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terça-feira, 3 de maio de 2022

A homenagem de Ricardo Vélez-Rodríguez ao grande mestre Antonio Paim

 Blog de Ricardo Vélez-Rodríguez em: 02/05/2022

ANTÔNIO PAIM: UM ANO DE SAUDADE

Alex Catharino convidou-me para fazer, na noite de 30 de abril, uma live em memória do querido Mestre Antônio Paim (1927-2021), falecido há um ano. Vou pinçar alguns momentos que vivi perto do Mestre, ao longo dos 49 anos durante os quais tive o privilégio de privar da sua amizade e orientação intelectual. 

Lembro-me da manhã da segunda-feira após a semana de Carnaval de 1973, quando o conheci na PUC do Rio. Tinha vindo da Colômbia com uma bolsa da OEA, para fazer o mestrado em Pensamento Brasileiro. O Mestre, que reconhecia um esquerdista à quilômetros, me perguntou acerca do meu interesse pelo Curso. Frisei que me interessava em geral pelo pensamento latino-americano. Ele me respondeu, com certa rispidez, que o Curso da PUC não era de pensamento latino-americano, mas brasileiro. Mas, enfim, queria fazer o mestrado e não discuti com ele. 

Na hora de definir o tema da minha pesquisa, falei que me interessava estudar as origens do autoritarismo brasileiro. Ele me informou, então, que precisaria ler muitos jornais do início do período republicano, pois o autor a ser estudado, Júlio de Castilhos (1860-1903), tinha sido redator de A Federação, o jornal dos ativistas gaúchos alcunhados de Castilhistas, frisando que o pensamento do mencionado autor encontrava-se disperso nos editoriais desse jornal, ao longo das décadas de 80 e 90 do século XIX. 

Topei fazer a pesquisa, para o qual tive de me deslocar por algum tempo para o Rio Grande do Sul, além de consultar as fontes que se achavam no Rio, na Biblioteca Nacional, na Biblioteca do Museu da Marinha. no Real Gabinete Português de Leitura e na Sociedade Sul-riograndense de Cultura. Peguei uma alergia danada por conta dos ácaros presentes nos velhos jornais.

Paralelamente, claro, tive de ler toda a bibliografia existente sobre o Positivismo Gaúcho e as Guerras Civis que ensanguentaram a terra rio-grandense entre 1893 e o final do século XIX (guerra dos Pica-paus e Maragatos) e entre 1922 e 1923 (guerra dos Assissistas contra o eterno presidente do Rio Grande, Borges de Medeiros). E, como se tratava de identificar o pensamento dos Castilhistas em toda a sua extensão, inclusive do ângulo das críticas endereçadas pelos liberais sul-riograndenses contra o positivismo, teria de me familiarizar com os clássicos do Liberalismo: Locke, Montesquieu, Kant, os Pais Americanos (Washington, Madison, Jefferson, Jay, etc.) e com os críticos doutrinários do autoritarismo francês (Guizot, Constant, Tocqueville, Villemain, Cousin, Aron, etc.), além, é claro, de estudar as teses básicas do liberais gaúchos críticos do Castilhismo (notadamente Gaspar da Silveira Martins e Joaquim Francisco de Assis Brasil), assim como o pensamento de Rui Barbosa e Sílvio Romero, no que se refere à crítica à ditadura “científica”.

Defino jocosamente esse período como um autêntico estupro epistemológico. Em pouco mais de um ano tive de dar conta, em rigorosos informes semanais apresentados ao meu orientador (o Mestre Paim, coordenador do Mestrado, tinha definido que ele me orientaria). Apresentei a defesa da minha dissertação em dezembro de 1974, sob o título de: “A filosofia política de inspiração positivista no Brasil: o Castilhismo”. Daí sairia o meu livro intitulado: Castilhismo, uma filosofia da República, já na terceira edição. 

Um efeito colateral importante da minha dissertação: ao ler a ampla bibliografia liberal, notadamente as obras de Tocqueville, pude confessar o que Gilles Lipovetski falou acerca da sua conversão ao liberalismo: “Deixei Marx e adotei Tocqueville”. Pois bem: abandonei o marxismo e virei liberal. Não posso, em virtude disso, não acreditar na validade de uma conversão cultural! 

Continuei estudando o Liberalismo e fiz um Pós-Doutorado no Centre de Recherches Politiques Raymond Aron de Paris (entre 1994 e 1996), sobre o pensamento de Tocqueville, tendo contado com a eficaz e dedicada orientação do meu Mestre Paim e com a ajuda do amigo e saudoso embaixador José Osvaldo de Meira Penna (1917-2017), que me apresentou aos pesquisadores franceses. Foi possível, assim, para mim, receber orientação da grande estudiosa de Tocqueville na França, madame Françoise Mélonio (1951-), autora do clássico Tocqueville et les Français [Paris: Aubier, 1993]. Sob sua orientação publiquei, ulteriormente, pela Editora da Universidade de Toronto, o meu ensaio intitulado: Tocqueville au Brésil [Toronto University Press, The Tocqueville Review, Vol. XX, nº 1 – 1999: 147-176]. A restante parte da minha pesquisa sobre o liberalismo tocquevilliano foi publicada em duas obras: A democracia liberal segundo Alexis de Tocqueville [São Paulo: Mandarim,1998] e O liberalismo francês: a tradição doutrinária e a sua influência no Brasil [Juiz de Fora: Centro de Estudos Estratégicos Paulino Soares de Sousa, 2002] - Edição digital: https://static.poder360.com.br/2018/11/rodriguez_o_liberalismo_frances_trad_doutrinaria.pdf 

Tendo regressado à Colômbia no início de 1975, militei no Partido Liberal chefiado pelo ex-presidente Carlos Lleras Restrepo (1908-1994). Em decorrência das minhas atividades na extrema esquerda anteriores a 1973, não consegui voltar à Universidade Externado de Colômbia, de Bogotá, onde trabalhei antes de viajar ao Brasil para fazer o mestrado. Fui convidado pelo Reitor da Universidade de Medellín, o saudoso amigo Orión Alvarez, para ser pró-reitor de Pós-Graduação e Pesquisa dessa Universidade. De outro lado, lecionei “História das ideias políticas na América Latina” na Universidade de Antioquia, em Medellín, bem como a cadeira “Humanismo de la Técnica” na Universidade EAFIT. Com o pesado clima de violência que se instalou na Colômbia, ao longo do final dos anos 70 e durante a década seguinte, decidi, em 1979, fazer o doutorado em pensamento luso-brasileiro que era oferecido pela Universidade Gama Filho. Pedi licença sem vencimentos nas Universidades às quais estava vinculado em Medellín e fui fazer o doutorado em Pensamento Luso-Brasileiro, na Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro. 

Mestre Paim, docente e fundador do Curso, foi o meu orientador. O tema da minha tese foi o pensamento sociológico de Oliveira Vianna (1883-1951), que tinha desenvolvido a categoria de “autoritarismo instrumental” para definir a forma em que o Brasil se modernizou, tentando superar a herança castilhista. O título da minha tese foi: Oliveira Vianna e o papel modernizador do Estado Brasileiro, publicada em 1997. Paim me orientou na identificação do Patrimonialismo brasileiro, estudando as fontes weberianas da tipologia Feudalismo / Patrimonialismo em Max Weber e Karl Wittfogel e mergulhando no estudo da obra de Oliveira Vianna (1883-1951).

Para Paim, seria possível superar o Patrimonialismo. Essa possibilidade radicaria em dois pontos: que a sociedade brasileira recuperasse a valorização da livre iniciativa (que tinha se dado pioneiramente no ciclo do açúcar no Nordeste, no século XVII) e, em segundo lugar, que houvesse um amplo processo de privatizações a fim de diminuir o tamanho do Estado, para consolidar uma representação de interesses no Congresso a partir da qual se pudesse organizar um Estado a serviço da Sociedade, não sobranceiro a ela. As obras de Paim intituladas: A querela do estatismo [3ª edição de 2018], Marxismo e descendência [2ª edição de 2009] e Momentos decisivos da História do Brasil[2ª edição de 2014] encarregaram-se de traçar o plano de voo de desmonte do Estado Patrimonial e de sua progressiva substituição por um Estado concebido a partir do ideal liberal da representação de interesses e de valorização da livre iniciativa. 

