões. Naquela época, a base era uma contribuição para o PIB Global de US$ 40 bilhões. Hoje, a contribuição será de US$ 950 bilhões. Vinte vezes mais.


AgroRevenda – E o Brasil?

Marcos Prado Troyjo – Vamos pensar. A Índia deve crescer 5% ou 6% neste ano. Mais do que a China desde 2015. E valor igual à Indonésia. Duas nações com grande contingente populacional. É o mesmo que dobrar a renda per capita num período de doze anos. Num país rico, incremento assim é usado para comprar carro novo, casa nova. Nos emergentes, que crescem sobre bases muito deprimidas, as pessoas usam o dinheiro para comer mais e melhor. Logo, não podemos mais falar em super ciclos de commodities. É uma mudança estrutural da demanda mundial por alimentos, jogando lá para cima. É algo que não tem volta. Não é produzir, ser sustentável. É produzir mais. Aumento brutal da produção de alimentos. Agora, se isso é verdade, quem vai produzir esse alimento é o Brasil. Pois, dos quatro maiores produtores, o único que não tem problemas de importação ou recursos naturais é o Brasil. E isso tem sido demonstrado muito bem nos últimos anos.


AgroRevenda – E os resultados financeiros vão compensar?

Marcos Prado Troyjo – Em 2001, o comércio entre Brasil e China era de US$ 1 milhão por dia. Hoje, é de US$ 250 milhões por dia. Estamos estabilizando essa performance sem muito esforço. Somos uma fatia de 4% de tudo o que os chineses compram do mundo. Eles importam US$ 2,5 trilhões. Nós exportamos US$ 100 bilhões sem muito esforço. São R$ 500 bilhões. Quando participei do Governo Bolsonaro, na equipe do Ministro Paulo Guedes, sei do esforço para economizar R$ 1 bilhão na Previdência Social para não termos uma quebradeira. Tenho convicção de que seremos mais ricos em apenas uma geração, com renda per capita acima de US 20 mil ao ano. Podemos enriquecer bastante nos próximos 27 anos.


AgroRevenda – O senhor aposta em acordos bilaterais, como China e Mercosul?

Marcos Prado Troyjo – Não vejo isso como tão importante. Penso que devemos ter novos mercados e para produtos específicos e agregados. Frutas, carnes, derivados de leite. Como o Uruguai faz. Produtos de qualidade, bem embalados, estrategicamente colocados. Todos os países que viveram milagres econômicos depois da Segunda Grande Guerra Mundial, mesmo em diferentes regiões, com culturas distintas, regimes abertos ou fechados, usaram um intenso comércio exterior. Os países fechados ficaram para trás. Como Rússia, Turquia e um pouco o Brasil. Nossa dinâmica de abertura foi forte somente nos últimos quatro anos. Atingimos em 2022 uma corrente comercial de US$ 600 bilhões, batendo vários recordes. Se continuarmos nessa dinâmica traremos bastante benefícios à sociedade.


AgroRevenda – E os europeus?

Marcos Prado Troyjo – Com a União Europeia seria importante uma ligação por causa do fluxo de investimentos diretos. Grandes investidores encontram-se lá. Na Alemanha, França, Itália e Espanha. Apesar de atualmente exportarmos mais para Tailândia e Singapura. Sem falar que os europeus também perdem grandes oportunidades por estarem fechando ou ameaçando fechar o mercado para nós. Agora, estou muito impactado por um estudioso do Goldman Sachs que analisou o mercado de commodities e concluiu que o importante não é a explosão de preços e vendas dos grãos ao longo do tempo e sim de investimentos em capital que se segue aos dois primeiros fenômenos. O Brasil precisa estar atento para receber esse dinheiro.


MARCOS PRADO TROYJO


• Nasceu em São Paulo – Capital

• Graduado em Economia e Ciências Políticas | USP

• Empresário, cientista social, diplomata, escritor e economista

• Presidiu o New Development Bank (Banco dos Brics)

• Pessoa do Ano em Comércio Exterior – Fundação Brasileira de Estudos de Comércio Exterior

https://agrorevenda.com.br/revista/marcos-prado-troyjo-o-brasil-pode-ser-o-vale-da-agua-do-planeta/

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

’A economia de mercado está sob ataque no mundo’, diz ex-presidente do Banco do Brics - entrevista Marcos Troyjo (Estadão)

 ’A economia de mercado está sob ataque no mundo’, diz ex-presidente do Banco do Brics

Para Marcos Troyjo, o aumento do protecionismo deverá levar a um ‘subdesempenho’ da economia global nos próximos anos, mas a nova fase da globalização oferece ao Brasil a oportunidade de se tornar ‘a Arábia Saudita dos alimentos’ 

Entrevista com Marcos Troyjo

Ex-presidente do Banco do Brics e ex-secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia

O Estado de S. Paulo28/08/2023 | 14h30

Por José Fucs

Desde que deixou a presidência do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), mais conhecido como Banco do Brics, em março, o economista, sociólogo e diplomata Marcos Troyjo, de 57 anos, tem rodado o Brasil e o mundo, para falar sobre a economia do País e o futuro da globalização, a convite de instituições financeiras, entidades empresariais, escolas de negócios e organizações não governamentais.

Com uma trajetória acadêmica e profissional notável, Troyjo – que participou da equipe de Paulo Guedes no Ministério da Economia, como secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais, antes de assumir o comando do NBD, em julho de 2020 – tem atraído a atenção de uma audiência especializada, interessada em conhecer melhor sua visão sobre os acontecimentos e o que deve vir pela frente. Só nos últimos cinco meses, ele conta que deu palestras e aulas na Inglaterra, na França, na Suíça, na Itália, nos Estados Unidos, em Cingapura, nos Emirados Árabes Unidos, em Israel e em várias cidades do País.

