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terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Abade Raynal, sobre o futuro do Brasil, que ainda não chegou

Esse Raynal era um vidente, só que ainda não aconteceu o que ele desejava...

“O Brasil converter-se-á num dos mais formosos estabelecimentos do globo (nada para isso lhe falta) quando o tiverem libertado dessa multidão de impostos, desse cardume de recebedores que o humilham e oprimem; quando inúmeros monopólios não mais encadearem sua atividade; quando o preço das mercadorias que lhe trazem não mais for duplicado pelas taxas que andam sobrecarregadas; quando os seus produtos não pagarem mais direitos ou não os pagarem mais avultados que os dos seus concorrentes; quando as suas comunicações com as outras possessões nacionais se virem desembaraçadas dos entraves que as restringem...”.

Guillaume-Thomas Raynal, conhecido como Abade Raynal,

Histoire philosophique et politique des établissements et du commerce des européens dans les deux Indes (Amsterdam, 1770);

Apud Manuel de Oliveira Lima, D. João VI no Brasil (3a. ed.; Rio de Janeiro: Topbooks, 1996), p. 58-59. 



quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

Punhos de renda (Joaquim Nabuco e Oliveira Lima) - José Renato Nalini

 Punhos de renda

Por José Renato Nalini*

Blog do Fausto Macedo, 27/12/2023 | 05h00


https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/punhos-de-renda/?utm_medium=newsletter&utm_source=salesforce&utm_campaign=manchetes&utm_term=20231227&utm_content=blogs 

As escaramuças entre pessoas cultas podem revestir peculiaridades que disfarçam a rudeza, própria aos desprovidos de polidez. Por isso se diz que existe uma “ética de punhos de renda”, tão cruel quanto, mas sob aparência de civilidade.

Essas desinteligências podem surgir na carreira universitária, em estamentos como a Magistratura ou a diplomacia. Até na Igreja, o confronto entre posições antagônicas transparece. Existe acerba competição entre potenciais candidatos às mesmas cobiçadas vagas. É um silente, porém feroz duelo de egos.

Oliveira Lima e Joaquim Nabuco, ambos contemporâneos, ambos amigos, ambos diplomatas, se estranhavam. O primeiro censurava Nabuco por não libertar os cativos que sua família ainda possuía. Invocava o exemplo de sua mãe, que alforriara todos os escravos do serviço doméstico, à exceção de um só, que fora vendido meses antes por furtos cometidos. Mas chegou a conhecimento da mãe de Oliveira Lima que esse elemento servil estava a serviço de um senhor de engenho conhecido por sua desumanidade e que se gabava de, toda a vez que comprava um escravo, aplicar-lhe uma “novena”. Isto é, mandar surrá-lo diariamente durante nove dias, para que “aprendesse a conhecer o senhor”. Condoída, a senhora recomprou-o, a preço elevado pelo desalmado, e deu ordem para libertar o infeliz.

Já Nabuco era mais poeta do que abolicionista. Ambicionava honrarias e galanteios. Araújo Beltrão, cunhado de Oliveira Lima, suscitou homenagem a Nabuco no Parlamento Português e conseguiu concretizá-la. Algo a que Nabuco não agradeceu e fez questão de esquecer.

“Na sua presunção, Nabuco ia ao ponto de esquecer as considerações pelo amor próprio alheio”. Oliveira Lima o ajudou quando em Londres, ante nova invasão armada no território contestado com a Guiana Britânica. Nabuco estava a cuidar do arbitramento entre Brasil e Inglaterra. Nabuco mandou a Oliveira Lima um texto preparado por Graça Aranha, verdadeira “mixórdia digna de Malasarte, que corria o risco de ser restituída para ser posta em vernáculo, por estar recheada de termos tupis. Uma das frases dizia – textualmente: dans la maloca du tuxana”. Oliveira Lima deixou de lado a minuta e redigiu outra. Com surpresa viu que a “sua” nota, que elaborara a respeito, figurou nas memórias de Nabuco, sem referência à verdadeira autoria.

Em compensação, Graça Aranha fez jus a uma recompensa por seu trabalho. Nabuco o mandou representa-lo em Haia, no casamento da Rainha Guilhermina, “custeando suas despesas com o dinheiro destinado aos gastos de publicidade”, de que Oliveira Lima não fizera uso. A observação deste: “Os turibulários têm sempre sorte porque os homens, mesmo grandes, são muito sensíveis à lisonja”. Raros os homens públicos dotados de altivez ávida de impopularidade. “Rio Branco e Nabuco, pelo contrário, tinham a ânsia da popularidade, com uma diferença entretanto. Nabuco era um aristocrata, descendente pela mãe daquele fidalgo vianês Paes Barreto, tronco dos Morgados do Cabo, que, com o espírito de um São João de Deus, quis ir morrer entre os pobres no hospital que fundara em Olinda”. Já a Rio Branco, “não achou Afonso Arinos, no elogio do visconde pronunciado na Academia ao recolher a sucessão de Eduardo Prado, que o escolhera para patrono da sua cadeira, outro avô senão um capitão de navio da Bahia. Ora, navios da Bahia, de longo curso naquele tempo andavam pela certa ocupados no tráfico de escravos”.

