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domingo, 18 de agosto de 2013

À espera de Doha, OMC mantém relevância - Celso Lafer

À espera de Doha, OMC mantém relevância
Celso Lafer
O Estado de S.Paulo, 18/08/2013

Participei em 23 de julho, em Genebra, a convite de Pascal Lamy, diretor-geral da OMC, de mesa-redonda com ex-presidentes do Conselho Geral da Organização. O objetivo foi duplo: discutir o recém-publicado livro de Craig VanGrasstek, The History and Future of the World Trade Organization, que trata da OMC desde seu início, em 1995; e refletir sobre suas perspectivas.
Para Lamy foi uma oportunidade de ver tratado o legado e o papel da OMC ao fim do seu segundo mandato, que exerceu com determinação e competência numa conjuntura internacional difícil. Esta conjuntura contrasta com o clima mais favorável à cooperação econômica da fase inicial da OMC, que vivi como embaixador do Brasil em Genebra de 1995 a 1998, quando presidi, em 1997, o Conselho Geral. É esta conjuntura difícil de um mundo simultaneamente fragmentado e globalizado que ajuda a explicar as dificuldades que vêm emperrando as negociações da Rodada Doha.
O diretor-geral exerce as atribuições de gestão que lhe são conferidas e cumpre a função internacional de um terceiro imparcial entre os membros que integram o sistema multilateral de comércio. Ele pode aproximar as partes, mediar, buscar caminhos de convergência, mas não pode, por si só, equacionar, nas negociações, o desafio diplomático de encontrar interesses comuns e compartilháveis, administrar as desigualdades de poder e lidar com a diversidade dos valores.
Deste desafio tem consciência quem passou pela presidência do Conselho Geral, a instância de cúpula da estrutura da OMC. Nas atividades da Organização, seja no dia a dia da gestão de seus acordos ou na negociação de seus aprofundamentos, os países atuam no âmbito de seus conselhos e comitês de maneira muito ativa, porque as matérias neles tratadas têm impacto em suas economias. É por essa razão que a cultura diplomática da OMC realça sempre que ela é conduzida por seus membros - é member driven. São presidentes dos conselhos e comitês os diplomatas que lidam com essa cultura diplomática da OMC. Eleitos entre seus membros por consenso para um mandato de um ano, levando em conta os princípios de rotação e equilíbrio, devem ter a capacidade de transcender os interesses específicos do seu país e buscar uma imparcialidade que esteja a serviço dos objetivos comuns da Organização.
Os ex-presidentes do Conselho Geral, porque lidaram na prática com os desafios da OMC, puderam trazer sua contribuição para a reflexão sobre o legado e o futuro do sistema multilateral de comércio, que tem vocação para a universalidade, é hoje integrado por 158 membros e delibera pela prática do consenso.
Um dos méritos do livro de Craig é o de ter não apenas realçado o visível sucesso do seu sistema jurídico de solução de contenciosos comerciais, mas também apontado o significado político e econômico da expansão do número de seus membros. De 1995 a 2012, mais 30 países se incorporaram à OMC - entre eles China, Rússia, Arábia Saudita - e 25 negociam seu processo de acessão. A acessão não é simples, envolve a negociação do candidato com todos os membros para harmonizar seu regime de comércio exterior com as normas da OMC e compatibilizar seus compromissos tarifários e em matéria de serviços com os assumidos pelos membros da Organização.
Os processos de acessão têm sido uma das mais ativas e constantes áreas de negociação da OMC e Craig expõe de maneira pertinente que os ganhos para o sistema multilateral de comércio deles resultantes têm uma dimensão comparável à que resultaria da conclusão da Rodada Doha. Assim a OMC, apesar dos impasses de Doha, não está parada: graças à dinâmica das acessões, mantém de pé a relevância do sistema multilateral de comércio, apesar das forças centrífugas inerentes à proliferação de acordos regionais.
Cabe também destacar a singularidade da OMC como órgão de governança, para a qual o livro de Craig oferece pertinente chave de entendimento. Em contraste com outras entidades internacionais, a OMC é fruto da multidisciplinar presença de ideias e ações de economistas, juristas e politólogos.
Os economistas têm e tiveram a função de destacar o papel do comércio internacional como caminho do desenvolvimento e apontar o potencial de ganhos recíprocos, para os países, dos processos de maior liberação dos fluxos econômicos.
Os politólogos e os diplomatas, que, na prática, lidam com o problema do poder na vida internacional, sabem do acerto da tradicional denominação da economia como economia política. Entendem, como observou o sociólogo Simmel, que o mercado é tanto a luta de todos a favor de todos quanto a luta de todos contra todos. É por isso que o problema do poder permeia a vida econômica e as negociações comerciais envolvem uma dupla negociação: para dentro dos países, porque os processos de liberação comercial têm, no plano interno, efeitos redistributivos; e para fora, pois os interesses de acesso aos mercados são tanto ofensivos quanto defensivos e passam, na sua variedade, pelos distintos perfis das economias nacionais.
Os juristas, por sua vez, têm ciência de que a sociedade e o mercado não operam no vazio. Requerem normas para o seu bom funcionamento. Foi por isso que a OMC, graças à reflexão jurídica, criou um sistema multilateral de comércio regido por normas - rules based.
É esta convergência multidisciplinar de perspectivas, que leva em conta a complexidade, que faz da OMC uma organização sui generis no plano internacional, com os méritos próprios de uma instituição de governança na esfera econômica de um mundo interdependente. É por isso que a OMC é um bem público internacional a ser preservado e consolidado. Para isso certamente contribuirá, por sua experiência, seu domínio dos assuntos e conhecimento da cultura diplomática da Organização, o novo diretor-geral, embaixador Roberto Azevêdo.
* Professor emérito do Instituto de Relações Internacionais da USP

