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quinta-feira, 2 de março de 2023

‘O Brasil está em cima da muro, mas com um pezinho do lado da Rússia’, diz Roberto Abdenur - Carolina Marins (OESP)

 ‘O Brasil está em cima da muro, mas com um pezinho do lado da Rússia’, diz Roberto Abdenur


Ex-embaixador do Brasil nos EUA e na China critica neutralidade do Itamaraty na guerra da Ucrânia e vê com ceticismo proposta de paz sugerida por Lula

ENTREVISTA COM
Roberto Abdenur
Diplomata e ex-embaixador do Brasil nos EUA e na China

Por Carolina Marins
O Estado de S. Paulo, 01/03/2023 | 05h00

A pressão para que o Brasil tome posição na guerra da Ucrânia cresceu nos últimos dias, conforme o conflito entra em seu segundo ano e o Ocidente se prepara para enviar mais ajuda militar a Kiev. Desde o princípio, o País optou por uma estratégia de neutralidade que, segundo Roberto Abdenur, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e na China, faz parecer que o Brasil é conivente com a Rússia.

Na última quinta-feira, 23, o País votou pela aprovação de uma resolução na Assembleia Geral da ONU que pede pela paz na Ucrânia. O “sim” brasileiro chamou atenção porque foram raros os momentos neste um ano em que o País não se absteve - como tem feito outros grande parceiros da Rússia, como China e Índia. Pelo contrário, em artigo ao Estadão, o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, celebrou que o Itamaraty teve participação na elaboração da proposta.

Também no dia do aniversário da guerra, o presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, criticou países que não tomam posição e alertou que vai buscar o posicionamento de nações da América Latina e da África - ambas com grande proximidade da Rússia e da China. O Brasil, no entanto, optou por participar propondo a criação de um grupo mediador para a paz, uma proposta vista com ceticismo pelo Ocidente e elogiada pelos russos.

Porém, no dia seguinte, durante reunião do Conselho de Segurança - onde as decisões não tem poderes meramente simbólicos como na assembleia e a Rússia tem o poder de vetar condenações - a delegação brasileira não se levantou quando o chanceler ucraniano, Dmitro Kuleba, pediu homenagens às vítimas da agressão russa. Na prática, atitudes como essa apontam ambiguidade do Brasil, aponta Abdenur. Abaixo, trechos da entrevista do Estadão com o ex-embaixador:

O Brasil votou recentemente na Assembleia Geral da ONU pela resolução que pede o fim da guerra na Ucrânia, em um texto que o chanceler brasileiro até cita ter havido participação do Itamaraty na construção. O fato chama atenção porque o Brasil tem optado por se abster nas resoluções mais condenatórias à Rússia, como o senhor interpreta esse voto?

O Brasil sim apoiou essa resolução, mas eu tenho a impressão de que apoiou meio a contra gosto e sob forte pressão dos Estados Unidos e dos países europeus. Nós estamos comprometidos com a resolução ‘pero no mucho’. Tanto é assim que nosso embaixador na ONU declarou há poucos dias que a consecução da paz deve deve ser feita sem condições prévias. Em outras palavras, isso dá a entender que o Brasil não considera indispensável uma retirada completa das tropas russas da Ucrânia.

Eu analisei a resolução da assembleia e é interessante notar que não são usadas palavras duras como ‘invasão’ ou ‘condenação’. Vejo que são usadas expressões duras apenas na parte referente à situação humanitária, em que há o termo ‘agressão da Federação russa’.

O Brasil justifica a sua neutralidade no conflito dizendo que pretende participar das mediações de paz junto com outros países não envolvidos. O quanto é realístico o Brasil mediar as negociações de paz na Ucrânia?

A movimentação lançada pelo Lula para a criação de um grupo de países não envolvidos no conflito é uma intenção nobre, mas eu acho que é pouco realista. Em primeiro lugar, ele fala em China e Índia. A China assinou recentemente uma declaração sem precedentes na diplomacia enfatizando uma parceria “sem limites” com a Rússia, e o chanceler chinês esteve recentemente em Moscou reafirmando esse compromisso depois de passar por dois ou três países da Europa Ocidental.

A China tenta se mostrar em cima do muro, mas ela está em cima do muro com duas pernas do lado da Rússia. E o Brasil está em cima do muro com um pezinho do lado da Rússia, porque ao desenfatizar a importância da retirada das tropas, de certo modo adota uma posição de congelamento da situação no terreno que é favorável à Rússia. Tanto que porta-vozes da chancelaria russa tem enaltecido a postura do Brasil.

E também há a Índia que tem uma relação muito antiga, dos tempos da União Soviética, com a Rússia. Ela foi e ainda é uma freguesa importante dos armamentos russos, embora agora ela esteja diversificando a sua posição. A China e a Índia têm uma postura de certo modo simpática, de passar a mão na cabeça da Rússia. Diferentemente do compromisso assumido por escrito pelo Brasil ao endossar a resolução da Assembleia Geral. A postura brasileira diante desse vai e vem é ambígua, e aliás observo a minha indignação com o fato de que na reunião do Conselho de Segurança, quando o representante da Ucrânia solicitou um minuto de silêncio em memória das vítimas do conflito, a delegação brasileira não se levantou.

O chanceler brasileiro escreveu recentemente ao Estadão um artigo em que diz que ‘é hora de ouvir quem quer a paz’, mas o senhor acredita que há clima para uma proposta de paz neste momento?

Eu sou meio cético quanto a possibilidade de que o movimento do Lula venha a ter êxito, porque o Putin não vai querer em hipótese alguma abrir mão dos territórios que conquistou e, ao contrário, vai continuar a guerra com o objetivo de aumentar a ocupação de territórios ou até, em última análise, extinguir a Ucrânia como um país independente.

