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domingo, 1 de setembro de 2013

Curandeirismos economicos: marxismo e keynesianismo - Gustavo Miquelin Fernandes


“Marx e Keynes são autores marginais na grade escolar e isso não está certo” – Alejandro Robba

 Gustavo Miquelin Fernandes

  
A “BBC Brasil”, há algum tempo, veiculou uma matéria com o seguinte título e subtítulo:

“Governo argentino quer mais Marx e menos neoliberalismo em faculdades de economia”.

“O ministro da Economia da Argentina, Amado Boudou, e seu vice, Roberto Feletti, defendem que as faculdades federais de economia do país modifiquem a atual grade escolar para dar “mais espaço” para as teorias do alemão Karl Marx, do inglês John Keynes e do argentino Raul Prebisch (fundador da Cepal)” [...]

A divulgação data de 14 de outubro de 2011, mas a análise é bem tempestiva e dá um bom embasamento ao texto de hoje.
Não deve causar espanto a notícia. A doutrinação ideológica de nossos vizinhos não é novidade em terras brasileiras – e já foi denunciada em outros órgãos de Governo, a exemplo de um diplomata que recentemente alertou para esse problema dentro do Itamaraty.

A matéria explica que os burocratas governistas querem que as faculdades federais de Economia cedam espaço (mais?) para ideias heterodoxas de autores como Keynes, Marx e Prebisch e teorias mais sintonizadas com o ‘modelo de acumulação com inclusão social’.

Super moderno! São inadmissíveis inflexões mais liberais em cursos da área. Como diz o já citado Alejandro Robba: “isso não está certo”!

Para tais agentes governistas, seria coisa boa ceder mais espaço pedagógico à escolas mais ligadas ao desenvolvimentismo, ao consumo nacional e ao Estado como propulsor do progresso.

Exatamente teses encampadas pelo Governo Dilma Rousseff. E que com os frutos desse belíssimo trabalho presenteia todos os cidadãos. A Presidente seguiu à risca todo painel de ações desenvolvimentista, keynesiano e nacionalista – exatamente como os burocratas argentinos querem.

O país está colhendo os frutos desse fenômeno, que o Ministro chama de “mini-crise”. Esse mesmo Ministro da Fazenda que deu sorte em não nascer em um país sério – teria sido há muito tempo escorraçado do cargo.

O Keynesianismo, dentre outras coisas, segundo alguns economistas austríacos, distorceu uma lei econômica importante – a Lei de Say – o que não foi pouca coisa. Não quero entrar em minúcias dessa escola, mas Keynesianismo, em português bem traduzido, significa abrir o cofre estatal. Torrar dinheiro popular, sem dono, gastar sem poder, dando embasamento teórico para políticos populistas sumirem com dinheiro alheio, pavimentando indesejáveis reeleições e projetos megalomaníacos.

O curioso é que agora que os keynesianos estão pulando do barco que afunda rapidamente, limitando-se a darem mil desculpas e, como Pilatos, lavando inocentemente a mão.
Coitadinhos, enganados por petistas…

Não foram enganados.

Se você conhece algum keynesiano diga a ele que tem responsabilidade moral pelo que ocorre no Brasil. As estatais quebradas, a inflação, o descontrole das contas públicas, a insegurança dos setores de produção e investimento, etc., tudo isso é culpa do embasamento teórico que eles pregam.

Desse triunvirato desenvolvimentista, Raúl Prebisch foi mentor intelectual do “barco furado” das ideias cepalinas e também deve ter lugar garantido nos bancos universitários argentinos.

O desenvolvimentismo da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) fez nascer uma classe muito peculiar de economistas: Celso furtado, Maria da Conceição Tavares e até o esquerdista FHC.

O erro de Marx creio desnecessário comentar. Pressupõe, claro, algum juízo dos leitores essa minha presunção. Marx, reconheço, não nasceu tão errado como os marxistas que lhe sucederam.

Não é de hoje que os neo-populistas da América Latina lutam por uma “distância de segurança” de um suposto “neoliberalismo” (alguém pode me esclarecer o que seria isso?).