Em desfavor de Nabuco, Oliveira Lima diz que, “depois de estar em contato com o povo, ia ensaboar as mãos e perfumar-se”. Algo ainda muito comum nos dias de hoje. Políticos que apertam as mãos do populacho e, mal adentram em seus carros e recorrem ao álcool purificador. Hoje ainda existe a escusa da Covid. Mas, mesmo antes disso, o “nojo de pobre”, a ojeriza ao povo não era uma característica incomum aos “mais iguais do que os outros” na bizarra Democracia Representativa tupiniquim.

Seja como for, Nabuco era um cavalheiro. A ponto de uma condessa, esposa de um embaixador alemão no Rio, ter dito a seu respeito, que era de se estranhar que só na Europa se encontrassem brasileiros distintos. Aqui, os que ela conheceu, não poderiam ser incluídos nessa categoria.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário-geral da Academia Paulista de Letras

 

sábado, 10 de junho de 2023

A construção do Brasil pelo seu maior historiador diplomático, em francês: Oliveira Lima - livro organizado por André Heráclio do Rêgo; resenha de Paulo Roberto de Almeida (Diário de Pernambuco)

 Meu trabalho mais recente, imediatamente publicado, mas de forma parcial. Transcrevo abaixo o texto completo da resenha, seguida pela imagem da resenha parcialmente publicada no Diário de Pernambuco


4410. “A construção do Brasil pelo seu maior historiador diplomático, em francês”, Brasília, 6 junho 2023, 2 p. (520 palavras). Resenha sintética do livro de André Heráclio do Rego, para o Diário de Pernambuco: Manuel de Oliveira Lima, La construction du Brésil: Essais sur l’histoire et l’identité du BrésilPrésentation et choix de textes André Heráclio do Rêgo; Préface de Denis Rolland (Paris : L’Harmattan, 2023, Collection Mondes Lusophones, 297 p.; ISBN: 978-2-14-032568-7; EAN: 9782140325687). Publicada no Diário de Pernambuco (Recife, n. 161, 10-11 de junho de 2023, p. 10). Relação de Publicados n. 1512.



A construção do Brasil pelo seu maior historiador diplomático, em francês

 

Manuel de Oliveira Lima, La construction du Brésil : Essais sur l’histoire et l’identité du Brésil (Paris: L’Harmattan, 2023, 297 p.). Présentation et choix de textes André Heráclio do Rêgo; Préface de Denis Rolland (Paris : L’Harmattan, 2023, Collection Mondes Lusophones, 297 p.; ISBN: 978-2-14-032568-7; EAN: 9782140325687).

 

Oliveira Lima, um pernambucano de origem portuguesa, mudou criança ainda para a terra do seu pai e fez sua formação universitária em Portugal; sempre se sentiu brasileiro de coração e pernambucano de devoção: sua primeira obra foi uma história social de Pernambuco. Era republicano na monarquia e virou monarquista na República, razão, aliás, de sua precoce aposentadoria na carreira diplomática, na qual adentrou no começo do regime republicano, pouco depois acolhido na Academia Brasileira de Letras (tendo ocupado uma cadeira que poderia ter ido para o Barão do Rio Branco, razão, talvez, de um afastamento que também não o ajudou nos anos de apogeu do Barão como chanceler). Construiu uma brilhante carreira de historiador diplomático, podendo serem destacados os clássicos sobre D. João VI no Brasil (1908) e o Movimento da Independência (1922), ademais do Formação Histórica da Nacionalidade Brasileira (conferências na Sorbonne em 1911, depois publicadas em francês, português e espanhol, mais tarde aumentadas, em inglês, em 1914). 

Mas ele fez muito mais, sob a forma de artigos, palestras, conferências e notas de pesquisa sobre diferentes aspectos da história do Brasil ao longo de sua atribulada carreira diplomática, sempre combinada a conexões acadêmicas, redigindo textos diretamente em inglês, em francês, ou até em espanhol. como estes textos francófonos, reunidos e apresentados pelo pernambucano, diplomata e historiador, André Heráclio do Rego, admitido em dois institutos históricos regionais, o de seu estado e o do Distrito Federal, ademais do velho IHGB nacional, do Rio de Janeiro. La construction du Brésil são ensaios que Oliveira Lima foi redigindo ao longo de suas interações acadêmicas e jornalísticas, mas a organização do livro não é cronológica serial – ou seja, não seguem a data de sua redação – e sim cronológica linear, ou seja, seguem o processo de construção da identidade nacional.

André, em sua introdução, descreveu a vida de Oliveira Lima em 5 páginas, sua obra geral em mais oito, mas dedicou trinta páginas para tratar dos treze textos que ele escreveu, entre 1908 e 1914, diretamente em francês, indo da viagem de Cabral a Machado de Assis e Joaquim Nabuco e a um denso ensaio sobre a formação da América Latina e a concepção internacional de seus fundadores (com uma única exceção, um artigo de 1896, sobre os primeiros anos da República). 

O principal mérito do intelectual diplomático pernambucano dos séculos XX e XXI está, precisamente, em reunir textos do intelectual diplomático pernambucano dos séculos XIX e XX que estavam dispersos em várias fontes, e que confirmam a excelência do “Dom Quixote Gordo”, como o caracterizou Gilberto Freyre. André não é exatamente um Quixote, e sim um diplomata intelectual, sendo tão magro quanto o cavaleiro e seu Rocinante, mas sua bagagem intelectual acumulada em livros, artigos e seminários não seriam suportáveis por uma mula como a do Sancho Pança. Sua seleção de textos e a introdução a cada um dele, confirmam solidamente tal argumento.  