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O espectro dos anos 1930 ronda o comercio multilateral...


Conferência da OMC anuncia fim da era dos acordos

Jamil Chade
O Estado de S. Paulo,  19/12/2011

O vento gelado dos Alpes varreu nos últimos dias a cidade de Genebra, onde ocorria neste fim de semana a conferência da Organização Mundial do Comércio (OMC). Para muitos, a tempestade era o sinal de tempo difíceis.
Enquanto políticos faziam falsas promessas de manter mercados abertos, diplomatas e economistas chegavam à mesma conclusão: a recessão acabou com 20 anos de uma processo de liberalização dos mercados e o mundo caminha para uma segunda onda de protecionismo, ainda mais profunda, que provocaria prejuízos à economia mundial de R$ 1,5 trilhão.
Nem o Brasil, nem a UE nem os Estados Unidos demonstram hoje interesse real na conclusão da Rodada Doha. Mas, para além dos acordos, o que se verifica é a proliferação de medidas protecionistas, tanto em países ricos como emergentes.
Para 2012, o comércio mundial deve, na melhor das hipóteses, sofrer uma estagnação por causa da queda de consumo. Mas a onda de barreiras ameaça fazer o fluxo contrair. “Há sinais sérios de isolacionismo que se parecem com o momento da recessão dos anos 30″, alertou Pascal Lamy, diretor-geral da OMC.
Em média, três barreiras são implementadas no mundo por dia e, cada qual com sua estratégia, a ordem é a de proteger suas indústrias em tempos de estagnação e desemprego. Essas medidas e ameaças mostram que a era dos acordos comerciais pode ter chegado a um fim, pelo menos temporário. “Acho que o inverno comercial começou”, alertou um diplomata escandinavo.
Desde 1990, mais de 400 acordos comerciais foram fechados entre regiões e países. Só o México e o Chile chegaram a fechar tratados com mais de 30 países diferentes. No começo dos anos 90, países como o Brasil e Índia abriram unilateralmente seus mercados, convencidos de que precisavam importar para modernizar suas indústrias.
A Rodada Doha, lançada em 2001 para formatar o novo mundo comercial, foi definitivamente engavetada neste fim de semana. Mas a onda protecionista vai além. Com o desemprego sem dar sinais de ceder e governos sendo derrubados pela crise, a ordem é de traçar estratégias para aguentar anos de estagnação.
Sem acordos. No caso de europeus e americanos, a barreira não vem do aumento de tarifas, mas de políticas de incentivo a grupos locais e o fim de novas concessões. A possibilidade de acordos comerciais que possam afetar a agricultura, portanto, está totalmente afastada.
Entre os mercados emergentes, a onda protecionista é evidente, com dezenas de medidas na Argentina, Rússia, Índia, Indonésia, Tailândia e outros países. Com a queda do mercado europeu e americano, China, Brasil e Índia sabem que as exportações aos países ricos devem ser freadas. Em 2012, a previsão dos europeus é de que comprarão 1,5% a menos do mundo que em 2011.
A resposta dos emergentes é também erguer barreiras, seja para salvar a balança comercial positiva, seja para compensar as perdas com as exportações. Ao Estado, funcionários do governo admitem que medidas de defesa comercial “não serão poupadas” em 2012, seja na forma de barreiras antidumping, incentivos locais ou salvaguardas. O chanceler Antonio Patriota evita a palavra protecionismo. Prefere justificar as decisões como forma de garantir “espaço para políticas públicas”.
A China, maior exportador do mundo, também admite que começa a perder com a volta da recessão nos países ricos. O ministro do Comércio, Deming Chen, deixou claro que o país “defenderá seus interesses”.
Lamy não mede as palavras para criticar as medidas “míopes” de governos e alerta que a segunda onda da crise é ainda mais perigosa que a primeira. “Para 2012, há poucos sinais de otimismo. O clima é ruim e vivemos tempos difíceis, com a pressão protecionista aumentando.”