Ex-professor da Universidade Columbia, em Nova York, onde criou o BricLab, em 2011, dedicado ao estudo do grupo composto inicialmente por Brasil, Rússia, Índia e China e depois também pela África do Sul, ele deverá retornar à academia de forma regular agora em setembro. Vai iniciar um período de um ano como acadêmico visitante na área de liderança transformacional na Blavatnik School of Governament, ligada à Universidade de Oxford, na Inglaterra, em paralelo com as atividades que deverá exercer em posto semelhante no Hoffmann Global Institute for Business and Society, vinculado ao Insead, sediado em Fontainebleau, na França. Sua intenção é passar duas semanas por mês no exterior, uma em cada escola, e ficar as outras duas em São Paulo, onde está morando com a família.

Nesta entrevista ao Estadão, ele analisa a “desglobalização” e o aumento do protecionismo no mundo. Segundo ele, a multiplicação das restrições comerciais deve levar ao “subdesempenho” da economia global nos próximos anos. “A economia de mercado está sob ataque”, diz. “Os Estados Unidos, que sempre foram um grande proponente da liberalização econômica, também passaram a ser uma economia muito restritiva e isso acaba tendo um efeito multiplicador em todo o mundo.”

Troyjo fala também na entrevista sobre as consequências da desaceleração da China e o protagonismo que caberá nas próximas décadas aos sete países emergentes de maior contingente populacional, que ele chama de E7, em contraposição ao G7 (grupo dos países mais desenvolvidos), além de abordar as incertezas dos investidores estrangeiros em relação ao governo Lula e as novas oportunidades existentes para o Brasil na produção de alimentos e nos campos da transição energética e da economia verde.

_Como o sr. avalia o atual momento da economia global, em meio à guerra na Ucrânia e ao acirramento da disputa comercial e geopolítica entre Estados Unidos e China? Como isso está moldando a economia mundial no momento?

— A economia global ainda está impactada pela covid-19, que foi o maior desafio relacionado à saúde pública desde a gripe espanhola. Está impactada também por aquele que é o maior risco geopolitico no coração da Europa desde o fim da 2ª Guerra Mundial, que é o conflito na Ucrânia. E está impactada por uma política monetária e fiscal que foi a mais expansiva desde os anos 1970, como resultado do combate aos efeitos da covid, que gerou um passivo importante até agora não revertido. Neste ano, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, falou-se muito no termo “policrises”. Agora, além dessas questões conjunturais, a economia global está impactada por questões mais estruturais. A primeira delas vem dos países emergentes e de grande contingente populacional, que eu chamo de E7. A gente tem o G7, que abriga os países mais desenvolvidos, e o E7, que reúne China, Índia, Brasil, Indonésia, Turquia, México e Arábia Saudita. Hoje, do ponto de vista do PIB (Produto Interno Bruto) medido pela paridade do poder de compra, o E7 já é maior do que o G7. Isso tem uma implicação para países como o Brasil, porque realça as características do País como produtor de alimentos, como fornecedor de energia e como protagonista da economia verde. Outra grande questão é a mudança no DNA da economia da China, que deixou de ser um país de baixo custo.

Em sua avaliação, como essa mudança no DNA da China está afetando a economia global?

— Além dos efeitos geopolíticos e da diversificação das fontes de suprimento que estavam alocadas na China, você tem uma espécie de diáspora dos ativos manufatureiros para outros países. Muitos países estão aproveitando essa onda para desenvolver suas próprias estratégias industriais. Veja o caso do Vietnã. O Vietnã tem hoje uma empresa de carros elétricos, a VietFast, que tem um valor de mercado maior que o da GM e o da Ford. Há cerca de oito anos, a Índia elaborou uma das estratégias industriais mais inteligentes que eu conheço, com a administração do primeiro-ministro Narendra Modri, que é o projeto “make in India”. Não é “made in India”, é “make in India”. O objetivo é absorver capitais que estão saindo da China com a criação de condições especiais para a produção manufatureira na Índia. Então, como resultado da desindustrialização da China, o que está ocorrendo é um redesenho das redes globais de valor e uma reindustrialização potencial -- ou uma neoindustrialização, como eu gosto de dizer – em outros lugares. Usa-se muito hoje o termo friend shoring, que é a realocação da produção que estava baseada na China em um país considerado mais amistoso.

O que o sr. quer dizer exatamente quando fala em “país mais amistoso”?

— No limite, para o investimento privado, isso significa oferecer condições de alcançar um balanço patrimonial saudável. E um balanço patrimonial saudável é resultado de muitas coisas, entre elas a facilidade para fazer negócios, com segurança jurídica e regimes de propriedade intelectual e de remessas de lucro que sejam atraentes para os investidores internacionais.

Fala-se muito hoje nesse processo de ‘desindustrialização’ da China. Como isso está ocorrendo na prática? Que processo de “desindustrialização” é esse?

— Nós nos acostumamos a uma maneira de classificar a atividade econômica, talvez até de uma forma superada, que inclui o setor primário, formado pela agricultura e pela mineração, o secundário, que é indústria, e o setor terciário, que são os serviços. O termo desindustrialização, que eu mencionei em relação à China, diz respeito a esse tipo de classificação, à diminuição progressiva do peso relativo da manufatura no PIB chinês e à multiplicação de valor agregado por diferentes setores da economia, inclusive aqueles intensivos em tecnologia. Outra coisa muito interessante que está acontecendo na China é que a participação do comércio exterior no PIB passou de 65% em 2006 para 37% hoje. Isso não significa que o comércio exterior da China está diminuindo nominalmente. Continua a crescer. A China é a principal potência comerciante do mundo. Mas, como percentual do PIB, sua fatia diminuiu. A participação do setor manufatureiro no PIB chinês também era muito maior vinte anos atrás do que é hoje.

