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domingo, 8 de setembro de 2019

Paulo Francis antecipou Trump e Bolsonaro - Gabriel Trigueiro (Época)

Ler Paulo Francis é um orgasmo de saber e conhecimento (Ricardo Bergamini).

Ignorância é o nosso grande patrimônio nacional (Paulo Francis).
O Brasil é um asilo de lunáticos onde os pacientes assumiram o controle (Paulo Francis).
A melhor propaganda anticomunista é deixar um comunista falar (Paulo Francis).
Não levo ninguém a sério o bastante para odiá-lo (Paulo Francis).

COLUNA | SAUDADES DE PAULO FRANCIS

Escritor que não deixou sucessores, Francis foi 'cancelado' pela esquerda e apropriado pela direita que ignora suas principais virtudes.

07/09/2019 - ÉPOCA


Paulo Francis é um escritor que não deixou sucessores. Nem sequer pode ser dito que, a exemplo de alguém como George Orwell, esquerda e direita disputam o seu espólio. Porque, verdade seja dita, a esquerda o "cancelou" e a direita se apropriou de maneirismos, de cacoetes muito específicos, mas ignora suas principais virtude

Em um livro pouco lido e pouco falado de Francis, Nixon x Mcgovern: As Duas Américas (1972), há uma excelente síntese do apelo de Richard Nixon: "Nixon é o que inúmeros americanos são e têm vergonha de ser: o careta preconceituoso, aquisitivo, isento de imaginação e ideias, tão inseguro de si próprio que recebe qualquer crítica aos EUA como uma ofensa pessoal. De Sinclair Lewis (em verdade, antes) em diante, essa figura protótipo da Middle America é um saco de pancada da intelectualidade que, pequena em números, influi fantasticamente na determinação do estilo e gosto das elites, dominando até o tom dos comentaristas de televisão. Nixon restabeleceu o prestígio do caretismo".

Francis prossegue e aponta, por exemplo, que um filme como Millhouse: a White Comedy, um documentário satírico sobre Nixon, foi capaz de fazer muito sucesso em Nova York, bem como em outros centros urbanos, mas que no interior inclui "o espectador entre os ofendidos". Essa é uma observação muito profunda e sofisticada, sobretudo para a época. Repare, seu livro foi publicado em 1972, e nesse momento Paulo Francis aponta para algo que mesmo nos EUA de Trump e no Brasil de Bolsonaro a classe intelectual progressista teima em não levar em consideração: a principal clivagem que há no debate público é muito menos entre esquerda e direita e muito mais relativa à classe - não à moda dos marxistas, mas classe entendida como uma variável sociológica que meio que informa, ou pelo menos condiciona, a sua percepção do mundo e da realidade (com relação à política mas principalmente à cultura e até a um determinado senso estético).

Dito de outra forma, sempre que um intelectual sóbrio demais, cosmopolita demais, respeitável demais, usando um paletó de tweed com remendos no cotovelo, desautorizava Donald Trump ou, em termos mais gerais, o trumpismo, o tiro saía pela culatra. O que era pensado como um golpe a ser desferido contra um político muito específico, acabava soando e sendo interpretado como uma afetação de classe dirigida por um intelectual esnobe, situado no topo de sua torre de marfim, com nojo do povo.

Movimento análogo ocorreu, e na verdade ainda está em curso, no Brasil com o bolsonarismo. O fato de que Francis tenha tido a perspicácia de ter decodificado essa dinâmica ainda na década de 1970, só atesta que ele, em seus melhores momentos, podia ser um observador atento e muito inteligente.

Outra dinâmica política nixoniana que, infelizmente não nos é estranha, é um certo apelo populista de valorização do homem comum, da sabedoria comum, em oposição ao discurso dos técnicos e especialistas. Ou, trocando em miúdos e sem o uso de eufemismos, uma guerra à ciência: que em determinado momento algumas pessoas mais otimistas (ingênuas?) minimizaram como meras bravatas, mas que rapidamente se deram conta de que se tratava de um conjunto de políticas públicas dotada de certa racionalidade muito específica.

Para citar apenas um caso concreto relativo ao governo Nixon, e apontado por Paulo Francis em seu livro, basta dizer que em determinado momento uma comissão sobre saúde pública, presidida pelo financista e filantropo John D. Rockefeller III, concluiu seus trabalhos com um relatório que recomendava educação sexual, uso de anticoncepcionais e aborto legalizado. "Trata-se de um estudo sociológico e não de um palpite", como Francis pontua. No entanto o relatório acabara sendo integralmente rejeitado pela presidência. Em seu lugar, qual seria a proposta alternativa adotada pelo governo Nixon? A platitude reacionária de se recuperar "os padrões morais do passado" da família americana.