No entanto, a conclusão a que o Mestre chegou não é alvissareira: o Estado Patrimonial foi reforçado, infelizmente, com a adoção do esquema cultural do cientificismo, aliado à força estatizante vinculada à burocracia e à classe política, que terminou rejeitando os esforços em prol do aperfeiçoamento da representação, com o paralelo e agressivo surgimento da vulgata marxista que instalou essa ideologia no terreno educacional com a obra de Paulo Freire (1921-1997). Paim chama a atenção, em Momentos decisivos da História do Brasil, para a conclusão a que chega o antropólogo Alberto Carlos Almeida, na sua obra intitulada: A cabeça do brasileiro [Rio: Record, 2007]. Segundo o mencionado antropólogo, a elite brasileira encabeçada pela classe política e a magistratura, endossou claramente a escala de valores do Patrimonialismo, em torno à crença de que de que é lícito se enriquecer com o dinheiro público. Hoje, com o agressivo desmonte da Operação Lava Jato e com a instauração de uma minoria monocrática na cúspide do poder judiciário, definidamente autoritária nos moldes do espírito pombalino, fica claro que será difícil, nas próximas décadas, vencer de vez o Patrimonialismo.

Lembrando o paradoxal título da obra de Barbara Tuchman (1912-1989) intitulada:  A marcha da insensatez [Tuchman, 2012], que destacava a desgraça conjuntural, nos Estados Unidos, da presença de opositores ao progresso liberal simbolizados no Cavalo de Tróia, frisa o Mestre Paim: “No caso brasileiro, as opções também se configuraram, quase sempre tão claras como no confronto entre separatismo e unidade nacional, ou entre sistema representativo e autoritarismo. (...). Ao contrário de corresponder àquela expectativa [do progresso liberal], seria justamente o PT que empreenderia um passo que bem pode estar destinado a fechar-nos de vez à realização daquele que seria o nosso autêntico projeto nacional. Trata-se de que haja conseguido enterrar de vez projeto de constituição da ALCA. Ao invés de estarmos integrados ao que seria o provável desfecho do atual ciclo de globalização - a criação de mercado constituído pela junção dos Estados Unidos com a União Européia - , ingressaremos num período de marginalização cujas dimensões e consequências serão certamente funestas (...)” [Paim, Momentos decisivos da História do Brasil, 2014: 13-15].

Como sairmos do buraco patrimonialista nestes confusos tempos de populismos que se contrapõem? Mestre Paim dá a sua resposta: como o erro da elite brasileira consistiu, justamente, em se esquecer dos rumos da história, substituindo os fatos, no contexto do cientificismo marxista, pelas narrativas, o caminho da regeneração virá pela volta ao estudo dos fatos históricos, como ponto de partida para identificarmos a nossa identidade. Trata-se, portanto, de voltarmos às fontes históricas com o objetivo de “difundir o essencial do patrimonio da historiografia nacional” [Paim, Brasiliana Breve, 2019: 14], no contexto arejado da filosofia culturalista da história. 

Para Paim, “a experiência humana não autoriza inferir como seriam as coisas em si mesmas, isto é, na ausência do próprio homem com seus pontos de vista interessados (referidos a valores). Ao mesmo tempo, radicalizamos o seu posicionamento ao afirmar que toda mudança social pressupõe uma prévia mudança de valoração. (...). Se não desvendarmos as razões do declínio (da mudança), jamais estaremos em condições de compreender por que, nos três séculos subsequentes, terminam sempre em fracasso as tentativas de nos colocar entre as nações capitalistas do Ocidente. Precisamente a essa circunstância denomino de primeiro momento decisivo de nossa história, e neste livro, espero ter capacidade para desvendá-lo” [Paim, Momentos decisivos da história do Brasil,2007: 31].

BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA, Alberto Carlos [2007]. A cabeça do brasileiro. Rio de Janeiro: Record.

MÉLONIO, Françoise [1993]. Tocqueville et les Français. Paris: Aubier. 

PAIM, Antônio [2009]. Marxismo e descendência. 2ª edição. Campinas: Vide Editorial.

PAIM, Antônio [2014]. Momentos decisivos da História do Brasil. 2ª edição, São Paulo: Vide Editorial.

PAIM, Antônio [2018]. A querela do estatismo. 3ª edição, Campinas: Távola Editorial / CEDET. 

PAIM, Antônio [2019]. Brasiliana Breve. Uma coleção para difundir a historiografia nacional. Brasília: Edições do Senado Federal, vol. 258. 

TOCQUEVILLE, Alexis de [1977]. A Democracia na América. 2ª edição. (Tradução, prefácio e notas de Neil Ribeiro da Silva). Belo Horizonte: Itatiaia / São Paulo: EDUSP.

TUCHMAN, Barbara [2012].  A marcha da insensatez: De Troia ao Vietnã. (Tradução de Carlos de Oliveira Gomes). Rio de Janeiro: Best Seller / Record. 

VÉLEZ Rodríguez, Ricardo [1980]. Castilhismo: uma filosofia da República. 1ª edição. Porto Alegre: EST / Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul. 2ª edição corrigida e aumentada. (Apresentação de Antônio Paim). Brasília: Senado Federal, 2000. 3ª edição corrigida e aumentada. (Apresentação de Antônio Paim), Brasília: Senado Federal, 2010.

VÉLEZ Rodríguez, Ricardo [1997]. Oliveira Vianna e o papel modernizador do Estado brasileiro. (Apresentação de Antônio Paim). Londrina: Editora da UEL.

VÉLEZ Rodríguez, Ricardo [1998]. A democracia liberal segundo Alexis de Tocqueville. São Paulo: Mandarim.

VÉLEZ Rodríguez, Ricardo [1999]. Tocqueville au Brésil. Toronto University Press, The Tocqueville Review, Vol. XX, nº 1 – 1999: 147-176. 

VÉLEZ Rodríguez, Ricardo [2002]. O liberalismo francês: a tradição doutrinária e a sua influência no Brasil. Juiz de Fora: UFJF - Centro de Estudos Estratégicos Paulino Soares de Sousa, da Universidade Federal de Juiz de Fora - Edição digital: https://static.poder360.com.br/2018/11/rodriguez_o_liberalismo_frances_trad_doutrinaria.pdf 


quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Eleições 2022: as propostas de Sergio Moro - Ricardo Vélez-Rodríguez

 Do blog do professor Ricardo Vélez-Rodríguez:

ELEIÇÕES DE 2022 - AS PROPOSTAS DE SÉRGIO MORO

ELEIÇÕES DE 2022 - AS PROPOSTAS DE SÉRGIO MORO

O EX-MINISTRO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA, SÉRGIO MORO

É saudável, para a democracia, o debate ao ensejo das eleições, especialmente as presidenciais. Muitos acham que debate é coisa ruim, equivalente a uma briga. Ora, precisamos saber que o debate é essencial à vida democrática. Como na sociedade não há unanimidade e tudo se constrói pelo caminho da negociação entre interesses diversos, sem debate não haveria o necessário consenso. No caso das eleições presidenciais, o debate deve ser presidido pela discussão dos temas presentes nos diversos programas. É ruim para a vida democrática o clima de “já ganhou”, que muitos utilizam para potencializar a expectativa do seu respectivo candidato. Ora, pesquisas eleitorais jamais podem substituir a decisão das urnas. O debate claro e aberto entre as várias propostas é vital para a preservação da democracia. Infelizmente, na nossa história republicana, temos tido vários períodos autoritários que são responsáveis pela pouca valorização dos debates, ao ensejo da tentativa de alguns espíritos absolutistas de querer impor os seus pontos de vista e os seus candidatos. Contra esse clima de intolerância e de falta de lucidez é necessário reagir com força.