Agora, com a pandemia, houve um aumento do protecionismo no mundo e um questionamento da globalização, que vinha crescendo de forma contínua até então. Muita gente fala até em “desglobalização”. Como o sr. analisa esse movimento, essa reconfiguração da economia mundial? De que maneira isso deverá influenciar o comércio e as relações econômicas globais nos próximos anos?

— Eu publiquei um livro em 2016 chamado ‘Desglobalização’ e a minha hipótese é que, quando houve aquele fenômeno gêmeo da queda do Muro de Berlim em 1989, e do fim da União Soviética em 1991, teve início um processo de globalização profunda, que foi mais ou menos até a quebra do (banco de investimento americano) Lehman Brothers em 2008, com a crise no mercado de hipotecas dos Estados Unidos. Aí, veio um período de transição, entre 2008 e 2011, e depois uma nova fase, que eu chamo de desglobalização. Mas o termo desglobalização aqui deve ser entendido como desaceleração. Um veículo que está desacelerando não significa que ele parou. Significa apenas que a progressão dele passou a se dar num ritmo menor. Houve uma diminuição da liberalização econômica e comercial em várias praças. Agora, é curioso que, ao mesmo tempo, novas geometrias de comércio e investimento estão surgindo. Houve uma proliferação dos centros internacionais de irradiação de investimentos. Isso significa também uma outra globalização. Por isso, acredito que a gente está começando uma fase de neoglobalização. Agora, dito isso, o que está acontecendo hoje no mundo é que a economia de mercado no mundo está sob ataque. Os princípios da economia de mercado estão sob ataque. O mundo está caminhando para uma economia dirigista. Acho isso muito preocupante.

O que o leva a dizer que a economia de mercado está sob ataque?

— Ao analisar os discursos do Jake Sullivan, que é o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, o que a gente vê é a defesa do protecionismo comercial, com o alastramento dos subsídios por muitos setores da economia, e de uma legislação que permite expandir o conceito de conteúdo nacional. Ou seja, é uma combinação de características que, em vários países do mundo, não deu certo. Quando isso ocorre com a economia americana, quando você tem princípios de economia dirigista tão fortes nos Estados Unidos, isso gera efeitos multiplicadores em todo o mundo. Os europeus, os japoneses e os chineses acabam fazendo a mesma coisa e isso se transforma numa bola de neve. É um fenômeno que o Robert Zoellick, que foi presidente do Banco Mundial, está chamando de Washington Oriented Economy, que quer dizer uma economia dirigida por Washington, em vez de ser dirigida pelos grandes atores privados, que fizeram a grandeza da economia dos Estados Unidos. Recentemente, eles aprovaram uma legislação lá que restringe a participação de investimentos americanos em certos mercados, entre eles o chinês, o que acaba levando à criação de atravessadores. Como os americanos não podem mais investir na China ou comprar da China, eles vão comprar do Vietnã. Só que, como os vietnamitas compram dos chineses, o que ocorre é o número de atravessadores acaba aumentando. É algo que a gente conhece muito bem na América Latina e que não deu certo.

Que efeito esse aumento do protecionismo deve provocar na economia global?

— Subdesempenho. Toda a importantíssima expansão econômica do mundo emergente que nós testemunhamos nos últimos trinta anos está muito associada a uma economia mais aberta do que fechada. O período de maior expansão da economia chinesa foi quando ela esteve mais aberta do que fechada. Nós temos a experiência concreta do Brasil, que já teve o maior parque industrial do hemisfério sul, permaneceu com uma economia fechada e não conseguiu alcançar o desempenho que se esperava. Na América Latina, nós temos muitas experiências de nacional-desenvolvimentismo que levaram ao protecionismo e a economias ineficientes. A Índia foi assim durante muito tempo. O Egito também. A China foi assim de 1949 até 1978 e a performance econômica chinesa não foi nada impressionante. De 1978 para cá, quando a China começou a se abrir, é que as coisas mudaram. Agora, os Estados Unidos, que sempre foram um grande proponente de liberalização econômica, passaram a ser uma economia também muito restritiva. E isso provoca um efeito multiplicador, com a propagação da ineficiência. Nos oito anos de governo Clinton e nos oito anos de governo Obama, que também eram do Partido Democrata, como o presidente Joe Biden, foram períodos de negociação de grandes acordos internacionais e de maior responsabilidade fiscal. Não é o momento que a gente está vivendo agora, em que o governo pode tudo, pode fazer o que quiser do ponto de vista fiscal, pode fazer o que quiser com a moeda.

Como o sr. vê as perspectivas do Brasil nos próximos anos nesse cenário de ataque à economia de mercado?

— O Brasil tem atrativos e características que fazem com que a sua performance possa ser mais positiva do que a que é impactada pelos ciclos políticos eleitorais. O Brasil vai ter um fluxo comercial muito grande no setor de alimentação. Eu tenho participado de diferentes conferências no mundo todo e o termo “segurança alimentar”, que é a capacidade de equilibrar o fornecimento de alimentos com o tamanho da população, tornou-se onipresente, mesmo em fóruns que falavam só de dívida de mercados emergentes e projeções de inflação. Quem são os quatro maiores produtores de alimentos no mundo hoje? Os Estados Unidos, que são o maior produtor mundial, mas são deficitários na balança comercial, a China, que é importadora líquida de alimentos, por causa do tamanho da população, a Índia, que é uma grande produtora, mas ainda tem muita ineficiência, muita propriedade baseada apenas na agricultura de subsistência, e o Brasil, que é o país onde você tem realmente o que eu gosto de chamar de “teto retrátil” para a produção agrícola, por conta de nossos “rios voadores”, de nossos índices pluviométricos e do nosso acesso a recursos hídricos. O Brasil é o grande ator dessa coisa toda, é uma superpotência do agronegócio. O Brasil pode ser a Arábia Saudita dos alimentos no mundo.