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Brasília, 4410, 7/06/2023, 2 p.]






segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Três livros de pernambucanos ilustres: Oliveira Lima, Gilberto Freyre, André Heráclio do Rego, George Cabral de Souza

Em lançamento em Brasília, com a presença dos dois organizadores,  André Heráclio do Rego, George Cabral de Souza

Um grande historiador, um grande antropólogo, três livros que recuperam explicações essenciais de nossa formação histórica. Lançamento em Brasília, na Livraria Travessa, dia 7/12:














domingo, 21 de agosto de 2022

Oliveira Lima, por José Paulo Cavalcanti Filho (discurso de posse na ABL)

 Oliveira Lima

Oliveira Lima. Por José Paulo Cavalcanti Filho

…Na lápide, não consta um nome. Apenas seu epitáfio, que ele próprio escreveu, Hic jacet amicus librorum (Aqui jaz um amigo dos livros)….

O quixote liberal da república : Revista Pesquisa Fapesp

Nasceu no Recife (25/12/1867). Filho mais novo de mãe pernambucana, Maria Benedita de Oliveira Lima, e um comerciante da Cidade Invicta (Porto), Luís de Oliveira Lima – que, muito antes (1834), havia migrado para Pernambuco. Em 1873, requerendo cuidados médicos, o pai mudou-se para perto da família paterna, então em Lisboa. A criança tinha seis anos, apenas. Ocuparam casa na rua da Glória, número 23; bem pertinho, no número 4, iria mais tarde morar o poeta Fernando Pessoa. Mas não perderam contato com Pernambuco. Que tudo, naquela moradia, tinha nosso rosto. As duas irmãs, casadas com pernambucanos. O pai, apesar de luso, rebatia sempre qualquer comentário desairoso ao país que já considerava seu. Brasileiras, também, as criadas que viviam na casa, as lembranças recorrentes de outros tempos, a saudade que vinha com imagens do passado, o jeito de receber. E mesmo a comida tinha o gosto de nossa terra. Temperada com farinha e goma de mandioca, mais doces, queijos do sertão, pimentas de cheiro e malagueta. Pena só que, apesar de glutão, jamais tenha aprendido a cozinhar, sendo incapaz de preparar as mais simples receitas.

A partir de 1881, começou a trabalhar no Correio do Brazil. Um jornalzinho por ele fundado, em Portugal, no qual publicava documentos inéditos da nossa história – como três cartas do primeiro donatário da capitania de Pernambuco, Duarte Coelho Pereira. Em 1885, passou a colaborar com o Jornal do Recife; a Revista de Portugal, de Eça de Queiroz; e o Repórter, de Oliveira Martins, onde escrevia textos a favor da abolição da escravatura. Depois do Decret de L’Abolition de L’Esclavage de France (1848) e da abolição da escravatura em Portugal, com Lei de 25/02/1869 (e seu termo definitivo em 1878), só o Brasil, no mundo, ainda mantinha essa política. A última escrava portuguesa morreu, na década de 1930, com 120 anos; mas, nesse tempo, vagava Oliveira Lima por céus imprecisos e distantes. Seja como for, a seus olhos de jovem, era tempo de ocorrer algo assim por aqui. A campanha abolicionista o levou, por essa época, a se aproximar de Joaquim Nabuco. André Heráclito (Oliveira Lima, historiador) explica “O cunhado de Oliveira Lima, diplomata Araújo Beltrão, à época em Portugal, havia feito gestões para que a Câmara dos Deputados lusitana recebesse Nabuco, então o grande nome do abolicionismo no Brasil; e, nesta ocasião, os dois grandes historiadores e diplomatas se conheceram pessoalmente e começaram a se corresponder”. Em 14/10/1884 foi inscrito no curso superior de Letras, de Lisboa, onde acabou sendo o aluno predileto de Oliveira Martins. Estudou, ainda, com Teófilo Braga (primeiro presidente de Portugal, já na República), que não pertencia aos quadros da faculdade. E, quatro anos depois, obteve o grau de doutor em Filosofia e Letras. De volta ao Recife, em 1890, casou com Flora Cavalcanti de Albuquerque – uma descendente da aristocracia da zona canavieira de Pernambuco.

Com o apoio do Barão de Lucena (pernambucano, como ele), ministro todo poderoso de Deodoro, e pelas mãos de Quintino Bocaiúva (então ministro das Relações Exteriores), seguiu o exemplo do cunhado e entrou na carreira diplomática. Representou nosso país em numerosos países, pela ordem Portugal (segundo secretário), Alemanha, Estados Unidos (primeiro secretário), Inglaterra e Japão – onde permaneceu, até 1903, após o que voltou ao Rio. Ainda iria à Venezuela (ministro plenipotenciário) e, em seguida, ao seu derradeiro posto, na Bélgica, após o que se aposentou.

Oliveira Lima elogiava D. João VI, “a quem o Brasil deve sua organização autônoma, suas melhores fundações de cultura e até seus devaneios de grandeza”. E não por acaso D. João VI no Brasil, pelos cuidados com fontes e detalhes que marcaram seu estilo, logo foi reconhecido, por todos, como um livro de qualidade superior. Impressionou-lhe também o fato de que o Brasil, sobretudo graças ao imperador D. Pedro II, foi o único país a gozar, por décadas, de paz interna, em um continente conturbado como o da América do Sul. Primeiro foi republicano, durante a Monarquia; mas logo se tornou monarquista, após a Proclamação da República, por divergir dos rumos que tomara o Movimento de 1889. E uma de suas marcas era a determinação, por vezes exagerada, com que defendia certas posições – mesmo aquelas que não correspondiam à média da opinião pública. Assim se deu, por exemplo, quando criticou a política de expansão territorial do país – como a anexação do Acre, feita por mãos do Barão do Rio Branco.