Faz lembrar quase automaticamente o chamado marxismo cultural, que foi a ideia de, na impossibilidade de revoluções materiais ou físicas, se partir para a tentativa da destruição dos valores clássicos da sociedade com o abocanhamento de pilares culturais, para que seja pavimentada outro estado de coisas que sustente um outro regime político.

Fazendo uma pequena digressão, e sem flerte com teorias conspiratórias de internet, que são bem cafonas, veja, em exemplo, como essa doutrina age no campo da religião.

O comunismo pegou uma carona na teologia cristã e fez certas substituições de alguns pilares clássicos por chavões revolucionários, que de tão surradamente toscos, até as criancinhas de tenra idade já se deram conta de sua infantilidade.

Dando exemplos disso:

- a salvação das almas por Jesus (ou outro método escatológico, como as “boas obras”) é trocada pela revolução estatal e depois pela da assunção do Poder pela classe operária;

-o “Paraíso” ou o Céu teologal surge pela abolição da propriedade privada, antecipando para a Terra aqueles lugares, um clima da sociedade dos anjos;

-a materialização da “opus diabolis” ou da figura do Diabo, representando-a pela classe burguesa ou mesmo outros classismos bobos.

Isso, como dito, no campo religioso.

É assim que funciona a usurpação total de um povo – e ela começa no campo das ideias, e esse artigo insinua que a Argentina está muito bem disposta a realizar isso.

A ideia da doutrinação econômica é apenas de reforço. O Keynesianismo representa, sim, a corrente mainstreamdo pensamento universitário. E será assim por muito tempo. Vede a santificação de Paul krugman, considerado guru econômico nos EUA.

Esse engolfamento das ideias clássicas mais ortodoxas por essas ideologias e culturas de porão é visível. Tudo que ameaça o populismo e, nesse artigo trata-se especificamente do populismo econômico, tem de ser rapidamente defenestrado do meio circulante para que o status quo sobreviva livremente.

Voltando à terra da doutrinação ideológica, Néstor Kirchner cujo mandato vigorou entre 2003 e 2007, quando da assunção do cargo, tentou organizar a situação de seu país, decretando moratória. Alguns dados realmente apontam para um crescimento razoável do PIB em seu mandato. Na verdade, esse sucesso é explicado pelo mesmo fato que ocorreu com o Brasil em tempos recentes: o sucesso dos produtos primários no mercado mundial.

E a Argentina tem que fazer isso para buscar a consolidação de seu projeto de poder insano –  buscar essa doutrinação com apelo marxista e keynesiano. Um país claramente socialista. Que controla preços, amordaça a imprensa, pratica estatizações a rodo, e mente sobre dados econômicos que deveriam ser oficiais. As únicas estatísticas críveis são de analistas estrangeiros. A Argentina é uma bagunça. Igualzinho aqui no Brasil.

Não é possível crer que um país que promove boicotes às exportações está trilhando o caminho correto.

O que se quer dizer com tudo isso é que a Argentina tem tudo a ver com Marx, Keynes e ideias cepalinas e deve, sim, controlar as grades universitárias de suas faculdades de Economia.

Repetindo Alejandro Robba em tom quase infantilóide: “Marx e Keynes são autores marginais na grade escolar e isso não está certo”.

Não está certo mesmo! Como sustentar a incoerência ideológica entre o meio acadêmico e as injunções do Governo?
E, não se iludam, o Brasil não está muito distante de nossos hermanosaí de baixo. Estamos juntos, caminhamos lado a lado.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