Agora, há muitos gargalos de infraestrutura para escoar toda essa produção, que acabam aumentando o chamado “custo Brasil”. Até que ponto isso pode nos prejudicar nesse processo?

— Nós nos acostumamos a dizer que o Brasil é muito competente da porteira para dentro, mas tem dificuldade de escoar a produção porque tem estradas em más condições, poucas ferrovias e portos que não funcionam. Num contexto em que você tem uma gigantesca atenção voltada para segurança alimentar, isso passa a ser um problema global. E problemas globais geram possibilidades de solução global. Então, o estoque de investimento disponível para o Brasil hoje, para ajudar a resolver nosso déficit de infraestrutura, é muito grande.

O sr. está dizendo que o Brasil poderá, enfim, deixar de ser o país do futuro para ser o país do presente, mesmo num cenário complicado para a economia global?

— Eu adoro aquela frase do filósofo espanhol José Ortega y Gasset: “Yo sou yo e mis circunstancias”. O Brasil é o Brasil e suas circunstâncias. E quais são as circunstâncias? Olha que dado fenomenal: o mundo hoje tem oito bilhões de pessoas. Até 1º de janeiro de 2050, haverá mais dois bilhões de pessoas no planeta. Ou seja, o crescimento populacional líquido nos próximos 27 anos será de dois bilhões de pessoas. Sabe quanto tempo levou para humanidade ter dois bilhões de pessoas? 1927 anos. Agora, o mundo tem hoje pouco mais de 190 países e nos próximos 27 anos só haverá crescimento populacional líquido em nove: Índia, Paquistão, Nigéria, Uganda, Etiópia, Quênia, República Democrática do Congo e um crescimento marginal nos Estados Unidos. Nós crescemos com noção de que Brasil tinha a quinta maior população do mundo, abaixo de China, Índia, Estados Unidos e Indonésia. Mas hoje já fomos ultrapassados pela Nigéria e pelo Paquistão. Se você fizer uma geografia do crescimento populacional no mundo, com exceção dos Estados Unidos, ele vem todo do mundo emergente e muito da África.

O sr. fala dessas circunstâncias favoráveis ao Brasil, mas a gente observa hoje um quadro preocupante, com a desaceleração da economia chinesa e o “subdesempenho” da economia global, que o sr. mesmo mencionou. Isso não tem de entrar na conta também?

— Nós estamos vivendo agora uma conjuntura difícil para alguns mercados emergentes, inclusive a China, que é o mais importante deles. Mas a Índia, por exemplo, que ultrapassou a China como país mais populoso do mundo há quatro meses, vai crescer 6% este ano. A Indonésia mais de 4%. Isso quer dizer que, no próximo quarto de século, o crescimento da população e da economia virá do E7, aquele grupo de países emergentes de grande contingente populacional do qual eu falei no início da nossa conversa. Os países do E7 vão crescer muito e a experiência internacional mostra que, quando você tem crescimento tão vertiginoso a partir de uma renda per capita razoavelmente baixa, a demanda por alimentos aumenta. Se a Índia, que tem renda per capita de US$ 3.000, continuar a crescer 6% ao ano, como está ocorrendo, a renda per capita vai dobrar em 12 anos. O que acontece quando você sai de uma renda per capita de US$ 3 mil para US$ 6 mil? Você come mais. Isso vai levar a uma mudança estrutural no mapa de demanda por alimentos no mundo. Se você associar essa mudança ao redesenho das cadeias globais de valor e ao potencial do Brasil na produção de alimentos e nos campos de energia e da economia verde, o cenário é muito favorável ao País.

Em que medida o Brasil já está se beneficiando com esse novo quadro?

— Essa é uma das razões pelas quais o Brasil está caminhando para ter uma corrente comercial de US$ 1 trilhão. Mesmo num ano difícil como 2022, a corrente comercial do País chegou a US$ 600 bilhões, a maior da história. Em 2022, o Brasil teve o maior superávit comercial da sua história. Em 2022, o Brasil teve o maior nível de exportações da sua história. De 2019 a 2022, o comércio brasileiro cresceu com todas as regiões do mundo. Em 2022, o Brasil também foi o principal destino de investimento estrangeiro direto como proporção do PIB, dentre as economias do G20 (grupo que reúne as 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia). Em termos nominais, o Brasil oscilava entre o 5º e o 6º lugar na lista dos países que mais atraem investimentos diretos do exterior. Foi para o 3º lugar e o montante de capital que entrou como percentual do PIB nominal é o maior da história. Isso tem muito que ver com essa mudança no cenário internacional, no qual o Brasil tende a ser um jogador muito importante.

O (banco de investimento) Goldman Sachs lançou há cerca de 2 meses um paper chamado ‘The rise of geopolitcal swing states’ (a ascensão dos países oscilantes na geopolítica), em referência aos swing states da política americana, que de vez em quando pendem para o lado democrata e de vez em quando para o lado republicano. Nesse estudo, eles analisam por que o Brasil se tornou um ator indispensável na produção mundial de alimentos e de energia e eventualmente na transição para a economia verde. É um diagnóstico que reforça a visão sobre o papel relevante que caberá ao Brasil nesse novo quadro global.

Desde que deixou o comando do Banco do Brics, o sr. tem circulado bastante pelo mundo e conversado com muitos investidores estrangeiros. Como eles estão vendo o novo governo e o que mudou até agora em relação ao que ocorreu em 2021 e em 2022? Como está a imagem do Brasil lá fora?

