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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Roberto Campos e a utopia constitucional brasileira: livro Paulo Roberto de Almeida

Meu próximo livro: 


Roberto Campos e a
utopia constitucional brasileira

Paulo Roberto de Almeida


Índice
Prefácio
Roberto Castello Branco 

Roberto Campos e a trajetória inconstitucional brasileira
Paulo Roberto de Almeida 

Artigos e ensaios de Roberto Campos

Parte I
Irracionalidades do processo de reconstitucionalização 
1.     Reservatório de utopias 
2.     Nosso querido nosocômio 
3.     A transição política no Brasil 
4.     A busca de mensagem 
5.     Ensaio sobre o surrealismo 
6.     Ensaio de realismo fantástico 
7.     É proibido sonhar 
8.     O radicalismo infanto-juvenil 
9.     Pianistas no ‘Titanic’ 
10.  Por uma Constituição não biodegradável  
11.  O “besteirol” constituinte, I 
12.  O ‘besteirol’ constituinte, II 
13.  O bebê de Rosemary 
14.  O culto da anti-razão 
15.  As soluções suicidas 
16.  Mais gastança que poupança 
17.  O direito de ignorar o Estado
18.  O “Gosplan” caboclo 
19.  Dois dias que abalaram o Brasil
20.  Como extrair a vitória das mandíbulas da derrota
21.  Progressismo improdutivo 
22.  A ética da preguiça
23.  O escândalo da Universidade
24.  A vingança da História
25.  As consequências não pretendidas
26.  Xenofobia minerária
27.  A revolução discreta 
28.  A marcha altiva da insensatez
29.  A humildade dos liberais
30.  O buraco branco 
31.  A Constituição-espartilho 
32.  Indisposições transitórias
33.  Os quatro desastres ecológicos 
34.  A Constituição “promiscuísta” 
35.  Desembarcando no Mundo 
36.  A sucata mental 
37.  Loucuras de primavera 

Parte II
As utopias bizarras da nova Constituição
38.  Democracia e democratice 
39.  Nota Zero 
40.  Dando uma de Português 
41.  As falsas soluções e as seis liberdades 
42.  O avanço do retrocesso 
43.  Razões da urgente reforma constitucional 
44.  O gigante chorão 
45.  A Constituição dos miseráveis 
46.  Besteira preventiva 
47.  Saudades da chantagem 
48.  O fácil ofício de profeta 
49.  A modernidade abortada
50.  Brincando de Deus 
51.  Como não fazer constituições
52.  As perguntas erradas 
53.  Da dificuldade de ligar causa e efeito 
54.  O grande embuste... 
55.  O nacionalismo carcerário
56.  Da necessidade de autocrítica
57.  Piada de alemão é coisa séria... 
58.  O fim da paralisia política
59.  O anacronismo planejado
60.  A Constituição-saúva
61.  Assim falava Macunaíma 
62.  Três vícios de comportamento 
63.  Quem tem medo de Virgínia Woolf 
64.  O Estado do abuso 
65.  Reforma política 

A Constituição brasileira contra o Brasil
Paulo Roberto de Almeida

Apêndice: Obras de Roberto Campos

Notas sobre o autor, o organizador e demais colaboradores


domingo, 22 de abril de 2018

Roberto Campos disseca o lulopetismo desde a origem (1993)

Violinista do campo de concentração
Roberto Campos, deputado federal 
O Globo, do dia 18 de abril de 1993