As novas igrejas universitarias: a teologia companheira - Milton SimonPires

AS NOVAS IGREJAS VAZIAS
Milton Simon Pires

Duvido que exista, em qualquer meio acadêmico ocidental, “esporte” mais difundido do que falar mal das religiões. Não há historiador, filósofo, sociólogo ou simples colunista de jornal com um pouquinho mais de cultura que não insista em escrever o quanto a Igreja (especificamente a católica) representou de “atraso na nossa evolução”. Vejam que, nas primeiras duas frases, misturei os dois conceitos – o de Igreja e de Religião – bem ao gosto daqueles a quem  destino o artigo.
Apresentam-se hoje em dia as estatísticas de pessoas queimadas, citam-se inventores perseguidos..mencionam-se pensadores excomungados com uma facilidade somente proporcional à ignorância daquilo que foi, na realidade, a Idade Média. Isso faz um “sucesso danado em sala de aula”, né cumpanheros??  
O que nenhum desses expoentes do meio acadêmico tem é  honestidade necessária para um exame de consciência. Desse mea-culpa, dessa confissão, nasceria o devido sentimento de ridículo...a necessária sensação de ter ela mesmo, a Universidade Brasileira, tornado-se um entrave..um verdadeiro atraso para quem dentro dela busca o livre pensamento e fora dela a extinção do PT.
Em artigo anterior já escrevi sobre o surgimento das universidades no mundo ocidental. Afirmei que era sua função receber pessoas que pensavam igual e mandar para o mundo gente que pensasse diferente. O objetivo desse artigo vai ser outro: o alvo aqui é o meio acadêmico brasileiro e seu papel vil na sustentação da ditadura petralha que está no poder.
Modéstia à parte, conheço muito bem o papel que vocês, docentes do ensino superior, tiveram na ascensão dos petralhas ao poder. Na década de 80 eu estava junto com vocês! Lia Marilena Chauí, Emir Sader..enfim..conhecia a “intelligentsia petista” e me identificava com seu discurso francamente marxista, com seus ideais abertamente revolucionários...enfim..os tempos eram outros, né “cumpanheros”? Afinal “nós precisávamos chegar ao poder”...
Nessas linhas vou fazer alguns comentários para o “leitor comum” através de uma espécie de conversa..Conversa entre eu e vocês!
Agora vocês já estão “grandinhos”, não estão?? Shanghai não é mais aquela que vocês gostam de lembrar citando “A Condição Humana” (a do André Malraux, pois a de Hannah Arendt duvido que vocês conheçam) Lula se veste com ternos de cinco mil reais e a tia Marilena almoça em restaurantes caros com a Marta Suplicy..enfim..as coisas mudaram..não mudaram?
Quem não mudou, seus picaretas, somos eu e vocês! Nós nos conhecemos bem e vocês não me enganam. Substituíram o discurso tradicional da revolução por uma linguagem relativista. Continuam marxistas, mas agora apresentam-se como aqueles cigarros – com baixos teores – não é?Encantam os estudantes da USP e da UFRGS com esse monte de lixo saído das páginas de Focault, Althusser e Derrida. Jamais foram capazes de oferecer qualquer outra coisa dentro das faculdades de filosofia e história que não fosse esse marxismo requentado..essa confusão de ideias que vê no multiculturalismo, nos movimentos sociais, e nas marchas, a representação perfeita daquilo que vocês chamam de “movimento da história”.
Até quando, seus petralhas, vocês vão continuar aí dentro das universidades brasileiras? Enquanto o PT der dinheiro para vocês?? Vocês, seus mentirosos, não teriam capacidade suficiente para enfrentar um simples médico – que jamais estudou filosofia formalmente – como eu. Imaginem se tivessem que discutir com Olavo de Carvalho, Edgar Morin, Luc Ferry, Roger Scruton..e a turma da pesada..
Vocês, cumpanheros, sabem tão bem quanto eu a importância da relação da Universidade com a classe média. A prova disso é o ataque de nervos que a tia Marilena teve algum tempo atrás, não é?
Que pena! No Brasil marxismo se transformou em religião e as salas de aula de vocês são as novas Igrejas, não são? Rezem bastante, doutores...é só uma questão de tempo para as Novas Igrejas ficarem vazias..

PORTO ALEGRE, 25 de AGOSTO DE 2013

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Eric Hobsbawm: uma palavra (ou duas) sobre ele... - Paulo Roberto de Almeida