 Entre os que decididamente não gostavam dele, as razões não são claras, talvez apenas por conta do temperamento belicoso de Oliveira Lima, estava Emílio de Menezes. Por exemplo, quando à tarde saía para passear, braços dados com a mulher Flora, Emílio ficava repetindo “ali vão a flora e a fauna da literatura brasileira”. E dedicado a ele ainda escreveu soneto, O plenipotenciário da facúndia, da eloquência pois, que começa por verso pouco respeitoso criticando sua gordura, “De carne mole e pele bobalhona”, e finda com esse terceto lastimável: “Eis, em resumo, essa figura estranha:/ Tem mil léguas quadradas de vaidade/ Por milímetro cúbico de banha”. De outro lado, entre seus mais leais admiradores, estava Gilberto Freyre, para quem seria um “Dom Quixote gordo”. Imagem na linha do que evoca o poeta português António Gedeão (Impressão digital) “Inútil seguir sozinhos/ Querer ser depois ou antes/ Cada qual com seus caminhos/ Onde Sancho vê moinhos/ Dom Quixote vê gigantes./ Vê moinhos?, são moinhos/ Vê gigantes?, são gigantes”. Assim era Oliveira Lima, seguindo sozinho e sempre sonhando em derrotar seus gigantes.

E nem será dele, talvez, a tão conhecida frase, que lhe é atribuída, “Na geografia dos defeitos, Recife é capital da inveja e da maledicência”. A frase como assim redigida, não. Mas o conteúdo, com certeza sim. Tania Elias Magno da Silva (Josué de Castro, para uma poética da fome) sugere “Um grande historiador brasileiro e pernambucano, Oliveira Lima, afirmou certa vez que se um dia se fizesse a geografia dos sentimentos humanos, o Recife era a capital da inveja”. Mário Hélio (O Brasil de Gilberto Freyre) a acompanha “Seria a cidade já nessa época a capital da inveja, na conhecida boutade atribuída a Oliveira Lima”. E o próprio Oliveira Lima completa “O vício capital de Pernambuco é a inveja, queixa-se Freyre num corajoso artigo ao qual seu amigo José Lins do Rego, apoiando-se na denúncia, acrescenta uma ressalva: mais do que inveja, o que há no Recife é estupidez e maledicência” (Diário de Pernambuco, 13/7/1924).

Oliveira Lima fazia curiosas afirmações. Como esta, de que “os heróis raramente são ricos. A fortuna, de ordinário, traz consigo a tentação de gozar a vida com mais tranquilidade”. Antecipando-se a Rubem Alves (Ostra feliz não faz pérola), para quem “pessoas felizes não sentem necessidade de criar”. Não seu caso, claro; que Oliveira Lima era decididamente, à sua maneira embora, um homem feliz. E soube dar valor às mulheres, num tempo em que isso ainda era raro. Comentando a admissão de Edwiges de Sá Pereira na Academia Pernambucana de Letras – segunda mulher, no Brasil, a conseguir fazer parte de uma Academia –, ressaltou que “nas nações mais adiantadas as mulheres já votavam e legislavam”. E, ainda, “quando as mulheres dispuserem algum dia da maioria parlamentar e do governo, a organização política será muito mais dotada de justiça social… e a legislação poderá, então, merecer a designação humana” (George Cabral, em Discurso de Posse na APL). Aposentado, tentou morar na Inglaterra, onde tinha casa alugada. Mas, por conta da pública admiração que demonstrava pela Alemanha, e dado ter defendido com ardor que o Brasil ficasse neutro na Primeira Guerra, foi por lá considerado persona non grata, o que não permitiu pudesse realizar tal desejo.

Acabou indo para os Estados Unidos, onde viveu seu resto de vida. Foi professor visitante em Harvard. E conseguiu formar uma biblioteca monumental, com quase 60 mil livros. Alguns raros como o de Barlaeus, Histórias dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil – primeiro livro a descrever, em latim, a província de Pernambuco. Além, continuando, mais de 600 quadros, numerosas colunas de recortes de jornais e um dos três bustos do Dom Pedro I, esculpido por Marc Ferrez (tio do fotógrafo homônimo), o único em bronze. Essa biblioteca foi doada, por ele, à Universidade Católica da América (Washington), onde presentemente se encontra. E, a partir de 1921, exerceu ali o cargo de Primeiro Bibliotecário, que ocupou até a morte.

Cadeira 11 da Academia Pernambucana de Letras (em 1901), foi fundador da Academia Brasileira de Letras (1897). Morreu em Washington (24/03/1928), onde está enterrado no cemitério Mont Olivet.  Na lápide, não consta um nome. Apenas seu epitáfio, que ele próprio escreveu, Hic jacet amicus librorum(Aqui jaz um amigo dos livros).