O fato de termos a nossa preferência num pleito eleitoral, não nos exime do esforço de conhecer os programas dos demais candidatos. Liberal-conservador por convicção, para o pleito do ano que vem tenho o propósito de conhecer os programas dos vários candidatos. Claro que escolherei aquele que melhor se afinar com as minhas prioridades axiológicas e com a defesa dos meus interesses. Mas, como professor, esforçar-me-ei, também, por conhecer os demais programas, a fim de conversar sobre esse tema com os meus alunos, amigos e conhecidos.

O primeiro plano de voo que me vem às mãos é o do ex-ministro Sérgio Moro, a quem conheci no primeiro gabinete do atual governo, como ministro da Justiça e Segurança Pública. Eu ocupava o cargo de Ministro da Educação. Durante a Transição e ao longo dos três meses que permaneci no governo, tive a oportunidade de conversar com o Ministro Moro sobre assuntos que tangiam à minha pasta e colaborei com ele na discussão das suas propostas acerca do Projeto de Política de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, que seria apresentado ao Presidente Bolsonaro, para ser encaminhado ao Congresso.

De outro lado, cumprindo com a promessa que eu tinha feito quando tomei posse, no sentido de coibir as práticas administrativas corruptas, foi assinado por mim, em 14 de fevereiro de 2019, um Protocolo de Intenções junto com o Ministro da Justiça e Segurança Pública, com o Ministro Wagner Rosário da Controladoria Geral da União, com André Mendonça, titular da Advocacia Geral da União e com a participação do Diretor Geral da Polícia Federal. Do Ministro Moro recebi atenção especial na confecção e debate desse Protocolo, que foi denominado de “Lava-Jato do MEC” e que visava a identificar irregularidades na gestão de algumas repartições do Ministério. 

Passo, a seguir, a mencionar e analisar, brevemente, os pontos que me pareceram mais destacados no discurso de Sergio Moro, quando da sua filiação ao Partido Podemos, em Brasília, no dia 10 de novembro deste ano.

1 – “Para que possamos demonstrar com sinceridade o nosso desejo de reconstruir o País e de reformar as instituições, nós precisamos provar que estamos dispostos a sacrifícios”.

Nesse contexto, Sérgio Moro propôs que a classe política deixasse de ter como foco aumentar o seu poder ou os seus privilégios, passando a cuidar do bem comum e do interesse público. Para tanto, ele propôs o fim do foro privilegiado, que trata o político ou a autoridade “como alguém superior ao cidadão comum”. O foro privilegiado “não deve existir para ninguém e para nenhum cargo, nem para o presidente da República”. Quanto à reeleição para cargos no poder executivo, devemos admitir que é uma experiência que não funcionou em nosso País. Nesse contexto de igualdade democrática, Moro propôs o fim da reeleição “para cargos no poder executivo”. 

2 – “A Petrobrás foi saqueada, dia e noite, por interesses políticos, como ‘nunca antes na história deste País’ ”. 

A consequência direta desse fato criminoso é, hoje, uma persistente recessão provocada pelos mesmos governos que permitiram tudo isso, com as pessoas comuns desempregadas e empobrecendo. Pode Lula falar no Parlamento Europeu quanto quiser, que os seus desfeitos para com o Brasil não desaparecerão da memória coletiva num passe de mágica. Pior: estão trazendo, como consequência catastrófica, dor, frustração, desemprego e fome.

3 – “Conseguimos de fato, em 2019, diminuir a criminalidade violenta e enfrentamos para valer o crime organizado”.

Ninguém combateu o crime organizado de forma mais vigorosa do que o Ministério da Justiça na gestão de Sérgio Moro. Lembrou o ex-ministro que “aproximadamente dez mil vidas brasileiras deixaram de ser ceifadas pelo crime”. As lideranças das gangues mais perigosas foram isoladas em presídios federais. A propósito, o ex-ministro frisou: “Disseram que reduzir crimes no Brasil e combater o crime organizado era impossível, mas isso foi feito”.

4 – “O meu desejo era continuar atuando, como ministro, em favor dos brasileiros. Infelizmente, não pude prosseguir no governo. Quando aceitei o cargo, não o fiz por poder ou prestígio. Eu acreditava em uma missão”. 

Quando o ex-ministro viu que não contava com o apoio do chefe do Executivo no seu combate ao crime organizado, deixou o Ministério para não coonestar com uma farsa. E frisou, determinado: “Nenhum cargo vale a sua alma”. Infelizmente, destaca o ex-ministro, “os avanços no combate à corrupção perderam a força. Foram aprovadas medidas que dificultam o trabalho da polícia, de juízes e de procuradores. É um engano dizer que acabou a corrupção quando na verdade enfraqueceram as ferramentas para combatê-la”. 

5 – “Ao olharmos para as reformas que estão sendo aprovadas, o que a gente percebe é que ninguém está pensando nas pessoas”. Em que pese o fato de se apresentarem iniciativas boas como o aumento do Auxílio-Brasil ou do Bolsa-Família, estas vêm acompanhadas de algo ruim como o calote às dívidas, “o furo no teto de gastos e o aumento de recursos para outras coisas que não são prioridades”. 

6 – “A degeneração maior da vida política consiste em que a busca do interesse público foi substituída pela busca egoísta dos interesses próprios e dos interesses pessoais e partidários”.

Esse defeito ocorre quando a máquina pública está voltada para si mesma. Isso explica por que “o Brasil continua sem futuro, com o povo brasileiro sem justiça, sem emprego e sem comida”. Ninguém pode ter a pretensão de elaborar um projeto só para si mesmo. Para reagir contra esse despropósito, frisou o ex-ministro, “resolvi entrar na vida política e filiar-me ao Podemos, um partido que apoia as pautas da Lava Jato. Mas esse não é o projeto somente de um partido, é um projeto de País aberto para adesão por todos os demais partidos, pela sociedade brasileira, do empresário ao trabalhador (...). Queremos juntos construir hoje o Brasil do futuro.” 

7 –“ Nossas únicas armas serão a verdade, a ciência e a justiça. Trataremos a todos com caridade e sem malícia”. 

O ex-ministro fez questão de sublinhar que “O Brasil é de todos os brasileiros e nosso caminho jamais será o da mentira, das verdades alternativas ou de fomentar divisões ou agressões de brasileiro contra brasileiro”. Sérgio Moro destacou que “Jamais iremos propor o controle sobre a imprensa (...). Isso vale para mim e para qualquer pessoa que queira nos apoiar”.

8 – “Precisamos proteger a família brasileira contra a violência, contra a desagregação e contra as drogas. Propomos incentivar a virtude e não o vício, uma sólida formação moral e cidadã”. 

O projeto de redução da criminalidade violenta, do combate ao crime organizado e ao tráfico de drogas deve ser realizado “com todo o vigor, sempre na forma da Lei, e buscando recuperar aqueles que se desviaram do bom caminho”. Paralelamente, destacou o ex-Ministro, “precisamos de uma sociedade inclusiva, que acolha as diferenças, e precisamos também de uma sociedade que respeite todas as crenças e religiões”.

9 – “Por acreditarmos no potencial de cada um, defendemos o livre mercado, a livre empresa e a livre iniciativa, sem que o governo tenha que interferir em todos os aspectos da vida das pessoas”.

Isso implica na realização da reforma tributária e a retomada das privatizações. É necessário abrir e modernizar a economia buscando mercados externos. 

10 – “Uma das prioridades do nosso projeto será erradicar a pobreza, acabar de vez com a miséria. (...) Para tanto, precisamos mais do que programas de transferência de renda (...), identificar o que cada pessoa necessita para sair da pobreza”.

O caminho deve ser simples e concreto: garantir “uma vaga no ensino, um tratamento de saúde ou uma oportunidade de trabalho”. Como ponto de partida, o ex-ministro propôs “a criação da Força-Tarefa de Erradicação da Pobreza, convocando servidores e especialistas das estruturas já existentes”.

11 – “Propomos investir na educação de qualidade. Quem vai para a escola pública tem que encontrar ensino da mesma qualidade que o das escolas privadas”. 