Eric Hobsbawm: um depoimento acadêmico

Paulo Roberto de Almeida


Como qualquer acadêmico bem informado, eu conhecia a obra de Hobsbawm, obviamente, inclusive porque, em um dado momento de minha vida, eu também partilhei das mesmas crenças no "poder liberador" do socialismo, a partir da justeza das teses marxistas sobre a perversidade natural do capitalismo e a inevitável sucessão dos modos de produção, que deveria jogar na lata de lixo da história o modo fundado na extração de mais valia e na exploração dos trabalhadores.
Bem, confesso que fui marxista, mas nunca fui religioso, ou seja: nunca me deixei engabelar pelos "livros sagrados". Assim, fui buscar na realidade, em outros livros, na observação honesta dos modos existentes de produção a comprovação, ou não, dos argumentos originais marxianos e suas derivações leninistas, stalinistas, gramscianas, fidelistas, guevaristas e outras (bem, acho que nunca fui stalinista, mas pratiquei um pouco todos os outros pecados). O que eu vi, visitando todos os socialismos reais, surreais e esquizofrênicos, foi um sistema de penúria, caracterizado por muita miséria material, mas ainda mais miséria moral, um sistema baseado em fraude, mentiras, violência, desonestidade, ou simplesmente na escravidão humana.
Enfim, o que tem isso a ver com Eric Hobsbawm?
Li seus livros de história, um pouco em várias edições: inglês, espanhol, francês, italiano e, também em português. Aqueles que tem como partida épocas pregressas, ou seja séculos 15 a 19, confirmaram bastante a visão marxista do mundo, que é a usual no meio acadêmico: exploração capitalista, miséria dos trabalhadores, crises, colonialismo, imperialismo,  isto é, nosso menu habitual de condenação do capitalismo e da burguesia. Normal, não é? 
A coisa se complica um pouco quando chegamos no século 20, o século por excelência do capitalismo triunfante, logo depois em crise, e o da ascensão do socialismo e seu desafio ao primeiro, quase vitorioso, mas finalmente derrotado, para desgosto de Hobsbawm (e de todos os órfãos e viúvas do socialismo). 