Eu estou muito impressionado. Os números que mencionei há pouco falam por si mesmos e mostram que os investidores estrangeiros diretos tinham noção clara de que estava acontecendo algo na economia brasileira naquele período. Há algumas semanas fiz a palestra de abertura num congresso internacional de hidrogênio verde e o montante de recursos que você tem na Europa, particularmente na Alemanha, para investir na produção de hidrogênio verde no Brasil, é enorme. O Brasil tem uma experiência longa em bicombustíveis e um horizonte promissor pela frente. Eu também estive este ano numa reunião em Cingapura e muita gente queria saber de investimentos no Brasil. Ouvi de um investidor de infraestrutura de Cingapura uma coisa interessante, que em 2022 o Brasil estava no sexto ano e meio de reformas estruturais. Em 2019, eu me lembro de estar conversando com um analista de mercados emergentes de um grande banco europeu e ele dizer o seguinte: “Hoje, o Brasil é o epicentro do processo de reformas estruturais no mundo emergente”. E ele tinha razão. Nós fizemos as reformas da Previdência e trabalhista, privatizamos a Eletrobras, realizamos diversas concessões, vendemos diversas empresas controladas por estatais, mudamos os marcos regulatórios do saneamento, da navegação de cabotagem, das ferrovias e do gás natural e melhoramos o ambiente de negócios. Concluímos também o maior acordo comercial entre blocos da história, que é o acordo do Mercosul com a União Europeia. Não foi pouca coisa.

Agora, você pode desperdiçar essa oportunidade ou subaproveitá-la, estancando o processo de reformas estruturais e não indo adiante no tema das concessões e privatizações, criando instabilidade jurídica. Hoje, o que está acontecendo é que você tem lado a lado esse quadro favorável ao País e uma certa polifonia por parte do governo brasileiro, com a tentativa de reversão de privatização da Eletrobras e do marco do saneamento, que confunde os investidores. Havia mais unidade quando o (ex-ministro da Economia) Paulo Guedes era a grande voz internacional da economia brasileira. Uma característica da gestão econômica do Paulo Guedes é que havia muita coordenação entre os diferentes atores. Se você pegar o (Gustavo) Montezano (ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o Adolfo Sachsida (ex-ministro de Minas e Energia e ex-secretário de Política Econômica), o Caio (Paes de Andrade, ex-presidente da Petrobras e ex-secretário de Desburocratização do Ministério da Economia) e eu, entre outros da equipe econômica na época, a gente tem uma visão de mundo baseada em economia de mercado, na concorrência, na liberalização comercial. Por meio dessa mesma visão de mundo, você cria um consenso que tem força.

Como essa “polifonia” do atual governo está a afetando a percepção dos investidores diretos estrangeiros?

— É como se houvesse duas forças magnéticas operando ao mesmo tempo. Há uma força que demanda mais cuidado, na linha do “vamos ver o que esta nova administração vai fazer”. Isso desacelera ou modula o interesse dos investidores. Ao mesmo tempo, os países precisam comer. Você precisa criar alternativas energéticas, tem de promover a transição verde. A minha impressão é de que, entre esse polo mais atraente do Brasil e o outro, que sugere mais cautela, o polo mais atraente acaba se sobrepondo. Tudo isso, como eu falei há pouco, é mais forte do que os ciclos políticos eleitorais. É como se o Brasil tivesse uma espécie de rede protetora, que muitos países não têm, para evitar os piores cenários possíveis. É um privilégio, mas por vezes serve também para desencorajar a realização de reformas mais ambiciosas. Agora, os investidores percebem claramente que, apesar dessa polifonia mais central, há muitos governadores bons no Brasil, como os do Paraná, de Goiás, do Mato Grosso, do Rio Grande do Sul, de São Paulo, de Minas. Tem gente que está percebendo o que está acontecendo no mundo e está ajustando, no que lhes cabe, os seus discursos e as estruturas de políticas públicas para fazer frente a essa oportunidade.

O curioso é que, durante o governo Bolsonaro, a narrativa predominante dizia que a imagem do Brasil lá fora era a pior possível, que o Brasil estava isolado e era um pária no cenário global. No entanto, houve esse desempenho que o sr. mencionou há pouco, com números espetaculares no setor externo. E agora, quando prospera a narrativa de que teria chegado um “redentor”, que vai colocar o Brasil de volta no centro dos acontecimentos e atrair bilhões e bilhões de dólares ao Brasil, os investimentos estrangeiros diretos no País caíram 40% nos primeiros seis meses do governo Lula, segundo os dados do Banco Central, e há incertezas em relação ao que pode acontecer na economia. Como o sr. avalia essa dicotomia entre a realidade dos números e as narrativas?

— Eu me lembro muito de uma entrevista do Carlos Alberto Parreira, quando o Brasil disputou a semifinal da Copa de 1994 contra a Suécia e ganhou de 1 a 0, com gol de cabeça do Romário. Na coletiva de imprensa, um repórter disse para ele: “Professor Parreira, o Brasil jogou feio, jogou mal, e a imagem do futebol brasileiro é sempre da alegria.” Aí o Parreira falou o seguinte: “Olha, eu aprendi a ver o jogo pelos números. Quantas vezes o meu goleiro foi vazado? Quantas vezes o time adversário fez uma jogada de linha de fundo e cruzou para a nossa área? Quantas vezes a gente agrediu o gol adversário? Quantas vezes a gente chutou de meia distância com perigo?” Então, por meio dos números, o Parreira mostrou que a performance do Brasil tinha sido boa. O Brasil foi para a final com a Itália e ganhou o título nos pênaltis. Essas coisas também valem agora, para a economia. Se você pensar em qualquer Nação hoje, na ótica do que a gente chama no Brasil de uma forma bem ampla de “imagem do País no exterior”, vai ver que todos os países têm seus problemas. Se a gente olhar a França, tem gente que verá ali elementos de decadência. Se olhar a Inglaterra, idem. Se olhar a China, vão fazer críticas à política econômica e ao regime de governo. Se olhar os Estados Unidos, vão dizer “poxa, esse é um país que tem a crise dos opioides, está muito polarizado”.