"Lembro-me vagamente de um filme de Claude Lelouch em que músicos judeus se enfileiravam para tocar na orquestra do campo de concentração. Com um pouco de Mozart e Beethoven e - oh! suprema humilhação! - umas árias do antissemita Wagner escapavam temporariamente à câmara de gás. E talvez conseguissem uma sopa reforçada”. 
Essa imagem me veio à mente ao saber dos jantares oferecidos a Lula por empresários paulistas. Certamente fantasiam que o sindicalista selvagem possa se transformar no capitalista domesticado. Não se trata, obviamente, de uma conversão na estrada de Damasco, mas talvez de um desvio eleitoral na estrada de Garanhuns. Esperam não apenas ser poupados, mas até arranjar um pequeno cartório. Afinal de contas, o PT apoiou os cartórios de informática e agora parece inclinado a proteger a pirataria das patentes. 
Hoje acredito que os únicos esquerdistas que entendem a economia de mercado são aqueles que experimentaram, na carne, a cruel ineficiência do "socialismo real". Não os nossos socialistas de bar, de púlpito ou de palanque. 
O sonho presidencial de Lula é um pesadelo para os que sonham com a modernização do Brasil. Seu partido é excludente, pois prega o conflito de classes, coisa obsoleta nas modernas sociedades integrativas. De seu nome, "Partido dos Trabalhadores", infere-se que os outros são partidos de vagabundos... 
A modernização brasileira passa pela renúncia dos "ismos": nacionalismo, populismo, estruturalismo e estatismo doenças que no PT têm a irreversibilidade da AIDS. As curas são conhecidas: desinflação, privatização, desregulamentação, destributação, liberalização comercial e reinserção no sistema financeiro internacional.
A ideologia petista está seguramente desequipada para todas essas tarefas. Em matéria de inflação, sua propensão é atribuí-la não aos desmandos do Governo e sim à ganância dos empresários. Dificilmente resistiriam à tentação de controlar preços, pelo menos os dos oligopólios e da cesta básica. A privatização é relutantemente aceita como um modismo liberal a ser estudado. "Estamos interessados", diz Lula, "em discutir os setores estratégicos que deverão continuar subordinados ao Estado". Lula, aparentemente, ignora que o que se chama no Brasil de “setores estratégicos” como petróleo, eletricidade e telecomunicações; sempre foram privados (ou estão sendo privatizados) nas sete economias mais poderosas do mundo... 
Não é de admirar, aliás, que Lula não entenda a essencialidade da privatização, quer para a cura da inflação, quer para a retomada do crescimento. O PT é cada vez menos um partido de operários e cada vez mais um partido de funcionários. E estes estão incrustados nas estatais, como carrapatos burocráticos. Para a CUT, a privatização não significa-melhoria da eficiência e redução da corrupção. “Veem-na apenas como um ‘‘harakiri” do corporativismo! Também não se pode esperar de Lula o apostolado da desregulamentação. Basta lembrar o apoio do PT à máfia portuária, no caso da extinção do monopólio dos sindicatos. 
Pouco se pode esperar, outrossim, em matéria de destributação. Isso pressuporia a redução do tamanho e funções do Estado e o reconhecimento realista de que "não se consegue enriquecer os pobres empobrecendo os ricos" (para lembrar a expressão do líder trabalhista inglês, Hugh Dalton, que aprendeu na década de 50 o que os nossos trabalhistas ainda não aprenderam). 
Pouco se poderia esperar também em termos de abertura comercial. É um caso em que empresários e trabalhadores se irmanam na proteção de empregos nas indústrias ineficientes, esquecendo-se da alternativa melhor de geração de empregos por exportadores eficientes. Quanto à reinserção no mercado financeiro internacional, nem é bom falar! O PT sempre foi favorável à moratória e tem muito menos entendimento das funções do FMI do que russos e chineses, os quais deixaram de considerá-lo apenas como o “comitê executivo do capitalismo”, para nele ver uma fonte de recursos e de assistência técnica para a estabilização dos preços. 
Não há sinais, outrossim, de que o PT se tenha convencido de que a decretação, como o fizemos na Constituição de 1988, de amplas "conquistas sociais", não elimina a lei da oferta e da procura no mercado. Para trágico desapontamento-da população brasileira, depois das "conquistas sociais", nunca o salário mínimo real foi tão baixo, nunca o nível de desemprego foi tão alto, nunca pior a distribuição de renda.  
À parte Brizola, cujo relógio mental parou há 30 anos, não parece haver, não galeria de presidenciáveis, ninguém mais despreparado que Lula para a responsabilidade presidencial. Brizola dá-lhe um conselho prudente: administrar primeiro pelo menos uma prefeiturazinha. Talvez no ABC paulista hoje ameaçadas de desindustrialização, pela fuga" de empresas intimidadas por experiências recentes de sindicalismo selvagem. 
Com sua conhecida delicadeza de sentimentos, Brizola mimoseou seu contendor com o apelido de "sapo barbudo''. Isso cria incertezas para os investidores, sobretudo os estrangeiros, que desconhecem as sutilezas de nossa linguagem política. É que não se sabe se se trata de um sapo útil, dos que comem insetos (Bufo terrestris americanus), ou daqueles sapos amazônicos que emitem borrifos venenosos (dendrobotidae). Enquanto isso os investidores suspenderão suas decisões de investimento, prolongando nossa estagflação.
Consta que os empresários paulistas, que tomaram a iniciativa de banquetear Lula, são da indústria de brinquedos. Talvez a esperança deles seja que Lula aprenda a brincar de capitalismo. O mais provável é que estejam desempenhando o papel dos violinistas do campo de concentração.  
O conselho de Deng Xiaoping aos chineses é: “Enriquecei-vos”. O conselho de Lula aos brasileiros é: "Sindicalizai-vos e contribuais para a CUT". É o fim da picada... 