O que eu teria a criticar em Hobsbawm?
Primeiro, deixe-me dizer o que eu achei correto, em sua análise da Revolução francesa. Ele disse que ela atrasou o capitalismo na França, pois impediu o imediato triunfo do capitalismo no campo, como ocorreu na Inglaterra, com a concentração de terras e a expulsão dos camponeses para as cidades, onde foram obrigados a trabalhar para os capitalistas fabris. Acho isso basicamente correto, e não tenho objeções a sua tese.
Do que discordo, em sua análise?
Na monumental coleção "História do Marxismo", que ele dirigiu, editada originalmente em italiano pela Einaudi (que eu tenho), ele convidou basicamente marxistas; enfim, um pouco como pedir a cardeais da Igreja Católica para escrever a história do cristianismo. Alguns italianos, já aderindo ao chamado eurocomunismo, foram bastante independentes, como Massimo Salvadori, por exemplo, mas o tom geral era de "ode ao marxismo", como aliás convinha no período que antecedeu à derrocada completa do sistema que se buscava "elucidar". 
De sua obra histórica cobrindo o período anterior ao século 20, se destaca uma importância exagerada ao marxismo, como sistema filosófico capaz de fundar uma nova era. De fato, o marxismo cresceu muito acima de suas possibilidades teóricas e de sua capacidade prática de resolver os problemas detectados por Marx no capitalismo. Ele foi oversold, de certa forma, e Hobsbawm foi um dos que participaram dessa operação de legitimação de um sistema que sempre apresentou falhas estruturais, ademais de uma monumental inconsistência intrínseca, para não falar de seu profetismo indiferente aos dados da realidade.
Quanto ao século 20, ele também deu uma importância exagerada ao socialismo, e quero me expressar muito bem quanto a isso.
A Rússia era um grande país, que conduziu guerras contra o Império Otomano, contra outros reinos na Ásia central e meridional, contra a China, a Polônia, a Áustria e a Alemanha, confirmando sua vocação ao imperialismo. Não se tratava obviamente de socialismo, mas o socialismo bolchevique continuou essa tradição, e o fez com um sentido internacionalista que ultrapassava barreiras nacionais, as fronteiras jurídicas dos Estados burgueses, para se exercer, depois, como força material e política importante em várias democracias burguesas da Europa ocidental e do resto do mundo. Isso não tem nada a ver com o socialismo, e sim com uma política de poder, com a razão de Estado, no caso, o Estado stalinista. 
Hobsbawm confundiu esse poder do Estado soviético com o triunfo do socialismo, ainda que a ideia socialista tenha conseguido conquistar corações e mentes de intelectuais dos países capitalistas, além de muitas forças sindicais. Mas ele confundiu os processos históricos e equiparou o triunfo intelectual do marxismo com o triunfo estrutural do socialismo, no processo mais vasto dos "modos de produção" em vigor durante o século 20. Bem, a CIA também considerava que o socialismo crescia mais do que o capitalismo, e que a União Soviética seria um formidável oponente, militar, econômico, tecnológico, cultural e político.
Todos erraram, mas Hobsbawm errou muito mais, pois ele mesmo, ainda que reconhecendo que o socialismo representava uma parte pequena do PIB mundial (mesmo com grandes recursos naturais), uma parte ainda menor do comércio internacional, uma parte ínfima dos fluxos de capitais, e uma parte ainda menos expressiva das inovações tecnológicas, ainda assim ele continuou a atribuir ao socialismo um poder transformador que ele de fato não tinha.
Hobsbawm também errou ao preservar o limitado molde marxista em suas análises do sistema econômico dos países, e, portanto, em crer que o capitalismo estava condenado a crises irremediáveis, condutoras a seu fracasso enquanto sistema.
Ele pelo menos tinha alguma sofisticação em suas análises, ao passo que os marxistas vulgares se agitavam alegremente cada vez que ocorria uma crise setorial nos sistemas capitalistas.
Em resumo, Hobsbawm foi um bom historiador "pré-capitalista", mas um péssimo historiador "socialista", e deixou sua fé no marxismo embotar suas análises dos processos econômicos e políticos dos séculos 19 e 20. 
Deixo de lado sua condescendência com os crimes dos socialismos reais do século 20, o stalinista e o maoísta, pois nesse quesito ele teria de ser condenado pelo lado moral, algo relativo nos marxistas. 
Eu estava apenas considerando seu trabalho como historiador. Ele falhou, como falharam muitos outros intelectuais. Que tenha demorado tanto tempo em reconhecer seus erros, conta em seu desfavor, mas de fato ele nunca renunciou a seu anticapitalismo visceral e a seu socialismo ingênuo.
Descanse em paz, é o que lhe desejo.
O problema, para nós acadêmicos, é que suas análises vão continuar contaminando com seus equívocos os trabalhos nas nossas universidades por muito tempo ainda, pois seus livros são cultuados e seguidos nas Humanidades. A cegueira voluntária demora muito para se dissipar, se é que isso ocorre: muitos são infensos aos dados da realidade, e preferem continuar se alimentando de ilusões.
Eric Hobsbawm foi um dos grandes ilusionistas do século 20. 
Não será certamente o último, mas ele era um dos mais importantes.
Talvez voltemos agora a explicações mais razoáveis, como as de um Paul Johnson, de um Niall Ferguson, de um David Landes. Pelo menos, são os que me ocorrem de sugerir a alunos em busca de historiadores mais razoáveis (e honestos).

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 8 de outubro de 2012

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Reflexões ao léu, 1: Fukuyama, marxista, detestado pelos “marxistas”

Reflexões ao léu, 1:
Fukuyama, marxista, detestado pelos “marxistas”
Paulo Roberto de Almeida