A Ucrânia por sua parte não pode deixar de lutar porque ela não pode aceitar a amputação de seu território, e a resolução da ONU deixa claro o apoio de parte significativa da comunidade internacional à preservação da integridade territorial da Ucrânia de acordo com os com os seus limites reconhecidos internacionalmente, ou seja, com a situação anterior a 2014, quando a Rússia anexou a Crimeia e a comunidade internacional teve uma reação pífia.

Nós temos uma postura histórica de favorecer a paz. Mas, diante de uma situação tão grave quanto a da Ucrânia, você falar genericamente em paz é uma platitude, é o óbvio, e não significa efetivamente que isso vai acontecer.

Eu só vejo uma solução de paz a curto prazo se houver um desfecho trágico da situação no terreno, seja uma derrota total da Ucrânia com a conquista de Kiev pela Rússia, seja o sucesso de uma contra-ofensiva da Ucrânia que lhe permita reconquistar todos ou pelo menos partes substanciais dos territórios ocupados pela Rússia. Eu não vejo isso acontecendo. Acho que o cenário militar, de acordo com analistas, é um cenário de impasse, de guerra prolongada. Eu não creio numa perspectiva de paz a curto e médio prazo, eu creio que essa guerra vai continuar a ter efeitos deletérios sobre a paz, a segurança, a economia internacional, a segurança energética, alimentar, tudo isso.

Quanto aos esforços pela paz, lembro que o Secretário-geral da ONU, António Guterres, já aventou a hipótese de um acerto pelo qual a Ucrânia se declararia “neutra”, ou seja, não entraria na Otan, embora pudesse continuar a ter suas forças armadas. A região do Donbas, onde maioria é ou era de língua russa, teria ampla autonomia. E haveria algo como um grande entendimento entre o Ocidente e a Rússia, para apaziguar os temores que Putin explora para justificar a guerra. Essa seria uma boa solução, mas infelizmente não prosperou. Pode, contudo, ser um caminho, talvez usado pelo Brasil, se houver um desfecho da guerra com uma situação de esgotamento, exaustão dos esforços bélicos em caso de um impasse militar prolongado.


quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Governo atrapalha a diplomacia e o Brasil, diz Roberto Abdenur

'Governo coloca amarras em nossa ação no campo internacional', diz ex-embaixador

Diplomata Roberto Abdenur afirma que a posição ideológica do governo limita o papel do Brasil na relação com outros países

O Estado de S. Paulo, 9/09/2019

Ao invés de ampliar a presença do Brasil no espaço internacional, a política externa do governo tem limitado o papel do País no mundo e abalado a relação com outros países. A avaliação é do diplomata Roberto Abdenur, que tem mais de 40 anos de carreira, e chefiou as embaixadas do Brasil em países como Estados Unidos, China, Alemanha, Equador e Áustria. 
"Essa política peca por basear-se em um conteúdo altamente ideológico de extrema-direita", afirmou ao Estado. "Está em curso a dilapidação de um patrimônio político-diplomático". Na conversa, falou ainda sobre a indicação do deputado federal Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington e criticou o alinhamento quase automático aos Estados Unidos. "Situa o Brasil em incômoda posição de subalternidade em relação àquele país, em detrimento dos interesses e objetivos próprios brasileiros". 
Abaixo, os principais trechos da entrevista. 

Qual a avaliação do senhor a respeito dos primeiros meses da política externa conduzida pelo ministro Ernesto Araújo e o presidente Jair Bolsonaro?

Estou muito preocupado com o que é uma brutal ruptura com décadas de atuação ativa, pragmática, lúcida, moderada e firme. Política externa se faz com coerência, objetividade, continuidade. Sem isso, o País perde credibilidade e respeitabilidade. 
Está em curso a dilapidação de um patrimônio político-diplomático. 
Essa política externa peca por basear-se em um conteúdo altamente ideológico de extrema-direita. O chanceler deixou isso claro em seu discurso de posse, com referências elogiosas a regimes de direita ou autocráticos, como EUA, Israel, Hungria e Polônia. Mas, embora pregue a importância da “liberdade”, foi incapaz de enaltecer grandes democracias europeias, como Alemanha e França. 
Em outro plano, tiveram forte impacto no Chile declarações agressivas contra a ex-presidente daquele país, que representaram desrespeito à memória do pai de Michelle Bachelet. As declarações evidenciam mais uma vez o caráter altamente ideológico do atual governo, que nutre visão simplista e maniqueísta do mundo exterior, considerando ser “de esquerda” qualquer setor político que não seja de extrema-direita. 
Essa atitude é prejudicial aos interesses do País. Seguramente, o próximo alvo de investidas será o Papa, por causa da realização de um Sínodo sobre a Amazônia, em outubro. O Brasil se colocará assim em posição de confronto com mais de um bilhão de católicos fiéis ao Papa. 

Como o senhor, que chefiou a Embaixada do Brasil em Washington entre 2004 e 2006, vê esse alinhamento quase automático com os Estados Unidos?

Preocupa-me o que possa ser um alinhamento excessivo com os EUA. O chanceler defende a ideia de que o Ocidente está em decadência e que o único país capaz de combater essa tendência são os EUA. Sempre fui contra o antiamericanismo, que se manifestou em alguns segmentos dos governos Lula e Dilma. Da mesma maneira, critico o pró-americanismo, que termina por situar o Brasil em incômoda posição de subalternidade, em detrimento dos interesses e objetivos próprios brasileiros. Isso debilita nosso relacionamento com outras nações. 

Que relações o senhor entende que podem ser prejudicadas a partir desse posicionamento?