Na sua opinião, então, a imagem do País lá fora não tem tanto impacto nas decisões dos investidores estrangeiros?

— A imagem de um país no exterior é importante. Não estou dizendo que não seja. Mas ela precisa ser contrastada com uma realidade mais concreta, que é a realidade dos números. Se o Brasil chegou a esses números em 2021 e em 2022, todos relacionados ao exterior, e se a imagem do Brasil era tão ruim quanto se dizia, a gente pode chegar mesmo à conclusão de que a imagem não é tão importante assim -- e isso não é verdade. Acho que imagem é uma coisa muito importante. Então, se a imagem do Brasil nesse período foi ruim, quando o Brasil aumentou a sua fatia no comércio internacional, aumentou a sua fatia como destino de investimentos estrangeiros diretos e concluiu o maior acordo comercial entre blocos da história, que é o acordo do Mercosul com a União Europeia, há algo estranho aí, que merece uma reflexão mais profunda.

O acordo do Mercosul com a União Europeia pode até ter sido concluído, como o sr. diz, mas não foi implementado, “subiu no telhado”, como se diz por aí.

— Ele precisa ser assinado.

Houve restrições de parte da Europa, em decorrência de posições adotadas pelo governo Bolsonaro, em especial na área ambiental, que acabaram retardando a formalização do acordo.

— Mas o acordo estava fechado. Era uma questão de insistir na percepção de que as metas de comércio, de meio ambiente, de formação de parcerias e joint ventures são mais fáceis de alcançar com o acordo do que sem o acordo. A gente fez também o acordo com o Efta (Associação de Livre Comércio Europeia), que reúne aqueles europeus muito ricos que não adotam o euro (Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça) e começou o processo de adesão formal à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Ou seja, tudo isso se deu nesse período do qual a gente está falando.

Como o sr., que participou da negociação do acordo do Mercosul com a União Europeia, vê a perspectiva de sua assinatura agora e restrições do atual governo à liberalização das compras governamentais, que estava na versão original?

— Eu tenho uma visão econômica de mundo mais liberal. Por meio de compras governamentais liberalizadas, com mais concorrência, a tendência é de que haja um aumento da eficiência e a diminuição dos custos. Agora, para prosseguir com a dinâmica do acordo Mercosul-União Europeia, acredito que é importante que as conversas não fiquem só centralizadas na questão ambiental e nas compras governamentais, mas que ambos os blocos entendam com muita clareza que, se de fato haverá uma fase agora de subdesempenho da economia internacional, por conta do protecionismo de alguns dos principais atores globais, como os Estados Unidos e a China, as oportunidades vão minguar. No momento em que você tem a perspectiva de implementar um processo de liberalização progressivo no comércio entre o Mercosul e a União Europeia durante os próximos 15 anos, isso automaticamente vai estimular a formação de parcerias econômicas e dos fluxos comerciais de parte a parte. O Brasil ganha mais um grande mercado e facilita as regras para investimento europeu e para que eles usem o País como uma importante plataforma para alcançar outros mercados na América Latina. Os grandes acordos de comércio na realidade são acordos de investimento. Veja o caso dos Estados Unidos, do México e do Canadá, em que há um fluxo de investimentos industriais, manufatureiros para o México, cujo principal destino é o próprio mercado americano.

Como a política ambiental na Amazônia, a eventual exploração de petróleo no que chamam de Foz do Amazonas, pode influenciar o investimento estrangeiro e a percepção do Brasil no exterior?

— O Brasil tem uma responsabilidade primordial com o seu próprio desenvolvimento e o seu próprio interesse nacional. Dito isso, nós fazemos parte de diferentes convenções internacionais de proteção do meio ambiente, inclusive da Amazônia. A questão sustentabilidade não significa necessariamente a intocabilidade ou da “museificação” dos recursos naturais. Nós precisamos tomar cuidado com a utilização de discursos protecionistas que se valem desse verniz ambiental para fechar mercados, subsidiar produtores e discriminar o Brasil. Outro elemento que a gente tem que levar em conta é que cada vez mais caem no gosto do consumidor internacional os produtos que têm selo verde, que tem uma boa relação entre emissão de carbono e produção, processos de produção que são sustentáveis. Essa não é apenas uma característica de proteção comercial, mas também de preferência do consumidor. Precisamos estar atentos a isso.

Para finalizar, uma palavra sobre a candidatura do Brasil à OCDE, chamada pelo presidente Lula de “clube de países ricos”, que não será “prioridade” para o atual governo. Como o sr. avalia essa decisão?

—Todos os países que tiveram um aumento de renda considerável, uma prosperidade considerável, por meio de atividades de comércio exterior e atração de investimentos, fizeram isso em parceria com países ricos. Acredito que não existem exemplos mais eloquentes que os da China e da Coreia do Sul. Não há nada contra países ricos. E na OCDE há países de menor desenvolvimento relativo, como Costa Rica, Chile e México. A importância da OCDE vai muito além disso. Por que a adesão à OCDE é importante? Porque daria uma característica única ao Brasil. O Brasil seria o único país a ser membro do Brics, com a Rússia, a China, a Índia e a África do Sul, do G20 e da OCDE.