O ex-ministro propôs “tornar real em todo o País, o que a lei já autoriza: que os alunos possam escolher parte das disciplinas e, fazendo isso, estudarem com maior motivação”. Além disso, propôs, também, expandir o ensino em tempo integral, começando pelos lugares mais carentes. Frisou que é necessário, outrossim, fazer chegar a todas as escolas públicas a tecnologia e a internet. 

12 – “Propomos, sem mais delongas, aprovar a volta da execução da condenação criminal em segunda instância, para que a realização da justiça deixe de ser uma miragem”. 

O ex-ministro frisa que é necessário garantir a independência do Ministério Público, bem como a autonomia da Polícia com mandatos para os diretores, a fim de evitar a interferência política. E propôs a criação de uma Corte Nacional Anticorrupção, à semelhança da iniciativa realizada em outros países.

13 – “A floresta é um patrimônio valioso e precisamos mudar a percepção do mundo a nosso respeito. Precisamos dar oportunidades de desenvolvimento para quem vive na região da Amazônia, mas precisamos proibir o desmatamento e as queimadas ilegais”.

O Brasil, além de ser celeiro do mundo, pode exercer também a liderança na preservação da floresta e na exploração de energias limpas, criando uma economia verde autossustentável e de baixo carbono.

14 – “Precisamos cuidar da defesa nacional e de nossa soberania. Vamos valorizar as Forças Armadas”.

Todos somos brasileiros e devemos zelar pela preservação das nossas Forças Armadas, evitando coloca-las a serviço de ambições pessoais ou interesses eleitorais. “As forças Armadas pertencem aos brasileiros e não ao governo”. 


terça-feira, 16 de novembro de 2021

O verdadeiro sentido da “coisa pública” — Eiiti Sato

 Publicado em: 16/11/2021

EIITI SATO - A IDEIA DE REPÚBLICA NO BRASIL

EIITI SATO - A IDEIA DE REPÚBLICA NO BRASIL

EIITI SATO, Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília.

Ao longo do tempo o termo república assumiu vários significados designando de maneira genérica uma forma de relacionamento entre governantes e governados ou servindo para designar certos Estados tais como Roma, depois da queda da monarquia, e Siena, dos fins da Idade Média. No Brasil, o entendimento mais corrente está muito próximo daquele utilizado por Maquiavel, que inicia O Príncipe afirmando que “todos os Estados ... foram e são, ou repúblicas ou principados”, ou seja, uma forma de governo como alternativa à monarquia. Assim, no dia 15 de novembro é celebrado o dia em que a forma republicana de governo foi adotada no Brasil em substituição à monarquia. Com o passar dos anos a data passou a ter um caráter comemorativo tornando-se um costume fazer dela uma ocasião para discursos e outras manifestações laudatórias das virtudes e das vantagens da forma republicana de governo. Este breve ensaio, no entanto, pensando no que poderia haver de relevante para a compreensão da política brasileira, propõe uma reflexão em outra direção. 

A observação dos acontecimentos na esfera política leva a crer que o sentido mais precioso do termo República não é o de forma de governo que substitui a Monarquia, mas sim o de res publica, isto é o do entendimento das instituições do Estado como coisa pública. Com efeito, olhando-se o Brasil de hoje, conclui-se que o advento da república não significou, após cinco gerações, uma forma mais avançada ou mais eficaz de organizar as instituições políticas. Na verdade, o que se observa nas nações consideradas mais avançadas do mundo é que não há diferença entre regimes republicanos e monárquicos, ao menos no que se refere à idéia de democracia representativa e quanto à capacidade de o Estado cumprir seu papel, como eixo da ordem política e econômica voltado para a promoção da prosperidade. Nesse sentido, a presente análise sugere que seria mais apropriado, a cada dia 15 de novembro, simplesmente examinar a trajetória das instituições políticas do País e, de forma sensata e ponderada, procurar identificar aquilo que poderia ou deveria ser feito para defender e aperfeiçoar a democracia e as instituições que governam o País para que sejam, efetivamente, republicanas. 

REPÚBLICA, DEMOCRACIA E PROSPERIDADE

Em primeiro lugar vale insistir no fato de que uma escolha entre a forma republicana ou monárquica de governo não corresponde, na realidade, a uma opção a respeito do que pode haver de mais essencial na relação entre governantes e governados: liberdade, respeito às leis e direito de escolha. Há muito tempo, a república deixou de ser uma alternativa à tirania de príncipes autocráticos. O sentido essencial da república como expressão da vontade dos governados pode estar perfeitamente presente tanto nas monarquias quanto nos regimes chamados de republicanos. Parafraseando Maquiavel, pode-se dizer que “as grandes e modernas democracias de hoje ou são repúblicas ou monarquias constitucionais ...”. Em outras palavras, não se pode dizer que o apreço pela democracia e o apego ao processo de legitimação do poder político pela vontade dos governados, esteja menos presente na Dinamarca, no Reino Unido ou nos Países Baixos, que permanecem monarquias, do que nos Estados Unidos ou na França, que adotaram a forma republicana de governo. Esse fato sugere também que um conceito como democracia, entendido como princípio orientador da organização do Estado, pode se projetar em instituições muito variadas, não sendo possível, por exemplo, dizer que um sistema bicameral seja superior ou mais eficaz do que um parlamento unicameral, ou que o presidencialismo americano seja melhor do que o parlamentarismo britânico. As instituições resultam de processos históricos vividos de maneira individual e particular pelas nações, refletindo a combinação de uma variada gama de aspectos peculiares aos países que, dessa forma, ao longo do tempo e à sua própria maneira, vão construindo individualmente as instituições políticas que melhor lhes convém.

Mesmo do ponto de vista econômico, onde os dados quantitativos são abundantes, chama a atenção o fato de que não é possível estabelecer correlação entre formas democráticas de governo e formas de interação, entre Estado e economia, capazes de tornar a nação mais próspera. Ao longo da história, nações prosperaram dentro de um ambiente democrático e republicano, mas também prosperaram sob regimes autoritários e, em tempos mais recentes, casos como o da China e de outros países da Ásia lembram uma espécie de versão contemporânea do conceito de “absolutismo esclarecido”, que tanto entusiasmou muitos filósofos nos primórdios do Estado moderno. São governos bastante fortes que, de maneira autoritária, estabelecem padrões e normas de comportamento para os atores econômicos, tornando-os competitivos e gerando riqueza e abundância para suas sociedades. Pode-se argumentar que, no longo prazo, regimes autoritários acabam por tornar-se incompatíveis com o dinamismo exigido pelos negócios e pela inovação tecnológica que sustentam o progresso econômico. Por ora, no entanto, não há dados para confirmar essa hipótese e o analista pode apenas procurar sinais de que regimes políticos autoritários tornam-se, gradativamente, menos centralizadores e menos propensos à interferência na economia, à medida que a sociedade prospera e que, inevitavelmente, vai se tornando mais integrada à ordem econômica internacional. 

Por outro lado, nas grandes democracias ocidentais, a interferência na economia se faz menos por meio de medidas políticas de governantes, que estão sujeitos a leis, e mais por meio das ações do Estado como ator econômico capaz de influenciar e mesmo orientar o ambiente econômico. Todavia, nesse domínio, a participação do Estado na economia varia muito, havendo países, como os Estados Unidos, onde o Estado representa aproximadamente 1/3 do PIB e nações como a maioria dos países mais prósperos na Europa onde o Estado ultrapassa a metade do PIB, sem que se possa dizer que tenham deixado de proteger e valorizar a livre iniciativa e a liberdade econômica, de uma forma mais ampla e que as economias desses países tenham deixado de ser competitivas nos mercados internacionais. Do mesmo modo, não é possível identificar qualquer correlação entre os níveis de participação e interferência do Estado na economia, com a forma republicana ou monárquica de suas instituições políticas. No Japão, que é uma monarquia, o Estado representa uma parcela da economia semelhante à dos Estados Unidos, enquanto na França republicana o Estado é, proporcionalmente, tão grande quanto em outros países europeus, que são monarquias e igualmente prósperas. Nenhum analista e nenhum grande partido político na Europa ou nos Estados Unidos associa eventuais dificuldades econômicas, enfrentadas por qualquer uma dessas economias, às respectivas formas de governo, mas tão somente a ocasionais equívocos na política econômica ou simplesmente às variações cíclicas da economia. 