P.S. Trecho do Discurso de Posse na Academia Brasileira de Letras (10/06/2022).


segunda-feira, 22 de novembro de 2021

O antiamericano que não foi: os Estados Unidos na obra de Oliveira Lima - Nathalia Henrich (EdPUC-RS)


O antiamericano que não foi: os Estados Unidos na obra de Oliveira Lima

 Nathalia Henrich

Porto Alegre: Editora da PUC do RS, 2021, 456 p.; https://editora.pucrs.br/livro/1504/

(em breve) 

Intelectual prolífico e figura rodeada por polêmicas, o diplomata-historiador Manoel de Oliveira Lima (1867-1928) é ainda pouco estudado, a despeito da sua relevância no Brasil do seu tempo e do prestígio conquistado no exterior. Entre os vários rótulos que lhe foram atribuídos, o de antiamericano, frequentemente utilizado como sinônimo de anti-imperialista, é um dos mais duradouros e vem pautando a maioria das análises sobre sua obra. A contextualização de suas ideias, bem como a reconstituição do debate entre seus contemporâneos, aliadas à ampliação das fontes analisadas oferecem, no entanto, um panorama mais complexo que refuta essa categorização. Através de minuciosa pesquisa bibliográfica e documental em arquivos e bibliotecas brasileiras e estrangeiras, a autora mergulhou na vida e na obra de Oliveira Lima para responder à pergunta: afinal, Oliveira Lima foi realmente antiamericano?


sábado, 18 de setembro de 2021

Oliveira Lima e a longa Independência do Brasil - Lucia Paschoal Guimarães, Teresa Malatian e André Heráclio do Rêgo (YouTube)

Oliveira Lima e a longa Independência do Brasil

https://www.youtube.com/watch?v=Xw3csIpyHkI 

15,5 mil inscritos
Apresentação de Bruno A. de Cerqueira

O canal recebe no próximo sábado, 18.09.2021, às 21h, os historiadores Lucia Paschoal Guimarães, Teresa Malatian e André Heráclio do Rêgo para a 𝓵𝓲𝓿𝓮 Oliveira Lima e a longa Independência do Brasil

Lucia Maria Paschoal Guimarães, carioca, é graduada em História pela UFRJ, mestra em História Social pela mesma Universidade e doutora em História Social pela Usp. Realizou estágios de pós-douramento na Cátedra Jaime Cortesão da FFLCH-USP (2005-6) e de pesquisa sabática na Universidade Nova de Lisboa (2008-9). É professora titular de Teoria da História e Historiografia da Uerj. Coordena o Grupo de Pesquisa “Idéias, cultura e política na formação da nacionalidade brasileira”. Participa como pesquisadora principal do Pronex/CNPq/Faperj "Caminhos da Política no Império do Brasil”, dirigido por Lucia Maria Bastos Pereira das Neves. Publicou livros e trabalhos no Brasil e no exterior, decorrentes de pesquisas que contemplam, sobretudo, os temas: cultura histórica, história e memória, cultura política, intelectuais e poder, IHGB e relações culturais luso-brasileiras. É autora de, entre outros, “História da Ordem dos Advogados do Brasil: criação, primeiros percursos e desafios (1930-1945)” (Editora da OAB, 2003); “Debaixo da imediata proteção imperial: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro” (Annablume, 2011); e organizadora do recém-lançado “Oliveira Lima e a longa história da Independência” (Alameda Editorial, 2021). 

Teresa Maria Malatian, paulista de Itu, é graduada em História pela PUC de Campinas, mestra em História pela PUC-SP e doutora em História Social pela USP, e, ainda, livre-docente em Historiografia. Atuou como professora titular da Unesp por 30 anos, tendo sido coordenadora da Pós-Graduação em História. É autora de “Oliveira Lima e a construção da nacionalidade” (2001); “Império e Missão: um novo monarquismo brasileiro_ (Civilização Brasileira, 2001); “D. Luiz de Orleans e Bragança: peregrino de impérios” (Alameda Editorial, 2010); “O Cavaleiro Negro: Arlindo Veiga dos Santos e a Frente Negra Brasileira” (Alameda Editorial, 2015); “O Príncipe Soldado: a curta e empolgante vida de D. Antonio de Orleans e Bragança” (Linotipo Digital e IDII, 2018); e autora de capítulo no recém-lançado “Oliveira Lima e a longa história da Independência” (Alameda Casa Editorial, 2021). 

André Heráclio do Rêgo, pernambucano do Recife, é graduado em Diplomacia pelo Instituto Rio Branco, mestre em Estudos Ibéricos e Ibero-americanos pela Universidade de Paris X (Nanterre), doutor em Estudos Portugueses, Brasileiros e da África Lusófona pela mesma universidade, além de pós-doutor em História Social na Universidade Católica de Lisboa e pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). Diplomata de carreira, ocupa atualmente o cargo de ministro de Segunda Classe, e serviu em Bonn, Berlim, Estocolmo, Lisboa e Assunção. Também historiador, tem obras publicadas sobre família e coronelismo e imagem e representação dos sertões. Especialista na vida e obra de Manoel de Oliveira Lima, publicou “Oliveira Lima, um historiador das Américas” (CEPE, 2017) e acaba de organizar com Lúcia Maria Paschoal Guimarães e Lucia Maria Bastos Pereira das Neves o livro “Oliveira Lima e a longa história da Independência” (Alameda Editorial, 2021). Vai lançar em breve volume com ensaios pouco conhecidos do historiador pernambucano, intitulado "O descobrimento do Brasil e outros ensaios" (BBM, 2021).


quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Oliveira Lima e a longa Independência do Brasil - Lucia Paschoal Guimarães, Teresa Malatian e André Heráclio do Rêgo

 O canal *História do Brasil Como Você Nunca Viu*   (https://www.youtube.com/c/HistoriadoBrasilComoVoceNuncaViu) recebe no próximo sábado, 18.09.2021, às 21h, os historiadores Lucia Paschoal Guimarães, Teresa Malatian e André Heráclio do Rêgo para a 𝓵𝓲𝓿𝓮  

*Oliveira Lima e a longa Independência do Brasil*. 