Um estudante escreveu-me para dizer que estava pesquisando na internet sobre Fukuyama e que tinha deparado com um texto meu [este aqui: “O Fim da História, de Fukuyama, vinte anos depois: o que ficou?”, Meridiano 47 (n. 114, janeiro 2010, p. 8-17; ISSN: 1518-1219; link: http://meridiano47.files.wordpress.com/2010/05/v11n1a03.pdf]. Aparentemente gostou do que leu, por isso me escreveu para comentar.
Não pude evitar mais alguns pensamentos sobre este intelectual e sobre a recepção de seu trabalho mais conhecido pelos acadêmicos em geral, e pelos “marxistas”, em especial, e por isso consigno aqui o que pretendo sejam “reflexões ao léu”, o que farei ao longo do ano, cada vez que a oportunidade se apresentar.
Não pude deixar de constatar, assim, que algumas pessoas – “pessoas normais”, eu diria – acabam gostando de Fukuyama e do que ele disse. Mas também constato, e não é de hoje, que outras pessoas – não chegaria a dizer “anormais” – detestam Fukuyama e tudo o que ele representa. Se não estou enganado, aqueles que se dizem “marxistas”, ou progressistas – enfim, todos aqueles que se alinham na chamada “esquerda” – detestam Fukuyama e se apressam em condenar imediatamente sua suposta “tese” de que a história teve um final, e que esse final é, ou seria, a democracia liberal de mercado, ou “burguesa”, como esses “marxistas” diriam.
Estão sendo ingratos e inconsequentes, esses “marxistas” [entre aspas, pois eles não merecem essa qualificação]. Fukuyama, ao contrário deles, é rigorosamente marxista, radicalmente marxista, inclusive porque vai às origens do marxismo, que é o pensamento hegeliano. [Apenas aproveito para dizer que a “tese” de Fukuyama não corresponde a uma afirmação, mas a um interrogante de filosofia da História; mas isso os “marxistas” não parecem ter percebido, saindo apressadamente a crucificá-lo, como se ele tivesse dito uma heresia.]
Fukuyama está sendo totalmente marxista ao considerar a hipótese do “fim da História” [com H maiúsculo, pois se trata de filosofia da História, não da história corrente e “vulgar”, como diriam aqueles mesmos que o rejeitam]. A única razão pela qual os pretensos “marxistas” não gostam dele e de sua “tese” é porque ele contradiz a escatalogia marxista sobre o fim da história [neste caso em minúsculas e sem aspas, pois era isso mesmo que os “marxistas vulgares” esperavam] e sobre o triunfo definitivo do socialismo e do comunismo.
Se por acaso Fukuyama tivesse escrito que a democracia liberal burguesa venceu, mas apenas temporariamente, os regimes aparentados com o socialismo de tipo soviético, mas que o “sentido da história”, ou seja, o futuro da humanidade está como sempre esteve, apontando para o triunfo, em “última instância”, do socialismo, ele teria sido saudado, pelos “marxistas”, como o mais importante pensador marxista da era contemporânea, justamente por ter, nesta hipótese condescendente com os “marxistas”, defendido a bandeira do marxismo contra o pensamento “vulgar” – e “anti-histórico” – da burguesia.
Ingratos, esses “marxistas” e, sobretudo, incoerentes, pois a suposta “tese” de Fukuyama está inteiramente de acordo com o que eles pensam (ou deveriam pensar, se tal lhes fosse facultado, nos últimos tempos...).

Em todo caso, eu lhes sou grato por me terem propiciado estas primeiras “reflexões ao léu” de 2011. Espero produzir muitas outras mais ao longo do ano. Com a ajuda deles, inclusive...

Uberlândia, 6 de janeiro de 2011.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Quilombo da Razao contra o Marxismo Mediocre e Embrutecedor

Meu amigo Vinicius Pereira Portella, partilhando minhas preocupações com a mediocrização crescente do ensino brasileiro, criou o Quilombo da Razão, um espaço de resistência contra os ataques à racionalidade. Já fiz um post saudando sua inauguração, e sou o primeiro "refugiado" -- ou melhor, guerrilheiro -- desse quilombo que promete lutar contra todos os irracionalismos existentes no sistema educacional brasileiro.
Atenção: não estou falando da escola pública de primeiro grau, sequer das escolas de segundo grau em geral, onde a mediocridade impera há muito tempo, para desespero daqueles que gostariam de ver a qualidade da educação melhorar no Brasil progressivamente, e não recuar, como ocorre hoje.
Estou falando do ensino que se constuma chamar superior, mas que hoje mereceria o título de inferior, especialmente nas faculdades de humanidades das universidades públicas.
Há muito tempo que já comprei uma briga contra esses medíocres professores de marxismo esterilizado, uma mistura insossa do que possa haver de mais anacrônico no velho bolchevismo redivivo, no neostalinismo imorredouro, nos sectarismos de tribos trostquistas perdidas no século 21, enfim, todos esses órfãos do socialismo esclerosado e do comunismo surrealista.
Atenção: não combato esses marquissistas de opereta porque eles teriam a pretensão de ser marxistas acadêmicos, o que eu também já fui e ainda conservo minhas ferramentas do ofício. Eu os combato porque eles são medíocres, apenas isso, e praticam uma religião embolorada, cheirando a naftalina ideológica, ou mais simplesmente porque eles são inacreditavelmente ruins na sua defesa mal construída de uma crença que não fez o seu aggiornamento.
Isso começou lá atrás, em 2005, quando escrevi um texto chamado:

A cultura da esquerda: Sete pecados dialéticos que atrapalham seu desenvolvimento
Espaço Acadêmico (ano 5, n. 47, abril 2005).