O ADVENTO DA REPÚBLICA NO BRASIL

Possivelmente, esses fatos ajudam a explicar porque o advento da forma republicana de governo no Brasil não ocorreu dentro de um ambiente político de intensos debates sobre idéias e de disputas dramáticas de poder entre monarquistas e republicanos. A abolição da escravidão, a questão militar, a ascensão de uma classe média e outros eventos considerados pelos historiadores como importantes para o advento da república, eram questões que poderiam ter sido manejadas dentro do regime vigente, uma vez que não há como afirmar que tivessem por origem qualquer incompatibilidade substantiva com o regime e, além disso, nações como o Reino Unido, os Países Baixos ou a Noruega, ao longo do tempo, realizaram seguidas mudanças nas suas instituições políticas, adequando-as às seguidas transformações, por vezes dramáticas, vividas pelas respectivas sociedades no decurso do último século e meio. Em 1889, a monarquia brasileira já era um governo do tipo representativo perfeitamente compatível com os padrões vigentes no mundo, em matéria de instituições que procuravam acomodar as principais forças políticas da nação. Além disso, D. Pedro II estava longe de ser um governante autoritário e centralizador. Alguns historiadores mencionam as disputas entre a Coroa e a Igreja Católica como um desses eventos importantes que teriam desencadeado a queda da monarquia, por ter contribuído para solapar a base política do Imperador. Entre as novidades advindas com a proclamação da república, uma delas foi a separação entre o Estado e a Igreja, mas esse processo ocorreu, de uma maneira ou de outra, em todas as monarquias que se modernizaram. A questão federativa, que aparece em destaque no Manifesto Republicano de 1870, a abolição da escravidão, as dificuldades econômicas ou ainda as inquietações no exército, na realidade constituíam parte de um processo de transformação mais ampla e profunda da sociedade brasileira, diante de um mundo que também se transformava. Na realidade, em toda parte, as instituições políticas sofriam mudanças e se acomodavam às novas circunstâncias sem, contudo, associar esse processo a escolhas entre republicanismo e monarquia. Em resumo, o regime monárquico não constituía empecilho real para as demandas sociais ou para uma eventual revisão nos padrões de participação política das forças econômicas emergentes da nação. 

Talvez o melhor retrato do ambiente em que foi implantada a forma republicana de governo tenha sido dada por Raul Pompéia que, em crônica publicada anonimamente, relata a melancólica partida do Rio de Janeiro de D. Pedro II e da família imperial, logo após o decreto de expulsão promulgado pelo Governo Provisório. No meio da madrugada – diz a crônica – sem manifestações de qualquer tipo, a família imperial partiu para o exílio sem deixar no Brasil nem sentimentos de ódio e nem partidários dispostos a iniciar uma luta política para promover seu retorno. Aliomar Baleeiro, logo na introdução de seu ensaio sobre a Constituição de 1891, também faz uma apreciação na mesma direção: “o povo brasileiro cansara-se da monarquia, cuja modéstia espartana não incutia nos espíritos a mística e o esplendor dos tronos europeus. O Imperador vestia trajes civis, pretos, como qualquer sujeito respeitável da época, sem fardas de dourados ... Conta-se que a Princesa Imperial trazia consigo, no decote, fósforos para acender, ela mesma, as velas à boca da noite.” 

A res publica NO BRASIL DE HOJE

Em nossos dias, de tempos em tempos, a República tem sido abalada por escândalos e a ineficiência crônica do Estado aparece nos mais diferentes domínios das instituições encarregadas do provimento de bens como justiça, segurança dos cidadãos e os inúmeros serviços públicos essenciais, que os Estados modernos prestam hoje às suas populações. Convém refletir sobre o fato de que esses escândalos, assim como a crônica ineficiência do Estado brasileiro, não são produtos da forma de governo, mas da incapacidade de construir e de manter instituições que tornem o Estado brasileiro tão eficaz quanto tem sido em muitos outros países republicanos ou monárquicos. Por exemplo, em países onde a justiça – talvez a componente mais essencial do Estado no que diz respeito à proteção dos direitos individuais e coletivos – se mostra razoavelmente operante, uma lei como a da chamada “ficha limpa” seria completamente inócua e desnecessária, uma vez que, se a justiça funcionasse razoavelmente no Brasil, os políticos indiciados como passíveis de serem enquadrados nessa lei já teriam sido, há muito tempo, devidamente condenados ou absolvidos. Há políticos que tomam posse de cargos executivos ou legislativos apesar de condenados e de procurados pela justiça por terem cometido crimes comuns, e cujo processo judicial tivera seu início bem antes da formalização até mesmo de sua candidatura. Há os tribunais eleitorais ou trabalhistas cuja existência é totalmente dispensável, uma vez que qualquer ação julgada por essas instâncias pode ser levada ou contestada em outras instâncias judiciárias. A menos que o poder dessas instâncias seja efetivamente reconhecido nas matérias de que tratam, a manutenção dessas cortes representa apenas um ônus para o Estado e, principalmente, um custo às vezes impagável para os cidadãos que buscam a justiça para proteger seus direitos. 

A distância entre a noção de res publica e as instituições do Estado brasileiro, que parece aumentar continuamente, assume a feição de um patrimonialismo político, cuja capacidade de adaptação se revela ilimitado. Falava-se de uma política “café com leite” referindo-se à República Velha, quando o poder se alternava entre os produtores de café de São Paulo e os proprietários de terras e criadores de gado de Minas Gerais. Hoje, após a eleição presidencial, Ministérios e agências da administração do Estado são disputados como se fossem espólios ou butins a serem conquistados. As manifestações a respeito de “direitos” a cargos e postos na administração pública ocorrem de forma aberta e sem qualquer pejo ou referência a qualquer propósito de servir à coletividade, que justificaria a existência de um Ministério ou agência governamental. Nos fins da Idade Média, após a tomada de uma cidadela sitiada, os vencedores disputavam entre si os espólios dos vencidos. Essa disputa se afigurava tão natural quanto o é hoje a disputa por cargos e indicações após uma vitória eleitoral. D. Quixote, personagem criado por Cervantes, com toda a sua ingênua pureza, prometia ao seu amigo e escudeiro Sancho Pança uma ilha que seria conquistada com o valor de seu braço. No caso do Brasil, trata-se de um espólio de proporções imensas. Conforme dados de 2009, disponíveis na página do Fundo Monetário Internacional, o Brasil era a oitava economia do mundo e o orçamento do Estado brasileiro, de quase US$ 600 bilhões, seria maior do que o PIB de países como Suíça (US$ 491 bilhões), Suécia (US$ 406 bilhões), Dinamarca ou Argentina (ambos com um PIB de cerca de US$ 310 bilhões). Na verdade, o Estado brasileiro equivalia, em 2009, à posição de 18ª. economia do mundo. Nesse quadro, a pergunta essencial é: para onde vai essa enorme soma de recursos? Além do sistema de arrecadação de taxas e impostos, existe alguma instituição do Estado que efetivamente funcione satisfatoriamente? Existe alguma instituição do Estado que possa ser qualificada como verdadeira res publica, isto é, serve unicamente ao interesse público? Por que as pessoas que possuem meios não procuram a saúde pública, não se utilizam dos transportes públicos, não confiam suas crianças à educação pública? Por que se permite que milhares de pessoas vivam em favelas degradantes à condição humana? Por que todas as organizações e indivíduos que possuem meios precisam contratar serviços privados de segurança? Enfim, a lista de perguntas é interminável. 