Lucia Maria Paschoal Guimarães, carioca, é graduada em História pela UFRJ, mestra em História Social pela mesma Universidade e doutora em História Social pela Usp. Realizou estágios de pós-douramento na Cátedra Jaime Cortesão da FFLCH-USP (2005-6) e de pesquisa sabática na Universidade Nova de Lisboa (2008-9). É professora titular de Teoria da História e Historiografia da Uerj. Coordena o Grupo de Pesquisa “Idéias, cultura e política na formação da nacionalidade brasileira”. Participa como pesquisadora principal do Pronex/CNPq/Faperj "Caminhos da Política no Império do Brasil”, dirigido por Lucia Maria Bastos Pereira das Neves. Publicou livros e trabalhos no Brasil e no exterior, decorrentes de pesquisas que contemplam, sobretudo, os temas: cultura histórica, história e memória, cultura política, intelectuais e poder, IHGB e relações culturais luso-brasileiras.

É autora de, entre outros, “História da Ordem dos Advogados do Brasil: criação, primeiros percursos e desafios (1930-1945)” (Editora da OAB, 2003); “Debaixo da imediata proteção imperial: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro” (Annablume, 2011); e organizadora do recém-lançado “Oliveira Lima e a longa história da Independência” (Alameda Editorial, 2021).

Teresa Maria Malatian, paulista de Itu, é graduada em História pela PUC de Campinas, mestra em História pela PUC-SP e doutora em História Social pela USP, e, ainda, livre-docente em Historiografia. Atuou como professora titular da Unesp por 30 anos, tendo sido coordenadora da Pós-Graduação em História. É autora de “Oliveira Lima e a construção da nacionalidade” (2001); “Império e Missão: um novo monarquismo brasileiro_ (Civilização Brasileira, 2001); “D. Luiz de Orleans e Bragança: peregrino de impérios” (Alameda Editorial, 2010); “O Cavaleiro Negro: Arlindo Veiga dos Santos e a Frente Negra Brasileira” (Alameda Editorial, 2015);  “O Príncipe Soldado: a curta e empolgante vida de D. Antonio de Orleans e Bragança” (Linotipo Digital e IDII, 2018); e autora de capítulo no recém-lançado “Oliveira Lima e a longa história da Independência” (Alameda Casa Editorial, 2021).

André Heráclio do Rêgo, pernambucano do Recife, é graduado em Diplomacia pelo Instituto Rio Branco, mestre em Estudos Ibéricos e Ibero-americanos pela Universidade de Paris X (Nanterre), doutor em Estudos Portugueses, Brasileiros e da África Lusófona pela mesma universidade, além de pós-doutor em História Social na Universidade Católica de Lisboa e pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP). Diplomata de carreira, ocupa atualmente o cargo de ministro de Segunda Classe, e serviu em Bonn, Berlim, Estocolmo, Lisboa e Assunção. Também historiador, tem obras publicadas sobre família e coronelismo e imagem e representação dos sertões. 

Especialista na vida e obra de Manoel de Oliveira Lima, publicou “Oliveira Lima, um historiador das Américas” (CEPE, 2017) e acaba de organizar com Lúcia Maria Paschoal Guimarães e Lucia Maria Bastos Pereira das Neves o livro “Oliveira Lima e a longa história da Independência” (Alameda Editorial, 2021). Vai lançar em breve volume com ensaios pouco conhecidos do historiador pernambucano, intitulado "O descobrimento do Brasil e outros ensaios" (BBM, 2021).


quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Oliveira Lima: lançamento do livro O Descobrimento do Brasil e outros Ensaios, organizado por André Heráclio do Rêgo

 No dia 13 de setembro de 2021, às 15h, a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM-USP) apresentará em seu canal no Youtube o evento de lançamento do livro:

O Descobrimento do Brasil e outros Ensaios

organizado por André Heráclio do Rêgo.

O livro é composto por sete textos quase inéditos do historiador e diplomata Manuel de Oliveira Lima. Os seus ensaios são valiosas fontes para aqueles que pretendem conhecer mais sobre a historiografia da formação do Brasil.

André Heráclito do Rêgo adiciona ao final de cada texto selecionado notas explicativas que fornecem ao leitor informações que contextualizam acontecimentos, datas e personagens abordados pelo historiador em seus textos originais.

A obra compõe a Coleção 3x22, um projeto da BBM que pretende difundir parte da produção acadêmica contemporânea, ao explorar novas temáticas e narrativas que trazem outros olhares a versões canônicas da História do país.

A mediação do lançamento será feita por Alexandre Moreli, vice-diretor da BBM e professor do Instituto de Relações Internacionais da USP. O evento pode ser acompanhado a partir do seguinte link: https://youtu.be/96tkN9hPGeY



 

sexta-feira, 25 de junho de 2021

O Brasil como "grande Portugal": capítulo de livro mais recente publicado, sobre Oliveira Lima - Paulo Roberto de Almeida

 Um “imenso Portugal”? A hipótese de um império luso-brasileiro no contexto internacional do início do século XIX

Paulo Roberto de Almeida

Colaboração ao volume: “Oliveira Lima e a (Longa) História da Independência”; 

In: RÊGO, André Heráclio do; NEVES, Lucia Maria Bastos P.; GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal (orgs.). Oliveira Lima e a longa história da Independência. São Paulo: Editora Alameda, 2021, ISBN: 978-65-5966-030-8; p. 283-331.