Tenho muita preocupação com a falta de perspectivas positivas no relacionamento do Brasil com as democracias europeias, sobretudo Alemanha e França. Estava claro que essas relações seriam difíceis mesmo antes dos problemas com as queimadas na Amazônia. Agora, a situação chegou a um clímax com insultos pessoais entre Macron e o presidente. 
Macron cometeu dois erros sérios: chamar o presidente Bolsonaro de mentiroso e falar da internacionalização da Amazônia, ideia descabida e estapafúrdia. Mas, do outro lado, vimos o presidente reagindo de maneira violenta. Tudo isso me deixa pessimista com relação à viabilidade da ratificação do acordo entre o Mercosul e a União Europeia. Em vários países europeus o Brasil está sendo bombardeado por políticos, ambientalistas, acadêmicos, jornalistas, cientistas. E isso sem falar dos poderosos lobbies agrícolas em tais países. 

Qual deveria ser o papel do Brasil no mundo?

A política externa está estreitando e encolhendo os espaços de nossa atuação no plano internacional. Num mundo em vertiginoso e complexo processo de mudanças, o Brasil deveria engajar-se na ampliação do escopo de nossa diplomacia, procurando estreitar nossas relações com todas as partes do mundo, sem preconceitos ideológicos. O que ocorre é justamente o contrário. 
Estão gravemente abaladas nossas relações com os principais membros da União Europeia. Estão prejudicadas nossas relações com palestinos e árabes. Não temos planos para aproximação com a Ásia, hoje a região mais dinâmica do mundo. E a África parece não existir na cabeça dos responsáveis pela política externa.
É incrível que o chanceler veja com maus olhos as próprias Nações Unidas, que considera ser fonte de riscos para nossa soberania. O governo está colocando em torno de si amarras que tolhem nossa capacidade de ação no campo internacional. 

Como avalia a possibilidade de o presidente Bolsonaro indicar o filho Eduardo para assumir a Embaixada em Washington? Um levantamento do 'Estado' mostrou que o Senado resiste à possibilidade. 

Creio tratar-se de nepotismo. Há quem diga que o cargo é político, mas as embaixadas são órgãos do Ministério das Relações Exteriores. Ou seja, fazem parte do Poder Executivo. São órgãos administrativos, o que configuraria nepotismo. O deputado vem se empenhando na conquista de apoios no Senado. Procura fazer valer seu acesso às autoridades norte-americanas como argumento a seu favor. A situação precisa, contudo, ser vista em contexto mais amplo. 
Eduardo é ainda muito jovem e inexperiente, nunca participou de alguma instância importante de negociação, e poderia ter dificuldades em dar conta de todo o amplíssimo leque de atividades que tem um embaixador nos EUA. É preciso saber conectar-se e dialogar com múltiplos setores do governo, do Congresso, dos meios empresariais e financeiros, das universidades e da imprensa.  

Como enxerga essa escolha em um ano que antecede as eleições nos EUA?

O deputado cometeu erro grave ao fazer-se fotografar com um boné intitulado “Trump 2020”. O presidente também já manifestou apoio à reeleição de Trump. Esses gestos naturalmente caem muito mal junto ao Partido Democrata, que não só é oposição, mas também parte do sistema de governo. Os democratas têm agora poder efetivo, na medida em que controlam a Câmara dos Deputados, de onde atacam duramente Trump e suas políticas. 
E estão desde engajados na disputa pela indicação de quem será o adversário de Trump nas eleições. A imagem do governo Bolsonaro não é boa entre os democratas, o que requer por parte do embaixador brasileiro especial esforço de contato e diálogo com essa força política. 
No momento, o principal componente da disputa entre os pré-candidatos nos EUA são as mudanças climáticas. O eleitorado democrata e muitos independentes estão obcecados com esse tema – o que redundará em posturas críticas ao Brasil. Fará falta um embaixador capaz de enfrentar esse desafio, apresentando com habilidade nossos pontos de vista.

Como vê o Brasil em meio à guerra comercial entre Estados Unidos e China, os dois maiores parceiros econômicos do país?

O Brasil está sob forte pressão americana para distanciar-se ou esfriar sua relação com a China. Faz parte disso a pressão para que o País boicote a empresa chinesa Huawei na instalação da tecnologia 5G. O que ocorre no momento, e certamente se estenderá ainda por muito tempo, é uma confrontação estratégica, pela qual os EUA querem conter o desenvolvimento e a projeção externa da China. 
Na campanha, o presidente Bolsonaro cometia um erro ao dizer que a China não estava comprando no Brasil, mas sim estava comprando o Brasil. Escolheu a China como bode expiatório. Fez em relação à China o que outrora faziam as esquerdas com a denúncia do “imperialismo ianque”. Felizmente o presidente parece ter recuado, aceitando convite para visita oficial a Pequim. Isso é positivo, assim como foi positivo que o vice-presidente, general Mourão, tenha dito firmemente que o Brasil não cederia a pressões contra a Huawei. 
Mas ficou no ar certa dúvida quando o chanceler afirmou que o assunto estava “sob consideração” do governo, insinuando a possibilidade de que o Brasil ceda às pressões norte-americanas. Esse duro embate entre Washington e Pequim ainda terá muitos desdobramentos, com consequências negativas para a comunidade internacional, e por extensão para o Brasil. É recomendável manter equidistância entre os dois.  
Faz todo sentido aproveitarmos o bom momento da relação com os EUA para novos progressos no diálogo, cooperação e intercâmbio. Mas isso não deve em nada prejudicar nosso relacionamento com a China.  

A reação internacional à situação na Amazônia é considerada por observadores como a maior crise diplomática recente do país, com o embate direto entre o presidente e o líder francês, Emmanuel Macron. Como reverter os danos?