Esses fatos, mencionados a título de exemplo, apontam para o risco sempre presente de repetir o que se fez, em certa medida, nos fins do século XIX quando, ao invés de aperfeiçoar e adequar as instituições acompanhando as inevitáveis mudanças dos tempos, preferiu-se atacar as instituições da monarquia constitucional. O ambiente que tem cercado as últimas eleições e seus desdobramentos na forma de partilha do espólio conquistado, revelam que a ineficiência do Estado em prover bens públicos essenciais deve continuar, independente de quem seja eleito. Os recursos do orçamento público brasileiro são enormes, mas não são ilimitados. Pode haver focos de insatisfação na divisão do butim que podem evoluir para defecções e crises. Corre-se o risco de comprometer até mesmo a democracia sem, contudo, atingir efetivamente os procedimentos e costumes viciados existentes nas várias instâncias do Estado que, assim, continuarão servindo de guarida à ganância dos políticos desonestos. Ernest Hambloch, em 1934, escreveu uma interpretação bastante crítica a respeito dos primeiros anos da república – a República Velha (1889-1930) – na qual lembra um curioso episódio: quando Rojas Paul, presidente da Venezuela, soube da queda da monarquia brasileira, teria exclamado triste e profeticamente: “Este é o fim da única república que jamais existiu na América.” Obviamente, o presidente Rojas Paul empregava o termo república na sua acepção mais desejável: o do governo entendido como res-publica.

BIBLIOGRAFIA 

A. BALEEIRO, Constituições Brasileiras, volume II. 1891. Senado Federal, CEE/MCT, ESAF/MF. Brasília, 1999 (p. 13)

E. HAMBLOCH, Sua Majestade o Presidente do Brasil. Senado Federal, Brasília, 2000 (p. 34)

F. M. DA COSTA, Os Melhores Contos que a História Escreveu. Editora Nova Fronteira, R. De Janeiro, 2006 (pp. 461-7)


(Transcrito do blog de Ricardo Vélez-Rodríguez)

quinta-feira, 6 de maio de 2021

Antonio Paim: um mestre aos 87 anos - Ricardo Velez-Rodriguez (2014)

 Um antigo texto de um de seus apreciados discípulos

domingo, 13 de abril de 2014

Antonio Paim: um mestre aos 87 anos - Ricardo Velez-Rodriguez

Uma singela homenagem a um dos maiores pensadores brasileiros.
Site Rocinante, em 10/04/2014
http://pensadordelamancha.blogspot.com/2014/04/o-aniversario-do-mestre-antonio-paim.html

O ANIVERSÁRIO DO MESTRE ANTÔNIO PAIM

Da esq. para dir.: Maria, Arsênio, Leonardo, Anna Maria, Ricardo, Rosa, o mestre Antônio Paim, Augusta e Antônio Roberto



No passado 7 de Abril, um grupo de familiares, amigos e discípulos de Antônio Paim,  comemoramos em São Paulo os 87 anos do mestre. O evento aconteceu na Tasca do Zé e da Maria, em Pinheiros. A filha Augusta (que mora em S. Paulo) e a amiga Rosa Mendonça de Brito (residente em Manaus), planejaram tudo. Foi uma festa surpresa para o querido mestre. As organizadoras teriam gostado que mais amigos e discípulos do Antônio Paim estivessem presentes. Mas com o corre-corre foi difícil entrar em contato com mais pessoas. 

Estiveram presentes: Maria e Arsênio Corrêa (S. Paulo), Leonardo Prota (Londrina), Anna Maria Moog (Petrópolis), Ricardo Vélez Rodríguez (Londrina), Rosa Mendonça de Brito (Manaus), Augusta Fonseca Paim (S. Paulo) e Antônio Roberto Batista (S. Paulo).

Antônio Paim é um desses educadores que conseguem manter nexos de amizade com as várias gerações de discípulos que passaram pelas suas aulas. Coloco, a seguir, os depoimentos de três discípulos do mestre: Anna Maria Moog, Rosa Mendonça de Brito e Arsênio Corrêa. 

Eis o depoimento da Anna Maria Moog: "Ao receber o e-mail de Rosa (Mendonça de Brito)  propondo que eu fosse, dali a dois dias, participar de um jantar comemorativo do aniversário de mestre Antonio Paim, pensei que não conseguiria me desvencilhar dos compromissos prévios.  Mas logo decidi colocar tudo de lado e viajar para S. Paulo .  Valeu a pena. Foi uma enorme alegria estar com amigos de longa data, unidos justamente pela amizade, respeito e admiração que nutrimos pela figura de Paim. Ao longo dos anos, Antonio Paim tem sido nosso norte, a referência inelutável para seus amigos, ex-alunos e admiradores de sua obra, sobre todos os temas relativos à cultura, à filosofia, à moral e à política.  Acima de ser referência intelectual, reconhecemos nele o homem de bem, de postura discreta mas capaz de iluminar com suas palestras inteligentes e, por vezes, espirituosas, nossas reuniões.  O homem que nunca faltou  com seu apoio aos que a ele recorreram e jamais, jamais deixou um amigo 'na mão'.Inúmeros depoimentos sobre sua pessoa já o declamaram de sobejo. Por esse, e muitos mais motivos, o jantar dos 87 anos do jovem Antonio Paim foi festejado  com alegria, mormente porque proporcionou aos amigos a oportunidade de lhe demonstrar mais uma vez o carinho que lhe temos e a alegria de o abraçarmos".

A seguir, o depoimento de Rosa Mendonça de Brito: "O encontro com Paim, Augusta, Anna Moog, Leonardo Prota e Ricardo Vélez,   encontro de mestre e discípulos, colegas e amigos, em São Paulo, na Tasca do Zé e da Maria me fez retroceder no tempo e chegar a 1975, 39 anos atrás, quando da seleção para o Mestrado em Filosofia da PUC/RJ. Vencidas as duas etapas da seleção, a avaliação do projeto de dissertação e prova de língua estrangeira, tinha que encarar uma entrevista com três professores do Programa. Lembro-me que tive de passar pelo crivo de Celina Junqueira e de Antonio Paim, não me recordo do nome do outro professor. Naquele momento, quando da entrevista, uma pergunta de Paim me marcou profundamente. O mestre perguntou: 'EU GOSTARIA QUE VOCÊ ME EXPLICASSE POR QUE O HUME DESPERTOU O KANT DO SONO DOGMÁTICO?' Minha resposta foi: 'não sei, faço tal afirmação porque ela sempre esteve presente nos livros que estudei e nas aulas dos meus professores, mas nunca li ou ouvi qualquer explicação sobre a afirmação'. A resposta para o desconhecimento foi uma bela aula que nunca mais esqueci. Aceita, após aprovação na seleção, para compor a turma de Mestrandos de 1976, voltei a encontrar Antonio Paim em sala de aula. Minha intenção era fazer o Mestrado em Filosofia da Ciência, mas suas aulas me levaram a optar pela área de Filosofia Brasileira e procurá-lo para pedir - e confesso que bastante temerosa -, para que ele me orientasse. Para minha satisfação, ele aceitou. Naquela jornada, a fim de suprir a minha deficiência de conhecimentos - me sentia uma formiga diante de elefantes - e não decepcioná-lo, estudava pelo menos 18 horas por dia. Entrava na PUC às sete da manhã e saía às dez da noite, quando a Biblioteca fechava. Em casa, estudava pelo menos até 2 da madrugada, mas valeu a pena! Paim se colocava a disposição e, além disso, disponibilizava livros, orientava na busca de documentos e obras que deveria estudar. Defendida a Dissertação, em 1979, voltei para Manaus, mas não perdi o contato com o Mestre, que já considerava amigo. Com a criação do Doutorado em Filosofia Luso-Brasilera, na Gama Filho, submeti para a seleção de 1982 o meu Projeto de Tese com tema sugerido por Paim, feito da seguinte forma: 'Você topa realizar um estudo sobre a Filosofia de Kant no Brasil? É um estudo denso, mas é muito importante para o pensamento brasileiro'. Eu lhe perguntei: 'O senhor acha que eu tenho competência para realizar este trabalho?'  A resposta foi: 'sim, tenho certeza que você fará um bom trabalho'. Era um estudo que ele pretendia realizar 5 anos mais tarde, mas que, acreditando na minha capacidade, o delegou a mim. Diante da demonstração de confiança,  senti-me lisonjeada e, apesar de apavorada com a dimensão e profundidade do estudo, resolvi aceitar o desafio. Enfrentei algumas dificuldades: doença, fechamento do setor de obras raras da Biblioteca Nacional, 2 filhos pequenos (Márcio com 1 ano e meio e Gisele com dois anos e oito meses), falta de empregada de confiança. Apesar disso, consegui com a orientação segura e indispensável de Paim, concluir o doutorado em três anos, tendo a honra de ter como membros da banca de defesa, além de Antonio Paim, Anna Maria Moog, Creuza Capalbo, Ricardo Vélez e Aquiles Guimarães, amigos queridos a partir de então.Naquele momento, além da dimensão de educador, descobri em Paim uma dimensão humana fantástica. Nunca passou a mão na minha cabeça, ao contrário, exigia o máximo de mim, cobrava o tempo todo, mas ajudava sempre através de discussões, de indicação de onde encontrar com pessoas ou instituições o material para o desenvolvimento do trabalho que envolvia pesquisa em obras raras. Evaristo de Moraes Filho, por intermédio de Paim, me disponibilizou a sua biblioteca particular, em sua casa, para que ali realizasse estudos em obras não encontradas em outro lugar. Paim fez muito mais! Levando em consideração que eu tinha duas crianças pequenas, fazia a minha orientação em seu apartamento no Leme, com isso, tornei-me amiga de Rita, sua mulher, e suas filhas Juliana e Augusta. Toda semana, quando ia para o encontro de orientação e não tinha com quem deixar os meus filhos, eu os levava. Juliana e Augusta ficavam com eles enquanto me era dado o privilegio de receber magníficas aulas. Paim foi fundamental para o meu desenvolvimento intelectual. Ser-lhe-ei eternamente grata. Ele será sempre o meu guru e mestre favorito!"