 


1. Poderia o Brasil ter sido o centro de um grande império luso-brasileiro?

Essa hipótese apresentou-se em diversos momentos da conjuntura política e diplomática vivida por Portugal entre o final do século XVIII e as três primeiras décadas do século XIX. A possibilidade da junção da metrópole com a sua mais importante colônia foi colocada ainda antes da independência, no momento da transferência da Coroa para o Brasil, retomada por ocasião da união dos reinos, oficializada em 1815, e logo depois, no decurso do processo autonomista e, finalmente, nos anos seguintes à declaração da autonomia política, quando se negociava o reconhecimento da independência e o estatuto que assumiriam os dois soberanos, pai e filho. Recorde-se que, no tratado de reconhecimento, o rei D. João VI foi distinguido com o título de Imperador do Brasil; seu filho, por outro lado, era o herdeiro do trono português. Mas, nele também havia a proibição de que o Brasil buscasse a sua própria junção com as colônias portuguesas da África, ou seja, uma interdição formal de aliança política e de criação de um novo reino entre os mais importantes parceiros num dos maiores e mais lucrativos negócios internacionais da época: o tráfico escravo.

Qual seria, em todo caso, a natureza do projeto? Ele consistiria na formação de uma unidade política de alcance multicontinental, com o Brasil no centro de um vasto império, estendendo-se das Américas até o Timor (na Indonésia holandesa), passando por algumas ilhas atlânticas, por colônias nas duas costas da África, assim como pela Ásia do sul, notadamente em Goa, na Índia, e, embora não de direito, por Macau, na China. Esse era o vasto império ultramarino português, tão bem estudado por Charles Boxer, cuja amplitude ainda tinha sido confirmada por ocasião da aclamação do príncipe regente, depois da morte de sua mãe: D. João, até então príncipe regente, tornou-se o sexto do nome, “rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, d’Aquém e d’Além-Mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia”. 

Em apoio à centralização da administração desse império a partir do Rio de Janeiro havia o fato de que o Brasil já era, desde o século XVII, com as minas de ouro e de diamante, o mais importante provedor de recursos do Tesouro real, como tal ambicionado por outros impérios e companhias de comércio. A Companhia das Índias Ocidentais neerlandesas não empreendeu a conquista do Nordeste por acaso, naquele século, nem a sua contraparte para as Índias Orientais da Inglaterra se atacou ao Império Mogul, na Índia, no século seguinte, apenas para criar uma nova fonte de lucros para os seus acionistas. A construção de poderosos impérios coloniais constituía, provavelmente, o passatempo favorito dos soberanos das grandes potências europeias da época.

Portugal constituía uma unidade à parte no conjunto das nações colonialistas que, desde o final da Idade Média, e sobretudo a partir das grandes navegações, precocemente dotadas de aristocratas ousados e burguesias conquistadoras, amealharam, para suas respectivas monarquias unificadas, territórios e povos dispersos nos vários continentes alcançados pelas suas caravelas, galeões e outras embarcações colocadas a serviço das coroas e companhias lançadas na aventura colonial: estas eram as da Espanha, da França, da Inglaterra, da Holanda e outras menores. Portugal, uma das primeiras monarquias unificadas da Europa, lançou-se primeiro que todas as outras à formação de um formidável império ultramarino. 

Mas, suas “armas e barões assinalados” não dispunham de condições adequadas e suficientes para consolidar esse vasto império num bloco econômico e comercial suscetível de constituir um tão vasto império colonial quanto aqueles que sustentaram o grande poderio da Espanha, ou os da França e da Grã-Bretanha, que lhes serviram tão bem nos grandes conflitos globais nos quais essas duas grandes potências estiveram envolvidas na primeira metade do século XX. Tanto é assim que duas potências tardiamente unificadas, Alemanha e Itália, tiveram de correr atrás de pequenas porções restantes na África, na Ásia e no Pacífico, para tentar emular o prestígio conquistado pelos concorrentes e adversários na Europa ocidental, sem esquecer os demais pequenos candidatos à glória colonial, como a Bélgica, a Dinamarca, ou a própria Holanda. Outro exemplo de colonialismo tardio, o Japão, conseguiu até humilhar impérios mais antigos, como o russo e o chinês, entre o final do século XIX e o início do seguinte, mas não logrou consolidar suas conquistas, em face de conflitos criados com imperialismos rivais, o inglês, o francês, o holandês e até o novo imperialismo do livre-comércio, o dos Estados Unidos. 

O presente ensaio examina as condições estruturais e institucionais sob as quais essa hipótese de um império luso-brasileiro poderia ter sido testado na prática, mas a resposta, já preliminarmente negativa, pode ser afirmada desde o início, a despeito de especulações a esse respeito formulada por estadistas ou estudiosos em diversos momentos da trajetória histórica luso-brasileira do início do século XIX. Por que, então, colocar uma “tese” já descartada ab initio no contexto de um estudo sobre a conjuntura histórica de grandes transformações geopolíticas da era napoleônica e de enormes mudanças estruturais na economia mundial a partir da primeira revolução industrial? 