É preciso uma estratégia clara de reação. Em primeiro lugar, a tomada de medidas concretas e efetivas para combater os incêndios. O Brasil enfrentará situação delicada no contexto da nova sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, que se inicia nos próximos dias. O próprio Secretário-Geral da ONU afirmou a importância da abordagem do assunto durante a reunião. Haverá por parte de diversos países numerosas e enfáticas expressões de interesse e preocupação com o assunto. 
Haverá também críticas às ações e posturas do governo brasileiro. É provável que se recomende a criação de algum esquema ou mecanismo para o acompanhamento de riscos para a sobrevivência da floresta. Talvez surjam ofertas de apoio político, material ou financeiro para medidas que nosso governo tome em defesa da Amazônia. 
O governo brasileiro deve ser muito firme na reafirmação de sua soberania, mas não convém colocar-se em postura de confrontação com boa parte da comunidade internacional. 
Precisamos ter jogo de cintura, e mostrar habilidade, serenidade e moderação em face dos desafios. Convém lembrar que nos anos 90 houve uma primeira iniciativa do G-7 de apoio aos esforços de preservação da floresta. 
Sob liderança da Alemanha, foi lançado o chamado PPG-7, programa voltado para a defesa da floresta amazônica e também da Mata Atlântica. O governo da época, em vez de rechaçar a iniciativa, resolveu acolhê-la. Em 17 anos foram gastos mais de 460 milhões de dólares, com resultados satisfatórios para todas as partes envolvidas. 

Como o senhor vê as últimas declarações do presidente a respeito das eleições argentinas?

Estou espantado com os insultos com os quais o presidente se referiu a Alberto Fernandez e às forças políticas que o apoiam, quando é evidente que será ele o próximo presidente do país vizinho. A Argentina é parceira inevitável e indispensável, o terceiro mercado para nossas exportações, nossa sócia no Mercosul. É de alta importância a preservação de atmosfera de diálogo e entendimento entre os dois países. 
Quando ocorre um entrevero entre dois chefes de governo, o papel natural de um chanceler é o de botar panos quentes, esfriar os ânimos, abrir canais de interlocução junto aos meios diplomáticos e também políticos do outro país. Mas o ministro Araújo resolveu juntar-se ao presidente. 
É impressionante que as duas maiores autoridades de nossa política externa ataquem dessa maneira o futuro governante da Argentina. O que será das relações bilaterais ao impacto de tais declarações? O Brasil chegou ao ponto de ameaçar sair do Mercosul caso Fernandez viesse a “fechar” a Argentina. Isso seria um tiro no pé, pois significaria nossa saída do recém-acertado acordo entre o Mercosul e a União Europeia. E representaria duro golpe no Mercosul. 

Quem foram os embaixadores do Brasil nos EUA desde a redemocratização

Caso seja nomeado para a embaixada em Washington, Eduardo Bolsonaro se tornará a primeira pessoa sem carreira na diplomacia a assumir o posto desde o fim da ditadura militar

A possível indicação de Eduardo Bolsonaro, deputado federal e filho do presidente Jair Bolsonaro, como embaixador do Brasil nos Estados Unidos pode quebrar uma tradição dentro do Itamaraty, desde a redemocratização, de ter na embaixada em Washington, sempre um diplomata de carreira.  
Desde o governo de José Sarney, o primeiro após a ditadura militar, todos os ocupantes do cargo saíram do Instituto Rio Branco, o centro de formação de diplomatas do Itamaraty. 
Veja abaixo um breve perfil de cada um deles.  

Marcílio Marques Moreira

Período: 23/11/1986 a 24/08/1991
Presidente: José Sarney 
Primeiro embaixador brasileiro nos EUA após a ditadura militar, Moreira cursou Direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e fez pós-graduação em Ciência Política na Universidade de Georgetown, em Washington. Em 1954, concluiu o curso de preparação à carreira de diplomata do Instituto Rio Branco. 
Foi secretário na embaixada do Brasil em Washington, vice-presidente do Unibanco, diretor financeiro do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, entre outras ocupações, antes de ser nomeado embaixador nos EUA, cargo que ocupou entre 1986 e 1991, quando deixou a função para ser ministro da Fazenda de Fernando Collor. 

Rubens Ricupero

Período: 25/08/1991 a 25/08/1993
Presidente: Fernando Collor de Mello 
Formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP), Ricupero ingressou no Instituto Rio Branco em 1958. Foi um dos primeiros diplomatas a trabalhar em Brasília, onde foi atuar, em 1961, como oficial de gabinete do ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos. Com uma longa carreira diplomática, também deu aulas de Relações Internacionais na Universidade de Brasília (UnB) e no próprio Instituto Rio Branco. 
Foi assessor internacional do deputado e presidente eleito Tancredo Neves e assessor especial do presidente José Sarney. Nomeado por Fernando Collor como embaixador em Washington em 1991, permaneceu no cargo até 1993, quando foi indicado pelo presidente Itamar Franco ao Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal. Também ocupou por cinco meses o Ministério da Fazenda de Itamar Franco. Ricupero falou ao Estado sobre a possível indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington, dizendo que seria algo "sem precedentes na tradição diplomática do País" 

Paulo Tarso Flecha de Lima 

Período: 12/11/1993 a 26/05/1999
Presidente: Itamar Franco 
O mineiro Paulo Tarso Flecha de Lima, após de formar em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade do Brasil - atual UFRJ -, no Rio de Janeiro, em 1955, ingressou na carreira diplomática por concurso direito. Realizou o curso de aperfeiçoamento do Instituto Rio Branco e integrou a equipe do presidente Juscelino Kubitschek como oficial do Gabinete Civil. 
Construiu uma longa carreira na diplomacia, servindo em países como Itália, Uruguai, Argentina, Iraque, Irã, entre outros. Foi nomeado embaixador em Londres, em 1990, e em Washington, em 1993. Em 1999, assumiu a embaixada brasileira em Roma, onde ficou até 2001. Com a tríade Londres-Washington-Roma, passou por quase todo o “Circuito Elizabeth Arden”, jargão na diplomacia que se refere ao conjunto das embaixadas mais prestigiadas no meio: Londres, Washington, Roma e Paris.  