É difícil ler esse tipo de coisa e não lembrar do atual governo Bolsonaro, no qual há uma desvalorização sistemática do discurso científico somada a um desejo mimético de soar como um Trump dos trópicos. Esse tipo de iniciativa fica evidente em um tópico muito específico, como a adesão de uma atitude negacionista diante do aquecimento global, e mesmo da agenda ambiental como um todo.

Em Certezas da Dúvida (1970), outro excelente livro de Francis, este uma antologia de suas colunas, ele argumenta no artigo "A Maioria Silenciosa" sobre o fato de que o conservadorismo, tão bem capitalizado por Nixon durante a década de 1970, poderia ser interpretado não meramente como uma reação política às esquerdas da época, mas mais ainda como uma espécie de reação estética a essas mesmas esquerdas. De acordo com ele, "Porque os jovens universitários e intelectuais são diferentes do resto do povo. Sabem mais, em primeiro lugar, mas isso ainda é o menos intolerável, pois é possível, até certo ponto, isolar da nossa consciência aquilo que não entendemos, e ler, ouvir e compreender só o que queremos. Impossível, porém, é evitar a visibilidade dos pacifistas e revoltosos nos EUA. Suas roupas, barbas e cabelos, hábitos sexuais e drogas, ajudaram mais a arrebanhar a 'maioria silenciosa' sob Nixon do que qualquer polêmica do Dr. Chomsky (...)".

O que a nova direita jamais admite, mas que para mim cada vez mais é um fato insofismável, é que o Paulo Francis trotskista é um Paulo Francis muito mais interessante do que o Paulo Francis, digamos, liberal-conservador. 'Early Francis' era um intelectual original, engraçado e mais rigoroso do que 'late Francis': mero pastiche de intelectual reaça americano. O Francis no início da carreira escrevia melhor, inclusive. Basta cotejar os textos do Correio da Manhã, e mesmo os do Pasquim, com os do Estadão, por exemplo.

De todo modo, Francis foi um dos maiores jornalistas que tivemos, um excelente crítico cultural e um grande analista político. Em uma época como a nossa, de inquestionável triunfo da vulgaridade estética e política, ele faz muita falta. Saudades, Paulo Francis.

GABRIEL TRIGUEIRO: É especialista em teoria política e crítica cultural. Escreve sobre política brasileira, política internacional e cultura.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Paulo Francis homenageado por Roberto Campos, em 1997

Grato ao colega de Facebook Jefferson Araújo por ter recuperado este artigo que não conhecia, e tê-lo postado com este título: "Um gênio escrevendo sobre outro gênio".
Paulo Roberto de Almeida 

Paulo Francis - Pugilista de idéias
Roberto Campos 
O Globo, 9 de fevereiro de 1997