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Paulo Francis homenageado por Roberto Campos, em 1997

Grato ao colega de Facebook Jefferson Araújo por ter recuperado este artigo que não conhecia, e tê-lo postado com este título: "Um gênio escrevendo sobre outro gênio".
Paulo Roberto de Almeida 

Paulo Francis - Pugilista de idéias
Roberto Campos 
O Globo, 9 de fevereiro de 1997

Sempre achei que o Brasil não se salvaria pelo silogismo. Mas poderia ser salvo peta anedota...
Nesse sentido, a contribuição de Paulo Francis para a modernização da mentalidade brasileira foi mais relevante que a minha. Enquanto eu produzia secos silogismos, Francis usava o veneno da ironia e o punhal do sarcasmo para colocar na defensiva os cultores da mitologia nacionalista e estatizante, que reduziu nosso potencial de crescimento e nos enfeudou à pobreza. Seu passado marxista o tornou conhecedor de técnicas de lavagem cerebral.
Que essa operação de exorcismo foi eficaz, prova-o a grande mudança na atitude popular. Os monopólios estatais, antes ungidos de sacralidade estratégica, são hoje vistos com indignação resignada. Alguns, como a Telessauro e a Embratel, caíram no plano anedótico e enriquecem o vocabulário de xingamentos dos devotos da Internet, neurotizados pelas dificuldades de acesso.
Começa-se a perceber que os funcionários das estatais há muito tinham privatizado as empresas públicas, sugando-as através de abusivas contribuições para os fundos de pensão, que se expandem comprando outras empresas. Fica o Tesouro à mingua de dividendos, e o público, à mingua de serviços.
Um pouco mais resistente à erosão da mitologia estatizante e a Petrossauro, cujo monopólio constituía uma aberração lógica por sermos no mundo o único país importador que preferia comprar petróleo de estrangeiros a receber capitais para produzi-lo internamente.
O déficit comercial, que hoje nos assusta, e do exato tamanho da incompetência da empresa. Em 1996, nosso saldo comercial negativo foi de US$ 5,5 bilhões é o valor de nossas importações de petróleo bruto e derivados (deduzidas exportações) foi de USS 5,8 bilhões!
Nos anos 80, ao analisar nossa grande crise da divida externa, demonstrei que nossa insolvência era uma "petrodívida". Hoje se pode dizer que nosso déficit comercial (depois de 43 anos de monopólio e incontáveis promessas de auto-suficiência) é um "petrodeficit" ... 
Paulo Francis tinha carradas de razão ao dizer que "Petrobrás é uma excrescência arcaica e nos custa os olhos da cara"... A trajetória intelectual de Francis foi uma gradual contaminação pela verdade e uma contínua erosão de preconceitos. De radical de esquerda, nos anos 50 e 60, e vocalizador do protesto político nos ano 70, passou a "radical liberal" a partir dos anos 80. Qual o primum movens da conversão?
Um dos fatores foi, certamente, sua desilusão com o "socialismo real". Nunca foi, entretanto, entusiasta do despotismo burocrático de Stalin grande carniceiro. Preferia a visão trotskista, um pouco mais romântica, da "revolução permanente".
Em sua rota revisionista, Francis deve ter sido abalado pelas revelações de Kruschev sobre os crimes de Stalin e pelo massacre da Hungria em 1956. Talvez mais decisivo ainda tenha sido o aniquilamento do socialismo com face humana, na Invasão da Checoslováquia em 1968.