Creio que a acusação de serem irracionais deve ter chocado os mais sensíveis, que imediatamente vestiram a carapuça; um deles tentou me responder, pretendendo fazer uma "réplica", mas de forma tão... medíocre, que não tive dificuldade alguma em desmantelar o "interlocutor" em questão, daí resultando este meu outro texto:

Um intercâmbio acadêmico: a cultura da esquerda em questão
Espaço Acadêmico (ano 5, n. 49, junnho 2005).

Acho que o pessoal se acalmou um pouco, ou então me colocaram na categoria de "inimigo de classe" (seja lá o que isso queira dizer) e me esqueceram.
Até que eu fui provocá-los novamente. Elaborei uma resenha sobre um livro medíocre dessa tropa de religiosos nostálgicos, e eles se desesperaram:

Marxistas totalmente contornáveis
[Resenha de Jorge Nóvoa (org.): Incontornável Marx (Salvador/São Paulo: Unesp/UFBA, 2007, 407 p.)]
Espaço Acadêmico (ano 7, n. 84, maio 2008).

Reparem que eu não escrevi que Marx era contornável, apenas que os pretensos "marquissistas" que escreveram sobre o próprio eram muito ruins; eu recomendava então aplicar o dinheiro em uma ou duas pizzas, o que seria melhor do que comprar um livro indigesto.
Para que?!! Eles se sentiram profundamente magoados, e montaram um pelotão de fuzilamento que só não passou à ação porque eu estava longe do alcance de suas armas enferrujadas. Ao tomar conhecimento da troca de mensagens entre os membros da tribo em risco de extinção, redigi, preventivamente um texto humorístico-corrosivo, que foi publicado como:

Manifesto Comunista, ou quase...: dedicado a “marquissistas” à beira de um ataque de nervos (a propósito de uma simples resenha)
Espaço Acadêmico (ano 8, n. 85, junho de 2008). Via Política (08.06.2008).

Bem mais tarde, praticamente poucos dias atrás, é que vim a tomar conhecimento de que um dos autores daqueles textos medíocres sobre o marquissismos de pacotilha havia tomado o cuidado, e um imenso trabalho, ao que pude julgar, de responder à minha resenha. Quase que escrevo ao autor em questão para agradecer, sinceramente, pela atenção dada à minha pequena resenha, da qual largos extratos eram citados no seu "trabalho" -- enfim, a coisa que deveria servir de réplica -- mas achei que a mediocridade do debate não valia sequer mais uma linha minha.

Não pretendo voltar a esse debate, que só me veio à mente, hoje, ao ler o texto que segue abaixo de um jornalista que se auto-intitula filósofo (o que para mim já é uma espécie de empulhação). Ele toca em questões reais, mas de modo muito superficial e sem aquela lógica de raciocínio que deveria caracterizar os filósofos. Enfim, acho que vocês podem se divertir um pouco.
Quanto a mim, vou continuar no Quilombo da Razão, fazendo algumas incursões ocasionais em campo inimigo para combater os irracionalismos contemporâneos, dos quais os "marquissistas" de opereta se constituem em legítimos representantes.
Por que o faço?
Não por alguma compulsão pessoal. Apenas sinto pena de todos os estudantes que me escrevem para dizer que "o professor pediu um trabalho para demonstrar esta ou aquela perversidade do capitalismo", o que para mim não é apenas tortura mental, mas uma verdadeira campanha de embrutecimento deliberado.
Bem, fico por aqui hoje.
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 8.06.2010)

Sem esperança
LUIZ FELIPE PONDÉ
Folha de S.Paulo, 7.06.2010

Pergunto-me por que não proíbem professores de pregar o marxismo e toda a bobagem de luta de classes