Sempre achei que o Brasil não se salvaria pelo silogismo. Mas poderia ser salvo peta anedota...
Nesse sentido, a contribuição de Paulo Francis para a modernização da mentalidade brasileira foi mais relevante que a minha. Enquanto eu produzia secos silogismos, Francis usava o veneno da ironia e o punhal do sarcasmo para colocar na defensiva os cultores da mitologia nacionalista e estatizante, que reduziu nosso potencial de crescimento e nos enfeudou à pobreza. Seu passado marxista o tornou conhecedor de técnicas de lavagem cerebral.
Que essa operação de exorcismo foi eficaz, prova-o a grande mudança na atitude popular. Os monopólios estatais, antes ungidos de sacralidade estratégica, são hoje vistos com indignação resignada. Alguns, como a Telessauro e a Embratel, caíram no plano anedótico e enriquecem o vocabulário de xingamentos dos devotos da Internet, neurotizados pelas dificuldades de acesso.
Começa-se a perceber que os funcionários das estatais há muito tinham privatizado as empresas públicas, sugando-as através de abusivas contribuições para os fundos de pensão, que se expandem comprando outras empresas. Fica o Tesouro à mingua de dividendos, e o público, à mingua de serviços.
Um pouco mais resistente à erosão da mitologia estatizante e a Petrossauro, cujo monopólio constituía uma aberração lógica por sermos no mundo o único país importador que preferia comprar petróleo de estrangeiros a receber capitais para produzi-lo internamente.
O déficit comercial, que hoje nos assusta, e do exato tamanho da incompetência da empresa. Em 1996, nosso saldo comercial negativo foi de US$ 5,5 bilhões é o valor de nossas importações de petróleo bruto e derivados (deduzidas exportações) foi de USS 5,8 bilhões!
Nos anos 80, ao analisar nossa grande crise da divida externa, demonstrei que nossa insolvência era uma "petrodívida". Hoje se pode dizer que nosso déficit comercial (depois de 43 anos de monopólio e incontáveis promessas de auto-suficiência) é um "petrodeficit" ... 
Paulo Francis tinha carradas de razão ao dizer que "Petrobrás é uma excrescência arcaica e nos custa os olhos da cara"... A trajetória intelectual de Francis foi uma gradual contaminação pela verdade e uma contínua erosão de preconceitos. De radical de esquerda, nos anos 50 e 60, e vocalizador do protesto político nos ano 70, passou a "radical liberal" a partir dos anos 80. Qual o primum movens da conversão?
Um dos fatores foi, certamente, sua desilusão com o "socialismo real". Nunca foi, entretanto, entusiasta do despotismo burocrático de Stalin grande carniceiro. Preferia a visão trotskista, um pouco mais romântica, da "revolução permanente".
Em sua rota revisionista, Francis deve ter sido abalado pelas revelações de Kruschev sobre os crimes de Stalin e pelo massacre da Hungria em 1956. Talvez mais decisivo ainda tenha sido o aniquilamento do socialismo com face humana, na Invasão da Checoslováquia em 1968.
0 segundo fator, talvez mais fundamental foi seu auto-exilio nos Estados Unidos em 1970, depois de ter sido quatro vezes preso, como subversivo, pelos militares brasileiros, na histeria anticomunista que se seguiu ao Ato Institucional n. 5. Lá continuou a lutar pela abertura política no Brasil e seus textos, enviados de Nova York, deram-lhe popularidade como fazedor de opiniões na classe estudantil e na classe média, ansiosas pela descompressão política.
Com sua enorme capacidade de metabolismo intelectual, Paulo Francis logo se impregnou dos valores do capitalismo democrático, com uma fórmula imperfeita, porém insubstituível de conciliar minimamente três objetivos quase inconciliáveis: liberdade política, eficiência econômica e equidade social.
Para Francis, um elitista intelectual, não foi difícil assumir a visão realista de que, tendo os homens nascido completamente desiguais por desígnio divino, a tentativa igualitária é uma farsa despótica, não nos restando mais que uma administração humana das desigualdades.
Em minhas numerosas conversas com Paulo Francis, em Manhattan, dei-me conta de que ele, após um processo longo de desmistificação, havia percebido melhor que muitos economistas profissionais a receita misteriosa do desenvolvimento econômico: liberdade competitiva numa economia de mercado e entorno institucional e judiciário respeitador das regras do jogo.
As "riquezas naturais", supostamente cobiçadas pelos imperialistas, não são fundamentais, pois o Japão enriqueceu sem elas. A educação não garante o progresso, pois a Rússia entrou em colapso anos após realizada a fórmula de Lenin: educação mais eletrificação.
É importante a taxa de poupança, mas só se os investimentos não forem desperdiçados. A moeda estável seria uma condição necessária porém não suficiente. Também o capitalismo não basta, a não ser que seja liberal e competitivo, pois são desastrosos os capitalismos de Estado.
Tendo sofrido na fase autoritária brasileira por seu fanatismo pelas liberdades políticas, passou nos Estados Unidos a ser um fanático também da liberdade econômica.
Para trás ficaram as ingenuidades do Estado benfeitor, das estatais estratégicas, do controle social de preços e de mercado. Eram caipiragens retrógradas. De uma visão marxista do Governo como um "justiciador", passou uma visão nietzcheana do Governo como um "predador".
Em seus últimos tempos, Francis sofria de uma "inversão de patrulhamento"; na juventude, fora patrulhado pela direita; na maturidade passou a ser patrulhado pelas esquerdas, que nunca compreenderam, como e por que se livrara ele da sedução marxista.
Minhas conversas com Paulo Francis versaram quase sempre sobre a "angústia do atraso", à busca, ambos nós, de explicações para a tenacidade de nossa miséria. Mas seus interesses culturais eram de larguíssimo espectro.
Abrangiam o teatro (começara sua carreira como critico e ator teatral), o cinema (em que se tornou um erudito), a literatura nacional e mundial (que lia com ecumênica voracidade), o balé e a música. Nesta, esbanjava erudição, humilhando-me com disquisições sobre duas modalidades musicais que pouco me atraiam: óperas e Wagner.
As crônicas que publicou, ao longo dos anos, sob a rubrica "Diário da Corte", eram um esquisito buquê de crítica literária e artística, análise política, palpitologia econômica e saborosa psicanálise de amigos e inimigos. Seu estilo era inconfundível e inimitável. Afinal de contas, há muitos escritores mas poucos pugilistas de idéias. Deixa um vácuo em nossa paisagem literária. É uma pena.