A hipótese de um grande império econômico luso-brasileiro oferece a oportunidade – meramente teórica, é verdade – de se examinar a questão do papel relativo do Brasil no quadro da economia e da política internacional, o que permite exercícios retrospectivos de análise histórica e também de reflexão sobre as atuais condições do Brasil no seio da economia global. Não se pode, por exemplo, descartar o pensamento e a ação de estadistas engajados naquela conjuntura histórica de transformação, tal como Hipólito José da Costa e José Bonifácio de Andrada e Silva, que, mesmo devotados inteiramente ao “movimento da independência” – segundo o título de um dos livros de Oliveira Lima –, também acalentavam o sonho de uma grande unidade político-econômica, de escala mundial, a partir de um grande império luso-brasileiro com sede no Rio de Janeiro. 

É duvidoso que tal “potência” tivesse condições de se impor no concerto mundial, como o fizeram os Estados Unidos no decurso do século XIX, sem o concurso do “modo inventivo de produção” que sempre foi o da colônia americana desde antes da sua emancipação e constituição como República. Uma discussão em torno do “estado da nação” na conjuntura histórica da independência, e nas fases seguintes da vida independente, talvez possa ajudar a responder tais questões hipotéticas sobre a eventual “projeção” ulterior do Brasil, que de toda forma não ocorreu. O processo histórico é sempre único e original, daí a possibilidade, mesmo no plano teórico, de explorar vias alternativas ao caminho efetivamente seguido pela nacionalidade, como forma de debater suas possibilidades no futuro. 

 

2. A importância da colônia brasileira para a atividade econômica da metrópole

(...)

3. As condições estruturais de Portugal e Brasil no período anterior à independência

(...)

4. A hipótese de uma união imperial no período joanino e na independência

(...)

5. As tentativas de Hipólito José da Costa na manutenção da unidade luso-brasileira

(...)

6. Um império luso-brasileiro seria possível a partir de uma unidade americana?

(...)

7. Tinha o Brasil condições de assumir a direção de um império multinacional?

(...)

 

Bibliografia: 

Almeida, Paulo Roberto de. “O pensamento estratégico de Varnhagen: contexto e atualidade”, In: Lima, Sérgio Eduardo Moreira (org.). Varnhagen (1816-1878): diplomacia e pensamento estratégico. Brasília: Funag, 2016, pp. 125-197.

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_______ ; Carvalho, José Murilo de. “O Brasil da independência a meados do século XIX”, In: Bethell, Leslie (org.), História da América Latina, vol. III, Da Independência até 1870. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo; Brasília: Funag, 2001, pp. 695-769.

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[Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 5 de setembro, 15 de novembro de 2019; 30 de setembro de 2020]



CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE

SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

O48

Oliveira Lima e a longa História da Independência / organização André Heráclio do Rêgo, Lucia Maria Bastos P. Neves, Lucia Maria Paschoal Guimarães. - 1. ed. - São Paulo : Alameda, 2021. 

320 p. ; 21 cm. 

Inclui bibliografia e índice 

ISBN 978-65-5966-030-8 

1. Lima, Manuel de Oliveira, 1867-1928 -- Narrativas pessoais. 2. Brasil - História - Independência, 1822. I. Rêgo, André Heráclio do. II. Neves, Lucia Maria Bastos P. III. Guimarães, Lucia Maria Paschoal.


 

Sumário

Prefácio 7

Introdução 9

André Heráclio do Rêgo

Alexandre de Gusmão e a Independência do Brasil 23

Synesio Sampaio Goes Filho

O Brasil de 1808 visto por Oliveira Lima 37

em 1908: imagem e retrato

Guilherme Pereira das Neves

A consagração de uma realidade: a mudança da 59

Corte de D. João VI para o Brasil e a fundação

de um Império no Novo Mundo

Teresa Malatian

Oliveira Lima e a Escrita da História: 81

a Revolução Pernambucana de 1817 em questão

Maria de Lourdes Viana Lyra

Oliveira Lima e a Revolução de 1817 105

André Heráclio do Rêgo

O “contraditório harmonioso”: as notas de 145

Oliveira Lima à História da Revolução 

de Pernambuco em 1817

George F. Cabral de Souza

Oliveira Lima e o Império do Brasil: 165

uma nova narrativa

Lucia Maria Bastos P. Neves

Oliveira Lima e a História do Reconhecimento 189

do Império do Brasil: imbricações entre Política,

Memória e Escrita da História

Guilherme de Paula Costa Santos

Manuel de Oliveira Lima: o epílogo da história 215

comum de Brasil e Portugal

Lucia Maria Paschoal Guimarães

Oliveira Lima e o debate sobre 235

a construção da nacionalidade

Cecilia Helena de Salles Oliveira

Dom Pedro e Dom Miguel: perspectivas 267

comparadas entre Oliveira Lima e

Oliveira Martins

Guilherme Souza Carvalho da Rocha Freitas

Um “imenso Portugal”? A hipótese de um 283

império luso-brasileiro no contexto internacional

do início do século XIX

Paulo Roberto de Almeida

O Império Brazileiro de Manuel de Oliveira Lima 333

Júlio César de Oliveira Vellozo

Oliveira Lima interpreta o Brasil 359

(a propósito de um legado intelectual)

Arno Wehling

Caderno de imagens 377

Sobre os autores 383