RESPONDO ASSIM, de bate-pronto, a um aluno: "Não, não tenho nenhum ideal". Silêncio. Talvez um pouco de mal-estar. Todos ali esperavam uma resposta diferente porque todo mundo legal tem um ideal.
Eu não tenho. É assim? Confesso, não sou legal, nem quero ser. Duvido de quem é legal e que tem um ideal. Esperança? Tampouco. E suspeito de quem queira me dar uma.
De novo respondo assim, de bate-pronto, a outro aluno: "Não, não quero mudar o mundo, nem mudar o homem, muito menos a mulher, a mulher, então, está perfeita como é, se mudar, atrapalha, gosto dela assim, carente, instável, infernal, de batom vermelho e de saia justa".
Mentira, esta última parte eu acrescentei agora, mas devia ter dito isso também. Outro silêncio. Talvez, de novo, um pouco de mal-estar. Espero que falhem todas as tentativas de mudar o homem.
Não saio para jantar com gente que quer mudar o mundo e que tem ideais. Prefiro as que perdem a hora no dia que decidiram salvar o mundo ou as que trocam seus ideais por um carro novo. Ou as que choram todo dia à noite na cama.
Tenho amigos que padecem desse vício de ter ideais e quererem salvar o mundo, mas você sabe como são essas coisas, amigo é amigo, e a gente deve aceitar como ele (ou ela) é, ou não é amizade.
Perguntam-me, estupefatos: "Mas você é professor, filósofo, escritor, intelectual, colunista da Folha, como pode não ter ideal algum ou não querer mudar o mundo?".
Penso um minuto e respondo: "Acordo de manhã e fico feliz porque sou isso tudo, gosto do que faço, espero poder fazer o que faço até o dia da minha morte".
Perguntam-me, de novo, mais estupefatos: "Mas você está envolvido no debate público! Pra quê, se você não quer mudar o mundo?".
Sou obrigado a pensar de novo, outro minuto (afinal, são perguntas difíceis), e respondo: "Participo do debate público pra atrapalhar a vida de quem quer mudar o mundo ou de quem tem ideais".
Os intelectuais e os professores pegaram uma mania de ser pregadores, e isso é uma lástima. Inclusive porque são pessoas que leem pouco e que são muito vaidosas, e da vaidade nunca sai coisa que preste (com exceção da mulher, para quem a vaidade é como uma segunda pele, que lhe cai bem).
O que você faria se algum professor pregasse o evangelho ao seu filho na faculdade? Provavelmente você lançaria mão de argumentos do tipo que os intelectuais lançam contra o ensino religioso: "O Estado é laico e blá-blá-blá... porque a liberdade de pensamento blá-blá-blá...". Se for para proibir Jesus, por que não proibir qualquer pregação?
Pergunto-me por que não proíbem professores de pregar o marxismo em sala de aula e toda aquela bobagem de luta de classes e sociedade sem lógica do capital? Isso não passa de uma crendice, assim como velhas senhoras creem em olho gordo.
Nas faculdades (e me refiro a grandes faculdades, não a bibocas que existem aos montes por aí), torturam-se alunos todos os dias com pregações vazias como essas, que apenas atrapalham a formação deles, fazendo-os crer que, de fato, "haverá outro mundo quando o McDonald"s fechar e o mundo inteiro ficar igual a Cuba".
Esses "pastores da fé socialista" aproveitam a invenção dessa bobagem de que jovem tem que mudar o mundo para pregarem suas taras. Normalmente, a vontade de mudar o mundo no jovem é causada apenas pela raiva que ele tem de ter que arrumar o quarto.
E suspeito que, assim como fanáticos religiosos leem só um livro, esses pregadores também só leem um livro e o deles começa assim: "No princípio era Marx, e Marx se fez carne e habitou entre nós...".
Reconhece-se uma pregação evangélica quando se ouve frases como: "Aleluia, irmão!". Reconhece-se uma pregação marxista quando se ouve frases como: "É necessário destruir o mundo do capital e criar uma sociedade mais justa onde o verdadeiro homem surgirá"."
Pergunto, confesso, com sono: "E quem vai criar essa sociedade mais justa?". Provavelmente o pregador em questão pensa que ele próprio e os seus amigos devem criar essa nova sociedade.
Mentirosos, deveriam ser tratados como pastores que vendem Jesus e aceitam cartão Visa.