0 segundo fator, talvez mais fundamental foi seu auto-exilio nos Estados Unidos em 1970, depois de ter sido quatro vezes preso, como subversivo, pelos militares brasileiros, na histeria anticomunista que se seguiu ao Ato Institucional n. 5. Lá continuou a lutar pela abertura política no Brasil e seus textos, enviados de Nova York, deram-lhe popularidade como fazedor de opiniões na classe estudantil e na classe média, ansiosas pela descompressão política.
Com sua enorme capacidade de metabolismo intelectual, Paulo Francis logo se impregnou dos valores do capitalismo democrático, com uma fórmula imperfeita, porém insubstituível de conciliar minimamente três objetivos quase inconciliáveis: liberdade política, eficiência econômica e equidade social.
Para Francis, um elitista intelectual, não foi difícil assumir a visão realista de que, tendo os homens nascido completamente desiguais por desígnio divino, a tentativa igualitária é uma farsa despótica, não nos restando mais que uma administração humana das desigualdades.
Em minhas numerosas conversas com Paulo Francis, em Manhattan, dei-me conta de que ele, após um processo longo de desmistificação, havia percebido melhor que muitos economistas profissionais a receita misteriosa do desenvolvimento econômico: liberdade competitiva numa economia de mercado e entorno institucional e judiciário respeitador das regras do jogo.
As "riquezas naturais", supostamente cobiçadas pelos imperialistas, não são fundamentais, pois o Japão enriqueceu sem elas. A educação não garante o progresso, pois a Rússia entrou em colapso anos após realizada a fórmula de Lenin: educação mais eletrificação.
É importante a taxa de poupança, mas só se os investimentos não forem desperdiçados. A moeda estável seria uma condição necessária porém não suficiente. Também o capitalismo não basta, a não ser que seja liberal e competitivo, pois são desastrosos os capitalismos de Estado.
Tendo sofrido na fase autoritária brasileira por seu fanatismo pelas liberdades políticas, passou nos Estados Unidos a ser um fanático também da liberdade econômica.
Para trás ficaram as ingenuidades do Estado benfeitor, das estatais estratégicas, do controle social de preços e de mercado. Eram caipiragens retrógradas. De uma visão marxista do Governo como um "justiciador", passou uma visão nietzcheana do Governo como um "predador".
Em seus últimos tempos, Francis sofria de uma "inversão de patrulhamento"; na juventude, fora patrulhado pela direita; na maturidade passou a ser patrulhado pelas esquerdas, que nunca compreenderam, como e por que se livrara ele da sedução marxista.
Minhas conversas com Paulo Francis versaram quase sempre sobre a "angústia do atraso", à busca, ambos nós, de explicações para a tenacidade de nossa miséria. Mas seus interesses culturais eram de larguíssimo espectro.
Abrangiam o teatro (começara sua carreira como critico e ator teatral), o cinema (em que se tornou um erudito), a literatura nacional e mundial (que lia com ecumênica voracidade), o balé e a música. Nesta, esbanjava erudição, humilhando-me com disquisições sobre duas modalidades musicais que pouco me atraiam: óperas e Wagner.
As crônicas que publicou, ao longo dos anos, sob a rubrica "Diário da Corte", eram um esquisito buquê de crítica literária e artística, análise política, palpitologia econômica e saborosa psicanálise de amigos e inimigos. Seu estilo era inconfundível e inimitável. Afinal de contas, há muitos escritores mas poucos pugilistas de idéias. Deixa um vácuo em nossa paisagem literária. É uma pena.