Os acordos comerciais e de investimentos do presente e do futuro não são mais os velhos tratados de tarifas e cotas. Eles são também entendimentos sobre padrões: trabalhistas, de propriedade intelectual, de compras governamentais. Se a gente está na OCDE, tem mais capacidade de influir no desenho disso, para beneficiar a nossa economia, do que se ficar de fora. Caso contrário, você deixa de ter uma mão na modelagem dos grandes marcos jurídicos dos tratados. Ao participar desse grupo, a gente fica também mais habilitado para outras geometrias de acordos comerciais. Se a gente for negociar um acordo comercial com Cingapura, com os Estados Unidos ou com o Japão, muito daquilo que foi trabalhado e ensaiado no âmbito da OCDE vai ser também aplicado. Além disso, depois da crise de 2008, muitos investidores, sobretudo aqueles de característica internacional, passaram a abraçar critérios de governança abraçados pela OCDE. Para entrar na OCDE, você tem de fazer uma série de lições de casa prévias. Então, se isso tiver continuidade, o Brasil vai se credenciar também a girar a chave do cofre para receber esses recursos, porque os próprios estatutos desses fundos de investimento facilitam a alocação de recursos em um país que abraça os parâmetros adotados pela OCDE. O Brasil criaria uma camada adicional de investimento para sua economia.

https://www.estadao.com.br/amp/economia/a-economia-de-mercado-esta-sob-ataque-no-mundo-diz-ex-presidente-do-banco-do-brics/

sábado, 23 de julho de 2022

O Futuro do Grupo BRICS: webinar do IRICE, Ana Bierrembach, Marcos Troyjo e Paulo Roberto de Almeida

 Apenas agora, depois de absorvido por muitas outras tarefas, pude capturar o link do webinar patrocinado pelo embaixador Rubens Barbosa em torno de um "futuro" (se houver) para o Brics. O ceticismo é inteiramente meu...

quarta-feira, 15 de junho de 2022

“O Futuro do Grupo BRICS”; Webinar IRICE, 30/06/2022, 17hs - Embaixador Rubens Barbosa

 Webinar30 de junho (sexta feira) às 17 hs

 

O Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior-IRICE

e a Revista Interesse Nacional convidam para encontro sobre  política externa, dia 30 de junho às 17 hs,  com foco no tema central:

 “O Futuro do Grupo BRICS 

Expositores:                                               


   
Embaixador Sarquis José Buainain SarquisSecretário de Comércio Exterior e Assuntos Econômicos  -  Ministério das Relações Exteriores

 


 

Marcos Prado Troyjo, Presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB)- Banco do BRICS 


 


  Embaixador Paulo Roberto de Almeida,  D
iplomata e Professor.  Atualmente é Diretor de Publicações do Instituto Histórico e Geográfico do DF

 





  Moderador:  Rubens Barbosa, Presidente do IRICE e Editor da Revista Interesse Nacional  



domingo, 7 de julho de 2019

Acordo MSul-UE: a visao do negociador principal - Caio Junqueira (Crusoe)

Hora do dever de casa

Marcos Troyjo, o secretário do Ministério da Economia encarregado de negociar o acordo comercial com a União Europeia, diz que o Brasil precisa aprovar as reformas para tirar o melhor proveito possível da parceria