Rubens Antonio Barbosa

Período: 11/06/1999 a 31/03/2004
Presidente: Fernando Henrique Cardoso 
Após se formar diplomata no Instituto Rio Branco em 1960, graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro. Em 1971, concluiu mestrado na London School of Economics and Political Science. Ao longo de sua carreira diplomática, fez parte da delegação brasileira em inúmeras edições da Assembleia Geral das Organização das Nações Unidas (ONU) e em missões internacionais, mediando principalmente a relação do Brasil com países socialistas europeus, como Romênia, Alemanha Oriental, Bulgária, Hungria e a antiga União Soviética. 
Em 1994, assumiu a embaixada brasileira em Londres, onde ficou até 1999, quando foi nomeado embaixador em Washington. Após deixar a embaixada, ocupou o cargo de presidente de conselhos como o de comércio exterior da FIESP e da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. 

Roberto Pinto Ferreira Abdenur

Período: 02/04/2004 a 29/01/2007
Presidente: Luiz Inácio Lula da Silva 
Formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e mestre em economia pela London School of Economics and Political Science, ingressou na carreira de diplomata em 1964. Foi cônsul-adjunto em Londres, integrou a delegação brasileira em diversas reuniões da Assembleia Geral da ONU e foi coordenador de assuntos econômicos e comerciais da Secretaria Geral das Relações Exteriores antes de atingir o posto de ministro de primeira classe, o mais alto da carreira diplomática. 
Foi embaixador no Equador (1985 a 1988), na China (1989 a 1993), na Alemanha (1995 a 2002) e na Áustria (2002 a 2004), até ser nomeado embaixador em Washington por Lula.         

Antonio de Aguiar Patriota

Período:21/02/2007 a 20/10/2009
Presidente: Luiz Inácio Lula da Silva 
Bacharel em filosofia pela Universidade de Genebra, ingressou no curso de preparação de diplomatas do Instituto Rio Branco em 1978. Diplomata de carreira, atuou na delegação brasileira permanente em Genebra, Pequim e Caracas e ocupou cargos no Itamaraty, como o de chefe de gabinete do então ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. 
Foi o segundo embaixador em Washington nomeado por Lula, sucedendo Roberto Abdenur. Deixou o cargo em 2009 para assumir a secretaria-geral do Itamaraty. Em 2011, assumiu o posto de ministro das Relações Exteriores do governo Dilma. 

Mauro Luiz Iecker Vieira

Período: 11/01/2010 a 31/12/2014
Presidente: Luiz Inácio Lula da Silva 
Após se tornar bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense, ingressou no curso de preparação à carreira de diplomata do Instituto Rio Branco em 1973. Construiu carreira ocupando cargos nos ministérios das Relações Exteriores, de Ciência e Tecnologia e da Previdência e Assistência Social. Entre 1995 e 1999, foi ministro-conselheiro na embaixada brasileira em Paris. 
Após ser chefe de gabinete de Celso Amorim no Ministério de Relações Exteriores, foi nomeado, em 2004, embaixador em Buenos Aires, onde ficou até 2010, quando passou a ocupar o cargo de embaixador em Washington. Em 2015, saiu da embaixada nos EUA e assumiu o Itamaraty no governo de Dilma Rousseff. Ao assumir a presidência em 2016, Michel Temer nomeou Mauro Vieira para o cargo de representante permanente do Brasil na ONU. 

Luiz Alberto Figueiredo

Período: 07/05/2015 a 05/09/2016
Presidente: Dilma Rousseff 
Outro ministro das Relações Exteriores que foi embaixador nos EUA, Luiz Alberto Figueiredo graduou-se pelo Instituto Rio Branco em 1979. Chefiou diversas delegações brasileiras em conferências internacionais sobre temas ambientais, com forte atuação nas discussões sobre mudanças climáticas e sustentabilidade. Durante o governo de Dilma Rousseff, foi representante permanente do Brasil junto à ONU e ministro das Relações Exteriores. Serviu como embaixador nos Estados Unidos entre 2015 e 2016, antes de assumir a embaixada em Lisboa, onde está até hoje. 

Sergio Silva do Amaral

Período: 05/09/2016 a 03/06/2019
Presidente: Michel Temer 
O mais recente embaixador nos EUA, Sergio Amaral, é formado em Direito pela USP e tem pós-graduação em Ciência Política na Universidade de Paris I. Antes de ser embaixador em Washington, ocupou as embaixadas de Londres e Paris, além de ter sido professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília. 
Na administração pública, Amaral ocupou cargos como os de Secretário Executivo do Ministério do Meio Ambiente, Ministro-Chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência da República e porta-voz do presidente Fernando Henrique Cardoso, de quem também foi ministro do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio Exterior.