A seguir, transcrevo o depoimento de Arsênio Corrêa: 

"Antonio Paim sempre disseminando conhecimento, conhecimento é vida, vida é alegria e a alegria é a razão de viver do ser humano. Antonio Paim é um mestre na mais pura acepção, porque a busca do saber é incessante, vibrante, contagia a todos que com ele convivem. Aprendi com ele que a pesquisa deve ser constante, sem ela nós somos ultrapassados, o tempo deve ser aproveitado, ao ser humano cabe construir e manter o conjunto do saber da humanidade, isso ele nos faz ver em todos os encontros.Aprendi com o mestre o valor da cultura".

sábado, 1 de dezembro de 2018

Ricardo Velez-Rodriguez: o novo ministro da Educacao (OESP)

Na assemblagem de diferentes vertentes do pensamento liberal, conservador, teológico que parece caracterizar o ministério do governo que se inicia em janeiro próximo, cabe aguardar os planos para a educação do futuro ministro para uma avaliação sobre sua adequação aos problemas concretos – não os inventados, ou seja, ideológicos – do ensino no Brasil, e basicamente nos primeiros ciclos e no técnico profissional. Quanto ao terceiro ciclo, não tenho nenhuma dúvida: ele será majoritariamente contrário ao novo ministro, irá infernizar-lhe a vida, a ponto de eu não saber se devo cumprimentar, ou enviar pêsames, ao ministro, por ele ter de encarregar-se de educar – sim, educar – além de crianças e jovens, também os grandalhões do ciclo superior.
Paulo Roberto de Almeida

Indicado por Olavo, futuro ministro da Educação quer valores tradicionais

Indicado por Olavo, futuro ministro da Educação quer valores tradicionais
O futuro ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, tem uma vida acadêmica movimentada, mas pouco conhecida. Desde que chegou ao Brasil, no fim dos anos 1970, integrou um grupo minoritário de filósofos conservadores, orientou dezenas de teses, deu aulas em universidades públicas, privadas e na escola do Exército. E foi alçado ao cargo máximo da educação brasileira quando atuava em uma pequena faculdade de Londrina, cujo curso em que leciona tem nota mediana em avaliações nacionais.
Assim como boa parte da academia e de especialistas do setor, Jair Bolsonaro também não conhecia o colombiano Rodríguez. Seu nome foi indicado por um ex-aluno do futuro ministro, o escritor Olavo de Carvalho, que se tornou uma espécie de guru do presidente eleito.
“Ele foi escolhido por critérios técnicos”, diz o sogro Oscar Ivan Prux, advogado e ex-tenente do Exército.
Segundo ele, o genro foi “sabatinado” pela equipe de transição e teve de apresentar seu diagnóstico da educação e planos para área. “Somos muito patriotas e acreditamos no Brasil. O desafio dele será muito grande, Deus o abençoe.”
Rodríguez tem 75 anos e um filho de 6 com Paula Prux, de 33, a filha de Oscar Ivan, que conheceu numa palestra do jurista Miguel Reale.
Embora não seja um membro assíduo das redes sociais, tem perfil e fan page. A página foi criada em 5 de novembro e já tem 10 mil seguidores. É neste canal que o futuro ministro compartilha textos de seu blog, o Pensador de La Mancha.
Em 7 de novembro, 15 dias antes de ser anunciado para o cargo, ele publicou um texto avisando que havia sido indicado ao presidente eleito. O post deixava claro sua afinidade ideológica, tão cobrada pela bancada evangélica quando Bolsonaro escolhera o educador Mozart Neves para a pasta.
“Escola sem partido. Esta é uma providência fundamental”, diz o futuro ministro, que conquistou a vaga um dia depois da reação negativa dos deputados ao diretor do Instituto Ayrton Senna. “Se o problema para a militância esquerdista é a superpopulação do planeta, a melhor forma de equacionar a questão é a ‘ideologia de gênero’. Com ela paramos de nos reproduzir. A família e os valores tradicionais da nossa Civilização Ocidental irão, claro, para a lata de lixo da história”, afirma, em outro trecho.
“O problema da educação não é só um problema ideológico. Suponho que o ministro vá entender isso”, diz o sociólogo e especialista em educação Simon Schwartzman.
Ele e Rodríguez se conheceram há cerca de 40 anos, mas não mantêm contato. “Ele é de uma linha diferente da minha, muito conservadora, orientada por Miguel Reale.”
“Minha preocupação é que suas declarações ficam fora do consenso da educação, que foi tão difícil de construir, com valorização da alfabetização, formação de professores, e incluiu PSDB, PT, DEM”, diz o ex-ministro da Educação no governo do PT, Renato Janine Ribeiro.
Em sua primeira carta depois do anúncio, Rodríguez afirmou que fará uma gestão focada em valores tradicionais e preservação da família.

Críticas a petistas
Em comentários no Facebook, Rodríguez faz elogios ao papa João Paulo II, que “revalorizou a fé cristã e colocou em maus lençóis o comunismo soviético” e críticas aos petistas Jacques Wagner e Dilma Rousseff (“poste e demiurgo são inseparáveis”).
O novo ministro chamou Lula de “sapo barbudo” e classificou o Marco Civil da Internet de “um entrave do populismo dito bolivariano contra a liberdade de expressão”.
“Ele pode ser acusado de qualquer coisa, menos de falta de erudição e falta de produção intelectual”, diz José Pio Martins, reitor da Universidade Positivo, que comprou a desconhecida Faculdade Arthur Thomas, onde Rodríguez dá aulas de Relações Internacionais.
Ele revela que na juventude o futuro ministro era “esquerdista”. “Agora ele acredita numa educação clássica muito forte, conservadora, que ensina línguas, matemática.”
Segundo pessoas que conviveram com ele em Juiz de Fora, onde lecionou na universidade federal, o futuro ministro sempre foi um homem cordato no trato pessoal e posições políticas bem definidas.
Quando chegou à cidade, em 1985, a UFJF tinha poucos doutores em seu corpo docente. Com um diploma de doutorado em Filosofia pela Universidade Gama Filho, ele se destacou.
De acordo com ex-colegas, a carreira de professor por lá foi discreta. Seu maior esforço de ação na área institucional, a criação de um curso de mestrado em Filosofia, fracassou.
Recentemente, na Faculdade Arthur Thomas, ajudou a organizar um novo curso de Relações Internacionais, do qual seria o coordenador. Por ironia, a documentação espera aprovação do novo ministro da Educação.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Corrupcao no Brasil: Mensalao, Petrolao, Embromacao, etc... - Ricardo Velez-Rodriguez, Paulo Roberto de Almeida