Adriano Machado/Crusoe"O primeiro grande acordo comercial que o Brasil tem de fazer depois desse com a União Europeia é com ele mesmo"05.07.19
Quando o secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, Marco Troyjo, embarcou na semana passada para Bruxelas, na Bélgica, mesmo quem acompanha de perto o dia a dia da pasta não acreditava que ele poderia voltar de lá com um troféu importante. Com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, o chanceler Ernesto Araújo e representantes de países que integram o Mercosul, Troyjo sentou-se à mesa com comissários da União Europeia para tentar arrematar uma conversa iniciada havia duas décadas. Deu certo. O acordo comercial entre o Mercosul e o bloco de países europeus foi anunciado na tarde da última sexta-feira, 28, ao cabo de três dias de reuniões.
Basicamente, o acerto zera tarifas e prevê a liberalização do comércio de serviços dos dois lados. A expectativa é de que, a partir do que ficou definido no texto, que ainda precisará ser aprovado pelo Parlamento Europeu, pelos parlamentos de cada país da UE e pelos congressos dos quatro países do Mercosul, só o PIB brasileiro tenha um aumento de 500 bilhões de reais em dez anos. Economista, cientista político e diplomata, Troyjo observa que, para que os resultados apareçam, e os reflexos na economia brasileira sejam os melhores possíveis, é preciso que o país faça o seu dever de casa, a começar pela aprovação da reforma da Previdência e da reforma tributária. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Por que o Mercosul demorou tanto tempo para fechar um acordo comercial com a União Europeia?
Apesar da negociação ter começado 20 anos atrás, é um erro dizer que ela durou 20 anos. Houve vários períodos em que nada avançou. E agora avançou.
Por quê?
Primeiro, vamos ao ambiente externo. O que estávamos fazendo no Brasil em termos de comércio exterior? Vendendo mais para a China. Só que vieram as crises de 2008 e 2011 e houve uma desaceleração do crescimento chinês. Além disso, outros fornecedores começaram a entrar pesado no mercado mundial. Começou, então, a haver mais competição e voltou a conversa aqui de que precisávamos diversificar nosso mercado. Ocorreu, então, mais um fenômeno: o Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia). Muitos avaliaram que geraria um efeito dominó por toda a Europa. Outros, o contrário: que haveria mais coesão no bloco europeu, o que, aparentemente, aconteceu. A União Europeia, para mostrar que estava viva após o Brexit, voltou à mesa de negociação de uma forma diferente. Foi importante também o próprio ciclo de governança da União Europeia. Em breve haverá uma sucessão no comissariado europeu (os representantes do bloco em Bruxelas) e isso levou a que houvesse mais boa vontade dos comissários que ainda estão lá para fechar esse capítulo com o Mercosul.
E a situação interna, favoreceu de que maneira?
O fator (Jair) Bolsonaro e (Paulo) Guedes foi determinante. Quais são as cinco prioridades econômicas para o Brasil neste governo? Reforma da Previdência, reforma tributária, reforma administrativa, privatizações e concessões, além de abertura comercial. E como se faz abertura comercial? Por meio de tratados internacionais, da facilitação do ambiente de negócios e de modernização tarifária. Ficou muito claro em determinado momento para nós que as razões pelas quais a gente não conseguia avançar do nosso lado nos últimos anos faziam parte do acervo do nacional-desenvolvimentismo. Estávamos negociando com a cabeça dos anos 1960. Nesse sentido, o fim do ciclo do lulopetismo no Brasil foi determinante. O término dessa coisa do Norte contra o Sul, de terceiromundismo. Aquela ideia de que o Mercosul serve para dar palpite sobre a Crimeia, sobre o Oriente Médio, sobre os fundos abutres (empresas que compram títulos de países quebrados). Deixamos isso para trás e dissemos: vamos ver se a gente consegue fechar algum acordo.
Adriano Machado/CrusoeAdriano Machado/Crusoe“Estávamos negociando com a cabeça dos anos 1960”
O acordo começou a ser negociado ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, no final dos anos 1990. Não é resultado desse processo mais longo?
Olha, claro que herdamos muita coisa, principalmente do governo passado (Michel Temer). Mas ainda havia muito por fazer. Praticamente todos os capítulos da negociação estavam abertos quando assumimos. O mérito pelo acordo é deste governo. Criamos um Ministério da Economia em que muitas das áreas mais protecionistas que encontraram no passado espaço na governança ficaram sem abrigo na atual configuração. Isso nos permitiu avançar. É como se a política comercial, ao contrário de todas as outras experiências que o Brasil teve, tivesse migrado para o coração da política econômica. E com outro viés. No lugar do protecionismo, a abertura. Antes, não podia fazer acordo internacional porque impactaria a política dos campeões nacionais (idealizada pelo ex-presidente Lula para incentivar financiamentos públicos a um grupo restrito de empresas). Mas é justamente uma política dessas que a gente não quer fazer. Há também um alinhamento de toda a equipe econômica e com outros ministérios, como o Itamaraty e a Agricultura.
Por que as negociações foram feitas sem grande alarde?
Negociações são assim. Não se dão à luz do dia. Mas se você olhar nos últimos seis meses, verá declarações de um lado e de outro de que estávamos mais perto do acordo. Uma das negociadoras europeias chegou a dizer que avançamos nesses quatro meses mais do que nos últimos 20 anos.
Qual foi o papel da Argentina nesse processo?
Essencial. A Argentina teve uma ascensão brutal no final do século 19. De 1875 até 1910, a Argentina cresceu mais do que a Califórnia. Mas, de 1875 até 2015, não teve nenhum governo liberal. Cresceu pouco. Foram 140 anos de protecionismo, peronismo, patrimonialismo. E, de repente, tem um governo liberal (o do presidente Maurício Macri). E ela teve de correr atrás também um pouco do prejuízo reputacional. É um país que deu calote, nacionalizou empresas.
Quando, na prática, os efeitos do acordo chegam para a população?
Muito rápido. A economia é fundamento, situação concreta, mas também é criação de expectativa, aquilo que está por acontecer. Quanto mais sustentável é essa expectativa, mais ela impacta a decisão dos atores que atuam na economia. O país passa a representar um elo naquilo que é um dos motores de tração do sucesso econômico dos últimos 30 anos: as cadeias globais de produção. Mais investimentos significam mais emprego e renda. Mas, veja, acordos internacionais não são uma panaceia. Se você não melhora as condições de competividade internas, pode ocorrer um fenômeno que alguns especialistas chamam de paradoxo mexicano.
Adriano Machado/CrusoeAdriano Machado/Crusoe“No caso da relação com os Estados Unidos, a relação comercial dos dois países está muito abaixo de onde deveria estar”
O que seria esse paradoxo?
O México fez o Nafta (acordo bilateral com os Estados Unidos) no começo dos anos 1990 e, depois, fez quase 50 acordos com outros países. Mas não fez as reformas internas. Por isso, acho que o primeiro grande acordo comercial que o Brasil tem de fazer depois desse com a União Europeia é com ele mesmo. Por meio de reformas institucionais. Se fizer a reforma da Previdência, a economia aos cofres públicos será equivalente a anos e anos de superávit comercial. Se simplificar a estrutura tributária, a sua capacidade de competir internacionalmente vai melhorar a vida do cara aqui.
Quais os próximos acordos em vista?
O próximo é com o grupo de países formado por Noruega, Suíça, Islândia e Liechtenstein. Depois deles, estão em negociação acordos com Canadá, Coreia do Sul e Japão.
Não é uma contradição não ter nada em vista com os Estados Unidos, o declarado grande parceiro geopolítico do presidente?
Se você pegar o discurso do presidente Bolsonaro no Congresso Nacional e no parlatório no dia da posse e algumas declarações dele desde então, verá que ele repete à exaustão: “Vamos fazer negócios com qualquer parte do mundo, sem viés ideológico”. No caso da relação com os Estados Unidos, além da conexão e empatia entre os presidentes, a relação comercial dos dois países está muito abaixo de onde deveria estar. O teto é muito mais alto, ainda mais se considerar que são as duas maiores democracias do Ocidente e as duas maiores economias do continente. Então, o que está ocorrendo é uma espécie de busca do tempo perdido em relação aos americanos, que é muito importante para os dois lados. Aliás, ao aprimorar a relação com os Estados Unidos, você dá mais incentivos que se afine ainda mais a relação com os europeus, e vice-versa.

Não é no mínimo curioso que o acordo tenha sido fechado por um chanceler que é crítico do globalismo?
Sinceramente, não tenho acompanhado muito a teoria de relações internacionais. O que posso dizer é que todos que participaram dessas negociações têm uma bússola muito importante que é a busca do interesse nacional. O que não significa nacionalismo. É interesse nacional.