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Embaixada em Washington: Rubens Ricupero e Roberto Abdenur (Época)

Não é para qualquer um

    DOIS EX-EMBAIXADORES BRASILEIROS NOS ESTADOS UNIDOS EXPLICAM POR QUE ACHAM QUE EDUARDO BOLSONARO NÃO DEVE SE MUDAR PARA WASHINGTON
    por Ruan de Sousa Gabriel
    Revista Época, 15/08/2019

    Na quinta-feira 8 de agosto, o Itamaraty foi informado de que o governo americano aprovou a indicação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), terceiro filho do presidente Jair Bolsonaro, para ser o embaixador brasileiro em Washington. Antes disso, o presidente americano, Donald Trump, já havia elogiado a nomeação de Eduardo para a embaixada. "Eu acho o filho dele (de Jair Bolsonaro) excelente. Ele é um jovem brilhante, maravilhoso. Estou muito feliz com a indicação", disse Trump. Em defesa da indicação do filho, o presidente Bolsonaro tem reforçado que a interlocução de Eduardo com os americanos è um ponto a seu favor - além do fato de ter morado nos Estados Unidos e de ser o presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara.
    O sinal verde dos Estados Unidos, no entanto, não quer dizer que Eduardo já pode Começar a arrumar as malas e preparar a mudança para a elegante residência que aparece nesta foto. Ele ainda precisa passar por algumas etapas de aprovação no Senado. Primeiro uma sabatina e depois duas votações: uma na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CRE) c outra no plenária Se aprovado, Eduardo poderá assumir a embaixada - caso não seja impedido pela Justiça. Na segunda feira 12, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com um pedido de liminar - decisão provisória - para barrar a nomeação O MPF considera o filho do presidente desqualificado para o cargo e defende que os indicadas a embaixadas precisam de, no mínimo, três anos de experiência diplomática no currículo Na sexta-feira 9, o partido Cidadania entrou com um mandado de segurança coletivo preventivo no Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando uma limitar que impeça a indicação, por considerá-la nepotismo.
    ÉPOCA conversou com dois ex-embaixadores brasileiros em Washington sobre a nomeação de Eduardo: Rubens Ricupero, que serviu entre 1991 e 1993, e Roberto Abdenur. que chefiou a embaixada entre 2004 e 2007. Ricupero chegou a Washington depois de uma longa carreira diplomática. De volta ao Brasil, ele foi ministro do Meio Ambiente e da Amazônia Legal no governo Itamar Franco e ministro da Fazenda durante a implantação do Plano Real. Abdenur foi embaixador no Equador, na China, na Alemanha e na Áustria antes de seguir para os Estados Unidos. Tanto Ricupero quanto Abdenur consideram equivocada a nomeação de Eduardo. Confira a seguir as principais razões apresentadas.
    Falta de qualificação
    RUBENS RICUPERO Falta a Eduardo qualificação, experiência, maturidade, peso intelectual e cultural. O posto de embaixador em Washington é, para quase todos os países, o mais importante de tipo bilateral. Todas as nações de peso diplomático, praticamente sem exceção, têm diplomatas de carreira em Washington. É verdade que, em circunstâncias excepcionais, uma pessoa que não é da carreira pode ser um excelente embaixador. O Brasil teve Oswaldo Aranha, que era uma grande figura no Brasil, um homem de grande estatura e que havia sido ministro da Fazenda. Era uma figura impar, respeitada pela sociedade. O outro exemplo foi Walther Moreira Salles, que esteve à frente da embaixada numa época em que o Brasil passava por grandes problemas cm termos de dívida, de balanço de pagamentos. Ele era, na época, o banqueiro brasileiro que gozava de melhores conexões com os bancos internacionais. Eduardo, por sua vez, é uma pessoa de um nível muito modesta
    ROBERTO ABDENUR Eduardo não tem quase nenhuma experiência internacional. Não tem nenhuma experiência em negociação bilateral ou multilateral. Jamais participou de uma conferência internacional. A tradição, a regra não escrita, é que sejam nomeados embaixadores em estado adiantado da carreira, com larga experiência, que já tenham chefiado dois, três, quatro postos antes. Washington foi meu quinto posto. Fui antes embaixador no Equador, na China, na Alemanha e na Áustria, além de ter sido secretário-geral do Itamaraty. A embaixada em Washington é a única que tem um alcance universal do ponto de vista do itamaraty e do governo brasileiro, porque os Estados Unidos estão presentes e atuantes em praticamente todas as questões internacionais. Então, é preciso ser capaz de acompanhar a evolução, no plano internacional, de múltiplos acontecimentos políticos, econômicos, de segurança e ambientais. A embaixada em Washington .abastece as demais embaixadas brasileiras com análises das políticas externa interna americanas. O embaixador em Washington tem multiplicidade de tarefas.
    Incapacidade de diálogo
    RR Eduardo é o representante na América Latina do movimento fundado pelo americano Steve Bannon, que é da extremíssima-direita. Portanto, Eduardo está no ponto mais extremo do espectro das opiniões de direita. Ele tem opiniões muito extremadas na política internacional, mais favoráveis a soluções bélicas. Normalmente, um embaixador precisa ter uma posição muito equilibrada, porque é representante do pais, não de um partido ou um governo. Ele é a própria encarnação do pais que representa. Para isso, é preciso alguém que não seja um extremista de esquerda ou de direita. É preciso que seja alguém que esteja dentro dc um mínimo denominador comum das opiniões.
    RA Esse rapaz se fez fotografar com um boné escrito "Trump 2020". Isso deve ter pegado muito mal junto aos democratas, que hoje têm poder político efetivo porque controlam a Câmara dos Deputados e estão investindo contra Trump. Se esse rapaz for embaixador, poderá ser um vínculo útil com a administração Trump, mas não terá interlocução com o conjunto do sistema político americano. O Congresso americano tem uma imensa importância na definição das questões de comércio exterior, por exemplo. Já existe entre os democratas uma visão negativa do Brasil de Jair Bolsonaro por causa das políticas regressivas que o presidente está aplicando neste momento, negacionistas em relação às mudanças climáticas, às questões indígenas, aos direitos humanos e por aí vai. Isso só fará piorar se esse rapaz for embaixador.
    Adesão aos EUA
    RR Uma vez, dando uma entrevista à televisão americana, Eduardo qualificou os imigrantes brasileiros irregulares como vagabundos, indivíduos que não mereciam ser acolhidos. Ele disse que muitos deles eram até criminosos. Um dos deveres do embaixador do Brasil é proteger seus cidadãos. Eu, quando fui embaixador lá, lidei com inúmeros casos de brasileiros maltratados pela policia da Imigração. Tomei uma iniciativa pioneira: organizei a primeira reunião dc todas os cônsules do Brasil no país com a polícia da Imigração, o Departamento de Justiça e o Departamento de Estado para ver se poderíamos ter um protocolo de atitudes para que nossos nacionais não fossem maltratados. Isso é uma coisa sagrada. A atitude de Eduardo revela uma coisa muito grave. Ele, talvez por ser jovem, por ler morado lá, por ter esse entusiasmo pelos Estados Unidos, identifica-se muito com os americanos. Eduardo quer ser simpático aos americanos e. ao dar uma entrevista, acha que uma das maneiras de obter o aplauso americano é condenar seus compatriotas que estão lá procurando uma vida melhor. Isso na diplomacia é gravíssimo. O maior defeito que um diplomata pode ter é se identificar mais com o país no qual ele está do que com o seu.
    RA O embaixador precisa conhecer extensamente as grandes questões internacionais, preparar relatórios - os chamados telegramas - com análises sofisticadas dos principais fatos e tendências que ocorrem no mundo. não apenas nos listados Unidos. O Brasil está e vai continuar sofrendo duras pressões americanas para esfriar suas relações com a China. E será extremamente danoso ao Brasil se cedermos 1 milímetro nisso
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    Para ser oficializado como embaixador nos Estados Unidos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro ainda precisa ser aprovado pelos senadores.