Oyez Citoyens, oyez: a despeito deste artigo bastante otimista de Ricardo Vélez-Rodríguez, minha percepção do atual processo de investigação e de criminalização (até o momento apenas de alguns personagens secundários e de empresários venais), é que está em curso uma gigantesca operação subterrânea, por definição clandestina e chantagista, para tentar salvar os "donos do poder", não obstante eventual denúncia junto ao STF (que como sempre levará anos para investigar e processar). Sinais de fumaça cada vez mais carregados indicam um cenário de composição entre as principais figuras políticas, inclusive da soi-disant "oposição", para escapar das garras da lei. E a despeito do que diz o mesmo articulista, de que as instituições estão funcionando a contento e de que ninguém está acima da lei, o fato é que alguns ainda se julgam mais iguais que os outros, os comuns, e agem nesse sentido. Ou seja, apesar de que, 800 anos depois da Magna Carta o Brasil se aproximou desse instrumento fundamental do Estado de Direito, o fato é que ainda não chegamos efetivamente na Magna Carta, apenas a tangenciamos. Aliás, nem na própria Ingaterra: tiveram de decapitar um rei, e expulsar um outro para tornar efetivas as disposições da Magna Carta. O Brasil ainda precisa decapitar algumas cabeças coroadas...
Paulo Roberto de Almeida

O Brasil vive - a Operação Lava Jato continua
Ricardo Vélez Rodríguez
O Estado de S.Paulo, 10 Agosto 2015

As investigações da Operação Lava Jato, em que pese o esforço do PT para atrapalhá-las, continuam a todo vapor. Ponto para o juiz Sérgio Moro, para a Procuradoria-Geral da República e para o Ministério Público, bem como para a Polícia Federal. As CPIs da Câmara dos Deputados que investigam os desmandos do governo nas estatais e no BNDES também deslancharam a contento, para desgosto do governo e do PT, que ficaram praticamente do lado de fora das diversas comissões. E vêm aí, de novo, as multitudinárias manifestações de cidadãos descontentes com a administração petralha, no próximo dia 16. Ponto para todos nós, brasileiros, que vemos o Poder Legislativo e a imprensa comprar a nossa insatisfação e a briga com a corrupção instalada no governo pelo PT e a sua base aliada.

Outro fato positivo: José Dirceu voltou ao xilindró, por causa de sua comprovada participação no crime do petrolão, tendo sido observados todos os ritos processuais pela Justiça e pela Polícia Federal. Tudo sem estardalhaço e tendo sido garantidos ao réu todos os seus direitos. As instituições brasileiras funcionam. Palmas para a nossa República! Mais uma vez fica claro que, hoje, no Brasil ninguém está acima da lei.

Os desmandos de corrupção praticados pelo lulopetismo ao longo dos últimos 13 anos tiveram o mérito de fazer acordar a sociedade brasileira, que passou a cobrar dos poderes públicos uma resposta firme em defesa das instituições republicanas. No mesmo sentido têm-se posicionado, por diversas vezes, tanto os Clubes Militares quanto oficiais graduados das Três Armas, cumprindo com a sua missão constitucional de “garantia da lei e da ordem”. E os cidadãos têm externado a sua posição contrária ao patrimonialismo rasteiro que tomou conta do governo. Jovens estudantes, donas de casa, funcionários públicos, políticos da oposição, profissionais liberais, produtores rurais, pastores evangélicos, operários, padres, etc., têm externado pela imprensa, em pregações e em manifestações espontâneas (nos panelaços, nas marchas de rua, nas cartas dos leitores, nas redes sociais, etc.), a sua rejeição à atitude de arrogância do governo e das lideranças petistas e dos seus aliados, em face da corrupção comprovada.

O Brasil não tolera mais a existência dos “donos do poder”. O único depositário deste é o povo brasileiro e, por delegação dele, os seus representantes eleitos para zelar pela Constituição e o cumprimento das leis. Quando os eleitos e os funcionários nomeados por eles se afastam da busca do bem comum, para garantir única e exclusivamente o bem deles próprios e do seu partido, abre-se o caminho para a perda de legitimidade. É a corrupção da política de que já falava Aristóteles. Se a prática desse crime for comprovada em relação à atual presidente, que se cumpra a lei no processo de impeachment. Não vejo como isso possa afetar as instituições republicanas. Muito pelo contrário: se, provada a culpa, não forem tomadas as providências legais, disso advirá sério atentado contra a ordem legal. Esperemos, portanto, com tranquilidade a decisão final do Tribunal de Contas da União (TCU) em face das contas da gestão de Dilma Rousseff, bem como as providências que, em caso de crime de responsabilidade comprovado, deverão ser tomadas pelo Poder Legislativo.

Se ninguém está acima da lei, não há razão para temer eventuais investigações das autoridades competentes em relação aos presidentes da Câmara e do Senado, caso fique comprovada a suspeita da prática de algum crime por eles. O que vale para José Dirceu vale para qualquer outro cidadão, seja ele o ex-presidente Lula, os presidentes da Câmara e do Senado ou qualquer um de nós: em caso de crime comprovado, a aplicação da lei é o único caminho possível. Escrevia Tocqueville em A democracia na América (1835) que a República era, nos Estados Unidos, “o reino pacífico da maioria”. Ora, esse “reino pacífico”, no Brasil de hoje, pressupõe a submissão de todos à lei, sem exceções nem favorecimentos ilícitos.

Quando o ex-presidente Lula, do alto do seu eterno palanque, brada que os petistas estão sendo hoje caçados como os judeus pelos nazistas, simplesmente está tergiversando as coisas. Ora, o Ministério Público, a Polícia Federal e o juiz Sérgio Moro não são administradores de campos de concentração. São honrados funcionários públicos que tentam enquadrar aqueles que, eleitos para governar o Brasil, aproveitaram o poder que lhes foi emprestado pela sociedade para favorecer ilegitimamente a si próprios e ao próprio partido, num esforço por torná-lo hegemônico e se perpetuar no poder. A opinião pública brasileira já matou a charada lulista: distorcer as palavras para, sempre, se colocar como vítima. Esse expediente não funciona mais e o ex-presidente Lula deveria saber disso.

As investigações da Operação Lava Jato vão continuar e os seus executores não se intimidarão pelas bravatas populistas do líder petista. Que ele e o seu partido prestem contas à sociedade pelo descalabro financeiro que fez quebrar a maior empresa pública brasileira, pôs em risco a saúde financeira de outras empresas públicas, como a Eletrobrás, descapitalizou perigosamente bancos oficiais e pôs o maior banco de investimentos do Brasil, o BNDES, a serviço de um projeto personalista de poder, agradando a regimes corruptos pelo mundo afora, a fim de ver acrescidos os seus lucros pessoais com palestras fictícias e outras artimanhas. A engenharia da corrupção lulopetista engendrou a corrupção da engenharia nacional, fazendo mergulhar em águas turvas várias das nossas maiores empreiteiras. Os atuais ciclos de baixa da economia, da autoestima dos brasileiros e das perspectivas de desenvolvimento provêm daí. Esses crimes ainda vão ser postos à luz na sua totalidade, a fim de que, punidos os seus responsáveis, recuperemos o orgulho de ser brasileiros.

RICARDO VÉLEZ RODRÍGUEZ É MEMBRO DO CENTRO DE PESQUISAS ESTRATÉGICAS DA UFJF, É PROFESSOR EMÉRITO DA ECEME E DOCENTE DA FACULDADE ARTHUR THOMAS, LONDRINA