    quinta-feira, 9 de maio de 2019

    Roberto Abdenur sobre a diplomacia paralela do presidente da CREDN-CD - O GLobo, 9/05/2019


    O atual governo segue ideologia de extrema direita. Sua política externa tem como premissas a ideia de que o Ocidente está em decadência, só podendo ser salvo pelos EUA de Trump; uma visão negativa do cenário internacional, com ameaças à soberania por conta do “globalismo”, do multilateralismo, do “marxismo cultural” e do ambientalismo; e a ideia de que a comunidade internacional está calcada em valores —o que, diz o governo, prejudica os interesses nacionais.

    Essas premissas — verbalizadas pelo chanceler Araújo —são compartilhadas por outros atores, como o deputado Eduardo Bolsonaro. A aplicação desse ideário resultou, quando da visita presidencial ao Chile, na criação de nova entidade, a Prosul, direcionada a governos conservadores. Em Washington configurou-se decisão estratégica de alinhamento com os EUA. Em Tel Aviv e Jerusalém, consumo use opção preferencial por Israel, em detrimento de palestinos e árabes em geral. Além das viagens presidenciais, suscitam atenção as visitas do deputado Bolsonaro ao primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, e ao vice-primeiro-ministro Matteo Salvini, na Itália. Trata-se de dois expoentes da direita na Europa. Ambos convergem com o ex-assessor de Trump Steve Bannon — que esteve com o presidente Bolsonaro em Washington —no esforço de aglutinar forças da extrema direita para contestar as democracias liberais e questionar a União Europeia.

    O presidente Bolsonaro elogiou as iniciativas de seu filho e adiantou a intenção de visitar a Hungria. Ele não foi eleito para implantar no Brasil regime autoritário nos moldes do húngaro. A movimentação do deputado, que atua como chanceler paralelo, abre uma segunda trilha diplomática em prejuízo daquela que, conduzida pelo Itamaraty, deveria prevalecer no trato oficial com outros governos, inclusive os que não são de direita, e com os quais, diferentemente do que ocorre com a Hungria, tem o Brasil relações de grande densidade e dinamismo. Isso acontece com Alemanha, França, Reino Unido, Espanha, Portugal, entre outros importantes parceiros comerciais e fontes de investimento em nossa economia.

    A diplomacia paralela de Eduardo Bolsonaro, na ânsia de aproximação com forças da extrema direita, tem efeitos contraproducentes em nosso relacionamento com as grandes democracias europeias. A identificação do Brasil com protagonistas da extrema direita irrita os governos verdadeiramente democráticos em Berlim, Paris, Londres e outras capitais, pois tais governos são alvo de duros ataques e contestações pelos radicais da direita.

    Também não ajudamo Brasil outras posturas de Brasília, como a falta de compro missoco momeio ambiente e coma preservação da Amazônia e o ceticismo quanto aos acordos de Paris sobre mudança climática. A tendência é que surjam inibições e restrições às relações como Brasil, incluindo barreiras a nossas exportações. É ruim a imagem do governo Bolsonaro no exterior, e nosso alinhamento com personagens e governos da extrema direita só fará piorar essa situação.

    O governo está fazendo escolha serrada sem suas prioridades. Atua de forma pouco profissional. A diplomacia paralela se sobrepõe à diplomacia oficial do Itamaraty e arrasta o país para caminhos equivocados. A diplomacia brasileira já está a sofrer descrédito e desprestígio. Ao impacto da diplomacia paralela, essa tendência certamente se agravará.

    Ação de Eduardo Bolsonaro tem efeito contraproducente em nossa relação com grandes democracias europeias

    Roberto Abdenur é embaixador aposentado e foi secretário-geral do Itamaraty.

    domingo, 17 de março de 2019

    A diplomacia de Bolsonaro encolhe o Brasil - Miriam Leitão (O Globo, 15/03/2019)

    Nova diplomacia encolhe o Brasil

    Os riscos que a política externa corre neste momento são concretos. A bancada do agronegócio teme perder mercado na China, nosso maior parceiro. A ida do presidente Bolsonaro a Washington será boa por um lado, mas o perigo é o país tomar partido na guerra comercial e tecnológica com a China. O deputado Eduardo Bolsonaro representa no Brasil um movimento que se propõe a lutar contra a União Europeia, outro grande mercado brasileiro. A política externa está virando uma coleção de fios desencapados.
    O embaixador Roberto Abdenur disse que a decisão de Bolsonaro de demitir 15 embaixadores para melhorar a imagem dele no exterior é uma intervenção sem precedentes:
    — O presidente tem o direito de nomear ou demitir funcionários, mas, de uma vez só, decapitar 15 chefes de embaixada é um gesto muito radical. E o presidente se equivoca, porque a imagem dele não é feita no exterior, é feita no Brasil.
    O embaixador Paulo Roberto de Almeida, que acaba de ser demitido do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais por ter postado em seu blog pessoal artigos dos quais o chanceler Ernesto Araújo não gostou, lembra outro problema:
    — No caso da Venezuela, desde o começo, o chanceler demonstrou uma adesão ao aventureirismo trumpista. O chanceler foi contido e diretamente tutelado pelos militares, que fizeram um cordão sanitário, uma contenção de políticas indevidas. O general Mourão assumiu a chefia da delegação e disse claramente que não haveria intervenção. Os militares estão assumindo uma posição diplomática de respeito à Constituição e ao direito internacional.
    Entrevistei os dois diplomatas na Globonews. Abdenur, enquanto esteve na ativa, assumiu postos importantes como as embaixadas da China, Alemanha, Áustria e dos Estados Unidos. Tanto ele quanto o embaixador Paulo Roberto de Almeida foram críticos de posições tomadas na política externa dos governos do PT. Divergem agora dos caminhos adotados no governo Bolsonaro. A crítica é a mesma: a interferência da ideologia — antes de esquerda e agora de extrema-direita — nas relações externas.
    O ministro Ernesto Araújo, em aula aos alunos do Instituto Rio Branco, fez uma relação entre os problemas que o Brasil enfrenta em várias áreas com o aumento do comércio com a China.
    — A China se tornou o maior parceiro porque é o maior demandante de produtos brasileiros e a maior consumidora desses produtos. O estranho é o chanceler correlacionar o aumento do comércio com a China a uma suposta decadência social, política e cultural. Não faz sentido nenhum — disse Paulo Roberto.
    Abdenur faz um alerta sobre a visita que Bolsonaro fará aos EUA no próximo domingo:
    — Me preocupa muito o que vai acontecer na semana que vem na visita do presidente a Washington, porque os Estados Unidos estão levando adiante uma confrontação estratégica dura com a China, pela supremacia tecnológica na introdução de 5G na internet — disse Abdenur, lembrando que o Brasil nada tem a ganhar ao tomar posição nessa briga.
    Abdenur prevê que a visita terá resultados positivos com progressos na área de comércio, investimentos, de cooperação militar. O Brasil deve ser proclamado aliado estratégico extraOtan e os Estados Unidos podem suspender o veto à entrada do Brasil na OCDE. O temor é que o país assuma uma posição de alinhamento automático aos Estados Unidos.
    Há outros riscos. Na reforma imposta ao Itamaraty, a Europa deixou de ter um departamento exclusivo, para ser misturada à África e ao Oriente Médio. O ministro Araújo, em seus discursos, chama a Europa de “vazio cultural”.
    O filho do presidente Eduardo Bolsonaro tem agido como um chanceler paralelo. Ele foi nomeado pelo ex-estrategista de Trump Steve Bannon como representante na América Latina do The movement, que, instalado em Bruxelas, se propõe a lutar contra a União Europeia. Ao assumir a Comissão de Relações Exteriores, o deputado disse que Venezuela e Cuba são a escória da humanidade, ou seja, ele confunde países com governos. Pensa estar criticando o chavismo e está ofendendo o país, nosso vizinho de fronteira.
    Este governo, através de atos e palavras do presidente e do chanceler, da atuação do filho do presidente, e de um assessor internacional na Presidência sem qualificação para o cargo, tem espalhado ofensas contra diversos países. Isso em diplomacia tem consequência. A de encolher o Brasil.
    (Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

    Matéria publicada no jornal: 



    Diplomacia brasileira: programa Miriam Leitão (14/03/2019) - Paulo Roberto de Almeida, Roberto Abdenur

    Meu "trabalho" mais recente, "publicado", se ouso dizer: 

    1302. “A diplomacia no governo Bolsonaro”, GloboNews Miriam Leitão, exibição em 14 de março de 2019 (24 min). O programa fala sobre as novas perspectivas das relações exteriores do Brasil no governo Bolsonaro. Participam da discussão o embaixador aposentado Roberto Abdenur e o embaixador Paulo Roberto Almeida, exonerado recentemente do cargo de diretor do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais (links para o programa: https://globosatplay.globo.com/globonews/v/7457062/ e https://globosatplay.globo.com/globonews/v/7457062/?fbclid=IwAR3MiNi3w4WcAsX7wAM20FyWOwiF8ttAvXmOAq6ERFL8x43xHn3avmmGyh8).

    Eu mesmo não consigo assistir, por não ser assinante, ou por demandar algum outro tipo de cadastro que não disponho.
    Paulo Roberto de Almeida
    Brasília, 17 de março de 2019